terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Esqueça a pen. O futuro da memória está nos átomo


João Francisco Gomes*
 
É o disco rígido mais pequeno alguma vez criado e poderá revolucionar o armazenamento de dados. Investigadores em Braga e na Holanda garantem ao Observador que o caminho é (mesmo) por aqui.


Imagine todos os livros alguma vez escritos guardados num único disco rígido, do tamanho de um dedo ou de um selo postal. Ou a possibilidade de armazenar numa única pen a sua vida inteira, filmada em alta definição. Parece impossível (ou algo retirado de um episódio da série Black Mirror), mas está cada vez mais próximo de acontecer. Na Universidade de Delft, na Holanda, um grupo de investigadores conseguiu criar um dispositivo capaz de armazenar cada bit num único átomo de cloro. É a memória atómica – “é jogar futebol com os átomos“, diz Paulo Freitas, diretor de um laboratório em Braga que está a colaborar com este projeto.

“Estamos a entrar numa era muito estimulante, em que temos tecnologia suficientemente precisa para controlar a matéria à escala atómica”, defendem os investigadores envolvidos na criação da tecnologia, ao Observador. “É a memória mais densa que se pode criar“. O primeiro protótipo está feito, e não podia ter sido preenchido com uma mensagem mais adequada: quando, em 1959, o físico Richard Feynman desafiou a comunidade científica a construir o mundo à menor escala possível, não imaginou que, seis décadas depois, o seu famoso discurso estivesse gravado no mais pequeno disco rígido alguma vez criado. Mas é precisamente isso que acaba de acontecer.
 
O ENIAC, o primeiro computador digital. Pesava trinta toneladas e servia para cálculos relativamente básicos.
 (Wikimedia Commons) 

Para os leigos, a explicação técnica pode parecer complexa. Mas vamos lá: a unidade mínima de informação digital é o bit — zero ou um — e é algo que tem corpo físico, ocupa espaço, portanto, e é composto por “milhares de átomos“, explica ao Observador o investigador holandês Sander Otte, que liderou a investigação.

Paulo Freitas, diretor executivo do Laboratório Ibérico de Nanotecnologia (INL), em Braga, ajuda-nos a perceber a ideia: “Temos, hoje em dia, discos duros, onde armazenamos a informação a nível magnético, na ordem de um terabit [um bilião de bits] por polegada quadrada” [o tamanho de uma moeda de 2 euros, sensivelmente]. Quando vamos a uma loja comprar um disco ou uma pen drive, levamos para casa um dispositivo que se baseia nesta ordem de grandeza.

O progresso nesta área está a ser feito, sobretudo, a tentar comprimir cada vez mais o espaço físico ocupado por um bit. Ou seja, sem sair da tecnologia atual, a maioria dos investigadores quer fazer caber cada vez mais informação no mesmo espaço. Contudo, em paralelo, há quem esteja a querer uma mudança radical e a procurar alternativas — é daí que vem a memória atómica.

"Atualmente, um bit ocupa um espaço de 20 por 20 nanómetros. As tecnologias que estão no mercado continuam a evoluir, mantendo esses tamanhos. Já vamos nos 11 nanómetros, 
mas vai chegar aos quatro ou cinco" 
 Paulo Freitas, diretor-executivo do INL 

Com este protótipo, “precisamos, essencialmente, de um átomo por cada bit“, destaca Sander Otte, sublinhando que “é muito, muito menor” do que o que existe atualmente. Jose Lado, investigador do Laboratório Ibérico de Nanotecnologia (que funciona em Braga, e que apoiou a equipa holandesa no desenvolvimento do projeto), sublinha que “esta tecnologia permite uma densidade de armazenamento 500 vezes maior do que a que a tecnologia atual permite“.
500 x

A densidade de armazenamento deste protótipo é 500 vezes maior do que os dispositivos de memória existentes atualmente. Isto quer dizer que no mesmo espaço físico podemos armazenar 500 vezes mais informação.

Há várias equipas de investigadores, em todo o mundo, a explorar alternativas — “estamos todos à procura do mesmo”, diz Paulo Freitas — mas esta tecnologia desenvolvida em Delft é especial. “A grande diferença deste trabalho é que foi a primeira vez que se conseguiu fazer isto de forma semiautomática. Fez-se um programa. Uma pontinha que corre numa superfície e que consegue manipular os átomos, escrevendo o que queremos escrever”, esclarece o especialista.

Este é um passo natural na evolução da memória. O primeiro computador digital do mundo, o ENIAC, criado nos anos 40, pesava trinta toneladas e só servia para cálculos relativamente básicos, e nem sequer armazenava informação. Até chegar à mais pequena pen drive, passando pelos discos rígidos, pelas disquetes e pelos CDs, foi um salto.

Memória digital à escala do átomo. Como funciona?

Recuemos um pouco. Como nos explica Sander Otte, “um dispositivo de armazenamento tradicional guarda os dados em bits que podem ser zero ou um. Por exemplo: nos discos rígidos, os zeros e os uns estão codificados na direção da magnetização de pequenos pedaços de material magnético. E esses bits podem ser combinados para formar letras. Por exemplo, 01100101 representa a letra ‘e’. Desta forma, pode armazenar-se textos inteiros num disco rígido”. A evolução tem sido no sentido de reduzir o espaço necessário para armazenar um bit.

É aqui que entra a equipa da Universidade de Delft. “A memória que desenvolvemos funciona de uma forma semelhante, exceto que neste caso os bits estão codificados na posição de átomos individuais“, destaca Sander Otte. O grupo criou um dispositivo que consiste, de uma forma simples, numa placa de cobre onde são colocados átomos de cloro. “Alguns átomos podem ocupar uma de duas posições, que representam o zero e o um”, explica o investigador.

É através da posição dos átomos que se formam os bytes — correspondentes a oito bits. Foi nesta fase do processo que, aos seis investigadores que trabalhavam a partir da Holanda, se juntaram dois especialistas em nanotecnologia, a partir de Braga, que criaram um modelo teórico daquilo que viria a ser a disposição dos átomos na superfície de cobre. “Calculámos como eram as interações entre os átomos e como elas possibilitaram a construção de uma memória atómica estável”, explica ao Observador o investigador Jose Lado, do INL.

A tecnologia utilizada neste dispositivo já existe (a de manipular átomos individualmente), pelo menos, há 25 anos, explica Sander Otte. “Mas, nesses 25 anos, a técnica nunca foi desenvolvida de forma a ser utilizada à escala”, porque “a manipulação atómica não era confiável e era difícil de automatizar”. Mas uma descoberta adicional permitiu contornar esta dificuldade: “Descobrimos que é possível manipular átomos em falta, ou seja, orifícios. Isto torna a técnica muito mais estável e, por isso, confiável”, destaca o investigador holandês.
 
Sander Otte e Floris Kalff, outro dos investigadores holandeses envolvidos na investigação. "Podemos guardar, teoricamente, 
todos os livros do mundo num polegar", explica Sander Otte. 

“É jogar futebol com os átomos“, descreve Paulo Freitas, sublinhando que “há muito tempo que se fala deste tipo de memória”. Mas, “até agora, nunca houve nada que chegasse perto de um protótipo, e, atualmente, se quiser escrever uma palavra, já é possível” fazê-lo neste dispositivo.

“Uma era muito estimulante”

“Era impensável há 20 anos”, admite Jose Lado, que acredita que “nos próximos anos vamos ver que os componentes das novas tecnologias se podem tornar em átomos individuais, dando origem à engenharia atómica e à engenharia física quântica”. Trata-se de ganhar a capacidade de manipular a matéria na sua unidade mais elementar: “É formidável que o ser humano vá basear a sua tecnologia na manipulação do fabrico da própria matéria, cada átomo individual”. E a evolução deu-se de forma relativamente rápida. “Observámos as primeiras trocas atómicas destes átomos em novembro de 2015. Apenas dois meses depois, em janeiro de 2016, já tínhamos construído um quilobyte inteiro”, recorda Sander Otte.

É formidável que o ser humano vá basear a sua tecnologia 
na manipulação do fabrico da própria matéria, 
cada átomo individual.
Jose Lado, investigador do INL 

Trata-se de uma tecnologia que ainda deverá, contudo, demorar a chegar ao público. Sander Otte admite que prefere ser “cauteloso”, porque ainda estamos perante uma “primeira demonstração científica”. Para o investigador holandês, “a técnica parece muito promissora, mas ainda assim ainda é preciso muito para que possa ser integrada numa tecnologia útil”. Por isso, “a mensagem mais importante neste momento é que agora conseguimos organizar e tratar o mundo a um nível de precisão que era impensável antes”, o que “pode levar a todo o tipo de novas ideias e invenções, que podem ir muito além do mero armazenamento de dados“.

Também Jose Lado prefere avançar com cuidado no que toca à possibilidade de a tecnologia ser comercializada num futuro muito próximo. “Até aqui, a experiência foi feita a temperaturas muito baixas”, e necessita de “uma máquina muito complexa, com um tamanho de vários metros”, para ser bem-sucedida. “É necessário melhorar estes dois aspetos técnicos antes de chegar aos consumidores comuns”, esclarece.

Ainda assim, o investigador espanhol já antevê algumas potenciais utilizações para uma memória tão compacta como esta. “Esta tecnologia permitirá armazenar uma quantidade muito maior de informação, como a que é recolhida em termos de evolução dos mercados, gravações de câmara, comportamento social, fenómenos atmosféricos e astronómicos ou monitorização biológica”, explica o cientista. Trata-se, portanto, da possibilidade de armazenar informação de forma contínua durante anos a fio, sem ter de se alterar o dispositivo de memória.

A tecnologia "pode levar a todo o tipo de novas ideias e invenções, que podem ir muito além do mero 
armazenamento de dados".
Sander Otte, investigador da Universidade de Delft 

Um dispositivo de memória tão denso pode até levar à criação de novos tipos de ficheiros. Jose Lado esclarece: “Há 20 anos, os nossos discos rígidos tinham cerca de um gigabyte, e atualmente mal conseguiríamos guardar um único filme num computador antigo. Desta forma, um grande armazenamento pode levar a que sejam criados novos tipos de ficheiros, permitindo a introdução de novos produtos no mercado. Para empresas como a Dropbox, esta tecnologia poderá permitir oferecer muito mais capacidade de armazenamento aos seus clientes”. E é mesmo aos grandes centros de dados e nas empresas que oferecem armazenamento em cloud que estes investigadores acreditam que a tecnologia chegará primeiro.
 
Imagem do primeiro protótipo construído. Cada bloco representa algumas letras, e cada ponto representa 
a posição de um átomo. Aqui, está gravado um dos mais famosos discursos de Feynman.

Já ninguém usa pens, mas isto vai revolucionar a cloud

O nosso dia-a-dia informático envolve cada vez menos objetos físicos. Passámos das muitas disquetes aos poucos CDs, e desses à pen drive. Mas, com o aparecimento de serviços como a Dropbox e outros serviços de armazenamento na nuvem (cloud), deixámos de precisar de andar com esses pequenos objetos atrás. E, por isso, podemos até pensar que uma revolução como esta no âmbito do armazenamento de informação não nos diz assim tanto. Desengane-se quem pensa assim. Como explica Jose Lado, investigador espanhol do INL, “a informação armazenada na nuvem é informação guardada no disco real de alguém — Google, Microsoft ou Dropbox, por exemplo –, e por isso requer espaço físico tal como aquele que temos no nosso computador“.

Isto quer dizer que a informação que temos armazenada nas nossas contas na nuvem está armazenada em servidores das empresas que nos prestam esse serviço. Já pensou no que poderão essas empresas fazer pelos clientes se tiverem acesso a uma capacidade de armazenamento 500 vezes mais densa? “Esta tecnologia permitiria a essas empresas oferecer aos clientes uma quantidade de espaço para armazenamento muito maior, porque poderiam guardar muito mais informação nos seus discos”, esclarece Jose Lado ao Observador.

A informação armazenada na 'nuvem' é informação guardada no disco real de alguém - Google, Microsoft ou Dropbox, por exemplo -, e por isso requer espaço físico tal como 
aquele que temos no nosso computador. 
Jose Lado, investigador do INL 

“O melhor uso para esta tecnologia será mesmo nos centros de dados“, acrescenta Sander Otte. Por vários motivos. Primeiro, porque de facto são os locais em que há mais utilização de armazenamento de dados. Depois, e principalmente, porque “a memória que construímos só funciona a temperaturas muito baixas e num ambiente de vácuo”. Por enquanto ainda é impossível implementar este dispositivo em aparelhos comolaptops ou telemóveis, mas, nos centros de dados, “não será difícil implementar o ambiente de conservação em frio e em vácuo”, garante Sander Otte. Para o sistema ficar estável, é preciso que se mantenha a uma temperatura de 70 kelvin (são 203ºC negativos). Como a temperatura, no fundo, é o grau de agitação dos átomos, ao aumentar a temperatura do dispositivo, os átomos começam a mexer-se, desordenam-se, e a informação perde-se.

“Na verdade, já existem esforços no sentido de desenvolver instalações em ambiente criogénico que conservam muito mais a energia do que os computadores convencionais”, sublinha o investigador holandês. Jose Lado concorda. Apesar de ser difícil implementar esta tecnologia nos dispositivos dos consumidores, “nos centros de dados irá acontecer muito antes”.

Acredito que o armazenamento centralizado de dados é muito mais inteligente do que o armazenamento local. Qual é o objetivo de ter milhões de cópias do mesmo ficheiro, armazenado em milhões de dispositivos, quando podemos ter apenas 
umas cópias, armazenadas centralmente?
Sander Otte, investigador da Universidade de Delft 

E o armazenamento centralizado, para Otte, é mesmo o caminho a seguir. “Acredito que o armazenamento centralizado de dados é muito mais inteligente do que o armazenamento local. Qual é o objetivo de ter milhões de cópias do mesmo ficheiro, armazenado em milhões de dispositivos, quando podemos ter apenas umas cópias, armazenadas centralmente?”, questiona. Mas o investigador avisa que a tecnologia só avança com o investimento de uma grande empresa. “Tudo depende de se a indústria está interessada em desenvolver esta tecnologia”, explica, acrescentando que “se se quiser mesmo desenvolver isto em tecnologia útil, é preciso uma empresa muito maior do que um grupo de investigação de uma universidade”.

Paulo Freitas vai mais longe neste ceticismo. “As tecnologias vão continuar a ser desenvolvidas no sentido do que existe atualmente, que é onde está o grande financiamento das companhias”, assume. “Depois, há os ramos laterais, que estão à procura de novas opções. Esta é uma delas, que parece promissora para alguns nichos de mercado”, sublinha. E o desafio está longe de estar completo. “O grande objetivo agora é controlar a parte da escrita”, garante Paulo Freitas, até porque “a questão da temperatura não é trivial”. E, naturalmente, aumentar a eficiência do processo. É que, com este protótipo, cada bit demora um minuto a escrever.
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* COLUNISTA DO Jornal Observador 

Vem aí a sociedade algorítmica

António Covas

A sociedade algorítmica da automatização é uma tecnologia realmente disruptiva, criando a breve prazo um forte desemprego estrutural. Mas é também uma oportunidade para a inovação social e política.
Um livro recente do filósofo francês Bernard Stiegler, acerca da sociedade automática e das consequências da automatização sobre a organização social do emprego e do trabalho, suscitou-me algumas reflexões que passo a partilhar com o leitor.

1. A revolução digital confunde-se, cada vez mais, com o advento da sociedade automática e da automatização, se quisermos, dos procedimentos de cálculo automático ou sociedade algorítmica. De que trata a “governação algorítmica”? De plataformas tecnológicas, de redes sociais, de dados brutos extraídos dessas redes sob a forma de sinais infra-pessoais, de procedimentos de cálculo e correlações estatísticas sob a forma de padrões de comportamento.

2. No plano estrutural, a sociedade algorítmica alimenta-se de uma cibercultura, de um vasto ambiente informacional, da hiperinteligência dos dispositivos tecnológicos (a smartificação), da gestão do BigData e do Cloud Computing e, obviamente, da “adição digital” provocada junto dos utilizadores.

3. No plano do conhecimento, a sociedade algorítmica “sabe lidar melhor” com a complexidade, essa é “a sua verdade”, isto é, uma objetividade totalmente colada ao real, produzida em tempo real e sucessivamente reconfigurada por uma massa imensa de dados permanentemente actualizados.

4. No plano operacional, o sistema Big Data faz a limpeza, triagem, categorização e cálculo algorítmico dos dados. Não interessa o contexto, a singularidade, a significação desses dados. Os indivíduos são “agregados temporários de dados brutos”, quantificáveis e sucessivamente reconfigurados a uma escala industrial, se quisermos, uma espécie de coisificação dos indivíduos; tudo fica indexado a um qualquer indicador quantitativo, para os fins da sociedade hipercompetitiva e performativa.

5. No plano da teoria crítica, estamos perante uma espécie de “modelo extrativista” em que os cidadãos internautas, utilizadores de redes e plataformas, são produtores e fornecedores de uma gigantesca massa de informação pessoal, muita dela subliminar, num ambiente informacional vertiginoso e hipnótico, que tem tanto de benignidade como de toxicidade.

6. No plano da relação de poder, a sociedade algorítmica é, aparentemente, uma nova forma de gerir a incerteza e a insegurança políticas; todavia, ela procede por inversão dos termos da equação, isto é, são os meios (o sistema técnico e tecnológico) que tomam conta dos fins; como a inovação política e social corre muito mais lentamente há o risco de ficar prisioneira da elevada toxicidade da sociedade algorítmica.

7. No plano das métricas territoriais, a sociedade algorítmica permite-nos introduzir e distinguir duas métricas importantes: a métrica dos territórios-zona (T-Z) e a métrica dos territórios-rede (T-R). A primeira reporta-se ao poder vertical dos territórios convencionais, a segunda ao poder horizontal ou lateral dos territórios inteligentes que cultivam a inteligência colectiva por intermédio das novas plataformas digitais. As plataformas colaborativas e a economia dos bens comuns são uma esperança para todos os territórios, sobretudo os mais desfavorecidos.

8. No plano cognitivo do saber-conceptual, a sociedade algorítmica, na sua exuberância calculatória, transforma os algoritmos em próteses cognitivas, que provocam não apenas a exteriorização do saber mas, também, a proletarização de algumas /muitas classes profissionais e intelectuais. A sociedade algorítmica é, portanto, uma sociedade altamente paradoxal com inúmeros conflitos políticos e societais no horizonte próximo.

9. No plano do sujeito individual, os nossos “duplos algorítmicos” podem ser muito úteis se os soubermos manipular em nosso benefício; no resto, o nosso rasto, a nossa traçabilidade, serão explorados exaustivamente em ordem a produzir padrões supra-individuais que “antecipam e orientam” o nosso comportamento, tudo garantido pela racionalidade algorítmica.

10. No plano da organização social do emprego e do trabalho, a sociedade algorítmica da automatização é uma tecnologia verdadeiramente disruptiva, isto é, cria a breve prazo um forte desemprego estrutural. Mas é também uma grande oportunidade para a inovação social e política que chegará, estou certo, à boleia da sociedade algorítmica. Vem aí a sociedade contributiva e colaborativa, o 4º sector, os bens comuns, as moedas sociais, a inteligência colectiva territorial, o rendimento básico de existência, a economia circular e uma nova organização do trabalho profundamente criativa e inovadora.
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Professor da Universidade do Algarve
Fonte:  http://observador.pt/opiniao/vem-ai-a-sociedade-algoritmica/ Acesso 30/01/2017

Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes

Luiz Felipe Pondé*
Ilustração Luiz Felipe Pondé de 30.jan.2017
O feto tem preço? Sim, tem. E, enquanto você não 
descobriu o seu preço, ainda não pensou
 a fundo no tema. 

Algum tempo atrás, nesta coluna, escrevi que hoje em dia é difícil saber separar afeto de grana (referia-me especificamente ao amor entre pais e filhos, mas o tema vai além disso, tocando o amor romântico também). Recebi alguns e-mails de leitoras revoltadas dizendo que era um absurdo eu não ser capaz de separar amor e grana. Eu já acho o contrário. Enquanto não pensarmos claramente no quanto amor e grana se misturam, não veremos nenhuma fronteira entre os dois. 

Em nossa época, mentiras viraram moeda de troca no mercado do pensamento público. Agradar aos outros é métrica de valor. Eu não jogo esse jogo. 

Devemos escapar da armadilha comum de pensar que assumir um preço para o afeto implica ser uma pessoa interesseira. Claro que esse caso óbvio também existe. Penso em pessoas motivadas pelo afeto mesmo e que, tristemente, às vezes, se batem com o limite material delas. Não era outra coisa que o grande Nelson Rodrigues tinha em mente quando dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro. 

O fato é que grana é um potencializador da vida. Com ela você pode criar um ambiente no qual confiança, bem-estar e um forte sentimento de muitas perspectivas se abrem diante de você. Onde bons sentimentos nascem? Num final de semana prolongado em Roma ou no trânsito de oito horas para Praia Grande? 

Grana cria horizontes no quais você se desenvolve e pode sonhar com melhores modelos de você mesmo. Grana dá a você a chance de ser generoso, ousado, seguro de si mesmo. No caso das meninas se dá a mesma coisa. 

Acrescentaria que no caso das meninas existe também um delicado sentimento (às vezes enterrado no mais fundo do cotidiano) de que, se alguém te dá uma bijuteria no lugar de uma joia, você se sente uma bijuteria, e não uma joia. E, em alguma medida, com razão. Porque o preço de uma joia representa o valor investido na mulher para quem você dá essa joia. 

Homens, que na maioria das vezes ganham mais e são mais escravos da obrigação do sucesso material, se sentem investidos de amor pela mulher quando ela demonstra serem eles a sua prioridade. Quando ela reconhece potência em tudo o que eles fazem –o que não significa só ganhar dinheiro. 

Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes. Do sentimento de que a vida está acabada naquela fórmula pobre de ser. Num cotidiano em que a rotina é sempre a da falta de liberdade de escolha. A dificuldade de enxergar isso torna ainda mais o afeto dependente da grana. A mentira sobre isso torna o amor ainda mais barato porque mais indefeso diante das contingências do dia a dia. 

Quer outro exemplo? Você se casa com um cara que tem uma ex-mulher. Se ele der muita atenção para ela e se preocupar muito em deixá-la "bem materialmente" mesmo depois da separação, você vai, sim, achar que ele ainda a ama. Não minta sobre isso só pra ficar bem com o marketing do bem, que deixa o mundo ainda mais cretino do que ele já é normalmente. 

O caso do amor entre pais e filhos não é tão diferente, apesar de depender mais da classe social e da cultura do país. No Brasil, da classe média alta pra cima, se você não der um apartamento para cada filho, fracassou como pai. 

Imagine que seu pai deixou sua mãe por uma mulher 20 anos mais nova do que ele, e que ele teve um filho com ela. Sei, sei, dizem por aí que todos os jovens tiram isso de letra hoje, mas isso é, também, uma mentira do marketing do bem. 

Agora imagine que ele nega para você uma viagem para Paris nas férias, mas faz um lindo quarto de bebê com todas as frescuras que sua nova jovem mulher pede. Quando encontra com você, só fala do novo "irmãozinho". Que tal? 

Invertamos a situação. Imagine que você dedicou 40 anos da sua vida para seu filho. Imagine que agora ele é bem-sucedido profissionalmente, mas deixa você viver numa casa de repouso miserável paga com sua aposentadoria. 

Onde está a fronteira entre amor e grana aí? Em Roma ou Praia Grande? 
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Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas.
Imagem  Ricardo Cammarota/Folhapress
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/ 30/01/2017

" Educação não pode ser uma commodity "!





Ragnar Thorvardarson, especialista em assuntos internacionais e de segurança do
Ministério de Relações Exteriores da Islândia

Por Jacilio Saraiva


Existe um lugar onde o governo paga escola de qualidade para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. Lá, a maioria das instituições é financiada pelo Estado e as poucas escolas particulares que existem são bancadas por instituições filantrópicas. Não é um conto de fadas, mas o cenário real da educação básica na Islândia, segundo Ragnar Thorvardarson, integrante do conselho do AFS Intercultural Programs, organização global que oferece oportunidades de aprendizagem por meio de ações de intercâmbio. 

Para ele, que também é especialista em assuntos internacionais e de segurança do Ministério de Relações Exteriores e vicepresidente da Cruz Vermelha na Islândia, além de disciplinas básicas, é preciso que o estudante vá à sala de aula para aprender pensamento crítico e inteligência emocional. No ano passado, Thorvardarson visitou o Brasil, onde participou do Efeito+, fórum que reuniu alunos do ensino médio e educadores. Da capital islandesa, Reykjavík, ele deu a seguinte entrevista ao Valor. 

Valor: Na Islândia, a educação é obrigatória para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. A maioria das instituições é financiada pelo Estado e há poucas escolas particulares. Como isso beneficia o país? 

Ragnar Thorvardarson: O governo paga a taxa de matrícula para cada aluno e, depois de o estudante se formar na escola secundária, oferece empréstimos com juros baixos para o ensino universitário. Essa fórmula ajuda o país porque todos têm um começo semelhante quando se trata de educação. Importa menos se você vem de uma família de baixa ou alta renda ou de uma escola boa ou regular, todos têm a mesma chance de ingressar na universidade. Proporcionar o acesso à educação influencia o desenvolvimento da nossa economia. 

Valor: Pesquisas feitas no Brasil indicam que estudantes do ensino médio com as melhores notas estão nas escolas privadas, de alto nível socioeconômico, enquanto as médias mais baixas são encontradas nas instituições públicas, em bairros pobres. O que fazer para reparar essa desigualdade em países que ainda lutam para oferecer educação básica de qualidade? 

Thorvardarson: Gosto muito do modelo de educação nórdico, construído em países como Islândia e Finlândia. Não vemos a educação como uma commodity, mas uma forma de construir uma sociedade forte e criativa. Isso obviamente significa que os impostos também são mais elevados, mas, ao mesmo tempo, proporcionam mais oportunidades para estudantes de baixa renda. Porém, trata­se de um projeto de longo prazo e pode ser mais fácil de ser implementado em países com menor população. A Islândia tem 330 mil habitantes. Situação bem diferente das 200 milhões de pessoas que vivem no Brasil. 

Valor: O Brasil pode aprovar uma reforma no ensino médio, que deve ser votada pelo Senado na quinta­ feira, que altera a ampliação do tempo que o aluno passa na escola. Há um aumento progressivo das atuais 800 horas letivas para 1,4 mil horas, com a jornada escolar de sete horas. O que senhor acha da escola em tempo integral e como ela pode ser mais produtiva? 

Thorvardarson: Parece um plano ambicioso e poderia ser uma maneira de proporcionar uma educação mais sólida aos alunos. No currículo revisto do ensino médio na Islândia, a partir de 2011, foi dada uma maior flexibilidade durante as aulas. Lá, um dia escolar dura entre seis e oito horas e o ano letivo vai de meados de agosto até o final de maio. Passamos do sistema antigo de escola secundária, de quatro anos, para o atual, de três, em que os estudantes se formam aos 19 anos. Gosto também do modelo escolar finlandês, que dá menos ênfase às tarefas feitas em casa e mais tempo para a cooperação entre professores. Nos últimos anos, a Finlândia ocupa o lugar mais elevado dos países nórdicos em classificações educacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [Pisa, da sigla em inglês], coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE]. [O Brasil está na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática]. No futuro, os estudantes também precisarão desenvolver habilidades diferentes, como trabalho em equipe, pensamento crítico e inteligência emocional. 

Valor: Além da Islândia, o senhor já morou no Japão, na Dinamarca, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Quais as boas experiências de aprendizagem que conseguiu identificar? 

Thorvardarson: Quando estava no Japão como estudante de intercâmbio na escola secundária, aprendi algo que nunca tinha experimentado na Islândia: a disciplina. Levantar­se e se curvar sempre que o professor entrava na sala de aula era muito estranho para mim. Ao mesmo tempo, senti que poderia haver mais espaço para os alunos se expressarem, como estamos mais acostumados na Europa. Na Dinamarca, vivenciei o trabalho em grupo, parte importante das escolas deles. No Reino Unido, gostei das aulas em estilo seminário, em que somos encorajados a refletir sobre os estudos, com outros colegas. Um dos pontos fortes nos Estados Unidos é trazer para a sala de aula mais conhecimentos corporativos, ligados às empresas e organizações governamentais.
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Fonte: Valor Econômico impresso.  Caderno EU&FIM DE SEMANA, Nº 845;  27 de janeiro de 2017, p.3
31 de janeiro de 2017 | N° 18756ARTIGO | 
DENIS LERRER ROSENFIELD

A RIQUEZA DA CORRUPÇÃO

Os governos petistas apresentaram-nos uma longa lista de crimes, produto de seu modo mesmo de exercício do poder, saqueando cofres públicos e empresas estatais. Dentre seus coadjuvantes de luxo, encontram-se o ex-governador peemedebista do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e Eike Batista, ícone desta era. Quem não se lembra das fotos de Lula e Dilma com esses personagens!

O ex-governador Sérgio Cabral, tão aclamado por suas UPPs, que se mostraram um engodo por sua falta de estrutura, amealhou, calculando por baixo, mais de US$ 100 milhões em contas no Exterior, perfazendo mais de R$ 300 milhões. Não espanta, portanto, que o Rio encontre-se nesta penúria, pois o exemplo de cima apresenta toda uma estrutura estatal capturada pelo crime.

Festas em Paris mostravam os comparsas esbanjando o que tinham surrupiado dos cofres públicos, dos recursos dos contribuintes. Expunham a quem queria ver a impunidade dos poderosos. A lei, pensavam, jamais se aplicaria a eles.

Eike Batista é outra expressão desta época de crime e impunidade. Foi erigido em símbolo do capitalismo petista, construindo um castelo de cartas ancorado em financiamentos públicos e em relações “privilegiadas” com órgãos estatais. Financiava campanhas eleitorais e irrigava os seus bolsos e os de seus companheiros.

Todos “ganhavam”, salvo evidentemente os brasileiros, que continuaram com sofríveis serviços públicos. As necessidades sociais do país seriam menores se os recursos fossem melhor administrados, com honestidade e probidade.

A Lava-Jato fez escola no Rio de Janeiro. O juiz Sergio Moro foi substituído pelo juiz Marcelo Bretas, cumprindo rigorosamente a lei. A era da impunidade, a depender desses juízes e promotores, acabou, apesar do esperneio de seus remanescentes, como o ex-presidente Lula. Contra todas as evidências, continua declarando que a lei a ele não se aplica.

Se for coerente, a sua tentativa de processar na ONU o juiz Moro deverá, então, em pouco tempo, se traduzir por colocar em questão boa parte do Judiciário brasileiro! É a volta pueril da medíocre máxima esquerdista de que a lei é somente uma mera expressão das relações de classe capitalista.

Logo, o crime está justificado!

" What´s next ??? !


Dilma tem muito a ensinar a Trump.
É impressionante a semelhança entre a retórica, bem como várias declarações de intenção, de Dilma e do recém empossado presidente americano.
Com a diferença, claro, de que, dado o tamanho do PIB, os gestos e as atitudes dele reverberam com uma força sísmica no planeta.

Passei as últimas 3 semanas em Nova York. 
Meu primeiro passeio foi à Trump Tower. Estava curiosa para ver o aparato de segurança, os desvios, a circulação de pedestres e policiais diante desse evento inédito na avenida mais famosa do mundo.
Valeu a pena. Foi surreal ver os guardas perguntando a cada um onde iam. A passagem era franqueada a quem respondia “Gucci” ou “Armani”. Os outros precisavam atravessar a avenida e passear pela calçada do outro lado.

A Tiffany, que fica bem na esquina, revestia (não sei se ainda reveste) com uma capa de seu famoso azul turquesa as divisórias de metal portáteis usadas pela polícia para redirecionar pedestres. A julgar pelo noticiário, e também pelas poucas pessoas que vi entrarem na loja, a iniciativa de marketing não teve efeito no faturamento da joalheria.

(A propósito, o objetivo da minha viagem também foi, tk God, o parto de uma sobrinha querida. Impressionante como, nestas horas, um bebê faz bem à nossa alma. O presidente ricaço nos surpreende mal, o noticiário nos desanima, mas, diante de uma lindeza recém-nascida ali mesmo, no coração de Manhattan, eu me senti revigorada. Viva as novas gerações.)

Nos últimos 20 dias, fiz uma imersão no jornalismo americano – e nos museus, que ninguém é de ferro.
Zapeei freneticamente por varias redes de TV, abertas e fechadas, de diferentes ideologias.

Quanto aos jornais impressos, procurei ler mais o Wall Street Journal, conhecido conservador e simpatizante dos republicanos, do que o New York Times, liberal e sempre tão atacado pelo presidente eleito.
Busquei, enfim, o máximo de equilíbrio possível no bom jornalismo.

Quem sabe alguém não me convence que, afinal, o que Donald Trump promete fazer não é, de fato, tão insano quanto parece?
Foi uma boa decisão.
Aprendi, por exemplo, que Obama não foi tão perfeito quanto dizem muitos da grande mídia.
Ele reduziu a independência da SEC, o órgão de fiscalização das empresas com ações negociadas em bolsa, entidade quase sagrada do passado recente. Tratava-se do temido xerife das sociedades anônimas que, por dividirem sua propriedade com o público, estão sujeitas a penas e multas duríssimas se mentirem em balanços ou nas previsões de lucro.
O guardião do mercado americano que inspirou a nossa CVM (Comissão de Valores Mobiliários) foi esvaziado.
Obama também ‘vacilou’ no fim da Grande Recessão que começou em 2008. Tomou determinadas decisões que mantiveram a retomada dos Estados Unidos abaixo dos patamares históricos registrados depois das crises.
O país está em pleno emprego, sim, mas o crescimento segue anêmico, o que resulta em fraca recuperação dos salários e pode muito bem explicar a natural frustração do eleitor que desembocou na vitória do candidato que, apesar de bilionário, representa o anti-establishment.
Curiosa por entender os contras, mas principalmente em busca dos possíveis prós de medidas que parecem a volta a um passado tenebroso de perseguição religiosa, racista e sexual/sexista, o resultado foi que cheguei ontem ao Brasil com um sentimento de tristeza em relação ao que vem pela frente em termos planetários.
No começo da viagem, brincava com meu marido dizendo que o PT tinha muito a ensinar a Trump.
Xingar a mídia? Ameaçar jornalistas? Dar preferência a repórteres de veículos amigos?
Ih, Lula pode contar, de cátedra, como isso funciona.
Desafiar o Congresso? Contrariar o ritual do próprio partido e subverter as regras de etiqueta do bom convívio entre legisladores?
Formar um gabinete presidencial cheio de sobreposições de cargos e funções, onde muitos se odeiam e ninguém sabe quem manda no quê? Criar órgãos?
Dilma é PHD em tudo isso. Pergunta pra ela.
Os congressistas americanos estão tontos.
Um influente senador quer prestar contas à suas bases, os exportadores de soja, sobre o rompimento do acordo comercial do Pacífico. Parece ser o setor mais prejudicado por um dos primeiros atos de Trump na presidência, e o parlamentar tentou se informar com o encarregado do assunto na Casa Branca.
Até hoje, ninguém sabe quem manda nas exportações de soja, tamanha é a confusão de nomes, cargos e órgãos que cercam o salão oval.
Fala sério, temos rica experiência recente sobre tudo isso.
Política econômica fiscalista (gastadora) e inflacionária: outra prática que Dilma domina como poucos.
Já que Trump faz questão de seguir desconhecendo a história, ele bem poderia meramente checar com ela os efeitos de curto prazo de tal caminho (euforia, yey!, índices de aprovação nas alturas 👏👏), e os de médio (inflação, escassez de mão de obra) e longo prazo (atraso, baixa produtividade, decepção do eleitor).
O texto continua. Parte II a seguir, sobre um assunto também incrível!