Ninguém tem o direito de se achar o único dono da rua
CRÔNICA DE SÁBADO
Eu estava no ar no Gaúcha Atualidade na manhã de quinta-feira quando recebi uma mensagem de ouvinte pelo WhatsApp informando de um acidente grave envolvendo um ciclista no corredor de ônibus, perto do Ginásio Tesourinha. Dei a informação no ar e disse que a reportagem já estava apurando o caso e em seguida daríamos mais detalhes. Não demorou e veio a confirmação do que temíamos: uma pessoa havia morrido no choque com um ônibus. Só mais tarde soube-se que a vítima era Patrícia Silva de Figueiredo, 21 anos, estudante de Pedagogia da UFRGS.
No final da tarde, li em zerohora.com a notícia de que outra ciclista da mesma faixa etária tinha sido atropelada e morta por um ônibus na Zona Norte. Daise Duarte Lopes, 19 anos, estudante de Psicologia, era a segunda vítima do dia nas mesmas circunstâncias. A essa hora, as redes sociais já estavam tomadas de manifestações de solidariedade às famílias das meninas e também de acusações às vítimas e aos motoristas dos ônibus. No tribunal do Facebook, julga-se e condena-se em segundos, mesmo sem conhecer os fatos. Sem a conclusão do trabalho da perícia, qualquer coisa que se diga sobre culpa não passará de palpite, embora seja óbvio que diante de um ônibus a bicicleta está em desvantagem.
Sou mãe de um rapaz de 23 anos e de uma menina de 18. Por isso, fico arrasada com a morte de jovens em acidentes de trânsito. Vivo em campanha permanente por mais segurança no trânsito, o que pressupõe respeito ao princípio básico de que o maior deve proteger o menor. Não sei andar de bicicleta, lamentavelmente. No trânsito, sou motorista (de carro), passageira ou pedestre. Por ser testemunha diária dos risco que ocorrem os ciclistas andando no meio dos carros, saudei a construção de ciclovias, como a da Avenida Ipiranga, e a demarcação de faixas exclusivas, como a da Vasco da Gama, agora com obstáculos que impedem a ocupação pelos carros.
Para minha surpresa, vejo que na Avenida Ipiranga um bom número de ciclistas prefere disputar o espaço com os carros a usar a faixa exclusiva. Trata-se de uma opção política, para dizer que a rua é pública e que as bicicletas têm tanto direito de trafegar quanto motos, carros, lotações, ônibus e caminhões. E têm mesmo, segundo o Código Brasileiro de Trânsito, mas eu jamais recomendaria essa opção aos meus filhos, pois tenho certeza de que estão mais seguros na ciclovia.
Na quinta-feira à noite, voltando para casa pela Ipiranga, sinalizei que iria dobrar à esquerda na Ramiro Barcelos _ o sinal estava verde para mim e vermelho para os ciclistas que cruzam a Ramiro pela ciclovia. Eis que dois deles, usando roupas sem qualquer sinal luminoso, ignoram o sinal vermelho, cortam a minha frente e atravessam a Ramiro sem nem olha para o lado. Como eu estava devagar e atenta, nada ocorreu além de um susto, mas os dois correram o risco de ser atropelados por um veículo maior.
Já presenciei tantas cenas de desrespeito a pedestres e ciclistas no trânsito de Porto Alegre que afirmo sem medo de errar: nossa cidade padece de falta de civilidade na relação entre os diferentes atores do trânsito. Que outro nome se poderia dar a essa mania de trancar os cruzamentos quando fecha um sinal? Ao gesto de buzinar e encostar na traseira do carro quando se para numa faixa de segurança? À forma como os motoristas de carros potentes tratam os de motor 1.0?
As duas mortes devem servir para uma reflexão sobre o que é possível fazer para aumentar a segurança dos ciclistas além apelar para que os motoristas de ônibus não corram tanto e que todos respeitem quem anda sobre duas rodas. Os ciclistas também devem fazer a sua parte, estudando as regras de trânsito, respeitando os sinais e redobrando a atenção. Pedalar ouvindo música pode ser uma das coisas mais prazerosas do mundo, mas especialistas advertem que o uso de fones de ouvido desvia a atenção e contribui para os acidentes.
Espero viver o suficiente para ver os ciclistas respeitados em Porto Alegre como são nas cidades do Primeiro Mundo. E para vê-los respeitarem os pedestres, não andando pelas calçadas. Bicicleta faz bem para a saúde e para o meio ambiente e deve ser incentivada, mas não substitui os meios de transporte de massa. O que as cidades precisam é de transporte coletivo de qualidade e com preços acessíveis, para desestimular o uso do automóvel, e de convivência pacífica entre todos os meios, porque ninguém tem o direito de se achar o dono da rua.
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