quarta-feira, 17 de maio de 2017

O negativo e o positivo 

- MÍRIAM LEITÃO

      O Globo - 17/05

A agricultura salvou o PIB do primeiro trimestre e o setor pecuário está sob investigação. Esse é apenas um exemplo da complexidade dos tempos atuais, em que além de sair de uma crise econômica de grandes proporções, o país tem que enfrentar o efeito de decisões erradas e desvios de conduta. Isso leva a um cenário cheio de pontos positivos e negativos.

Depois de um ano de queda por razões climáticas, a produção de grãos deu um salto, recuperando-se da quebra de safra e batendo recorde de produção e produtividade. O agronegócio brilhou neste começo de ano, permitindo os primeiros dados positivos depois de um mar de indicadores negativos na atividade econômica. Mas um setor do agronegócio, a produção de carne, está sob investigação em várias frentes ao mesmo tempo.

A “Operação Carne Fraca” foi muito mais do que se tentou estigmatizar, com a paródia do papelão. O que houve de fato é que a Polícia Federal pegou pequenos e grandes frigoríficos com problemas sanitários localizados e muitos indícios de corrupção. Entre os grandes estão JBS e BRFoods. Na sexta-feira, a “Operação Bullish" foi contra as bases dos empréstimos, compra de debêntures e conversão em ações do grupo JBS no BNDES. O próprio banco instaurou comissão para apurar os fatos. Ainda ontem, a “Operação Lucas” estava atrás de corrupção no Ministério da Agricultura, na relação entre fiscais e o frigorífico Minerva. E há novas investigações em curso.

O setor de carne sofre o efeito da promiscuidade na sua relação com o governo, que sempre existiu e se agravou nos últimos anos. Os casos de fiscais pagos pelos fiscalizados não são raros no setor. E foi isso que se viu numa das partes da denúncia da “Operação Carne Fraca” e aparece agora na “Lucas”. O crescimento do setor se baseou em grande parte na dependência excessiva dos aportes de bancos estatais e alguns foram muito lesivos aos cofres públicos. É natural que o TCU e o Ministério Público investiguem.

Cada ponto dessa crise tem uma razão específica. No caso da carne é a soma de anos de erros na política de usar a alavanca governamental para crescer e conquistar o mercado externo. O curioso é que o auge do intervencionismo estatal no setor não coincide com o melhor desempenho das exportações brasileiras. O Brasil é competitivo na atividade, não era necessária uma política estatal para que isso acontecesse.

Em todos os outros setores da economia, o país tem se alternado entre notícias negativas e positivas. Ontem o Ministério do Trabalho divulgou a criação líquida de 60 mil empregos formais em abril, mas o país continua sem saber quando vai reduzir de forma significativa o nível recorde de desempregados. A cena é complicada nessa saída da recessão. A própria retomada não está garantida porque o grau de incerteza é enorme na política. Na economia também há dilemas que não se sabe como resolver, como o das empresas, de diversas áreas, que ficaram muito endividadas na crise e estão sem fôlego para voltar a contratar e investir. Todas as grandes construtoras do país foram tragadas pelas investigações da Lava-Jato, tiveram suas diretorias dizimadas após as revelações sobre os crimes que cometeram. Nem todas vão sobreviver. Na área fiscal, a dúvida permanece. O buraco é enorme. A dívida pública continua aumentando e a volta ao equilíbrio primário vai demorar anos para acontecer.

Nos últimos dias saíram algumas notícias boas como o lucro da Petrobras, o primeiro desde 2015, a captação de bônus no exterior a volumes maiores do que o esperado. Isso ajuda a mudar um pouco o perfil da dívida da companhia, que foi atingida em cheio pela corrupção e má gestão nos dois últimos governos. Mas a estatal continua a petrolífera mais endividada do mundo. O Banco Central divulgou um número positivo de atividade neste primeiro trimestre, porém a maioria dos analistas prevê um segundo trimestre mais fraco do que o primeiro e uma recuperação muito lenta.

Este é o tempo de um indicador em alta num dia, e outro em queda no dia seguinte. Essa gangorra é ruim, mas é melhor do que nos últimos dois anos, em que havia uma queda num dia e no outro também. O país está saindo assim claudicante dessa crise, sem ter certeza se ela chegou realmente ao fim.

De novo o caminho das reformas 

- RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

            ESTADÃO - 17/05

Essa solução moderada é defendida pela grande maioria dos alheios ao messianismo lulopetista


Em face da tarefa de reestruturar as instituições após o tsunami lulopetista, duas alternativas se abrem: as reformas ou a convocação de uma nova Constituinte. A maioria dos intelectuais e homens públicos que pensam o Brasil acolheu-se à primeira alternativa. Parcela menor elegeu a segunda.

Entre os defensores desta última aparecem vozes autorizadas. como a do economista Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria. A propósito da proposta de fazer tudo de novo, mediante a convocação de uma Assembleia Constituinte específica, escreveu Giannetti da Fonseca no artigo Constituinte já! (Estado, 30/4, A2): “A falência de um sistema político, assim como de uma empresa, pressupõe a imediata mudança de sua administração e a responsabilidade de seus acionistas. No caso do atual sistema político, significa a imediata convocação, ainda em 2017, de uma Assembleia Constituinte independente, com mandato parcial específico para promover a tão esperada reforma política e a correção de erros históricos (...), mas que até hoje fomos incapazes de corrigir. Torna-se imperativo (...) que seja uma Constituinte independente, com os integrantes eleitos diretamente e impedidos de participar das eleições e de ocupar cargos públicos até 2022, para se evitarem conflitos de interesses. E que essa revisão seja de fato profunda e abrangente, a começar pela reforma da estrutura político-partidária, de forma a reduzir o absurdo número de partidos (...)”.

Incumbências dessa assembleia também seriam a redução da onerosa estrutura do Legislativo, a eliminação do foro privilegiado, a adoção de um sistema de representação mais de acordo com o nosso modelo demográfico e a alteração da forma de nomeação dos integrantes dos tribunais superiores, entre outras.

Entre os defensores da primeira alternativa, identificada com o prosseguimento das reformas em curso do Congresso Nacional, está a grande maioria dos intelectuais e homens públicos alheios ao messianismo lulopetista, que acreditam nos caminhos das reformas efetivadas pelas instituições atuais, alinhando-se a uma solução moderada, típica da nossa estrutura cultural. Já se manifestaram sobre isso o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o atual presidente, Michel Temer, e altos funcionários do Estado, como o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. Manifestaram-se nesse sentido, também, intelectuais como Luiz Werneck Vianna, Bolívar Lamounier, Denis Rosenfield e muitos outros, entre os quais me incluo, bem como jornalistas da talha de José Nêumanne, Eliane Cantanhêde, Vera Magalhães, Miriam Leitão, Dora Kramer, etc.

Considero, honestamente, que esse é o caminho a prosseguir, por várias razões. Em primeiro lugar, porque nem tudo está contaminado pelo vírus das práticas corruptas, tanto no seio do Parlamento quanto no interior da magistratura ou dos quadros administrativos que compõem o Executivo. Quando foram denunciados pelo Ministério Público ao Poder Judiciário, tendo esta acolhido, na forma da lei, essas denúncias, os atores marcados pelas práticas corruptas têm sido colocados de fora sem contemplações. Reconheçamos tratar-se de um caminho difícil, que exige muita negociação e paciência, com os altos e baixos dos debates parlamentares e das manifestações da opinião pública. Mas essa saída tem mostrado que as instituições republicanas funcionam. Destaque-se o papel de negociador com o Congresso que tem sido desempenhado a contento pelo presidente Temer, profundo conhecedor do meio parlamentar.

A respeito da premência das reformas que estão sendo efetivadas, o general Villas Bôas destacou a importância da variável ética como motor daquelas. A esse respeito o alto oficial frisou, em entrevista à revista Veja (26 de abril): “Considero importante que se dê a celeridade possível ao julgamento dos casos, porque acho perigoso que as pessoas de bem comecem a ficar descrentes, e às vezes até descrentes da democracia. Aí você começa a abrir espaços para atalhos. O Brasil vai ter de se repactuar. E o único parâmetro universal para que se faça isso é o princípio ético e moral. O que me preocupa é que acho que não apareceu uma base de pensamento alternativa nem uma base que propicie o surgimento de uma liderança”.

A respeito da confiança na democracia brasileira e das expectativas com que são esperadas as reformas que estão em andamento, escreveu a jornalista Eliane Cantanhêde (Estadão, 30/4): “Conforme dizem empresários do campo e da cidade e confirmam embaixadores estrangeiros em Brasília, a reforma da Previdência e os próximos três meses serão cruciais para saber o que vai acontecer e o mundo apostar ou não suas fichas e investimentos no Brasil. Aliás, esses embaixadores estão perplexos com a corrupção descomunal, mas também com a força da democracia brasileira. Apesar de dois anos de recessão, mais de 14 milhões de desempregados, a Lava Jato atingindo oito ministros e dezenas de parlamentares e um dia inteiro de protestos e fogo na TV, as instituições funcionam normalmente: o Executivo governa, o Legislativo vota, o MP investiga, o Judiciário julga. Que país do mundo enfrentaria todas essas crises simultâneas sem risco de ruptura, golpe, implosão?”.

Que as reformas em curso prossigam, notadamente aquela que foi preconizada pelo recente Debate Estadão e sintetizada nestes termos por editorial deste jornal: “(...) a chamada cláusula de barreira, ou de desempenho, destinada a restringir o acesso a recursos públicos diretos, como os do Fundo Partidário, ou indiretos, como aqueles que patrocinam na mídia eletrônica o horário eleitoral dito gratuito (...)”.

*Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF, professor emérito da Ecame, é docente da Faculdade Arthur Thomas – Londrina

A lição da XP sacudiu a banca

 - ELIO GASPARI

     O GLOBO - 17/05
O Itaú pode ter feito no século XXI o que muitos quatrocentões
 não fizeram no XX e quebraram

A compra pelo banco Itaú de metade da corretora XP Investimentos por R$ 5,7 bilhões é uma grande notícia, mesmo para quem não tem um tostão aplicado no mercado de capitais. A notícia é boa porque sinaliza vitalidade, um atributo raro nas grandes empresas brasileiras. Em 1943, quando os grandes bancos de Pindorama eram geridos por quatrocentões de muitos sobrenomes, Amador Aguiar, um bancário caladão, abriu a primeira agência do Bradesco na cidade de Marília. Nesse tempo, achava-se que entrar em banco era coisa de rico, e o gerente ficava trancado numa sala. No Bradesco, a mesa do gerente ficava no salão de atendimento, e os funcionários ensinavam os clientes a preencher cheques. Passados oito anos, em 1951, o banco de Amador Aguiar era o maior do país. Aos poucos, a banca tradicional se desmilinguiu.

Em 15 anos a XP Investimentos tornou-se a maior corretora independente do país, com 300 mil clientes e R$ 69 bilhões em aplicações financeiras. Seu sucesso, bem como o de algumas casas do gênero, veio da agressividade, do uso da internet e da capacidade de prestar serviços que os grandes bancos não oferecem. No século passado, havia gente que tinha medo de banco; no XXI, tem-se medo das taxas que cobram. A XP oferece aplicações sem cobrança de taxas.

Nada do que a XP fez estava fora do alcance dos grandes bancos. A diferença esteve nas estruturas que têm dificuldade para absorver o novo. Essa praga está muito bem contada no livro “The Innovator’s Dilemma”, de Clayton Christensen. A Sears foi o novo, perdeu o passo do novo varejo e arruinou-se. Às vezes, as grandes empresas sabem que o novo bate à porta, tentam adaptar-se mas afogam-se.

A sabedoria convencional ensinava que a expansão da XP obrigava os grandes bancos a resmungar ou padecer de uma difícil concorrência. O Itaú teve uma ideia e comprou metade do concorrente, deixando-o livre para administrar-se como bem entender. Com isso, virou sócio de um bom negócio e ainda por cima valorizou a custódia da XP.

Nem sempre o capitalismo depende da “destruição criadora” para se renovar. Na compra de metade da XP, nada se destruiu, mas tudo se transformou. No fundo, o principal destruidor de grandes empresas é a soberba sob a qual se escondem a preguiça e a inépcia. Um exemplo dessa moléstia (e do remédio) pode ser achado no mercado nacional de planos de saúde.

Meia dúzia de grandes operadoras atuava num mercado de 50 milhões de pessoas. Cuidando mais das conexões políticas do que dos custos hospitalares, hoje elas atravessam uma crise na qual perderam 2,8 milhões de clientes em dois anos. No meio dessa ruína está a soberba de maus gestores que tentam resolver seus problemas em Brasília.

Em 1997, o deputado Aires da Cunha, dono da operadora Blue Life, dizia que “se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha rentabilidade aumentaria muito”. Hoje uma das operadoras mais prósperas do mercado, a Prevent Senior, trabalha em São Paulo, atendendo idosos em planos individuais, com mensalidades baratas. Ela foi fundada no mesmo ano em que Aires da Cunha se queixava dos velhos. (O cliente da Prevent deve usar seu plantel de médicos e é atendido pela rede própria de sete hospitais Sancta Maggiore e 40 unidades de apoio.) Para quem queria trabalhar, o que parecia um problema era uma mina de ouro.

Elio Gaspari é jornalista

Vice decorativo 

- MERVAL PEREIRA

O Globo - 17/05

Foi providencial Michel Temer se declarar um “vice decorativo” naquela carta que enviou à então presidente Dilma, na qual se queixava de estar relegado a plano secundário no governo. Esse tratamento depreciativo por parte da ex-presidente, citado na carta, pode levar à sua absolvição no processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que julga o abuso de poder econômico na campanha presidencial.

A possibilidade de absolver Temer e condenar Dilma separando as contas de campanha, que não é apoiada pela jurisprudência do TSE, foi aberta inadvertidamente (será?) pelo vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao Dino, por outra vertente.

No seu parecer ele afirma que não encontrou nos autos do processo elementos que liguem o presidente atual aos financiamentos ilegais da campanha revelados pelos executivos da Odebrecht. Ele considera que não há sequer indícios de que Temer tivesse conhecimento da prática de qualquer ilícito E vai mais adiante: diz não haver elementos que liguem o então candidato a vice-presidente aos fatos relatados nos autos.

Mesmo assim, Nicolao Dino pede que a chapa Dilma-Temer seja cassada, mas com penas distintas para cada um de seus componentes. A ex-presidente Dilma ficaria inelegível por um período de oito anos, enquanto Temer, sem poder ser responsabilizado pelos atos ilícitos, continuaria com seus direitos políticos intactos.

Essa sentença, se acolhida pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral, ocasionaria a estranha situação de um presidente cassado poder ser eleito em seguida, de maneira indireta, pelo Congresso, retornando ao governo. Isso porque a cassação da chapa obrigaria a uma nova eleição, desta vez indireta, para um mandato tampão até a eleição de 2018. Temer provavelmente seria eleito, pois continua tendo a maioria do Congresso, e a solução esdrúxula impediria que o país entrasse em novo ciclo eleitoral, causando graves prejuízos à economia que, mal ou bem, começa a sair da depressão.

O julgamento será retomado pelo TSE no dia 6 de junho, com dois novos ministros: Henrique Neves foi substituído por Admar Gonzaga, e a ministra Luciana Lóssio saiu para Tarcísio Vieira de Carvalho entrar. Não é certo que o julgamento prossiga, pois um dos dois ministros nomeados por Michel Temer pode pedir vista do processo, que tem 29 volumes, com depoimentos de mais de 50 testemunhas.

Ao que tudo indica, porém, há uma tendência no TSE de resolver o caso o mais rapidamente possível, retirando do caminho uma insegurança política imediata. Se, como salientou o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, somente com a definição da eleição presidencial de 2018 os investimentos voltarão ao país (ou não), imaginem se um problema adicional, uma nova eleição para mandato-tampão, saísse do TSE.

É por isso que a tese da “garantia da governabilidade” entra na análise dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral, e o seu presidente, ministro Gilmar Mendes, sempre ressalta que o tribunal é “cauteloso” em decisões complexas.

O ministro recém-empossado Admar Gonzaga, em entrevista recente ao GLOBO, disse acreditar que todo juiz tem responsabilidade política “até porque o objeto da nossa jurisdição tem um viés político considerável. Não porque sofremos interferência política, mas porque as decisões tomadas aqui têm essa repercussão”.

Pelas provas que estão nos autos, além das delações premiadas dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que foram acrescentadas, é impossível não constatar que houve abuso de poder econômico na campanha de 2014, com a utilização de dinheiro desviado de obras públicas por diversas empreiteiras.

A falta de responsabilidade do vice-presidente Michel Temer, constatada pelo procurador-geral Eleitoral, pode levar a uma decisão majoritária que possibilite a absolvição de Temer e a condenação da ex-presidente Dilma, o que a levaria a perder os direitos políticos que lhe foram garantidos quando do seu impeachment, por uma decisão tão heterodoxa quanto seria essa de separar as punições numa chapa que é teoricamente indivisível.

E ainda pode não acontecer nada. Como a ex-presidente Dilma já foi impedida, arma-se o entendimento de que o processo perdeu o objeto. Ninguém seria punido, apesar das provas avassaladoras sobre abuso do poder econômico. Um jeitinho bem brasileiro.

Iolanda, uma vigarista cínica, cruel e chinfrim - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 17/05

Ex-presidente cometeu crime grave ao criar e-mail falso e vazar mandados de prisão

Sete fatos negam a biografia de estadista ilibada e avó inocente da ex-presidente Dilma Rousseff.

1) A pretensa heroína da democracia – Dilma jacta-se de que arriscou a vida, foi presa e torturada na ditadura militar lutando pela democracia. De fato, ela militou num grupo armado que combateu a ditadura, pôs a vida em risco e foi torturada, mas o objetivo de tais grupos não era democrático. Seus planos consistiam em substituir uma ditadura militar de direita por outra, comunista. Isso não justifica os métodos da ditadura, mas expõe uma farsa que convém desmascarar. O jornalista Luiz Cláudio Cunha apurou que, de fato, Dilma foi torturada e pelo menos um oficial do Exército foi acusado de tê-la seviciado, mas isso não a torna mártir da democracia, Aliás, ela nunca exigiu na Justiça punição para esse agressor.

2) Sua importância nos grupos armados – Durante suas campanhas eleitorais, foi acusada pela direita ignorante e de má-fé de haver participado pessoalmente de assaltos, como ao cofre herdado por Ana Caprioli, amante de Ademar de Barros, celebrizada como “doutor Rui”. Não se sabe se Dilma participou de ações armadas. Mas o fato é que ela nunca foi relacionada em nenhuma das listas preparadas pelos chefes dos grupos armados para a troca de companheiros presos por sequestrados. Isso em nada deslustra sua biografia de militante nem reduz a importância dos crimes por ela cometidos, mas mostra que foi mera tarefeira, sem maior relevância, em todos os grupos de que participou. Na luta armada talvez ela só se tenha destacado pela profusão de codinomes que usou: Estela, Vanda, Patrícia e Luíza. Manteve esse gosto pela falsidade ideológica pela vida pública afora, até mesmo durante e após sua passagem pela Presidência.

3) A falsificação do currículo acadêmico – O repórter Luiz Maklouf de Carvalho revelou, em 2009, que o currículo Lattes de Dilma continha fraudes: nele anotou que era master of science e doutoranda em Economia pela Universidade de Campinas (Unicamp). Maklouf apurou que ela começou, mas nunca concluiu o mestrado e também nunca deu início ao doutorado. O professor Ildo Sauer, da USP, ficou tão impressionado com o tal currículo que contou a amigos, por e-mail, tê-la convidado para participar da mesa na defesa de tese de um orientando dele. Ela respondeu com a má-criação de hábito: “Não tenho tempo para cuidar desse tipo de baboseiras”. Não é mesmo uma fofa?

4) A farsa da gerentona implacável – Analfabeto funcional e completamente jejuno em matérias técnicas ou de administração, Lula desprezou currículos respeitáveis de petistas competentes, como o citado Ildo Sauer e o físico Luiz Pinguelli Rosa, que foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Impressionado com a assessora que sempre sacava dados de um laptop, que nunca largava, nomeou-a ministra de Minas e Energia, em vez de um deles. Sauer foi diretor de Gás e Energia da Petrobrás e é o único ex-dirigente da estatal nas gestões do PT que não foi acusado de ter participado da roubalheira. Pinguelli presidiu a Eletrobrás. Ela passou, impávida, pela transformação da petroleira em fornecedora de lama moral e destruiu o sistema elétrico no Brasil. Os especialistas não resistiram ao convívio com seu estilo grosseiro: perderam os cargos subalternos e a possibilidade de avisar ao chefe sobre os desmandos que levaram à descoberta do enorme escândalo de corrupção.

5) O fatiamento da Constituição em seu proveito – Em 2016, os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, rasuraram o artigo 52 da Constituição para lhe garantirem o direito de ser merendeira de escola, o que, aliás, seria arriscado, pois, conforme se revelaria depois, ela talvez fosse até capaz de envenenar a merenda.

6) O estelionato eleitoral – Em suas campanhas eleitorais para a Presidência, em 2010 e 2014, as únicas que disputou na vida, ela ludibriou os eleitores, sob a batuta do marqueteiro João Santana, com a produção de ficção milionária, recheada de mentiras e calúnias contra adversários, bancada por propinas de empreiteiras de obras públicas, não apenas com seu conhecimento, mas também com sua intervenção. Em delação premiada, João e Mônica contaram que, quando o pagamento via caixa 2 atrasava, ela, assim como Lula o fizera antes, cobrava pessoal e duramente. Além das delações, documentos sustentam a acusação, na ação do PSDB contra a reeleição da chapa dela com Temer de vice, com farta exposição de laranjas e abusivo uso de notas frias para forjar serviços não prestados. Será uma ignomínia se o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral deixar tais crimes impunes.

7) Clandestina em palácio – Durante o processo do impeachment, ela execrou delações, delatores (“desprezíveis”) e vazamentos seletivos. Mas, segundo Mônica, beneficiou-se de vazamentos feitos por seu ministro da Justiça e advogado no impeachment, José Eduardo Martins Cardozo. Vangloriava-se de ser honesta e nunca ter praticado atos ilícitos nem ter conta no exterior. Na delação, Mônica desmentiu-a, ao contar que Dilma usou o expediente chinfrim de pré-adolescente de usar e-mail falso e comunicar-se por rascunhos. Batizou o e-mail de Iolanda, referindo-se à mulher do ex-presidente e marechal Costa e Silva, somado a 2606, relativo a 26 de junho, data em que seus “irmãos em armas” executaram com crueldade, no portão do quartel-general do II do Exército, o recruta Mário Kozel Filho, que nunca torturou ninguém nem participou de nada reprovável. Foi morto por acaso, como sói ocorrer em atentados terroristas. Em casa, em Porto Alegre, deposta, ludibria quem lhe telefona dizendo ser Janete, estratégia usada por vigaristas que alugam terrenos na Lua e fogem de credores.

É injusto definir Iolanda/Janete como vigarista cínica, cruel e chinfrim? E dizer o que de Lula, que no-la impingiu?

*Jornalista, poeta e escritor

A fome como desafio ético e espiritual

Leonardo Boff*

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"Os níveis de pobreza mundial são estarrecedores. Segundo a Oxfam que anualmente mede os níveis de desigualdade no mundo, concluiu em janeiro de 2017 que somente 8 pessoas possuem igual renda que 3,6 bilhões de pessoas, quer dizer, cerca da metade da humanidade. Tal fato é mais que a palavra fria “desigualdade”. Ético-politicamente traduz uma atroz injustiça social e, para quem se move no âmbito da fé judaico-cristã, esta injustiça social representa um pecado social e estrutural que afeta Deus e seus filhos e filhas"

Eis o artigo. 

Nada mais humanitário, social, politico, ético e espiritual que saciar a fome dos pobres da Terra.
Um mistico medieval da escola holandesa John Ruysbroeck (1293-1381) bem disse: “Se estiveres em êxtase diante de Deus e um faminto bater à sua porta, deixe o Deus do êxtase e vá atender o faminto. O Deus que deixas no êxtase é menos seguro do que o Deus que encontras no faminto”. Daí se deriva o caráter sagrado do pobre e do faminto.

Jesus mesmo, encheu-se de compaixão e saciou com pão e peixe a centenas de famintos que o seguiam. No núcleo central de sua mensagem se encontra o Pai Nosso e o Pão Nosso, na famosa oração do Senhor. Somente está na herança de Jesus quem mantem sempre unidos o Pai Nosso com o Pão Nosso. Só esse poderá dizer Amém.

Os níveis de pobreza mundial são estarrecedores. Segundo a Oxfam que anualmente mede os níveis de desigualdade no mundo, concluiu em janeiro de 2017 que somente 8 pessoas possuem igual renda que 3,6 bilhões de pessoas, quer dizer, cerca da metade da humanidade. Tal fato é mais que a palavra fria “desigualdade”. Ético-politicamente traduz uma atroz injustiça social e, para quem se move no âmbito da fé judaico-cristã, esta injustiça social representa um pecado social e estrutural que afeta Deus e seus filhos e filhas.

pobreza é sistêmica, pois é fruto de um tipo de sociedade que tem por objetivo acumular mais e mais bens materiais sem qualquer consideração humanitária (justiça social) e ambiental (justiça ecológica). Ela pressupõe pessoas cruéis, cínicas e sem qualquer sentido de solidariedade, portanto, num contexto de alta desumanização e até de barbárie.

No Brasil, por mais que se tenha feito, tirando o país do mapa da fome, existem ainda 20 milhões vivendo em extrema pobreza. Com seu programa “Brasil carinhoso” a presidenta legítima Dilma Rousseff se propunha tirar esta multidão desta situação desumana.

São múltiplas as interpretações que se dão à pobreza. A mim é esclarecedora a posição do prêmio Nobel de economia, o Indiano Amartya Sen que criou a economia solidária. Para ele a pobreza, inicialmente, não se mede pelo nível de ingressos, nem pela participação dos bens e serviços naturais. O economista define a pobreza no marco do desenvolvimento humano que consiste na ampliação das liberdades substantivas, como as chama, vale dizer, a possibilidade e a capacidade de produzir e realizar o potencial humano produtivo de sua própria vida. Ser pobre é ver-se privado da capacidade de produzir a cesta básica ou de aceder a ela. Desta forma sente negados os direitos de viver com um mínimo de dignidade e com aquela liberdade básica de poder projetar seu próprio caminho de vida.

Esse desenvolvimento possui um eminente grau de humanismo e de uma decidida natureza ética. Daí o título de sua principal obra se chamar “Desenvolvimento como liberdade”. A liberdade aqui é entendida como liberdade “para” ter acesso ao alimento, à saúde, à educação, a um ambiente ecologicamente saudável e à participação na vida social e a espaços de convivência e de lazer.

Teologia da Libertação e a Igreja que lhe subjaz nasceu a partir de um acurado estudo da pobreza. Pobreza é lida como opressão. Seu oposto não é a riqueza, mas a justiça social e a libertação. A opção pelos pobres contra a pobreza é a marca registrada da Teologia da Libertação.

Distingamos três tipos de pobreza. A primeira é aquela dos que não têm acesso à cesta básica e aos serviços sanitários mínimos. A estratégia tradicional era fazer com que os que têm, ajudem aqueles que não têm. Daí nasceu uma vasta rede de assistencialismo e paternalismo. Ajuda pontualmente os pobres mas os mantém na dependência dos outros.

A segunda leitura do pobre afirmava que o pobre tem, possui inteligência e capacidade de profissionalizar-se. Com isso é inserido no mercado de trabalho e arranja sua vida. Essa estratégia é correta mas politicamente não se dá conta do caráter conflitivo da relação social, mantendo a saída da pobreza dentro do sistema que continua produzindo pobres. Reforça-o inconscientemente.

A Terceira interpretação parte de que o pobre tem e quando conscientizado dos mecanismos que o fazem pobre (são empobrecidos e oprimidos), se organizam, projetam um sonho novo de sociedade mais justa e igualitária, transformam-se numa força histórica, capaz de, junto com outros, dar um novo rumo à sociedade. Desta perspectiva nasceram os principais movimentos sociais, sindicais e outros grupos conscientizados da sociedade e das igrejas. Destes podem-se esperar transformações sociais.

Por fim, para uma percepção da fé bíblica, o pobre sempre será a imagem desfigurada de Deus, a presença do pobre de Nazaré, crucificado que deve ser baixado da cruz. E por fim, no entardecer da história universal, os pobres serão os juizes de todos, porque, famintos, nus e aprisionados, não foram reconhecidos como a presença anônima do próprio Juiz Supremo face ao qual, um dia, todos comparecerão.
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Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/567655-a-fome-como-desafio-etico-e-espiritual

“Os pais esquecem que a família não é uma democracia”


 

Entrevista com Mario Sergio Cortella
Professor e filósofo

Isabela Palhares

Educador destaca necessidade de exercer autoridade sobre os filhos e
não transformar desejos em direitos

MARIO SERGIO CORTELLA

“Ele é assim e não há o que fazer”“No meu tempo era diferente”. Essas frases são comumente ditas por pais ao professor e filósofo Mario Sergio Cortella. Ele lançou nesta sexta-feira, 12 de maio, o livro Família – Urgências e Turbulências(Cortez Editora, 144 págs., preço sugerido R$ 38) em que aponta a falta de convívio familiar e a dificuldade de exercer autoridade sobre os filhos como as principais falhas nas relações familiares atuais.

Pergunta: O senhor fala que a atual geração de pais dá “toda voz” às crianças. A falta de tempo faz com que os pais optem por evitar confronto com os filhos?

Mario Sergio Cortella: A falta de tempo é uma das causas. Ela não é exclusiva, mas extremamente significativa. Afinal de contas, quando um casal inicia uma discussão, é preciso ter tempo para levá-la adiante e concluí-la, de modo a não sofrer alguma ruptura. A ausência do tempo de convívio leva a uma rarefação também do tempo de enfrentamento. Eu uso a palavra enfrentamento sem nenhum tipo de pudor. Porque toda relação de educação tem dentro dela um enfrentamento.

O senhor fala do medo dos pais em confrontar os filhos, de discipliná-los e entristecê-los. Há uma geração de pais com medo de exercer autoridade?

Mario Sergio CortellaÉ uma geração que inverteu a relação. Afinal,quando tenho responsabilidade sobre alguém, tenho sempre de lembrar que ela está sob a minha ordenação, está subordinada a mim. Isso não significa que ela seja submissa ou inferior, mas que, do ponto de vista familiar ou legal, tenho responsabilidade por aquele cuidado. A sensação é que os pais se sentem responsáveis para que o filho seja feliz naquela circunstância imediata. É uma felicidade que não é construída e projetada para um aproveitamento mais adiante, é apenas imediata. Há um grande número de pais e mães que enfraqueceram a sua autoridade.


A preocupação excessiva de deixar as crianças em situações prazerosas e a dificuldade de imposição de limites as prejudica?

Mario Sergio CortellaÉ uma ilusão imaginar que cabe aos adultos fazer com que crianças e jovens estejam o tempo todo se divertindo. Essa perspectiva hedonista, de uma energia movida apenas pela busca contínua do prazer, é muito danosa porque deforma o que temos de formar nas crianças. Uma grande parte dos jovens tem dificuldade de lidar com a recusa dos desejos. Uma parte dos filhos hoje é criada por pais que assimilam a ideia de que os desejos são direitos e, portanto, é preciso corresponder, outorgá-los.Essa condição, em que se procura o tempo todo dar conta dessas necessidades, enfraquece a nova geração.

Há uma busca muito grande dos pais hoje para oferecer aos filhos o maior número de atividades para que se destaquem. Temos hoje crianças muito estimuladas, mas pouco motivadas?

Mario Sergio Cortellamotivação parte de dentro e o estímulo vem de fora. Pais precisam ser capazes de estimular a motivação na criança. Esseexcessivo agendamento da vida de crianças e jovens, que os deixam quase sem tempo livre, tem uma perspectiva muito mais de preparação para um mundo de combate do que para uma formação densa de valores. Aliás, uma parcela dos adultos usa, em relação aos seus filhos, uma linguagem bélica: “Tenho de preparar meu filho para o combate”, “para a luta da vida”, “para a competição”. Como se a vida fosse uma corrida de 100 metros rasos com barreiras, em que você dispara e cai quase desmaiado no final. Não, a vida é mais como uma maratona. E temos de formar crianças e jovens para essa percepção: a maratona exige situações em que você economiza fôlego, acelera, recua.

Sempre é possível restabelecer uma boa relação com os filhos?

Mario Sergio CortellaClaro. O pai que diz não ter alternativa assume a falência da capacidade de ação. Quem tem responsabilidade sobre alguém não pode desistir e, afinal, quem ama não desisteHá pais que estão criando crianças soberanas e não autônomas. Também esquecem que a família não é uma democracia – um conceito político que se aplica a um conjunto de cidadãos com direitos iguais. Uma família pode ser uma estrutura participativa, mas não democrática. Pais e filhos têm os mesmos direitos no que diz respeito à dignidade humana, mas é preciso exercer autoridade. Dar a mesma autoridade à criança é uma responsabilidade que ela não pode carregar.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Educação

terça-feira, 16 de maio de 2017

Cresce de importância papel de Dilma no petrolão 

- EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 16/05

Delação de marqueteiros ajuda a se ter a dimensão real de como a ex-presidente participou do esquema de desvio de bilhões da Petrobras

Era inverossímil que Dilma Rousseff não soubesse do saque que diretores da Petrobras fizeram durante tanto tempo na estatal, para que parte do dinheiro financiasse o caixa 2 de campanhas eleitorais, principalmente do seu partido, o PT, incluindo as dela própria à Presidência da República.

Tanto quanto isso, sabe-se hoje, era dinheiro também para elevar o padrão de vida de dirigentes partidários e, em última análise, sustentar o projeto de poder lulopetista, para se perpetuar no Planalto. Aspectos que já ficaram visíveis nas investigações sobre o mensalão, um esquema muito menor que o petrolão. Na verdade, começaram a ser montados de forma paralela.

A imagem cultivada por Dilma de distanciamento do petrolão nunca se firmou, e acaba de ser demolida pelas delações do casal de marqueteiros, João Santana e Mônica Moura, o preferido do PT pelo histórico de vitórias: Lula em 2006 e com a própria Dilma.

Nem mesmo a ideia de uma pessoa de inabalável honestidade fica de pé com o relato de Mônica sobre gastos com a ex-presidente feitos também em período não eleitoral. Com o cabeleireiro Celso Kamura, teriam sido R$ 90 mil. Ao todo, R$ 170 mil em dinheiro do petrolão, surrupiado de obras da estatal, por meio do superfaturamento de contratos.

Os relatos de Mônica Moura confirmam o que se suspeitava: Dilma tinha absoluto conhecimento de tudo o que se passava dentro da Petrobras — a origem do dinheiro e o destino, também ilegal, dele.

Não foi honesto, por exemplo, aceitar a proposta da publicitária de criar e-mail com nome fictício para as duas trocarem informações sigilosas usando um artifício criado por redes de terrorismo (deixar textos em “rascunho” para outro acessar).

Um dos resultados é que, assim, Dilma deixou um rastro eletrônico que pode complicar-lhe a vida. Não sem motivos, Mônica Moura, para usar como prova, imprimiu uma dessas mensagens e a autenticou devidamente em cartório.

Dilma assumira a presidência do Conselho Administrativo da Petrobras, no início do primeiro governo Lula, na condição de ministra de Minas e Energia. Por isso, não parecia verossímil que ela nada soubesse.

Também não foi honesto usar informações espionadas na Lava-Jato — que lhe foram transmitidas pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — para avisar ao casal que ele seria preso.

Dilma demonstra, ainda, conhecer o esquema do petrolão, ao dizer para a publicitária procurar Antonio Palocci — o “Italiano”, onipresente em negociações em torno de grandes cifras para o caixa 2 lulopetista — e cobrar dele pagamento atrasado aos marqueteiros, pelo trabalho na campanha frustrada do petista Patrus Ananias à prefeitura de Belo Horizonte, em 2012.

As delações de Mônica reforçam o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, quando ele garante que Dilma também sabia da escandalosa compra da refinaria americana de Pasadena. A passagem de Dilma pela estatal faz todo sentido.

A Lava-Jato, a amizade e o matrimônio 

- GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 16/05
Vozes que negociavam e conspiravam agora incriminam e denunciam. Prevaleceu o “Amigos, amigos, negócios à parte”

Vários filósofos fizeram reflexões interessantes sobre a amizade. Aristóteles a definiu como “uma alma em dois corpos”. Platão explicou-a como “uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”. A minha frase predileta, no entanto, é de Montaigne, que, quando da morte do seu amigo La Boétie, escreveu: “Já me acostumara tão bem a ser sempre dois que me parece agora que não sou senão meio”.

A Operação Lava-Jato, porém, remete-nos ao que pensava Confúcio: “Para conhecermos os amigos, é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade”.

De fato, com os depoimentos prestados em cerca de 150 delações premiadas muitas amizades ruíram. Poucas sobreviveram quando a liberdade estava em jogo. Dos muitos bens acumulados pelos corruptos, a liberdade revelou-se o mais importante. As mesmas vozes que antes negociavam e conspiravam são agora as que incriminam e denunciam. Prevaleceu o dito popular: “Amigos, amigos, negócios à parte”.

Mais recentemente, o “cada um por si, Deus por todos” esquentou com a divulgação da “delação do fim do mundo”, de Marcelo Odebrecht e 76 funcionários da empreiteira, e com o depoimento de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras.

Com o fogo subindo, as explicações extrapolaram as amizades e chegaram ao matrimônio. O ex-presidente Lula, pelo visto, não sabia o que se passava na Petrobras, no PT e, até, na sua própria casa. No seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, Lula afirmou que a sua esposa já falecida Marisa Letícia era quem tinha interesse no tríplex. Aliás, a ex-primeira dama já tinha sido citada em outros depoimentos. O pecuarista e amigo da “família Lula”, José Carlos Bumlai, afirmou que foi a esposa do ex-presidente quem o procurou e pediu-lhe “ajuda” para comprar um terreno no qual seria instalado o Instituto Lula. O então diretor da Odebrecht, Alexandrino Alencar, por sua vez, contou ao Ministério Público Federal que foi também Marisa Letícia quem lhe pediu uma obra no sítio de Atibaia, no valor de R$ 1 milhão, durante uma festa de aniversário de Lula em 2010.

Considerando o espírito empreendedor da senhora Marisa Letícia, fico a imaginar se não teria sido melhor que Lula a indicasse como candidata a presidente da República, em vez de Dilma, que nos levou à maior crise econômica da história do país. À época, porém, Lula chegou a dizer: “Dilma tem a competência e a capacidade que o Brasil precisa pra fazer o país avançar”. Deu no que deu...

Voltando à Lava-Jato, a fase atual poderia ser chamada como a das “delações de exterminação do universo”, tendo em vista o que já disseram João Santana e sua mulher, e o que poderá contar Palocci. Se forem comprovadas as afirmações de Mônica Moura, Dilma teria cometido cinco crimes: violação de sigilo, obstrução de Justiça, corrupção e crimes de responsabilidade e contra a administração pública. Para quem se diz honesta, é de arrepiar os cabelos, os mesmos que, tratados pelo coiffeur Celso Kamura, custaram, de 2010 a 2014, cerca de R$ 40 mil à marqueteira.

Lula, que já é réu em cinco inquéritos, poderá responder a um sexto por obstruir a Justiça, após os depoimentos de Renato Duque e Léo Pinheiro, que o acusam por tê-los orientado a destruir documentos. Para complicar, segundo João Santana, Lula dava a “palavra final” sobre o caixa dois. Companheiros, criador e criatura parecem estar enrolados.

A mais aguardada delação, entretanto, é a de Palocci, que pode ser a gota d’água nesse drama. Fundador do Partido dos Trabalhadores, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, ex-conselheiro da Petrobras, coordenador geral da campanha da ex-presidente em 2010, Palocci conhece as entranhas eleitorais e dos últimos governos. Além disso, o “Italiano” poderá dar detalhes sobre a conta “Amigo”, codinome de Lula — segundo Marcelo Odebrecht —, a qual foi aberta em 2010 com R$ 40 milhões e era movimentada frequentemente por “Brani”, assessor de Palocci.

Enfim, nessa estrutura pútrida, fétida e promíscua, que envolve os caciques da maioria dos partidos políticos brasileiros, muitos dos corruptos não seguiram os conselhos do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “Não diga nada a um amigo que você esconderia de um inimigo”. Mas a amizade e o matrimônio continuarão a unir pessoas, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os momentos da vida, salvo se um dos parceiros correr o risco de ser preso...

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

Atos falhos 

- MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/05
Muito interessante notar que o ex-presidente Lula,
 por mais treinado que seja, não conseguiu, ou não pode, escapar de alguns atos falhos durante seu depoimento ao juiz Sergio Moro, o que lhe valerá novos processos. O mais espontâneo deles foi quando admitiu que discutiu com Léo Pinheiro e o engenheiro Paulo Gordilho, em seu apartamento em São Bernardo do Campo, a cozinha do sítio de Atibaia.

Lula disse que nem se lembrava da visita do empreiteiro a seu apartamento, “mas se os dois disseram que foram, devem ter ido”. Para escapar do tríplex do Guarujá, Lula enrolou-se com a cozinha: “Eu acho que eles tinham ido discutir a cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia. Eu acho”, disse Lula. Como o procurador insistiu em saber o tema do encontro, o ex-presidente foi enfático: “Apenas a questão da cozinha”.

O problema de Lula é que a cozinha do sítio é da mesma marca da do tríplex, e as duas foram compradas pela OAS, o que indica que as reformas dos dois foram mesmo feitas pela empreiteira, o que por si só já representaria aceitar favores indevidos de uma fornecedora do Estado.

Existem provas testemunhais aos montes demonstrando que o tríplex estava reservado para o ex-presidente e família, inclusive e principalmente o depoimento do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que afirmou que o tríplex foi descontado de uma espécie de conta corrente que a empreiteira mantinha em nome de Lula.

Os diversos e-mails entregues aos procuradores da Operação Lava-Jato indicam que as reformas foram feitas a pedido de dona Marisa, tanto no sítio de Atibaia quanto no tríplex. São funcionários que trabalhavam no assunto e recebiam orientação para acertar com “a madame” as reformas.

O ex-presidente Lula teve que admitir dois encontros com seus delatores, apenas adocicou as versões. Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT, dissera em seu depoimento que foi convocado para um encontro com o ex-presidente em um hangar no aeroporto de Congonhas, ocasião em que Lula o interpelou sobre se teria uma conta na Suíça com o dinheiro desviado das obras da Petrobras.

A então presidente Dilma havia sido informada disso e estaria preocupada. Duque tinha, mas garantiu ao ex-presidente que não, e Lula, a Moro, disse que se satisfez com a negativa. Por essa versão ingênua, Dilma estava preocupada com a corrupção na Petrobras, e Lula convenceu-se de que não havia corrupção, já que Duque não tinha conta na Suíça.

Em outro depoimento, a mulher de João Santana disse que a presidente a alertou que as contas na Suíça eram facilmente rastreáveis, e sugeriu que mudassem o dinheiro para Cingapura. O empreiteiro Marcelo Odebrecht já a havia avisado que o governo brasileiro deveria impedir que a Operação Lava-Jato firmasse acordo com o governo da Suíça para rastrear suas contas, e advertiu que sua campanha seria contaminada. No celular, anotou: “Se eu caio, ela cai”.

Na versão de Renato Duque, Lula no encontro no hangar de Congonhas ainda o advertiu: “Presta atenção no que eu vou te dizer: Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome, entendeu?” Outros dois encontros no mesmo dia em horários diferentes, com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, e Léo Pinheiro, da OAS, estavam na agenda oficial de Lula e ele teve que confirmá-los.

No relato de Pinheiro, nesse encontro em junho, o presidente textualmente fez a seguinte pergunta: “Léo, o senhor fez algum pagamento a João Vaccari no exterior?” Eu (Léo) disse: “Não, presidente, nunca fiz pagamento a essas contas que nós temos com Vaccari no exterior.” (Lula): “Como você está procedendo os pagamentos para o PT?” (Léo) “Estou fazendo os pagamentos através de orientações do Vaccari de caixa dois, de doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal”. (Lula): “Você tem algum registro de algum encontro de contas feitas com João Vaccari com vocês? Se tiver, destrua”.

Lula mais uma vez negou que tivesse instruído Léo Pinheiro a destruir provas, mas confirmou o encontro. Por essas contradições e indícios, considerados “provas indiciárias”, os procuradores querem abrir um novo processo sobre obstrução da Justiça contra Lula. Já existe um com o mesmo objetivo em Brasília, mas em outro caso, o de Nestor Cerveró.

O ex-senador Delcídio Amaral revelou em delação premiada que foi Lula quem organizou a tentativa de evitar que o ex-diretor da Petrobras fizesse uma delação premiada. As histórias todas se encaixam e formam um quadro fechado sobre a atuação do ex-presidente contra as investigações da Lava-Jato.

Escola não salva a democracia 

- HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/06


SÃO PAULO - Educação melhora a qualidade do voto? Trocando em miúdos, se nossas escolas fossem melhores, correríamos menos risco de eleger bandidos ou aventureiros no próximo pleito presidencial? Infelizmente, a resposta é "não".

A ideia de que a democracia é um processo no qual cidadãos bem informados analisam desapaixonadamente as propostas em debate e escolhem a mais conveniente é sedutora, bastante popular e, lamentavelmente, errada. Não é que seja impossível que algum eleitor siga esse roteiro, mas o que várias décadas de estudos empíricos mostram é que essa está longe de ser a regra.

Um exemplo eloquente é o da fluoretação dos reservatórios de água. Do ponto de vista científico, não há dúvida de que a medida é excelente. Ela previne cáries a um custo irrisório. Nos EUA, nos anos 50 e 60, inúmeras cidades a adotaram; outras, porém, julgaram que era mais democrático submeter a questão a plebiscito. Nessas, a taxa de rejeição da proposta foi maior, chegando a 60%. E se enganam aqueles que acham que a recusa estava confinada aos rincões ignorantes da América.

Cambridge, em Massachusetts, onde têm sede Harvard e o MIT, está entre as cidades que rejeitaram o flúor. Não uma, mas duas vezes. O livro "Democracy for Realists", que já comentei aqui, traz vários outros exemplos de que as relações entre educação/informação e deliberação democrática são muito mais complexas e surpreendentes do que se supõe.

O ponto central é que as pessoas tendem a usar critérios muito mais calcados em emoções e impressões do que na razão para tomar suas decisões. Pior, eleitores são frequentemente vítimas de vieses cognitivos e pressões sociais contra os quais a escola pode muito pouco.

A democracia só não é um caso perdido porque ela, no mais das vezes, consegue ao menos evitar que indivíduos de campos políticos opostos troquem tapas e tiros nas ruas.