sexta-feira, 31 de março de 2017

NÍLSON SOUZA

O PARADOXO DE PINÓQUIO

Amanhã é 1º de abril, dia dos bobos para alguns, dia da mentira para todos. Deveria ser uma data em extinção. Não há mais um só dia para a mentira. Talvez nunca tenha havido. A internet e as redes sociais apenas tornaram mais visível e compartilhável essa tendência que todos temos de aumentar um ponto nos nossos contos.

A psicologia é implacável no seu diagnóstico: todos mentimos, ainda que tenhamos dificuldade em admitir isso. Mentiras sociais, na maior parte dos casos. Você está cheio de problemas, mas não hesita em responder ao vizinho que o cumprimenta:

– Tudo bem! Pronto, mentiu.

Você leva o filho para vacinar e garante, com o coração apertado:

– Não dói! Depois, quase chora junto com a criança.

São inúmeras as situações em que dizemos aquilo que não pensamos para garantir as boas relações sociais. Normalmente são afirmações que não fazem mal a ninguém, não causam prejuízos a outras pessoas, mas que, a rigor, não são verdadeiras. Mentirinhas, portanto, nada que se possa comparar com as mentiras maldosas que ferem, causam danos e ocultam crimes.

Mente-se, também, por ingenuidade. Pessoas que acreditam em tudo o que ouvem ou leem muitas vezes repassam inverdades sem perceber que estão contribuindo para a disseminação de boatos. Há, evidentemente, os que adoram uma teoria da conspiração. Esses até têm consciência de que determinada notícia pode não ser verdadeira, mas, quando serve a seus propósitos e a suas ideias, preferem legitimá-la a questioná-la. Fica a impressão de que a socialização da mentira dilui a culpa de quem a propaga.

Mente-se, ainda, por brincadeira, mentirinha de amizade, tolerável e perdoável, até mesmo porque costuma ser seguida da verdade reveladora.

Por fim, mente-se para enganar, destruir, ferir, ludibriar, roubar – e essa mentira criminosa, infelizmente, é tão frequente, que não cabe num único dia.

Mas o assunto não se esgota aí. Como ensina a Legião Urbana numa de suas canções, mentir para si mesmo é sempre a pior mentira.

E aí caímos no célebre Paradoxo de Pinóquio. Se admitirmos que todos mentimos, estaremos falando a verdade ou mentindo?

Parabéns para nós neste 1º de abril!

“Se fosse presidente, teria demitido a diretoria e limpado a Petrobras”: as frases de Cunha antes de ser preso

Ex-deputado sempre negou que estivesse no esquema de corrupção da petroleira. As provas de sua participação, no entanto, culminaram no pedido de prisão de 15 anos

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha

Propina para apoiar projetos do Governo e não criar dificuldades às empresas interessadas em negociar com o Brasil. Esse era o modus operandi do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, segundo as investigações da Lava Jato, que culminaram na sua condenação anunciada nesta quinta. Ele sempre refutou as acusações de sua participação, atribuindo ao PT a grande responsabilidade. O juiz Sergio Moro decretou a sentença de prisão de 15 anos e quatro meses por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de recursos pelas evidências de que ele também estava na lama. Ele recebeu propina de 1,5 milhão de dólares na operação em que a Petrobras comprou um bloco de petróleo da República de Benin em 2011. Além desta ação penal, ele é réu em outro processo, que investiga  o recebimento de 5 milhões de dólares de propina pela compra de dois navios-sonda pela Petrobras.
Não tenho dúvida que o ano de 2015 vai ser dominado por um processo de depuração da Petrobras, que, aliás, já deveria ter sido feita pela própria presidente da República, até para não deixar dúvidas. Eu se fosse o presidente da República teria demitido todos a diretoria da Petrobras e teria limpado....” (outubro de 2014)
Na minha vida, em todas as eleições que eu participei, de todas as doações que eu recebi, nunca ninguém me apresentou a conta ou me pediu nada antecipadamente. Doaram pela minha posição política, pelas minhas opiniões e por aquilo que eu defendo. E eu acredito que deva ser assim com todos.” (março de 2015)
”É bom deixar claro que a corrupção não está no Poder Legislativo, a corrupção está no Executivo. Se eventualmente alguém no Poder Legislativo se aproveitou da situação para dar suporte politico em troca de benefícios indevidos é porque esses benefícios existiram pela falta de governança do Poder Executivo, que permitiu que a corrupção avançasse.” (março de 2015)
Essa lama em que está envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão presos, eu não vou aceitar estar junto dela”. (julho de 2015)
Esse bando de aloprados é que precisa ser investigado [em referência ao PT].” (julho de 2015)
“Estou sofrendo retaliação política” (maio de 2016, após ser afastado do cargo de presidente da Câmara por denúncias de corrupção, insinuando que seria uma resposta por ter aceito o pedido de impeachment de Dilma)
O Brasil passou e passa por momentos delicados em que as práticas do Governo afastado, além de terem sido repudiadas pela sociedade, obtiveram enfim a punição prevista no nosso ordenamento constitucional” (agosto de 2016, após o Senado confirmar o impeachment de Dilma).
Esperamos que o fim desse processo possa virar uma página negra da história deste País, com o afastamento também das nefastas práticas do Governo afastado” (agosto de 2016)


Lava Jato apresenta seu primeiro processo contra um partido político

Procuradores de Curitiba cobram 2 bilhões de reais do PP por desvios na Petrobras


Deltan Dallagnol, procurador da força-tarefa da Lava Jato.  AGÊNCIA BRASIL
Depois de condenar mais de 130 pessoas a um total somado de 1.362 anos, a Operação Lava Jato dirige suas baterias contra um partido político. A força-tarefa que comanda há três anos as investigações em Curitiba apresentou nesta quinta-feira uma ação de improbidade administrativa contra o Partido Progressista (PP) para tentar reaver 2 bilhões de reais aos cofres públicos. A ação também pode levar à suspensão de direitos políticos de dez filiados do partido, assim como à perda de seus direitos a aposentadoria especial. E, a julgar pelo que disseram os procuradores em entrevista coletiva, o PP não deve ser o único partido confrontado formalmente pela Lava Jato.
Segundo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, o objetivo da ação ajuizada no dia 22 de março é desestimular a prática futura de crimes. A medida é inspirada na Lei Anticorrupção, que prevê sanções para empresas, mas não para partidos políticos — o PP é a primeira legenda a ser formalmente responsabilizada. Questionado por jornalistas em uma entrevista que retomou de forma mais discreta o uso do PowerPoint — muito criticado quando da apresentação de denúncia contra o ex-presidente Lula —, Dallagnol disse que "é possível e vai ser avaliado no momento oportuno" a sanção a outros partidos. Além do PP, PT e PMDB protagonizam os ilícitos que a Lava Jato revela ao país desde 2014.
E por que logo o PP foi o primeiro partido a ser confrontado formalmente? Os procuradores explicaram que as investigações sobre os ilícitos na Petrobras começaram a partir da diretoria de Abastecimento da estatal, que estava vinculada ao PP por meio de seu então diretor, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef. As primeiras ações de improbidade da operação — que tiveram como alvo agentes públicos e empresas — estavam vinculadas a essa diretoria, justificaram os membros da força-tarefa. E, ainda segundo os procuradores, a ação divulgada nesta quinta-feira foi "um amadurecimento natural das investigações".
No caso do PP, os investigadores tratam de dois esquemas de desvios de verbas da Petrobras — um deles envolve contratos vinculados à diretoria de Abastecimento, enquanto o outro se refere a benefícios em prol dos interesses da Braskem, empresa do Grupo Odebrecht. São mencionadas na ação 11 pessoas, entre elas o ex-deputado Pedro Corrêa (que foi condenado tanto pelo mensalão quanto pelo caso Petrobras) e os deputados federais Nelson Meurer (PP-PR) e Arthur Lira (PP-AL). As provas apontam integrantes da bancada do PP na Câmara como beneficiários de propinas no âmbito da Petrobras — alguns deles teriam recebido "mesada" de R$ 30 mil por mês, por mais de sete anos.
Os procuradores da Lava Jato destacaram que a ação foi apresentada de modo a não prejudicar o "exercício pleno da atividade partidária", ressaltando que não houve pedido de bloqueio do fundo partidário. "Valores do fundo partidário não podem ser penhorados. Oferecer essa ação não é uma opção. É seguir a lei. E a lei deve valer para todos. Pessoas jurídicas devem estar sujeitas a sanções dessa lei de improbidade. Existem várias provas de que o partido incorreu nessas práticas por meio dessas lideranças e foi beneficiado", justificou Dallagnol.
O PP foi base do Governo Dilma Rousseff — servindo inclusive como anteparo contra o impeachment por algumas semanas — e, após a queda da presidenta, virou base do Governo Michel Temer, com direito a comandar o Ministério da Saúde. O atual líder do Governo na Câmara, aliás, é do PP: o ex-ministro do Governo Dilma (Cidades) Aguinaldo Ribeiro. Além dos danos ao próprio partido, portanto, a ação divulgada nesta quinta-feira deve aumentar o clima de tensão em uma Brasília já assombrada pela iminente divulgação da nova lista de políticos investigados pela Lava Jato no Supremo Tribunal Federal

Sergio Moro condena Eduardo Cunha a 15 anos de prisão

Ex-deputado, preso pela Lava Jato, é acusado de lavagem de dinheiro e evasão de divisas


Eduardo Cunha condenado

O juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha a 15 anos e quatro meses de prisão na ação penal que investiga o pagamento de propina na compra de um campo de petróleo na República de Benin, na África, pela Petrobras em 2011. Segundo a ação, Cunha cobrou “pedágio” na operação conduzida pela diretoria internacional da petroleira em troca de apoio ao Governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. “Há elementos probatórios de que o caso transcende a corrupção e lavagem decorrente de agentes da Petrobras, servido o esquema criminoso para também corromper agentes políticos e financiar, com recursos provenientes do crime, partidos políticos”, descreve a sentença de 109 páginas.
O ex-deputado, que está preso preventivamente desde outubro em Curitiba, é acusado de lavagem de dinheiro, evasão fraudulenta de divisas e “concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a quinze anos e quatro meses de reclusão”, diz a sentença de Moro.
Em 2011, a Petrobras anunciou a compra de 50% de um bloco de um campo de petróleo da Compagnie Beninoise des Hydrocarbures Sarl ­ (CBH) por 34,5 milhões de dólares. Em maio daquele ano a Petrobras transferiu esse valor para a CBH. As investigações da Lava Jato identificaram que poucos dias depois de receber o dinheiro da Petrobras, a companhia africana fez uma transferência de 10 milhões de dólares para uma conta na Suíça em nome de João Augusto Rezende Henriques, identificado como lobista do PMDB. Na sequência, Henriques transferiu o equivalente a 1,5 milhão de dólares à offshore suíça Orion, que pertenceria a Cunha, em cinco transferências diferentes.
Esses recursos no exterior nunca constaram nas declarações de renda do ex-deputado, o que justifica a condenação por lavagem de dinheiro. Para obter as provas das movimentações financeiras de Cunha, a força tarefa contou com a colaboração das autoridades suíças. Dos 10 milhões que a CBH transferiu inicialmente para Henriques, há ainda 7,86 milhões dólares, que foram distribuídos em diversas contas no exterior “cujos titulares não foram ainda identificados.”
Ao longo do processo, Cunha argumentou que o 1,5 milhão que recebeu pela Orion eram relativos a “devolução de empréstimo que havia concedido a Fernando Alberto Diniz”, em referência a um deputado que faleceu em 2009. Mas ele nunca conseguiu provar o que afirmava. “Não só não há prova documental, como também não há prova oral, uma única testemunha que confirme a existência deste empréstimo”, diz Moro. Agora, a condenação anunciada nesta quinta vira um elemento de pressão para que o ex-deputado avalie a possibilidade de fechar um acordo de delação premiada que venha a atenuar a sua pena.

Mau negócio

A compra do bloco de petróleo na República de Benin mostrou-se um péssimo negócio para a Petrobras. Embora atraídos pela promessa de exploração de novos poços, a companhia nunca extraiu uma gota de petróleo. Uma auditoria da companhia concluiu, em 2015, que a CBH tinha capacidade financeira ignorada na época da transação, “fato este conhecido pela Área Internacional, e o que tornava a associação temerária, e que os custos de exploração dos poços foram subdimensionados”, relata Moro na sentença.
Em maio de 2015, ou seja, depois que a operação Lava Jato estava em curso, a Petrobras aprovou a saída do negócio

A nova moda é dizer por aí que “odeia criança”

Rita Lisauskas*

Além de não se querer ter filhos, 
a moda é falar mal
das crianças
Não basta mais dizer por aí que não se quer ter filhos. O novo “pretinho básico” é bradar aos quatro ventos que não se coloca uma criança no mundo por que as crianças são “irritantes”, “fazem muito barulho”, “incomodam”, “chateiam”, “gritam” e são “mal-educadas” – afinal, os adultos nunca são enervantes, alvoroçados, chatos, escandalosos e malcriados, isso é exclusividade dos pequenos, não é mesmo?

Para muita gente, não ter filhos é uma decisão legítima e acertada, afinal a maternidade e a paternidade têm de ser escolha e nunca uma obrigação do tipo –“eu casei, o próximo passo é ter filhos” – ou fruto de um medo com o futuro –“se eu não tiver filhos, quem vai cuidar de mim na velhice?” Só que geralmente quem escolhe não colocar uma criança no mundo, não transmitir “a nenhuma criatura o legado de nossa miséria” como o Brás Cubas, de Machado de Assis, faz isso de coração tranquilo, sem sair por aí destilando ódio a todas as pequenas criaturas que encontra pelo caminho. Ela acha que uma criança não cabe na vida dela. Apenas.
Mas existem aqueles seres que não querem ter filhos e ainda defendem a tese de que as crianças dos outros deveriam ser apartadas da sociedade, porque ele não pode “ser obrigado a conviver com crianças”, pois decidiu não ter uma. Como se todos os carros tivessem de sair do seu caminho por que escolheu só andar de metrô ou todos os açougues tivessem por obrigação fechar as portas, já que ele decidiu ser vegetariano – “não posso ser obrigado a ver essa peça de filet mignon toda vez que venho comprar verdura!” – os exemplos são toscos de propósito, tanto quanto à premissa inicial. As redes sociais, claro, deram vez e voz a essas pessoas que, como não foram combatidas com veemência em seu discurso de ódio, ganharam adeptos, ficaram fortes e passaram a defender por aí o direito de frequentarem lugares “child free”, ou seja, espaços onde as crianças não são bem-vindas e aceitas, como hotéis, restaurantes, bares e por aí vai.
“Eu tenho o direito de almoçar em paz, longe de crianças sem nenhuma educação!”, ouvi uma vez de uma pessoa pretensamente educada.“Quero passar minhas férias sem ouvir choro de criança”, disse outro, apoiado inclusive por pais que relativizaram tal declaração ao lembrar que muitas vezes querem sair sem os filhos – como se essa nossa ânsia por momentos de solidão fosse motivada pela “chatice” infantil e não pelo desejo humano e legítimo de ficar longe de todos – e não só das nossas crianças – de tempos em tempos.
O que seriam crianças educadas?
* Crianças que não incomodam, que falam baixo, que não andam por aí querendo explorar o mundo?
* Que não choram de fome, mas sim que avisem com uma certa antecedência e em bom português – não me venham com gugudadá – que querem almoçar, por gentileza, mamain?
* Que não façam perguntas embaraçosas em público, que aprendam a lidar rápido com suas frustrações e que entendam, sem ter os adultos por perto como exemplo, que algumas ocasiões pedem black-tie e outras chinelos havaianas?
Os odiadores de crianças creem que os pequenos devem aprender todas as habilidades sociais em tempo recorde e longe dos adultos, a quem podem se juntar apenas quando pararem de derrubar os talheres à mesa ou quando aprenderem a falar baixo, sem gritar.
Esse discurso é perigoso porque abre precedente para outras intolerâncias. É só fazer um exercício rápido de substituição de palavras para entender onde isso pode chegar. Tire a palavra “criança” e coloque no lugar “negro”, “cadeirante”, “judeu”, “muçulmano”, “evangélico”, “mulher”, “gay” e por aí vai, o céu é o limite quando o assunto é intransigência. Como será que soa, vamos testar?
“Eu tenho o direito de almoçar em paz, longe de negros sem nenhuma educação!”
“Quero ir para um hotel onde cadeirantes não são aceitos! Não sou obrigado a nadar em uma piscina adaptada!”
“Quero jantar sem ter que olhar para cara de umjudeu/muçulmano/evangélico! Eu pago os meus impostos em dia, não sou obrigado a conviver com eles!

Quando você avança no debate com um odiador de criança ele sempre tenta disfarçar sua intolerância dizendo que, no fundo, no fundo, estão pensando nas crianças, olha só a contradição. “A piscina daquele hotel é muito funda, por isso que crianças não são aceitas!”. “Aquele restaurante tem muita escada, um perigo para os pequenos, por isso o dono decidiu não deixar que elas frequentassem!”. Ora, ora, os pais são os cuidadores de seus filhos e eles, somente eles, deveriam poder decidir sobre quais lugares seus filhos devam ou não frequentar.
Lugar onde uma criança não é bem-vinda, não é lugar para mim. Já estabelecimentos que abrem as portas a todos – inclusive ao babaca odiador de criança – terão sempre a minha presença. Com ou sem o meu filho.
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Jornalista, mãe e apresentadora de TV
Fonte: ESTADÃO.COM.BR – blog “Ser mãe é padecer na internet”

quinta-feira, 30 de março de 2017

Difícil Acreditar Que Isto Ocorre no Japão

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 Foto publicado no jornal Japan Today mostrando barracos perto da estação de Shibuya, no Japão, onde dormem 
pessoas sem casa, num dos melhores bairros de Tóquio

Muitos imaginam que num país desenvolvido como o Japão, os problemas dos marginalizados não são graves, mas existem nos jardins públicos muitos idosos que só possuem o que podem transportar nas suas sacolas, como também acontece em grandes metrópoles dos países desenvolvidos na Europa e Estados Unidos.

Para quem tem problemas de ajustamento dos fusos horários como eu, quando viaja para o Japão, acordando de madrugada e vendo os jardins de Tóquio, estranha os muitos idosos perambulando com uma sacola onde estão todos os seus pertences. Também nos corredores das estações de metrô, eu notava muitos deitados sobre papelões ou uma simples coberta. Muitos amigos japoneses me explicavam se tratar de pessoas que assim viviam por opção, separados dos seus familiares, me deixavando muito triste com aquela dura realidade.

Mas também em cidades como Londres ou Nova York notava as chamadas sacoleiras que assim viviam. Ou bandos destas pessoas viciadas em drogas em algumas regiões daquelas grandes metrópoles, semelhante com os que se veem em São Paulo nas proximidades da Sala da Osesp. Fica-se com o sentimento de que fracassamos como seres humanos, incapazes de atender o mínimo indispensável para honrar os demais desfavorecidos.

Não consigo imaginar uma solução adequada para este problema. Muitos procuram ignorá-lo como se não existisse. Parece coisa dos séculos passados, que não estaria mais ocorrendo em pleno ano de 2017. Somos capazes de nos emocionarmos com as vítimas no Oriente Médio com suas guerras incompreensíveis ou com migrantes desesperados que se arriscam a morrer no Mediterrâneo com seus filhos e nos indignar vendo decisões de povos que se posicionam contrários a estas correntes. Os problemas estão ocorrendo também nas nossas proximidades, ao mesmo tempo em que a distribuição de renda vem piorando sensivelmente nos últimos anos. 

De um lado, temos parlamentares defendendo os privilégios dos marajás do Legislativo, do Judiciário, das estatais que são responsáveis pelos monstruosos déficits como da previdência social, ameaçando os desgraçados que mal conseguem aposentadorias que cheguem a um salário mínimo que sem as reformas nem isto terão para sobreviver. Ninguém está notando que o problema não está sendo atacado nas suas verdadeiras causas?

Preferimos fingir que estamos avançando, ignorando os pobres coitados que estamos deixando pelo caminho… E nos queixamos de jovens idealistas que se revoltam com estas situações, mas propondo soluções que só pioram a disponibilidade de bens para atender a todos. É duro explicar que só podemos tentar a resolver parte dos problemas com investimentos, aumento da eficiência e muito, muito trabalho mesmo.
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Paulo Yokota |economista brasileiro (dupla nacionalidade japonesa), ex-professor da USP, ex-diretor do Banco Central do Brasil, ex-presidente do INCRA. Viveu e trabalhou nestas regiões. Foi comissário do governo brasileiro, temporariamente, na Expo Tsukuba 85. Supervisionou os escritórios de uma trading brasileira na Ásia. Viajou para lá mais de uma centena de vezes. Percorreu por lugares mais afastados de alguns destes países de ambas as regiões. Tem alguns livros publicados e centenas de artigos escritos sobre o intercâmbio entre estas regiões. Fez parte de alguns Conselhos que cuidaram deste intercâmbio, inclusive para o século XXI. Procura estar sempre atualizado sobre a Ásia. Viajou e trabalhou também pela Europa e a América do Norte, acumulando elementos para comparações. Ele contará com a colaboração de outros amigos com a vivência e experiência similares.
FONTE: http://www.asiacomentada.com.br/2017/03/difcil-acreditar-que-isto-ocorre-no-japo/