ARTIGOS - Paulo Brossard*
Há uma semana, pouco mais, o STF pôs a pá de cal em velha controvérsia entre a União e a Varig, condenando a estatal a pagar pesada indenização à empresa. Fala-se em coisa de R$ 3 bilhões. O processo se arrastou mais de 20 anos e todas as delongas possíveis fazem parte do passado.
Tudo teria decorrido do congelamento imposto à Varig no tocante à atualização de suas fontes vitais, legais e contratuais. Desse modo, durante dois ou três anos, salvo engano, e inflação desenfreada, a empresa ficou impedida de reajustar o valor de seus serviços. O resultado foi o que não podia deixar de vir a ser. Decorrido esse longo período, os danos teriam chegado à cifra bilionária. Este o fato em sua expressão esquemática.
O caso em si mesmo é relevante, mas ele não se resume a duas entidades, uma estatal e a outra privada, pois enseja a apreciação de um aspecto por vezes ignorado. Entre nós, a administração, em vez de evitar abusos, por vezes, parece que deles se utiliza na esperança de ser salvo por obra do Espírito Santo e se esforça por empregar os possíveis recursos protelatórios, até que o litígio perdure por anos e a controvérsia termine com a decisão final transitada em julgado e com ela uma enorme dívida por saldar.
O congelamento de preços é medida rápida e fácil, mas não pode ser senão transitória, o mais breve possível; no entanto, dada a sua comodidade, tende a durar o que não deve e não pode. No caso, o resultado foi aprofundar um poço que aumentava dia a dia; a União esperando uma vitória forense que não chegou, enquanto isso, o poço cresceu implacavelmente e com ele o valor da indenização decorrente do abuso administrativo.
Sempre me pareceu que se o homem comum está sujeito às regras ditadas pela seriedade e boa-fé em suas relações civis, o Estado está a elas sujeito mais do que ninguém, exatamente por ser o Estado, no entanto, isso nem sempre ocorre. Outrossim, a Fazenda tem de ter um serviço jurídico modelar, pois se é verdade que ela tem um único cliente, este o maior do Brasil, que é a própria União; em condições de aconselhá-la pelo menos no plano judicial, seja no sentido de sustentar o seu alegado direito ou a recomendar que não insista em uma pretensão infundada e que pode resultar em onerosa. Aliás, recentemente governos estaduais têm orientado seus defensores judiciais a não recorrer ou não insistir nos feitos em que a jurisprudência dos tribunais superiores tenha consagrado orientação divergente da dos Estados.
Caso contrário, o Estado corre o risco de, ao cabo de certos litígios, ver-se em face de sanções irrecorríveis, como sucedeu com o caso da Varig.
Enfim, a boa-fé não faz mal a ninguém e a natural superioridade da União em relação aos litigantes em geral autoriza que o poder público se sirva da equidade para obter o que, às vezes, o império da lei não atinge.
Caso de excepcional gravidade, aliás, já denunciado e surpreendentemente sem repercussão proporcional, retornou ao noticiário. A compra pela Petrobras da malcheirosa refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006, ao que tudo indica ainda dará muito que falar e motivos não faltam.
*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF
Há uma semana, pouco mais, o STF pôs a pá de cal em velha controvérsia entre a União e a Varig, condenando a estatal a pagar pesada indenização à empresa. Fala-se em coisa de R$ 3 bilhões. O processo se arrastou mais de 20 anos e todas as delongas possíveis fazem parte do passado.
Tudo teria decorrido do congelamento imposto à Varig no tocante à atualização de suas fontes vitais, legais e contratuais. Desse modo, durante dois ou três anos, salvo engano, e inflação desenfreada, a empresa ficou impedida de reajustar o valor de seus serviços. O resultado foi o que não podia deixar de vir a ser. Decorrido esse longo período, os danos teriam chegado à cifra bilionária. Este o fato em sua expressão esquemática.
O caso em si mesmo é relevante, mas ele não se resume a duas entidades, uma estatal e a outra privada, pois enseja a apreciação de um aspecto por vezes ignorado. Entre nós, a administração, em vez de evitar abusos, por vezes, parece que deles se utiliza na esperança de ser salvo por obra do Espírito Santo e se esforça por empregar os possíveis recursos protelatórios, até que o litígio perdure por anos e a controvérsia termine com a decisão final transitada em julgado e com ela uma enorme dívida por saldar.
O congelamento de preços é medida rápida e fácil, mas não pode ser senão transitória, o mais breve possível; no entanto, dada a sua comodidade, tende a durar o que não deve e não pode. No caso, o resultado foi aprofundar um poço que aumentava dia a dia; a União esperando uma vitória forense que não chegou, enquanto isso, o poço cresceu implacavelmente e com ele o valor da indenização decorrente do abuso administrativo.
Sempre me pareceu que se o homem comum está sujeito às regras ditadas pela seriedade e boa-fé em suas relações civis, o Estado está a elas sujeito mais do que ninguém, exatamente por ser o Estado, no entanto, isso nem sempre ocorre. Outrossim, a Fazenda tem de ter um serviço jurídico modelar, pois se é verdade que ela tem um único cliente, este o maior do Brasil, que é a própria União; em condições de aconselhá-la pelo menos no plano judicial, seja no sentido de sustentar o seu alegado direito ou a recomendar que não insista em uma pretensão infundada e que pode resultar em onerosa. Aliás, recentemente governos estaduais têm orientado seus defensores judiciais a não recorrer ou não insistir nos feitos em que a jurisprudência dos tribunais superiores tenha consagrado orientação divergente da dos Estados.
Caso contrário, o Estado corre o risco de, ao cabo de certos litígios, ver-se em face de sanções irrecorríveis, como sucedeu com o caso da Varig.
Enfim, a boa-fé não faz mal a ninguém e a natural superioridade da União em relação aos litigantes em geral autoriza que o poder público se sirva da equidade para obter o que, às vezes, o império da lei não atinge.
Caso de excepcional gravidade, aliás, já denunciado e surpreendentemente sem repercussão proporcional, retornou ao noticiário. A compra pela Petrobras da malcheirosa refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006, ao que tudo indica ainda dará muito que falar e motivos não faltam.
*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF
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