sábado, 31 de março de 2018

Quando cessa o diálogo com as forças de conservação, sobram paus, pedras, ovos e tiros - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 30/03

Estamos à espera de que a morte de um Francisco Ferdinando nos conduza a uma tragédia catártica

Na vida pública, a violência se torna protagonista quando se interditam os caminhos da interlocução política ou quando atores beligerantes não reconhecem a legitimidade do Estado legal e de seus agentes, ainda que se viva num regime democrático. Nos “Anos de Chumbo”, na Itália, por exemplo, extrema esquerda e extrema direita mataram a esmo. Não é que o statu quo recusasse o diálogo. Os extremistas é que não admitiam como interlocutores os que falavam em nome da ordem. Ou por outra: cada bando armado, à sua moda, via na democracia a tibieza e a inutilidade de uma força procrastinadora, incapaz de responder aos anseios de sua particularíssima visão de justiça.

Também a França e a então Alemanha Ocidental assistiram ao surgimento dessas virulências, que um porra-louca como Slavoj Zizek, hoje, chama de “disruptivas”. Não por acaso, ao cantar em livro as glórias do jacobinismo, a despeito de sua tara homicida, o doutor nos convida a considerar uma tradição da esquerda que remonta, com efeito, ao tempo em que a guilhotina se tornou o melhor argumento: a construção de um novo homem implica a amoralidade da utopia.

Como esquecer o Trótski de “A Nossa Moral e a Deles” a indagar, ainda que de modo oblíquo, se a luta contra o fascismo na Guerra Civil Espanhola poderia poupar mulheres, velhos e crianças. Não lhe ocorreu que se pode enfrentar o inimigo de modo escrupuloso.

Falemos do ambiente nativo. Ainda hoje, boa parte da “intelligentsia” universitária brasileira, de esquerda, entende que o padrão necessariamente conservador de um regime democrático —conservador de instituições, não de iniquidades— trapaceia como elemento de coesão a abrigar as diferenças. Ela o vê como força dissuasiva da disposição de luta dos deserdados, que, na escatologia desses bambas, ainda herdarão a Terra. É uma mistura de marxismo com cristianismo, de Lênin com água benta.

A extrema direita, por sua vez, repudia as forças de coesão, pespegando-lhes a pecha de tolerantes com a desordem, com os bandidos, com os agressores dos “valores da família”, com os corruptos.

Apelo a momentos um tanto dramáticos e a alguma literatura política porque a vulgaridade ágrafa ameaça sufocar qualquer pensamento complexo. Estamos, para ainda continuar nas alturas, vivendo dias de sonâmbulos, aqueles de Christopher Clark, à espera de que a morte de um Francisco Ferdinando qualquer, nos recônditos de uma Sarajevo qualquer, nos conduza a uma tragédia catártica. E, depois de tudo, talvez então nos perguntemos: “Como foi que fizemos isso?”

A Lava Jato poderia ter sido a frente saneadora do sistema, combatendo os elementos patogênicos nele infiltrados, de tal sorte que a força coatora do Estado atuasse em favor do que chamo de “elemento de coesão”.

Em vez disso, procuradores e policiais federais deixaram de produzir provas —e juízes deixaram de exigi-las— e passaram a produzir teoria política, ainda que seu projeto de poder não alcance além das cercanias das forças de repressão. E, nessa perspectiva, o Estado de Direito se tornou a sua principal vítima. Os bandidos até podem sobreviver sob a nova ordem que se pretende implementar —sobretudo se fizerem delação —, mas não a presunção de inocência, o habeas corpus e o devido processo legal.

À esquerda, o PT e seus satélites repetem o mantra mentiroso de que está em curso uma conspiração para obstar as tais forças disruptivas. À direita, uma miríade de oportunistas e de grupelhos de pressão —são tão estranhos ao liberalismo como é o carvão ao diamante—reivindicam o Estado Leviatã, pouco importando o direito de defesa e as garantias legais, tomados como atentados aos anseios da maioria e à segurança da sociedade. Temos uma direita impregnada de coletivismo tóxico.

O diálogo com as forças de conservação de instituições e de coesão está interditado, e o único protagonista reconhecido como legítimo, inclusive por amplos setores da imprensa, é o “Partido da Polícia”.

Quando isso acontece, desaparecem as categorias políticas. Em seu lugar, entram paus, pedras, ovos. E tiros.

Reinaldo Azevedo

Jornalista, escreveu, entre outros, 'O País dos Petralhas' e 'Máximas de um País Mínimo'.

Exemplo a evitar 

- ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 30/03

Acusações e alegações não deviam vir a público antes da certeza jurídica do crime praticado


Dias atrás, sem o merecido destaque, os jornais, rádios e televisões veicularam a notícia de que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do inquérito que investigava o senador José Serra. Em casos como esse, quando o próprio Ministério Público desiste de formular a denúncia, pode-se concluir que a acusação era infundada e o acusado sofreu prejuízo irreparável, uma vez que foi enorme a publicidade da acusação e bastante discreta a divulgação da ausência de culpa.

Aquela acusação, partida do malfeitor Joesley Batista, relatava irregularidades que envolveriam a prestação de contas à Justiça Eleitoral durante campanha do senador à Presidência da República. Serve o episódio para demonstrar o risco de lançar na fogueira pessoas acusadas de delitos que dependem de comprovações futuras, as quais podem ser confirmadas ou não.

Espera-se uma reflexão mais apurada das autoridades encarregadas das acusações de crimes de colarinho-branco, os quais provocam justificado repúdio da população. A divulgação desses crimes (que ainda serão apurados) acende os refletores e projeta os acusadores, vistos muitas vezes como exemplo. Mas tal conduta merece ponderação, porque não deveriam ser tornadas públicas acusações envolvendo pessoas quando a comprovação dos fatos no inquérito depende da obtenção de provas que nem sempre estão à mão.

A rigor, acusações e alegações não constituem meios de prova e não deveriam, portanto, vir a público antes de haver certeza jurídica do crime praticado pelo acusado. Isso, infelizmente, vem se verificando e causando prejuízos irreparáveis, como o sofrido pelo senador José Serra.

O objetivo de investigar e apontar o autor de um delito sempre teve por base, em nosso país, a segurança da ação da Justiça e do próprio acusado. Mas nos últimos tempos tal atividade acabou assumida, de forma misturada, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, de tal sorte que com frequência vazam informações que parecem de encomenda, ou seja, aparentam ser destinadas a atingir esta ou aquela pessoa. Não se pode perder de vista que a polícia judiciária tem o dever de reunir as provas preliminares e suficientes para apontar, com a necessária segurança, a ocorrência do crime e o seu autor.

Essa atividade é regulamentada por leis penais e pela Constituição federal, motivo suficiente para que seja exercida com equilíbrio e moderação, uma vez que o eventual ajuizamento de ação penal contra alguém provoca um dano, muitas vezes irreparável, à pessoa. Não se deve aceitar essa conduta leviana, talvez estimulada por vaidades ou inconformismos pessoais, que resulte no lançamento de denúncias e mais denúncias, que podem ser comprovadas ou não.

A investigação realizada pela polícia judiciária não pode correr o caminho equivocado de basear-se em exame pré-constituído de legalidade e permitir que os fatos ali em apuração se tornem públicos e atinjam a moralidade de uma pessoa, mesmo em se tratando de uma espécie de seres hoje em baixa – os políticos.

Da mesma forma como José Serra foi acusado e praticamente absolvido, imagine-se como ficará o Ministério Público Federal caso a quebra do sigilo bancário do presidente Michel Temer chegue ao mesmo desfecho, ou seja, que a denúncia seja considerada um erro. Não se devem nunca imaginar desfechos para inquéritos em curso, mas é forçoso reconhecer que Michel Temer, após longa carreira na política e como jurista, provavelmente não teria a ingenuidade de deixar em suas contas bancárias evidências de conduta inadequada e até mesmo criminosa.

A denúncia provocou-lhe forte abalo, mas não somente ele sofreu com sua divulgação: também o País acabou atingido, com reflexos negativos na economia. É possível imaginar que nem mesmo provas seguras, irrefutáveis, seriam suficientes para permitir a quebra do sigilo nos autos e o enxovalhamento prévio de um presidente da República. Será que existem essas provas? E se existem, tratando-se de assunto de tanta relevância, por que não foram claramente expostas?

A rigor, os juízes, e também os ministros dos tribunais superiores, confiam nas provas produzidas em juízo porque o inquérito policial, não estando submetido ao contraditório, presta-se muitas vezes a concluir por acusações injustas e temerárias, ao gosto de quem o está presidindo. Já perante o juiz o panorama é outro, porque as provas são produzidas à sua frente, de conformidade com o devido processo legal e a ampla defesa. Essas as razões pelas quais os juízes, fundados no contraditório, não deixam vazar informações tão relevantes como a quebra de sigilo bancário, sobretudo quando o vazamento incompleto não permite à população saber o que realmente acontece, além de causar prejuízo moral a quem é atingido.

O Supremo Tribunal Federal sempre entendeu que a ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário em situações excepcionais. Mas, como implica a restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional, é imprescindível demonstrar previamente a necessidade das informações solicitadas, com o estrito cumprimento das condições legais autorizadoras.

A Constituição federal acolheu o princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato – enfim, não se pode impor ao mesmo réu uma segunda condenação. No caso da denúncia feita contra o presidente Michel Temer, a ofensa moral representada por tornar pública a quebra de seu sigilo bancário, assunto que por sua natureza deveria ser reservado aos olhos apenas do juiz, equivale a uma condenação das mais graves, dada a enorme repercussão pública. 

*DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte!


 - REINALDO AZEVED

REDE TV/UOL - 28/03O


Tiros atingem ônibus da caravana de Lula no PR; marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte!

A marcha da irresponsabilidade está em curso no país. Atinge o Poder Judiciário, que está na raiz de conflitos de rua, os políticos e setores da imprensa. O episódio mais grave se deu nesta terça feira. Tiros atingiram um dos ônibus da caravana de Lula no Sul do país. Aconteceu na estrada entre Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná. O veículo conduzia blogueiros ligados ao PT e alguns repórteres estrangeiros. Um argentino e um alemão estavam no veículo.

Quem atirou? Será preciso apurar, claro!, mas todos sabem que dificilmente se chegará à autoria. Dia desses afirmei neste blog e também no programa “O É da Coisa”, na BandNews FM, que o capeta escuta as más orações, mesmo que dirigidas a Deus. É claro que se trata de linguagem figurada. O que quero dizer com isso? A retórica violenta, exacerbada, irresponsável mesmo, pode ter consequências.

Canalhas que hoje incentivam a violência com seu discurso asqueroso em blogs, sites, redes sociais e programas de rádio têm de se lembrar que existem malucos dispostos a levar as suas perorações às ultimas consequências. Sempre me opus aos métodos violentos adotados por movimentos como o MST e o MTST. Meu blog vai completar 12 anos no dia 24 de junho. Basta recorrer ao arquivo. E lembrei isso aqui ao censurar as manifestações violentas de adversários do PT contra a caravana liderada por Lula.

Há uma grande diferença entre organizar um grupo para vocalizar palavras de protesto contra o ex-presidente — e isso é parte do jogo democrático — e atacar os ônibus que conduzem petistas com paus, pedras e ovos, tentando impedir a passagem dos veículos. Isso é pra´tica fascistoide. Como sempre foi a dos movimentos citados, que serviam e servem de esbirros do petismo.

As teorias conspiratórias estão à solta, não é? Daqui a pouco recomeça o debate para saber se quem incendiou Roma foi Nero ou se foram os cristãos, para depois botar a culpa no imperador. Ou por outra: aqueles que estavam aplaudindo a violência contra a caravana agora levantam a hipótese — sempre no bueiro do capeta em que se transformaram as redes sociais — de que os próprios petistas atiraram nos veículos para jogar a culpa nos adversários.

Que se investigue. Parece-me que a hipótese não passa de mais um discurso aloprado no meio da insanidade que toma conta do debate público. Até porque os petistas estão, desta feita, verdadeiramente assustados, o que não quer dizer que não vão buscar obter dividendos políticos e até eleitorais com o episódio. Segundo um dirigente, pela primeira vez, a cúpula do partido considera que pode haver pessoas dispostas a matar Lula. E, dadas a forma das caravanas e a violência retórica que tomou conta do ambiente, não seria necessária uma conspiração para esse fim; bastaria o ato tresloucado de um extremista embalado pela onda de sectarismo.

Há tempos tenho chamado a atenção, voz quase solitária até na grande imprensa, para a estupidez em curso no Brasil, que consiste em fazer pouco caso do aparato legal e das regras do jogo. Na manhã desta terça, no dia do ataque a tiros contra o ônibus, escrevi um texto cujo título é este: “Cármen Lúcia, a Toda-Pura do Supremo, não se deu conta de que suas omissões podem ter versão em confrontos de rua. Voto já!”.

No segunda, havia escrito um outro. Título: “Populismo de ministros do STF que deixam pra lá Constituição e bom senso colabora para a intolerância de paus, pedras e ovos”.

Eu tenho, sim, um remédio para pôr ordem na casa. Polícia para quem precisa de polícia. E cumprimento estrito no que está na Constituição. É preciso conter a desordem nas ruas e nos tribunais.

Tesouro, confiança e juros 


- EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 29/03

O Tesouro Nacional, um dos campeões de endividamento na categoria dos emergentes, já se beneficia da redução de juros. Com dinheiro mais barato, tem sido possível baixar o custo médio da dívida federal e melhorar sua trajetória. A dívida continua em crescimento, naturalmente, e assim continuará enquanto o governo for incapaz de gerar superávit suficiente para pagar a conta anual de juros e, em seguida, amortizar o principal. Para isso será necessário um esforço considerável de ajustes e reformas. Quanto mais adiado e retardado esse esforço, tanto pior para as finanças públicas, para os programas de governo, para o crescimento econômico e para o bem-estar da maior parte dos brasileiros. Por enquanto, as boas notícias podem ser muito limitadas, mas sua mensagem mais importante é bastante clara: a seriedade compensa e ninguém deveria levar a sério as promessas de delícias sem custo do populismo.

A dívida pública federal atingiu R$ 3,53 trilhões, com crescimento nominal de 1,53% em um mês. O aumento decorreu da emissão líquida de R$ 28,51 bilhões e da apropriação de juros no valor de R$ 25,55 bilhões. Os novos títulos foram emitidos com o custo de 10,01% ao ano, o menor desde abril de 2010, quando a taxa média ficou em 9,79%.

A parcela correspondente à dívida mobiliária interna foi emitida com juros de 9,1% ao ano, os menores desde o início da série em dezembro de 2005. O custo médio de emissão da dívida mobiliária interna caiu pelo sétimo mês consecutivo. Há razões para esperar quedas adicionais do custo financeiro suportado pelo Tesouro.

Com a inflação abaixo das previsões, o Banco Central (BC) voltou a reduzir a taxa básica de juros, a Selic, na última reunião. Nessa ocasião, a taxa passou de 6,75% para 6,50% ao ano, um piso histórico. Ao anunciar esse corte, o Comitê de Política Monetária do BC, o Copom, indicou a possibilidade de uma nova diminuição em maio. Nesse caso, os juros básicos deverão chegar a 6,25%.

Os cortes da taxa básica foram iniciados em outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%. Os juros atuais correspondem a menos de metade daqueles em vigor naquele momento. Os novos dirigentes do BC, nomeados depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, continuaram elevando a taxa durante algum tempo para derrubar com segurança a inflação. No começo daquele ano os preços ao consumidor acumulavam alta superior a 10% em 12 meses.

Essa alta refletia uma ampla desorganização da economia, com as contas públicas em frangalhos e sem perspectiva de recuperação, oferta de bens industriais comprometida pela recessão, contas externas em mau estado e insegurança disseminada em todos os setores. O aperto monetário, iniciado na gestão anterior, continuou indispensável por algum tempo, mas o recuo da inflação é explicável também pelo início da política de arrumação fiscal. A nova atitude do governo favoreceu o ressurgimento da confiança no futuro da economia.

A ampla mudança no cenário de inflação e de juros, a partir daquele momento, reflete-se tanto nos custos quanto na composição da dívida. De janeiro para fevereiro a parcela com remuneração prefixada aumentou de 33,80% para 34,33%. A participação dos títulos corrigidos com base em índices de preços diminuiu de 30,17% para 29,66%. O resto corresponde essencialmente aos papéis com juros flutuantes. Os efeitos da inflação contida e ainda com perspectiva de baixa e dos juros diminuídos têm sido visíveis, há algum tempo, nas escolhas dos compradores de títulos federais.

A disposição dos financiadores do governo pode mudar, no entanto, se aumentarem as dúvidas quanto à continuidade dos ajustes e reformas. A advertência, formulada por técnicos do Tesouro, é quase redundante. Assim como as boas expectativas do mercado têm facilitado a gestão da dívida pública, a redução da confiança produzirá em pouco tempo o efeito oposto. Desnecessária para o mercado, a mensagem vale para os políticos e, muito especialmente, para os candidatos às eleições deste ano.

Morrer na praia 

- WILLIAN WAACK

ESTADÃO - 29/03

O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).

Mas a mais grave característica em comum a grandes crises é a deterioração daquilo que numa sociedade até certo ponto se aceitava, bem ou mal, como algum tipo de autoridade – sobretudo a moral. Avança um fenômeno de percepção negativa, e de perda de confiança, que chegou também a órgãos da Lava Jato, a conglomerados econômicos, à imprensa (especialmente os mais poderosos), a instituições religiosas e, recentemente, de maneira espetacular, ao Supremo Tribunal Federal. O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

No Brasil é palpável, embora bastante subjetivo, o generalizado desejo de mudança, a indignação com a corrupção, o clamor por algo diferente – e eu me arrisco a dizer, a vontade também de enxergar alguma ordem (no sentido de direção e estabilidade). Sou obrigado a reconhecer, porém, que nossa história recente exige uma tremenda dose de paciência de todos os que ardem por mudanças. Pois temos o costume (cada um julgue se é positivo ou negativo) da “acomodação”.

Na saída da ditadura queríamos Diretas-Já, mas nos acomodamos a esperar o voto direto para cinco anos depois. Nos acomodamos à inflação, que domamos depois de uma década perdida. Nos acomodamos a uma reforma de Estado feita apenas em parte e, com gosto, nos acomodamos ao populismo fiscal irresponsável – e aos encantos de seu marketing executado com dinheiro publico desviado – que precisou de um desastre para ser tirado do poder.

Às vezes parece que para nós, brasileiros, o insustentável (como a violência) é o nosso jeito de ser. Ocorre que esse grande e caudaloso rio querendo mudanças vai se chocar nas eleições em outubro com grandes obstáculos formados por um eleitorado em boa medida apático e desanimado, pelo domínio do aparelho de Estado por grupos corporativos públicos e privados (empresas e partidos), pela percepção de que, no filme de faroeste brasileiro, até o mocinho às vezes só parece querer cuidar do dele. A imagem de grandes quantidades de água em movimento, como algo ao qual ninguém resiste, é uma das mais usadas para descrever mudanças desde que historiadores existem.

Mas morrer na praia é um grande provérbio popular.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte!


 - REINALDO AZEVEDO

      REDE TV/UOL - 28/03

Tiros atingem ônibus da caravana de Lula no PR; marcha da insensatez está em curso; polícia para quem precisa e ordem na corte!

A marcha da irresponsabilidade está em curso no país. Atinge o Poder Judiciário, que está na raiz de conflitos de rua, os políticos e setores da imprensa. O episódio mais grave se deu nesta terça feira. Tiros atingiram um dos ônibus da caravana de Lula no Sul do país. Aconteceu na estrada entre Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná. O veículo conduzia blogueiros ligados ao PT e alguns repórteres estrangeiros. Um argentino e um alemão estavam no veículo.

Quem atirou? Será preciso apurar, claro!, mas todos sabem que dificilmente se chegará à autoria. Dia desses afirmei neste blog e também no programa “O É da Coisa”, na BandNews FM, que o capeta escuta as más orações, mesmo que dirigidas a Deus. É claro que se trata de linguagem figurada. O que quero dizer com isso? A retórica violenta, exacerbada, irresponsável mesmo, pode ter consequências.

Canalhas que hoje incentivam a violência com seu discurso asqueroso em blogs, sites, redes sociais e programas de rádio têm de se lembrar que existem malucos dispostos a levar as suas perorações às ultimas consequências. Sempre me opus aos métodos violentos adotados por movimentos como o MST e o MTST. Meu blog vai completar 12 anos no dia 24 de junho. Basta recorrer ao arquivo. E lembrei isso aqui ao censurar as manifestações violentas de adversários do PT contra a caravana liderada por Lula.

Há uma grande diferença entre organizar um grupo para vocalizar palavras de protesto contra o ex-presidente — e isso é parte do jogo democrático — e atacar os ônibus que conduzem petistas com paus, pedras e ovos, tentando impedir a passagem dos veículos. Isso é pra´tica fascistoide. Como sempre foi a dos movimentos citados, que serviam e servem de esbirros do petismo.

As teorias conspiratórias estão à solta, não é? Daqui a pouco recomeça o debate para saber se quem incendiou Roma foi Nero ou se foram os cristãos, para depois botar a culpa no imperador. Ou por outra: aqueles que estavam aplaudindo a violência contra a caravana agora levantam a hipótese — sempre no bueiro do capeta em que se transformaram as redes sociais — de que os próprios petistas atiraram nos veículos para jogar a culpa nos adversários.

Que se investigue. Parece-me que a hipótese não passa de mais um discurso aloprado no meio da insanidade que toma conta do debate público. Até porque os petistas estão, desta feita, verdadeiramente assustados, o que não quer dizer que não vão buscar obter dividendos políticos e até eleitorais com o episódio. Segundo um dirigente, pela primeira vez, a cúpula do partido considera que pode haver pessoas dispostas a matar Lula. E, dadas a forma das caravanas e a violência retórica que tomou conta do ambiente, não seria necessária uma conspiração para esse fim; bastaria o ato tresloucado de um extremista embalado pela onda de sectarismo.

Há tempos tenho chamado a atenção, voz quase solitária até na grande imprensa, para a estupidez em curso no Brasil, que consiste em fazer pouco caso do aparato legal e das regras do jogo. Na manhã desta terça, no dia do ataque a tiros contra o ônibus, escrevi um texto cujo título é este: “Cármen Lúcia, a Toda-Pura do Supremo, não se deu conta de que suas omissões podem ter versão em confrontos de rua. Voto já!”.

No segunda, havia escrito um outro. Título: “Populismo de ministros do STF que deixam pra lá Constituição e bom senso colabora para a intolerância de paus, pedras e ovos”.

Eu tenho, sim, um remédio para pôr ordem na casa. Polícia para quem precisa de polícia. E cumprimento estrito no que está na Constituição. É preciso conter a desordem nas ruas e nos tribunais.

Democracia e controle do Judiciário 

- FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 28/03

No modelo de ‘eleições de retenção’, juiz só se mantém na função se o povo se disser satisfeito

Teve Atenas e teve Roma. Uma fracassou porque não chegou a inventar o recurso à representação, a outra porque inventou a democracia representativa, mas não a fórmula para submeter de fato o representante à vontade dos seus representados. É nesse mesmo “brejo” que nós chafurdamos com 1.500 anos de atraso. Brasília não enxerga os confins do “império”. Os confins do “império” não enxergam Brasília, que só age e legisla em causa própria. E assim os “bárbaros”, de caneta ou de fuzil na mão, nos vão mergulhando na barbárie.

A democracia.3.1 fechou o século 18 afirmando que quem devia mandar era o povo e nenhum poder e nenhum dinheiro poderiam, mais, ser outorgados por um homem a outro homem. Só o que fosse consequência do esforço individual e do merecimento seria aceito. Sendo assim, passaram a eleger diretamente a maioria dos funcionários antes nomeados por políticos de modo a torná-los mais suscetíveis aos destinatários finais dos seus serviços e sujeitos a cobranças e demissões ainda que blindados contra a politicagem.

Mas logo descobriram que quatro anos podiam ser muito, muito tempo. A democracia.3.2 abriu o século 20 estendendo os poderes do cidadão-eleitor para antes e para depois do momento das eleições de modo a dar ampla efetividade ao controle por ele exercido sobre os atos dos seus representantes e funcionários eleitos. Afirmou também, em paralelo, que a liberdade individual é exercida na nossa dimensão de produtores e consumidores e não pode ser garantida senão pela competição entre patrões e fornecedores pela nossa preferência e que, portanto, este devia ser o limite da recompensa econômica ao desempenho individual.

O controle do Judiciário foi sempre o passo mais difícil em cada etapa dessas reformas. Apesar de todas as razões que tornam desejável a independência desse Poder, durou pouco mais de 50 anos, nos Estados Unidos, o sistema de nomeação de juízes que copiava o sistema dos reis europeus (o nosso). Ainda que essa nomeação fosse para uma função vitalícia “enquanto (o agraciado) se comportasse bem”, faltava inventar uma maneira de dar consequência prática a essa ressalva retórica. Na falta dela, a corrupção pegou forte no Poder que podia decidir sobre a liberdade e os bens alheios.

Em 1832 o Estado do Mississippi passou a eleger diretamente os seus juízes. O argumento dos que são contra esse sistema é que obrigá-los a fazer campanha eleitoral deixa os juízes “sujeitos ao poder econômico”. O argumento dos a favor é que “sujeito ao poder econômico todo mundo está” e que, com todos os inconvenientes considerados, eles preferiam que os seus juízes sujeitos ao poder econômico pudessem ser “deseleitos” se dessem sinais dessa sujeição. Até 1861, quando começou a guerra civil, 24 dos 34 Estados da União da época já tinham aderido a esse sistema. 

Houve um momento também em que eles consideraram seriamente sujeitar à cassação por referendo apenas as sentenças judiciais que revertessem reformas políticas. O país estava vivendo a sua mais profunda crise, em tudo semelhante à do Brasil de hoje. Tinha passado por um processo de urbanização violento, as cidades estavam à beira do caos, mergulhadas na miséria e no crime, a industrialização tinha dado um poder de corrupção gigantesco a empresários que, mancomunados com juízes e políticos que controlavam havia décadas as máquinas partidárias, impediam a renovação da política e revertiam toda reforma que se conseguia nos Estados e municípios. A campanha de Theodore Roosevelt por um terceiro mandato, em 1912, que abraçava essa bandeira, resumia o sentido da reforma que o ex-presidente empurrara durante dois mandatos anteriores e vinha conquistando o país, cidade por cidade, Estado por Estado, desde a virada do século 19 para o 20: voto distrital puro para amarrar cada representante aos seus representados, eleições primárias diretas para abrir a política à renovação, recall de políticos e funcionários a qualquer momento, referendo das leis dos Legislativos, abertura às leis de iniciativa popular. Começando por Los Angeles em 1903, as inovações vinham do Oeste, onde se estavam fixando os novos self-made men, para o Leste, onde os “interesses especiais” de velhas curriolas estavam enraizados havia mais tempo. A base dessa proposta era que o povo tem o direito de escolher o regime político sob o qual quer viver e, portanto, esse tipo de decisão não devia ser revogável por juízes sem mais apelação.

Eles só conseguiram uma solução intermediária satisfatória a partir de 1940, quando o Estado do Missouri instituiu as “eleições de retenção” de juízes (retention elections). Nesse modelo os juízes continuam a ser selecionados, seja por conselhos especialmente constituídos, seja pelos governadores com confirmação dos Legislativos. Mas só se mantêm na função enquanto o povo, destinatário da justiça que fornecem, se disser satisfeito com o que recebe. Hoje 20 Estados, a cada quatro anos, incluem nas cédulas das eleições majoritárias, ao lado de tudo mais em que se vota diretamente lá (leis de iniciava popular, referendos de leis dos Legislativos, mudanças em impostos, emissão de dívida pública, recall de funcionários, etc.), o nome de todos os juízes da jurisdição de cada eleitor (cíveis e criminais, de primeira instância ou das Supremas Cortes estaduais, equivalentes aos nossos STJs) a pergunta: “O juiz fulano de tal deve permanecer mais quatro anos no cargo”? “Sim” ou “não”. Se vencer o “não”, o juiz é destituído e o sistema põe outro no lugar. Um terço dos juízes americanos ainda são diretamente eleitos e muitos Estados combinam esse sistema ou o de nomeações com as retention elections. Mas juiz onipotente não existe mais em lugar nenhum.

Como na vida real manda quem tem o poder de DEMITIR, nas democracias de verdade quem tem o poder de demitir todo e qualquer servidor público a qualquer momento é o povo. Sem esse direito elementar, todo o resto da conversarada sobre “democracia” é pura tapeação.

*JORNALISTA

Uma foto da ruína para o novo presidente


 - VINICIUS TORRES FREIRE

    FOLHA DE SP - 28/03

Discussão econômica quase sai da conversa pública, mas problema graves perduram

NO PAÍS que desceu ao fundo do maior buraco recessivo em mais de 30 anos e ainda se arrasta para sair das profundezas desse inferno, não houve revoltas de sentido socioeconômico. Depois da falação de reformas de 2016-17, a economia está quase ausente do debate público.

As manobras de sobrevivência da elite política, a multiplicação de candidaturas aventureiras, arremedos de acordão e mumunhas da casta burocrática em geral ocupam a conversa, além das batalhas culturais nas redes insociáveis.

Os números deste início de 2018, que confirmam a lerdeza da retomada, tampouco causam maiores protestos. Na verdade, não servem de mote nem para campanhas políticas ou ataques da oposição, na prática morta.

Um balanço rápido da economia no primeiro trimestre, no entanto, dá pano para a manga dos problemas que o próximo governo vai enfrentar daqui a nove meses ou menos, pois espera-se que os eleitos comecem a tomar conta da casa caída já em novembro.

Neste início do ano vê-se que o emprego formal reage em velocidade abaixo da crítica, mau sinal para o aumento da renda e para a arrecadação de impostos. O crédito bancário continua a encolher, como ocorre desde setembro de 2015 (em bases anuais).

A arrecadação do governo federal dá sinais de vida, embora um tanto inflada por receitas extraordinárias, depois de baixar desde novembro de 2014 (em bases anuais também). A despesa com investimento parece se estabilizar, mas caiu à metade do que era em 2014. O pessoal da Fazenda fez um esforço considerável de arrumar e explicitar as contas públicas arruinadas, mas o gasto com Previdência e pessoal ainda cresce a quase 6% ao ano acima da inflação, em termos reais, enquanto os demais gastos do governo encolhem 14%.

Trocando em miúdos. Em um ano, a despesa com Previdência e pessoal cresceu cerca de R$ 45 bilhões, o equivalente a tudo o que o governo despende, por ano, em obras e outros investimentos.

Desde o pico da crise, o país perdeu uns 2,8 milhões de empregos formais (para nem contar uns mais de 2 milhões que deixaram de ser criados). No ritmo em que por ora vamos neste 2018, vão-se recuperar uns 700 mil com carteira. Ainda teremos anos de precarização do trabalho.

Mesmo descontado o efeito do enxugamento dos bancos públicos, o crédito mal cresce. As taxas de juros, que desciam lentamente dos Himalaias, pararam de cair mais ou menos desde novembro do ano passado.
Além dos defeitos sistêmicos do crédito no Brasil (garantias, cadastros de crédito etc.), há algum problema grave nos bancos, assunto para outro dia, mas um rolo grande o bastante para figuras insuspeitas do mercado começarem a chiar em público sobre a concentração bancária, nome bonito para oligopólio daninho.

É um país em crise de emprego formal, precarização ainda crescente do trabalho, aumento real de salários que parece desacelerar, estoque de crédito em baixa de quase três anos e juros congelados nos picos altos. O Orçamento federal é progressivamente comido por gastos com Previdência e pessoal; ao final de 2019, por aí, mal haverá tostões para reparar a infraestrutura que, sempre escassa, agora vai sendo arruinada sem limite.

Onde estamos com a cabeça?

Abrir é preciso 


- MONICA DE BOLLE

    ESTADÃO - 28/03

Quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer
A imprensa brasileira noticiou, mas a repercussão também foi grande entre os jornais internacionais de grande circulação. O New York Times e o Wall Street Journal, entre outros, fizeram excelentes matérias sobre o igualmente excelente estudo produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) intitulado “Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico”. Trata-se de relatório com evidências conclusivas sobre os benefícios que a maior abertura do comércio trariam ao País.

É certo que, de um lado, discutir abertura comercial em momento de rompantes protecionistas mundo afora, sobretudo na maior economia do planeta, os EUA, não é fácil. Por outro lado, como mostraram os países integrantes do repaginado Acordo Transpacífico (TPP), agora conhecido por sua nova sigla, CPTPP, é possível avançar na integração do comércio e do investimento sem a liderança dos Estados Unidos.

Mais do que isso, neste momento em que o governo Trump prepara medidas duras contra a China, e a China finca posição, é importante que países se protejam dos projéteis não fugindo do comércio, mas aderindo a ele. Afinal, a verdade é que ainda que ocorra algo da guerra comercial que todos hoje temem, o mundo e a indústria já não funcionam mais com peças isoladas. Ao contrário, a simbiose é completa. Não à toa, multinacionais americanas que dependem do comércio com empresas chinesas fabricantes de partes, componentes, e tecnologia, tão assustadas estão com a perspectiva de que a quixotesca guerra de Trump acabe tendo inúmeras consequências indesejáveis para os empregos, para o investimento, para o crescimento dos EUA.

Voltando ao Brasil, o relatório da SAE traz dados e números reveladores da extensão do isolamento brasileiro. Traz, também, análise lúcida sobre os efeitos que teria uma redução horizontal de nossas barreiras comerciais sobre a economia brasileira. Pode-se discutir uma ou outra hipótese, mas os resultados falam por si: tirar o Brasil do autoisolamento criaria empregos, traria investimentos, melhoraria as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País.

Basta olhar para todos os países asiáticos que souberam usar a abertura comercial a seu favor – o Japão nos anos 50, a Coreia e Taiwan nos anos 60 e 70, a China nos anos 90 e 2000. Durante as diferentes fases em que essas economias se abriram, o crescimento veio de forma rápida, forte, e sustentável. Na contramão, o Brasil e outros países latino-americanos, amarrados ao velho modelo de substituição de importações e de reserva de mercado, jamais obtiveram sucesso que chegasse aos pés do que se viu do outro lado do mundo.

Ainda cambaleante após a recessão de 2015-2016 e sem grandes perspectivas pela frente, o momento é particularmente oportuno para discutir a abertura brasileira. Há poucas semanas, a Camex reduziu temporariamente para zero as alíquotas sobre mais de 780 produtos que não têm equivalente nacional. A medida é bem-vinda, mas há que se fazer mais. O governo cogita a adoção de uma ampla redução de tarifas de importação de bens de capital mais abrangente e de caráter permanente, afetando não apenas produtos que não possuem equivalente nacional, mas também aqueles que o Brasil hoje produz. Evidentemente, há quem não tenha gostado da ideia, chamando-a de polêmica.

Mas para além dos interesses desses grupos, para os quais as tarifas reduzidas levariam ao enfrentamento de problemas de falta de competitividade, estão os interesses do País. É bem conhecida a relação entre importações de bens de capital e investimento: quanto maior a capacidade de importar esses produtos, mais se investe. E quanto mais se investe, mais se aumenta a capacidade produtiva e, portanto, mais é possível crescer.

A taxa de investimento do Brasil, hoje, é de míseros 15,6% – muitos pontos porcentuais aquém dos almejados 20% a 25% compatíveis com altas do PIB de 4% a 5%. A ambiciosa redução de tarifas proposta pelo governo tornaria mais barato importar máquinas e equipamentos, incentivando o investimento, além de ajudar a promover transferências de tecnologia de que tanto necessitamos para aumentar a produtividade.

Abrir é preciso. Lutar contra o óbvio não é preciso. 


* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

O protecionismo é um fiasco, ajuda o protegido, mas a um custo enorme para o país 


- ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/03

Suspeitos de sempre já começam a se movimentar para barrar redução de tarifas de importação

Por qualquer métrica que se escolha o Brasil permanece como uma das economias mais fechadas do mundo no que se refere ao comércio global.

Em que pesem características como a dimensão continental do país e custos de transporte, resta pouca dúvida de que a baixa integração comercial com o resto do mundo decorre de uma posição protecionista há muito enraizada.

É verdade que as tarifas médias de importação caíram bastante entre 1990 e 1995 (de 40% para 15% no que se refere a manufaturas) e um pouco mais até 2003 (para os atuais 10%, ante cerca de 3% na média global), mas depois disso não demos nenhum passo adicional no sentido de liberalizar o comércio exterior. Pelo contrário, foram tomadas medidas de proteção, como exigências de conteúdo nacionalpara equipamentos destinados à exploração de petróleo, para citar apenas o caso mais gritante.

Existem evidências de que a redução da proteção nos anos 1990 resultou em crescimento expressivo da produtividade no país, como registrado por Marcos Lisboa, Naércio Menezes Filho e Adriana Schor. Por outro lado, a produtividade estagnou no período mais recente, fenômeno que, se não pode ser integralmente atribuído ao fechamento da economia, deve ter nele ao menos parcela relevante da responsabilidade.

Há, contudo, iniciativas para começar a reverter essse quadro desolador, em particular a proposta de redução das tarifas de importação de bens de capital, informática e telecomunicações de 14% para 4% em média.

Tal medida, se levada a termo, deveria reduzir o custo do investimento, não apenas colaborando para a retomada da economia mas também para aumento da produtividade de trabalho e, provavelmente, ainda para a produtividade geral, pela incorporação de tecnologia mais avançada a custos mais baixos.
Como seria de esperar, contudo, os suspeitos de sempre já começaram a se movimentar para barrar a ideia, apresentando dois argumentos.

Um deles é de política comercial: a redução unilateral de tarifas nos deixaria com menos “fichas” para trocar no caso de uma negociação com a União Europeia. Melhor seria, segue a toada, guardá-la para a negociação mais à frente.

Além de velho, trata-se de um falso argumento. A começar porque quem o formula jamais apoiou a negociação com a UE; trata-se apenas de chicana, para usar um termo em voga. Mais importante, porém, é que o beneficiário principal da redução de tarifas não será o exportador europeu, mas o importador brasileiro, assim como o perdedor no caso de a UE não reduzir as tarifas para o produto brasileiro será o consumidor europeu.

O outro argumento, quase tão antigo quanto o primeiro, é o “custo Brasil”, ou seja, o encarecimento do produto nacional por problemas que se originam desde a logística até a tributação. Ora, é precisamente esse o motivo pelo qual se defende a liberalização comercial: dar ao usuário nacional a opção de produtos mais baratos.

Se o problema da falta de competitividade do produto doméstico resulta da tributação (parcial, mas não inteiramente verdade), a solução virá da reforma tributária, não da restrição às importações.

À luz da nossa própria experiência, deveria ficar claro que o protecionismo é um extraordinário fiasco: ajuda o protegido, mas a um custo enorme para o país.

Alexandre Schwartsman - Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.

Lula, o 'ficha-suja' 


- EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 28/03

Se a Lei da Ficha Limpa vale o papel em que está escrita, o ex-presidente Lula da Silva tornou-se na segunda-feira passada, oficialmente, um “ficha-suja” – isto é, não pode ter sua candidatura a qualquer cargo eletivo aceita pela Justiça Eleitoral, em razão de condenação judicial em duas instâncias.

A ressalva sobre a validade da lei é necessária porque, diante do atual comportamento errático do Judiciário, muitas vezes contrário à própria Constituição, pode ser que a Lei da Ficha Limpa acabe sendo ignorada nos tribunais superiores em favor do poderoso demiurgo de Garanhuns.

Em situação normal, a decisão da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) de negar o derradeiro recurso da defesa de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, enquadra o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, sem qualquer sombra de dúvida. Conforme o texto da lei, são considerados “ficha suja”, ou seja, inelegíveis, os que, como Lula, forem condenados por corrupção e lavagem de dinheiro “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. O órgão judicial colegiado, neste caso, é a 8.ª Turma do TRF-4, composta por três desembargadores, que impuseram a Lula uma nova derrota por 3 a 0.

Mas o País não vive uma situação normal. Nada garante que criativos luminares da hermenêutica jurídica nos tribunais superiores permitam que prevaleça uma interpretação marota da Lei da Ficha Limpa, sob medida para Lula, tornando-a letra morta. Não é difícil imaginar tal desfecho. Basta lembrar que o ex-presidente já poderia estar preso, mas continua livre e verboso graças a uma heterodoxa decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu generoso salvo-conduto, válido pelo menos até o julgamento de seu pedido de habeas corpus, marcado para o próximo dia 4 – isso se nenhum ministro pedir vista, postergando a conclusão do processo para as calendas.

É claro que os rábulas petistas apostam que os tribunais superiores vão acabar se dobrando às suas chicanas, não apenas para manter Lula fora da cadeia, mas também para viabilizar sua candidatura. A estratégia, explícita, é embaralhar a interpretação da legislação de tal modo que o debate jurídico se arraste até depois das eleições, quando então, imaginam os petistas, haverá o fato consumado da vitória de Lula. “Tecnicamente, ele (Lula) não está inelegível”, disse ao Valor o deputado e advogado petista Wadih Damous (RJ), um dos protagonistas da defesa da presidente cassada Dilma Rousseff no processo de impeachment. “Quem decreta (a inelegibilidade) é o Tribunal Superior Eleitoral. Será uma situação muito interessante, com Lula vencedor no primeiro turno, com milhões de votos, e o Poder Judiciário tendo de decidir se impede a vontade popular.”

Mais uma vez, como já se tornou comum em sua história, o PT lança um repto às instituições, em particular ao Judiciário. E essa provocação é ainda mais escandalosa porque se dá no mesmo momento em que Lula da Silva desfila pelo País a desafiar os juízes e promotores que ousam condená-lo – um deles já foi qualificado de “moleque” pelo ex-presidente, que se considera, nada mais, nada menos, que um “perseguido político”.

Como tudo o que tem envolvido essa epopeia burlesca de Lula da Silva para se safar da Justiça, a tal “caravana” do ex-presidente – oficialmente destinada a “perscrutar a realidade brasileira”, a celebrar “as grandes transformações pelas quais o País passou nos governos petistas” e a denunciar “o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista desde 2016” – não passa de uma farsa destinada a manter o condenado Lula em evidência.

Como demonstração de força, contudo, a “caravana” tem sido até aqui um completo fiasco, ganhando o noticiário apenas em razão dos episódios de violência protagonizados tanto por petistas quanto por seus antípodas. Assim, sem o povo ao seu lado, Lula joga todas as suas fichas na fragilidade das instituições. Para o bem do País, ele não pode ganhar.

Uma brecha a menos 

- EDITORIAL FOLHA DE SP

      FOLHA DE SP - 28/03

Exigência de crivo do BC a diretores de bancos federais reduz risco de indicações políticas

O governo decidiu que indicações para cargos de direção em bancos federais passarão a ser submetidas ao crivo do Banco Central. Assim já determina a lei para as demais instituições financeiras, incluindo as privadas e as controladas por governos estaduais. 

Fecha-se assim, ao que parece, uma brecha para a nomeação de políticos e seus apadrinhados em postos-chave da máquina estatal, que resulta em desvios e desperdício de recursos públicos.

A lei que criou o BC em 1964 estabelece que diretores de bancos devem ter conhecimento técnico e reputação ilibada —e que os indicados para a função precisam do aval da autoridade monetária antes de começar a trabalhar.

No caso das instituições controladas pelo Tesouro Nacional, porém, basta informar os nomes escolhidos. O Banco Central não tem nenhum poder de veto.

A decisão de mudar esse estado de coisas foi tomada pelo presidente Michel Temer (MDB), em conversa com seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Falta definir se ela será formalizada por decreto ou projeto de lei.

De certa forma, a alteração é uma decorrência natural da aprovação da Lei das Estatais, que foi sancionada pelo presidente há dois anos e impôs critérios mais rigorosos para as nomeações de dirigentes de empresas públicas. 

Nesse sentido, a opção do governo deve ser celebrada como um importante reforço nos mecanismos de controle aos quais os bancos federais devem se submeter.

Mas a medida é também uma resposta a problemas mais imediatos que o presidente enfrenta na Caixa Econômica Federal, que podem levar em breve a várias mudanças na cúpula da instituição. 

Em janeiro, sob pressão do BC e do Ministério Público, Temer concordou com o afastamento de 4 dos 12 vice-presidentes. Eles são investigados por suspeita de corrupção, e suas funções passaram a ser exercidas por interinos.

Agora, o mandatário cogita substituir o próprio presidente da Caixa, Gilberto Occhi. Funcionário de carreira, deve a indicação ao PP e é cotado para assumir o Ministério da Saúde com a saída de Ricardo Barros, que se demitiu para disputar um mandato de deputado. 

Temer e Meirelles deixaram claro nos últimos dias que também têm pretensões eleitorais, e as negociações em andamento com o PP são essenciais para o projeto do presidente de manter a seu lado os partidos da coalizão governista.

Serão necessárias máxima presteza e transparência, portanto, para que o ambiente eleitoral não contamine a discussão essencial sobre as novas normas a serem adotadas nos bancos públicos.