domingo, 27 de maio de 2012

O Espírito no Cosmos,no ser Humano e em Deus


                              O espírito no cosmos, no ser humano e em Deus


Leonardo Boff*



Vivemos numa época, particularmente, anêmica de espírito. A cultura do consumo afogou o espírito na materialidade opaca. E sem espírito perdemos o que há de melhor em nós: a comunicação livre, a cooperação solidária, a compaixão amorosa, o amor sensível e a sensibilidade cordial pelo outro lado de todas as coisas, de onde nos vem mensagens de beleza, de grandeza, de admiração, de respeito, de veneração e de transcedência.

Neste domingo, dia de Pentecostes, os cristão celebram a irrupção do Espírito sobre amentrontados seguidores de Jesus. Transformou-os em corajos mensageiros de sua mensagem libertadora, alcançando-nos a nós até os dias de hoje. Nesta oportunidade, cabe uma reflexão sobre o espírito em minúsculo e sobre o Espírito em maiúsculo.



O espírito: primeiro no universo depois em nós

Somos, singularmente, portadores de grande energia. É o espírito em nós. O espírito, na perspectiva da nova cosmologia, é tão ancestral quanto o cosmos. Espírito é aquela capacidade que os seres, mesmo os mais originários, como os hádrions, os topquarks, os prótons e os átomos de se relacionarem, trocarem informações e de criarem redes de inter-retro-conexões, responsáveis pela unidade complexa do todo. É próprio do espírito criar unidades cada vez mais altas e elegantes.

O espírito, primeiramente, está no mundo, somente depois está em nós. Entre o espírito de uma árvore e nós a diferença não é de princípio. Ambos são portadores de espírito. A diferença reside no modo de sua realização. Em nós seres humanos, o espírito aparece como aucoconsciência e liberdade.

Espírito humano é aquele momento da consciência em que ela se sente parte de um todo maior, capta a totalidade e a unidade e se dá conta de que um fio liga e re-liga todas as coisas, fazendo que sejam um cosmos e não um caos. Como se relaciona com o Todo, o espírito em nós nos faz sermos um projeto infinito, uma abertura total, ao outro, ao mundo e a Deus.

A vida, a consciência e o espírito pertencem, portanto, ao quadro geral das coisas, ao universo, mais concretamente, à nossa galáxia, à Via-Láctea, ao sistema solar e ao planeta Terra. Para que tivessem surgido, foi preciso uma calibragem refinadíssima de todos os elementos, especialmente, das assim chamadas constantes da natureza (velocidade da luz, as quatro energias fundamentais, a carga dos elétrons, as radiações atômicas, a curvatura do espaço-tempo entre outras). Se assim não fosse não estaríamos aqui escrevendo sobre isso.

Refiro apenas um dado do último livro do astrofísico e matemático Stephen Hawing “Uma nova história do tempo”(2005):”Se a carga elétrica do elétron tivesse sido ligeiramente diferente, teria rompido o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra a vida não poderia existir”(p.120). A vida pertence,pois, ao quadro geral.



O princípio andrópico fraco e forte

Para conferir alguma compreensão a esta refinada combinação de fatores se criou a expressão “princípio andrópico” (que tem a ver com o homem). Por ele se procura responder a esta pergunta que naturalmente colocamos: por que as coisas são como são? A resposta só pode ser: se fosse diferente nós não estaríamos aqui. Respondendo assim não cairíamos no famoso antropocentrismo que afirma: as coisas só têm sentido quando ordenadas ao ser humano, feito centro de tudo, rei e rainha do universo?

Há esse risco. Por isso os cosmólogos distinguem o princípio andrópico forte e fraco. O forte diz: as condições iniciais e as constantes cosmológicas se organizaram de tal forma que, num dado momento da evolução, a vida e a inteligência deveriam necessariamente surgir. Esta compreensão favoreceria a centralidade do ser humano. O princípio andrópico fraco é mais cauteloso e afirma: as precondições iniciais e cosmológicas se articularam de tal forma que a vida e a inteligência poderiam surgir. Essa formulação deixa aberto o caminho da evolução que demais a mais é regida pelo princípio da indeterminação de Heisenberg e pela autopoiesis de Maturana-Varela.

Mas olhando para trás, nos bilhões de anos, constatamos que de fato assim ocorreu: há 3,8 bilhões de anos surgiu a vida e há uns quatro milhões de anos, a inteligência. Nisso não vai uma defesa do “desenho inteligente” ou da mão da Providência divina. Apenas que o universo não é absurdo. Ele vem carregado de propósito. Há uma seta do tempo apontando para frente. Como afirmou o astrofísico e cosmólogo Feeman Dyson:”parece que o universo, de alguma maneira, sabia que um dia nós iríamos chegar” e preparou tudo para que pudéssemos ser acolhidos e fazer o nosso caminho de ascensão no processo evolucionário.



O universo autoconsciente

O grande matemático e físico quântico Amit Goswami, que muito vem ao Brasil, sustenta a tese de que o universo é autoconsciente (O universo autoconsciente, Record 2002). No ser humano ele conhece uma emergência singular, pela qual o próprio universo através de nós se vê a si mesmo, contempla sua majestática grandeza e chega a uma certa culminância.

Cabe ainda considerar que o cosmos está em gênese, se autoconstruindo e em expansão contínua. Cada ser mostra uma propensão inata a irromper, crescer e irradiar. O ser humano também. Apareceu no cenário quando 99,96% de tudo já estava pronto. Ele é expressão do impulso cósmico para formas mais complexas e altas de existência.

Alguns aventam a idéia: mas não seria tudo puro acaso? O acaso não pode ser excluído, como mostrou Jacques Monod no seu livro O acaso e a necessidade, o que lhe valeu o prêmio Nobel em biologia. Mas ele não explica tudo. Bioquímicos comprovaram que para os aminoácidos e as duas mil enzimas subjacentes à vida pudessem se aproximar, constituir uma cadeia ordenada e formar uma célula viva seriam necessários trilhões e trilhões de anos. Portanto mais tempo do que o universo e a Terra possuem que é de 13,7 bilhões de anos.

Talvez o recurso ao acaso mostre apenas nossa incapacidade de entender ordens superiores e extremamente complexas como a consciência, a inteligência, o afeto e o amor. Neste sentido a visão de Pierre Teilhard de Chardin do universo que mais e mais se complexifica e assim permite a emergência da consciência e da percepção de um ponto Ómega da evolução na direção do qual estamos viajando, seja mais adequada para expressar a dinâmica mesma do universo.

Não seria melhor calarmos reverentes e respeitosos diante do mistério da existência e do sentido do universo?

Depois destas reflexões já estamos habilitados a abordar a dimensão teológica do espírito como Espírito Criador.



O Espírito Criador e a cosmogênese

Como não podia deixar de ser, Deus também é incluido na dimensão do espírito. E por excelência. Está presente na primeira página da Bíblia quando se narra a criação do céu e da terra. Diz-se que sobre o touwabohu, isto é, sobre o caos, melhor, sobre as águas primitivas “soprava um ruah (um vento, uma energia) impetuoso” (Gn 1,2). Daquele caos tirou todas as ordens: os seres inanimados, os animados e o ser humano. A este, tirado do pó como todos os demais, Deus “soprou-lhe nas narinas o ruah de vida, o espírito, e ele tornou-se um ser vivo”(Gn 2,7). É no capítulo 37 de Ezequiel que irrompe, de forma insuperavelmente plástica, a força vital do espírito. Quando este vem, os ossos ressequidos ganham carne e se transformam em vida.

Também as expressões mais altas do ser humano são atribuidos à presença do espírito nele, como a sabedoria e a fortaleza (Is 11,2), a riqueza de idéias (Jo 32,28), o senso artístico (Ex 28,3), o desejo ardente de ver Deus e o sentimento de culpa e a consequente penitência (Ex 35,21; Jr 51,1; Esd 1,1; Es 26,9; Sl 34,19; Ez 11,19; 18,31).



Deus “tem” espírito

Esta força criadora e vivificadora é eminentemente possuida por Deus. As Escrituras falam com frequência do espírito de Deus (ruah Elohim). Ele é dado a Sansão para ter força portentosa (Jz 14,6; 19,15), aos profestas para terem coragem de denunciar em nome dos pobres da Terra as injustiças que padecem, para enfrentar o rei, os poderosos e anunciar-lhes o juizo de Deus.

Especialmente no judaismo inter-testamentário se esperava para os fins dos tempos a efusão do espírito sobre toda a criatura (Jl 2,28-32; At 2, 17-21). O Messias será “forte no espírito” e virá dotado de todos os dons do espírito (Is 11,1ss).

É neste contexto do judaismo tardio que surge a tendência de personificar o espírito. Ele continua sendo uma qualidade da natureza, do ser humano e de Deus. Mas sua ação na história é tão densa que começa a ganhar autonomia. Assim se diz, por exemplo, que “o espírito exorta, se aflige, grita, se alegra, consola, respousa sobre alguém, purifica, santifica e enche o universo”. Jamais se pensa nele como criatura, mas algo do mundo de Deus que, quando se manifesta na vida e na história, tudo transforma.



O Espírito é Deus

A compreensão começou a mudar quando se cunhou uma expressão decisivia:”espírito de santidade” ou “espírito santo”. Esta formulação guarda certa ambiguidade, pois pode-se dizer espírito santo para se evitar dizer o nome de Deus (coisa que os judeus até hoje, por respeito, evitam) como pode-se significar o próprio Deus. “Santo” para a mentalidade hebraica, é o nome por excelência de Deus o que equivale dizer na compreensão grega Deus como transcendente, distinto de todo e qualquer ser da criação.

Em resumo podemos afirmar: pela palavra espírito (ruah) aplicado a Deus (Deus “tem” espírito, Deus envia o seu espírito, o espírito de Deus) os judeus expressavam a seguinte experiência: Deus não está atado a nada; irrompe onde quer; confunde planos humanos; mostra uma força à qual ninguém pode resistir; revela uma sabedoria que torna estultície todo o nosso saber. Assim Deus se mostrou aos líderes políticos, aos profetas, aos sábios, ao povo, especialmente, em momentos de crise nacional (Jz 6,33; 11, 29; 1 Sam 11,6).

Assim como é dado ao rei para que governe com sabedoria e prudência, no caso o rei Davi (1 Sam 16,13) será dado também ao servo sofredor, destituido de toda pompa e grandiloquência (Is 42,1) Em Is 61,1 se diz explicitamente:”o espírito de Javé está sobre mim porque Javé me ungiu… para anunciar a libertação dos cativos e a boa-nova para os pobres”, texto que Jesus aplicará a si na sua primeira aparição na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 17-21). Por fim, o espírito de Deus não sinaliza apenas sua ação inovadora no mundo, mas aponta para o próprio ser de Deus. O espírito é Deus. E Deus é Espírito. Como Deus é santo, o Espírito será o Espírito Santo.

O Espírito Santo penetra tudo, abarca tudo, está para além de qualquer limitação. “Para onde irei para estar longe de teu Espírito? Aonde fugirei para estar longe de tua face? Se eu escalar os céus, ai estás, se me colocar no abismo, também ai estás”(Sl 139,7) Até o mal não está fora de seu alcance. Tudo o que tem a ver com mutação, ruptura, vida e novidade tem a ver com o espírito. O Espírito Santo está tão unido à história que ela de profana se transforma em história santa e sagrada.



O Espírito num mundo sem espírito e em degradação

Hoje sentimos a urgência da irrupção do Espírito Santo como na primeira manhã da criação. A Carta da Terra, face à crise mundial ecológica, com energias negativas que nos podem arrastar ao abismo, afirma:”Como nunca antes da história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal…Temos ainda muito que aprender a partir da busca conjunta por verdade e sabedoria (final).

Cabe ao Espírito iluminar nossa mente e transformar nosso coração. Se fizermos esta conversão dificilmente escaparemos das ameaças que pesam sobre o sistema-vida e sistema-Terra. Cabe ao Espírito a capaciadade de transformar o caos destrutivo em caos criativo, como operou no primeiro momento do big bang. Ele pode transformar a tragédia possível numa crise acrisoladora que nos permite dar um salto de qualidade rumo a uma nova ordem, mais alta, mais humana, mas cordial, mais amorosa e mais espiritual. O universo, a Terra e cada um de nós somos templos do Espírito. Ele não permitirá que seja desmantelado e destruido.

Importa suplicar ao Espírito: Vem, Espírito Criador! Renove a face da Terra, aqueça nossos corações e rasgue um horizonte de sentido e de esperança para a nossa realidade humana desumanizada.
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*Leonardo Boff é coteólogo, um dos redatores da Carta da Terra e escritor.

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/05/26/o-espirito-no-cosmos-no-ser-humano-e-em-deus/

sábado, 26 de maio de 2012

Nascidos para acreditar...


                             Religião inata: Nascidos para crer

          

Nossas mentes solucionam problemas fundamentais, mas deixa uma falha que espera ser preenchida por um Deus, diz Justin L Barret.

Por volta dos 5 anos, Wolfgang Amadeus Mozart já conseguia tocar cravo, começando a compor suas próprias músicas. Mozart foi um “músico nato”; possuia grandes talentos naturais, necessitando somente de uma exposição mínima à música para se tornar fluente.
Poucos de nós temos essa sorte. A música comumente tem de ser explicada a nós por meio do ensino, repetição e prática. Já em outras areas, como a linguagem ou o caminhar, todas as pessoas já possuem isso naturalmente; temos todos o “dom de falar” e o “dom de caminhar”.

E onde se encaixa a religião? É mais parecida à música ou à linguagem?

Pesquisas da area da psicologia do desenvolvimento, da antropologia cognitiva e particularmente das ciencias cognitivas da religião me fizeram pensar que a religião é tão natural como nossa linguagem. A grande maioria dos humanos são “crentes natos”, naturalmente inclinados a achar os assuntos religiosos e suas explicações atrativas e de aquisição fácil, tornando-se hábeis na sua utilização. Tal atração pela religião é um produto evolutivo de nossa bagagem cognitiva básica. E enquanto nossa cognição não nos dá respostas sobre as verdades do mundo, por outro lado os assuntos religiosos nos ajudam a ver a religião de um modo muito interessante.
Tão logo os bebês nascem, começam a tentam entender o mundo à sua volta. À medida que o fazem, suas mentes mostram tendências regulares. O recém-nascido mostra certas preferências para o que quer prestar atenção e tenta entender o que as pessoas estão pensando no momento.
Um dos comportamentos mais importantes é o reconhecimento da diferença entre objetos físicos simples e os “agentes” – coisas que podem influenciar o entendimento do meio. Bebês sabem que bolas e livros devem ser tocados para se moverem, mas agentes tais como pessoas e animais podem se mover sozinhos.
Devido à nossa natureza altamente social, prestamos uma ateção especial aos agentes. Somos fortemente atraídos para a explicação de certos eventos por meio da ação de agentes – eventos particularmente que não são prontamente explicados em termos de uma causalidade simples.
Por instância, Phillippe Rochat e colaboradores, da Universidade Emory em Atlanta, Geórgia, conduziram uma série de experimentos mostrando que já no primeiro ano de vida, uma criança consegue diferenciar entre os movimentos de objetos simples dos de agentes, mesmo se o objeto e os agentes em questão são somente discos coloridos feitos por animação gráfica computadorizada. Por volta dos 9 meses de idade, bebês já são sensível não somente ao relacionamento causal entre dois discos que se perseguem na tela do computador, mas podem indicar quem estava perseguindo e quem estava fugindo. Os bebês primeiro assistiam a um disco vermelho perseguindo um azul (ou vice-versa) até que se habituassem ao estímulo – isso é, ficassem entediados. Então o cientista revertia a perseguição. Os bebês notaram as diferenças e voltaram a assistir novamente a perseguição (Perception, vol33, p. 355).
Muitos desses experimentos usaram discos animados que não se assemelhavam a humanos ou animais. Bebês não precisam da presença de uma pessoa, ou mesmo de um animal, para raciocinar e agir – um ponto importante é se aplicarão seu raciocínio em relação aos agentes para deuses invisíveis.
Bebês aparentemente são sensíveis a outras duas características importantes dos agentes, permitindo um melhor entendimento do mundo, mas também permitindo um maior recepção a deuses. Primeiro, agentes agem para completar objetivos. E segundo, não precisam ser visíveis. Para que o agente tenha influência nos grupos socias, como evitar os predadores e capturar presas, precisamos pensar em agentes que não podemos ver.
“quando vamos à origem das coisas naturais, as crianças são muito receptivas às explicações que envolvem um padrão ou ou propósito”
A facilidade com que os humanos empregam o raciocínio baseado em agentes não termina na infância. Num experimento que fiz com Amanda Johnson, da Faculdade Cavin em Grand Rapids, Michigan, perguntamos a estudantes universitários para narrarem suas ações enquanto empurravam bolas para um buraco de uma mesa. Um pulso eletromagnético era enviado constantemente através da mesa para a bola que estava em movimento, perturbando as expectativas físicas intuitivas. Quase dois terços dos estudantes referiram a bola “perturbada” como um agente, não como objetos físicos comuns, fazendo comentários do tipo, “Aquela não quis permanecer no lugar”, “Oh, veja. Aquelas duas se beijaram”, e “Elas não estão cooperando” (Journal of Cognition and Culture, vol. 3, p. 208).
Essa propensão natural de buscar agentes e de raciocinar de modo contraintuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa inclinação para acreditar em deuses. Uma vez pareado com outras tendências cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique altamente receptiva à religião.

Para que serve um tigre?

Deborah Kelemen da Universidade de Boston mostrou que desde a infância temos uma forte atração às explicações baseadas em propósitos para objetos naturais – de macacos a pessoas, de icebergues a árvores. Crianças de quatro e cinco anos são mais suscetíveis a pensar que um tigre é “feito para comer, andar e ser visto no zoológico” que “comer, andar e ser visto no zoológico não é feito para ele” (Journal of Cognition and Development, vol. 6, p. 3).
Essa propensão natural de buscar agentes e de raciocinar de modo contraintuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa inclinação para acreditar em deuses. Uma vez pareado com outras tendências cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique altamente receptiva à religião.
Similarmente, quando se especula sobre a origem das coisas naturais, as crianças são muito receptivas a explicações que invocam um padrão ou um propósito. É mais prazeroso para a criança acreditar que animais e plantas foram criadas para um propósito que acreditar que surgiram por razão nenhuma. Margaret Evans, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, mostrou que crianças abaixo dos 10 anos tendem a abraçar as explicações criacionistas às evolutivas sobre a origem das coisas – até mesmo crianças cujos pais e professores aceitam a evolução (Cognitive Psychology, vol. 42, p. 217). Kelemen também fez experimentos com adultos, sugerindo que não crescemos com essa atração, mas que ela é suprimida por meio da educação formal (Cognition, vol. 111, p. 138).
Isso mostra que aparentemente dividimos uma intuição que depende de um agente para classificar e modelar o que vemos no mundo. Um experimento recente feito por George Newman, da Universidade de Yale, corrobora essa visão. Bebês entre 12 a 13 meses de idade assistiam a duas animações cujo trajeto final era protegido por uma barreira, mas que era retirada ao final do evento, permitindo aos bebês ver os fatos (figura 1): 1) uma bola correndo que batia em blocos empilhados, desordenando-os; 2) uma bola correndo que, quando batia em blocos já desordenados, tornavam-se empilhados. Adultos veriam algo estranho no segundo cenário: bolas não ordenavam os blocos. Bebês também viram algo estranho, pois permaneceram mais tempo observando a segunda animação. Isso sugere que os bebês estranham um bola criando ordem que uma bola criando desordem.
Figura1.
Trajeto da bola 9seta amarela) até que atinja os blocos. A consequencia final entre a bola e os blocos é bloqueada por uma barreira que é retirada ao final do evento, permitindo analisar a consequencia.

Ainda mais interessante foi um segundo experimento. Um objeto arredondado e com um rosto (agente) moveu-se propositalmente para trás da barreira e aparentemente ordenava ou desordenava os blocos. Nesse caso, os bebês não mostraram qualquer surpresa aparente (PNAS, vol. 107, p/ 17140).
A explicação mais plausível é que os bebês possuem uma intuição tão aguçada quanto os adultos: pessoas, animais, deuses ou outros agentes podem criar ordem ou desordem, mas “não-agentes”, tais como tempestades ou bolas que rolam, somente criam desordem.
É claro que os deuses não somente criaram ou ordenaram o mundo natural, eles tipicamente possuem superpoderes: superconhecimento, superpercepção e imortalidade. Será que essas características dos deuses, as quais diferem e superam as habilidades das pessoas, são difíceis de serem adotadas pelas crianças?
Margaret Evans mostrou que crianças abaixo dos 10 anos tendem a abraçar as explicações criacionistas às evolutivas sobre a origem das coisas – até mesmo crianças cujos pais e professores aceitam a evolução. Kelemen também fez experimentos com adultos, sugerindo que não crescemos com essa atração, mas que ela é suprimida por meio da educação formal
Numa série de estudos de outros pesquisadores, as crianças aparentam prever que todos os agentes possuem um superconhecimento, superpercepção e imortalidade até que aprendam outra coisa.
Por exemplo, num estudo realizado no México, liderado por Nicola Knight da Universidade de Oxford, crianças da etnia Maya entre 4 e 7 anos foram apresentadas a uma cabaça conhecida por guardar tortilhas. Com a abertura da cabaça coberta, o experimentador perguntou às crianças o que havia dentro. Após a resposta “tortilhas”, lhes eram mostradas – para sua surpresa – que ali dentro continha uma cueca. O experimentador então cobriu a abertura novamente e perguntou se algum agente poderia saber o que havia dentro da cabaça. Os agentes incluíam o deus católico, conhecido como Diós, o deus Maya do Sol, espíritos das florestas, um “bicho-papão” chamado Chiichii ou um humano. Na cultura Maya, Diós é onipotente e onipresente, o deus do Sol sabe de todas as coisas que acontece sob o Sol, o espírito da floresta é limitado às florestas e o Chiichii é somente um aborrecimento.
As crianças mais jovens responderam que todos os agentes poderiam saber o que estava dentro da cabaça. Por volta dos 7 anos, a maioria das crianças pensavam que Diós poderia saber que a cabaça continha cuecas. Porém somente os humanos pensavam que ali havia tortilhas. Elas também podiam diferenciar o grau de conhecimento de outros agentes sobrenaturais (Journal of Cognition and Culture, vol. 8, p. 235). Coisas semelhantes também foram encontradas em crianças albanesas, israelenses, britânicas e estadounidenses.
Posso estar errado, mas minha interpretação disso é que as crianças acham mais fácil presumir que outras pessoas sabem, sentem ou relembram as coisas que imaginar precisamente quem conhece, sente ou se lembra daquilo.
Essa afirmação está relacionada ao desenvolvimento de uma faculdade denominada de “teoria da mente”, a qual se relaciona ao nosso entendimento sobre o pensamento, percepção, desejos e sentimentos das outras pessoas. A teoria da mente é importante para o bem-estar social, mas leva tempo para se desenvolver. Algumas crianças entre 3 e 4 anos simplesmente admitem que outras pessoas possuem um conhecimento do mundo completo e preciso.
Um padrão similar é visto com crianças que passaram a entender a inevitabilidade da morte. Estudos feitos por Emily Burdett, da Universidade de Oxford, sugere que o padrão das crianças é admitir todas as outras pessoas como imortais.
O achado nos quais as crianças mayas pensam que todos os deuses devem saber o que estava dentro da cabaça é importante por outra razão: a doutrinação não pode ser levada em conta. Não importa o que se diga, as crianças não precisam ser doutrinadas para acreditarem em deus. Elas naturalmente gravitam em torno dessa ideia.
Minha alegria é que essas características sobre o desenvolvimento da mente – uma explicação para a atração por explicações baseadas em agentes, uma tendência para explicar o mundo natural em termos de padrões e propósitos, e uma afirmação de que outros possuem superpoderes – faz com que as crianças naturalmente sejam receptivas à ideia de que realmente existe um ou mais deuses que ajudam a moldar o mundo em volta delas.
Posso estar errado, mas minha interpretação disso é que as crianças acham mais fácil presumir que outras pessoas sabem, sentem ou relembram as coisas que imaginar precisamente quem conhece, sente ou se lembra daquilo.
É importante notar que esse conceito da religião se esquiva das crenças teológicas. Crianças não acreditam inatamente não no cristianismo, no islamismo ou qualquer outra teologia, mas naquilo que chamo de “religião natural”. Elas possuem uma forte tendência natural para a religião, mas essas tendências não as impedem de seguir para qualquer outra crença religiosa.
Ao invés disso, o modo pelo qual nossas mentes resolvem problemas gera um espaço conceitual que molda o nosso deus, um espaço que espera ser preenchido pelos detalhes da cultura na qual nascemos.
Justin L. Barrett é diretor do Thrive Center for Human Development no Seminário Teológico de Fuller, em Pasadena, Califórnia. Seu último livro é Born Believers: The science of children`s religious belief .
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Fontes: New Scientist

http://racionalistasusp.wordpress.com/2012/05/25/todos-somos-crentes-inatos/




De: Cláudia Laitano
Sobre: sinceridade X autenticidade


Sinceridade x Autenticidade

Você acha que Xuxa foi sincera ou não?
Há exatos 40 anos, um crítico de literatura americano chamado Lionel Trilling (1905 – 1975) propôs uma distinção interessante entre dois valores aparentemente muito próximos: sinceridade e autenticidade. Ambos, segundo Trilling, refletem a moralidade de épocas diferentes. A ideia de que as pessoas deveriam ser sinceras, ou seja, fiéis a uma verdade interior, desenvolveu-se a partir do romantismo e perdeu prestígio ao longo do século passado, na medida em que foi ficando cada vez mais difícil acreditar tanto nas verdades únicas quanto na capacidade de expressá-las.

Na teoria literária de Trilling, a sinceridade era o ideal dos personagens românticos, que perseguiam a correspondência perfeita entre uma motivação interna e as ações no mundo exterior. Faria sentido falar da sinceridade dos personagens de Jane Austen ou Charles Dickens, por exemplo, mas não de uma heroína de uma tragédia grega ou de um personagem de Beckett.

A autenticidade, por sua vez, é uma demanda da modernidade e implica admitirmos que nem sempre uma verdade única e absoluta esconde-se atrás dos nossos gestos e palavras (valeu, Dr. Freud). Uma mesma pessoa pode ser levada a agir por diferentes motivações.

Ser “autêntico” significa agir de acordo com a verdade que se impõe em determinada situação – o que, claro, torna tudo muito mais difícil de julgar para quem está de fora. Políticos, com certa frequência, nos deixam confusos: quando votam contra a própria vontade (uma verdade interna) para obedecer a uma orientação do partido (uma verdade acordada) estão agindo de forma honesta ou não?

Uma pessoa e um país estão o tempo todo renovando sua identidade e suas “verdades”. As tradições gaúchas, por exemplo, podem ser autênticas ou não, na medida em que as pessoas se sintam ou não representadas por elas. A alma romântica dirá que existe um único passado gaúcho a ser cultuado e celebrado. A alma moderna dirá que o tradicionalismo é apenas uma das representações possíveis da gauchidade.

Mesmo que a maioria de nós já não consiga acreditar 100% nos outros (ou em si mesmos), a sinceridade permanece como um ideal romântico que se coloca em cena de tempos em tempos, principalmente em relação a pessoas públicas. Na semana que passou, o Brasil assistiu a um curioso debate sobre a sinceridade de Xuxa durante uma entrevista concedida ao Fantástico. Mas será mesmo possível cobrar sinceridade de uma pessoa quando ela está falando para milhões de desconhecidos?

Da Xuxa, assim como dos políticos, talvez seja mais realista, e útil, perguntar-se sobre as diferentes motivações que atendem quando se esforçam para parecer sinceros

segunda-feira, 21 de maio de 2012

a época em que as relações são rápidas, frenéticas e virtuais

Dra. Michela Pensavalli*
Um congresso sobre o tema do amor, em uma época líquida em que as relações são rápidas, frenéticas e virtuais dificilmente fazemos uma pausa para compreender as nossas emoções e os nossos sentimentos.
Zenit entrevistou a Dra. Michela Pensavalli, Psicóloga-Psicoterapeuta, Professora e Coordenadora Acadêmica SCint (Escola de Especialização em Psicoterapia Cognitivo – Interpessoal), membro da CeDic (Centro para a pesquisa e a terapia do Dep. Comportamental), Investigadora junto à ITCI (Instituto de Terapia Cognitivo – Interpessoal) e Membro do Comitê editorial da revista Modelli per la Mente e Idee in Psicoterapia.

Publicamos a seguir a entrevista:

Por que um congresso sobre o tema do amor e da afetividade?
Dra. Michela Pensavalli: Em uma época em que as relações são rápidas, frenéticas e virtuais dificilmente fazemos uma pausa para compreender as nossas emoções e os nossos sentimentos. O congresso aborda a temática do amor em tempos de liquidez mediática, explicando como funcionam os mecanismos desta nova realidade, oferecendo pontos de reflexão para entender como o Amor mudou desde a introdução da Internet, do ponto de vista comunicativo, comportamental e social.
Hoje, as pessoas buscam muito estes temas, também porque sofrem muito por isso. Onde encontrar ajuda, já que no campo psicológico há muitas escolas diferentes, e talvez algumas que realmente não ajudam a encontrar uma solução adequada?
Dra. Michela Pensavalli: Até à data as psicoterapias com mais crédito parecem ser aquelas cognitivistas. A Psicoterapia Cognitiva Interpessoal, em particular, representa uma abordagem integrada em quanto que aborda a exigência clínica de tratar os pacientes com problemas relacionais. A condução do processo de psicoterapia, envolve a construção de uma atmosfera de cooperação com o paciente, onde ele é visto como o maior especialista de si mesmo e dos seus males, enquanto que o terapeuta é o principal especialista das estratégias e das técnicas para resolvê-las. Terapeuta e paciente constroem o cenário de exploração e conhecimento das dinâmicas profundas que vão sendo expressas no contexto da relação terapêutica.
Na sua opinião, quando é que uma pessoa deve pedir ajuda psicológica no campo afetivo?
Dra. Michela Pensavalli: Quando se busca contínua e incessantemente a felicidade, uma realização de si mesmo, uma paz interior através de uma relação com um objeto ou com um evento ou com uma pessoa e esta busca entra na cotidianidade no âmbito sentimental, profissional e relacional, então pode ser útil confiar num tratamento psicoterapêutico. Por meio desta ajuda, a pessoa experimenta novas atitudes e retoma, passo a passo, o domínio da própria vida e a direção escolhida para ser perseguida nos vários âmbitos da vida cotidiana.
O que é a dependência afetiva? é uma doença? É algo normal hoje?
Dra. Michela Pensavalli: Define-se "doença das emoções". O objeto da dependência é um relacionamento. Designa uma necessidade geral e excessiva de ser acudidos, necessidade que leva a um comportamento submisso e a uma angústia de separação. É a antítese do amor a si mesmos. O dependente afetivo não consegue desenvolver o amor próprio nem a auto-estima.
Na sociedade atual, onde é dada uma grande importância à estética e à beleza externa, o dependente afetivo vive constantemente no medo de não ser aceito e aceita fazer qualquer coisa para mostrar-se complacente como o outro ainda que este seja contrário aos seus valores e ao seu código moral.
As pessoas sentem medo de ficar na solidão, mas ao mesmo tempo não têm a coragem
de tomar a sério uma relação porque é muito difícil. É realmente assim? Por quê?
Dra. Michela Pensavalli: Solidão significa entrar em contato consigo mesmos e com a própria alma, significa, às vezes, terror de viver na dor do abandono. As pessoas têm medo da solidão, porque naquele momento encontram-se diante de si mesmas. Ao mesmo tempo, no entanto, têm medo de estreitar laços fortes porque não se sentem capazes de mantê-los e gerenciá-los no tempo. A psicoterapia pós-moderna encaminha-se na direção de sustentar a pessoa enquanto busca o equilíbrio entre os excessos de extrema solidão e busca complacente e contínua do outro.
Michela, junto com Tonino Cantelmi, você escreveu um livro sobre o assunto: "Scusa se non ti chiamo piu amore". Qual é a mensagem que você daria para os jovens de hoje que se deparam com a escolha de se casar ou não casar, que se encontram diante das dificuldades psicológicas de seus parceiros?
Dra. Michela Pensavalli: Uma justa premissa que deve ser sublinhada é saber que o amor pode transformar-se numa dependência afetiva mas a dependência não se transforma jamais em amor. Isso explica porque em muitos casos uma relação amorosa transformada em uma história de dependência recíproca pode ser curada por meio do compromisso ativo dos parceiros, enquanto que uma relação que se destacou como dependência desde o início está destinada a acabar de um modo ou de outro, quando não termina destruindo as pessoas envolvidas.
No entanto, investir no amor é sempre a direção certa e a solução. Isto quando o amor é saudável e não vinculativo, quando se vive de forma independente e recíproca sem excluir o amor para si mesmos. A união no matrimônio não significa dependência afetiva, mas o oposto. Uma sadia relação baseia-se na liberdade e na autonomia, na pura necessidade de ser amados. Num matrimônio cada um manifesta o seu amor ao seu modo, e cada um ama o outro como acha melhor: isso é o amor humano. Amar significa aceitar o desafio de suportar e acolher sobretudo os defeitos do outro.
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* Psicóloga-Psicoterapeuta
Reportagem Por Thácio Siqueira
Fonte: Zenit, 19/05/2012

domingo, 20 de maio de 2012

Martha medeiros

Os benefícios de não ser o melhor


Meu pai sempre jogou tênis,desde que me conheço por gente. Lembro de uma vez em que ele comentou que o adversário ideal é o de mesmo nível, mas que se fosse preciso escolher entre jogar com alguém melhor ou com alguém pior do que ele, preferiria jogar com alguém melhor, porque gratificante não era vencer fácil aquele que sabe menos, e sim aprender com quem te exige algum esforço.

É um verbo em desuso que merece ser revitalizado: aprender. A verdadeira postura competitiva não é a daquele cara que almeja atingir o topo de qualquer maneira, e sim daquele que extrai de um superior o estímulo para encontrar o próprio caminho para vencer a si mesmo. Porque não são poucos nossos adversários internos: a ignorância, o comodismo, a ferrugem. É preciso treinar bastante para flexibilizar os movimentos, todos: do corpo e da mente.

E dessa forma avançar, sempre buscando mais, numa estrada hipoteticamente sem fim. Prefiro ler livros de quem escreve bem melhor do que eu. De quem tem mais a dizer do que eu. Além do prazer que isso me dá, não vejo outra maneira de aprimorar meu trabalho. Prefiro conversar com pessoas mais vividas que eu, mais inteligentes, com melhores histórias para contar.

Talvez algumas delas sintam o mesmo em relação a mim (pensem que sou eu a mais-mais), porém o que importa não é essa quantificação, que, aliás, é totalmente subjetiva. O que estimula é ter consciência do quanto a nossa vida se enriquece com a experiência do outro. Não por acaso, adoro programas de entrevistas, onde posso enxergar a emoção do entrevistado, seu humor, sua ironia, sua indignação – entrevistas por escrito nem sempre destacam essas sutilezas.

Adoro jantar com quem conhece mais gastronomia do que eu, salientando temperos que normalmente eu não perceberia. Gosto de viajar com quem já viajou bastante e desenvolveu um olhar para certos lugares que para mim é novo. Prefiro dançar com quem sabe me conduzir.

Mas com a condição de que esses iluminados transmitam sua sabedoria naturalmente, sem intenção, sem didatismo – senão vira aula, xaropice, perde a graça. Gosto de aprender sem que o outro perceba que está me ensinando. Claro que competidores profissionais devem tentar eliminar seu oponente – nhac! Menos um na escalada ao pódio. Nenhum atleta profissional treina tanto, investe tanto, pra não se importar em perder em nome do benefício do aprendizado.

Que aprendizado, o quê. Rubinho, Neymar, Cielo, não desapontem a torcida. Mas os amadores deveriam perceber que, em vez de se fingirem de campeões duelando com derrotados, mais vale tornarem-se melhores com a passagem do tempo, através de vitórias conquistadas no silêncio da observação. É um troféu oferecido por você a você mesmo – todos os dias.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

David Coimbra,
Polêmica, verdadeira!




Do contra

Sou contra a EPTC. A EPTC podia fechar e passar todo o trabalho e os recursos dele decorrentes para a Brigada. Se o controle do trânsito voltasse a ser da BM, a segurança teria mais verbas e haveria mais policiais nas ruas. Os azuizinhos não perderiam emprego, passariam a ser brigadianos e tudo ficaria bem. Então, sou muito contra a EPTC.

Também sou contra o voto obrigatório. Se algum dia educou, o fato de o voto ser compulsório não educa mais; só enche o saco do eleitor. Diminui a qualidade do voto, ao invés de aumentá-la. Você lembra em qual !@#@!$#%¨%$#! candidato você votou na última eleição? Não lembra porque o !@#@!$#%¨%$#! do voto é obrigatório. Se não fosse, você votaria com mais gosto e critério.

Sou contra a política do Cpers. Os 30 anos de greves não melhoraram a situação dos professores, nem da Educação. Ambos, professores e Educação, vivem um tempo de tragédia, e uma das causas disso é a tática de enfrentamento do Cpers.

Sou mais contra ainda a política dos governos do Estado e do país para a Educação. Não há investimento na Educação primária, nem coragem para enfrentar os problemas. Os governos investem nas universidades porque é mais fácil. O nó está lá embaixo, na escola fundamental, mas agir nessa área dá muito trabalho.

Sou contra as cotas raciais nas universidades. Se o Estado quer corrigir distorções antigas, basta fornecer cotas para as escolas públicas. Negros, índios, mamelucos, japoneses, alemães, iugoslavos, pobres em geral estudam em escolas públicas. Um negro rico pode estudar toda a vida em escola particular e se beneficiar com a cota racial. A cota racial é bem-intencionada, mas gera ainda mais preconceito e discriminação. Sou totalmente contra.

Sou contra manifestações de ciclistas que infringem as leis de trânsito, contra manifestações de sem-qualquer-coisa que invadem prédios públicos, contra quem invade praças, contra quem fecha ruas ou estradas. Manifestações desse tipo são CONTRAproducentes, porque só aporrinham a população, que também tem lá as suas queixas e só quer viver a vida em paz.

Sou contra pitbulls. Você não pode criar um leopardo ou um leão em casa, porque eles são feras, põem em risco a comunidade. O pitbull também é uma fera, além de ser um cachorro muito feio. Mas não é preciso eliminar os pitbulls, “matar tudo”, como defendem alguns. Não. Basta esterilizá-los e a espécie se extinguirá de forma lenta e indolor.

Sou contra a palmada educativa. Uma criança pode ser educada muito bem sem castigo físico. Palmada é reação de pais preguiçosos.

Sou contra a lei que proíbe a palmada educativa. O Estado não tem de se intrometer na intimidade familiar. Se os pais estiverem maltratando a criança, já existem leis para defendê-las.

Sou contra a mistura de álcool com direção, contra a venda de álcool nas proximidades das estradas, contra a venda de álcool para menores de idade.

Sou contra o limite zero de consumo de álcool para motoristas na cidade. Na estrada, o motorista não poderia nem enxaguar a boca com Listerine; na cidade, há que se ter um limite de bom senso, para não se incorrer em injustiças.

Sou contra, mais do que tudo, a intolerância. Sou intolerantemente contra a intolerância. A tolerância é a virtude que nos torna humanos. Por isso, basta ponderar, e muitas vezes me torno a favor de coisas de que sou contra.





Relembrando ...
Jaime Cimenti



Jaime Cimenti

A única certeza

Nos anos 1960, século XX, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Colégio Padrão, o Julinho, o professor Léo, nos discursos inflamados das manhãs, bradava, com a voz embargada de emoção, que o Julinho não estava apenas nas páginas empoeiradas dos livros da biblioteca e nos fatos da História.

Exclamava que o Julinho era principalmente aquela juventude vibrante, que haveria de atravessar as cortinas do futuro e muito fazer pelo Rio Grande e pelo Brasil. Saí do Julinho em 1972, procuro fazer, modestamente, dentro de minhas muitas limitações, minha parte. Lembro também do saudoso professor José Carlos Mattoso, mestre de filosofia, que, às oito da matina, com voz grave e fisionomia austera, nos falava das candentes e eternas questões filosóficas e nos alertava que a única certeza em relação ao futuro era a morte.

O professor Cinel, também de filosofia, amenizava e dizia que os humanos tinham inventado o abajur, o colchão e o cigarro e que o resto era mais ou menos a mesma coisa, desde milênios. Uma jovem e instigante professora, Maria Aparecida, nos indicou leituras de Sidarta, de Hermann Hesse, e Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke, duas preciosidades.

Pois é, se não aprendi muito, não foi por falta de livros e professores. Aprendi que além da morte temos poucas certezas com relação ao futuro: comunicados e cobranças da Receita Federal, aniversários e projetos de Oscar Niemeyer, aumentos de valores de condomínio e vitórias do glorioso S.C. Internacional.

O resto é incerto. Estamos, mais que nunca, condenados à falta de certezas. Estamos presos ao excesso de liberdade, de sons, palavras, imagens e escolhas. Referências duradouras, mestres com prazos de validade de mais de seis meses, considerações sobre ética e verdade válidas por mais de um ano andam escassas. Certeza zero. Dizem os pós-modernos: não há critérios rígidos e as fronteiras de tudo estão borradas. Marx falou tudo que é sólido desmancha no ar. Até vida de um palito de fósforo encurtou.

Pós-modernos dizem que não sabem direito o que é pós-moderno, que é impossível traçar contornos nítidos dos conhecimentos e que temos de lidar com o infinito. Concordo. Só quero uma pequena certeza: se eu morrer, que ao menos uma pessoa abra uma velha página do Jornal do Comércio ou o arquivo eletrônico e leia alguma coisinha escrita por mim e se emocione. Uma só me basta. O resto é mar. Viver é o grande perigo, disse o Guimarães Rosa, meio duvidoso.
Jaime Cimenti

quinta-feira, 17 de maio de 2012


                                             Já ouviu falar em Potencial Mental?

Flávio Carvalho*

Fonte: cmeeducation
O conceito é antigo, foi estabelecido por Maslow em 1970 e é de fundamental importância para quem trabalha com Segurança da Informação. Potencial Mental é a capacidade que cada um de nós tem de aprender certa quantidade de conhecimento por dia. É como se cada um deixasse entrar uma quantidade diária delimitada de informação e somente isto. Nada mais. Se este conceito não fosse verdadeiro, seria então possível fazer um curso de medicina em um ano. Ou alfabetizar uma pessoa em um dia.

Por outro lado, Maslow estabeleceu que cada ser humano tem um Potencial Mental diferente, distribuído segundo uma curva normal. O nível de Potencial Mental não é influenciado por hereditariedade, geografia, raça, riqueza, etc. É totalmente aleatório e justo. Estas hipóteses foram amplamente confirmadas em estudos posteriores conduzidos por outros pesquisadores.

O entendimento deste conceito nos dá a dramática percepção do efeito cumulativo do aprendizado. Se uma pessoa passa um dia de sua vida sem nada aprender, não há como recuperar. No dia seguinte ela só terá disponível a cota daquele dia!

A velocidade com que a tecnologia vem se desenvolvendo nos últimos anos torna cada vez mais incipientes os diplomas, os marcos do estudo formal. Não que não sejam importantes, ao contrário, são muito importantes, mas sozinhos não representam muito. O profissional de Segurança da Informação, via de regra, nasce profissionalmente em Tecnologia da Informação e se especializa. A área é extremamente dinâmica, ameaças novas surgem todos os dias e há que se estar sempre atualizado, sempre estudando. Aí é que entra o problema: quantos profissionais de fato estudam todos os dias, se especializam, obtêm certificações, progridem? Poucos, muito poucos. Já é difícil, atualmente, encontrar profissionais de Segurança da Informação (sim, o apagão de mão de obra é geral e irrestrito e afeta muito mais as áreas de tecnologia de ponta em um país como o nosso). Há pouco estive nos Estados Unidos, em um grande provedor de Serviços Gerenciados de Segurança, e ouvi que por lá para cada 20 vagas em S.I. há um profissional habilitado. Aqui no Brasil a (des)proporção é ainda maior, sem dúvida.

O grande guru da Administração, Vicente Falconi, escreveu recentemente em sua coluna na Exame: se você é jovem venda tudo o que tem vá estudar nos Estados Unidos. E interessante, ele não citou esta ou aquela Universidade especificamente. Apenas o fato de estar em um ambiente acadêmico de alto nível, afastado de sua rotina no Brasil e pressionado pelo alto nível da Instituição já vale o esforço.

Então procure refletir: emagrecer e engordar, aprender e esquecer, amar e esquecer são processos regidos pela rotina, pela repetição. Estude sempre, todos os dias. Cada pequeno passo à frente é uma conquista, pessoal e profissional. Nosso país precisa dar um grande salto de qualidade e produtividade se quiser alcançar o nível dos países desenvolvidos.
Faça sua parte.
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Flavio Carvalho é Diretor de Serviços da Arcon
Fonte: http://itweb.com.br/blogs/ja-ouviu-falar-em-potencial-mental/

sexta-feira, 11 de maio de 2012

                               Mãe é Mãe
                                                            LETICIA WIERZCHOWSKI
Mãe é mãe

Estava numa loja de roupas infantis dia desses e, na fila do caixa, duas mulheres conversavam. A loira disse para a morena: “Com a chegada do frio, não tenho dormido bem”. A morena estranhou (quem não gosta de dormir no inverno?) e perguntou para a amiga o motivo do seu mau sono. “É que levanto várias vezes por noite para cobrir as minhas filhas. Elas vivem se descobrindo durante a madrugada...”.

Fiquei ali, quieta no meu canto, mas não segurei um sorriso. Eu também, no frio da noite gaúcha, saio da cama várias vezes por noite. Não tem split que me segure sob as cobertas sem dar uma espiada nos meus meninos. Amor de mãe é isto: levantar durante a noite para conferir se o sono do filho vai bem.

Está tudo na santa paz de Deus, a casa paira no silêncio da madrugada – mas a mãe não deixa escapar a possibilidade do edredom jogado ao pé da cama, das mãozinhas frias, do corpinho encolhido num canto do colchão, do resfriado rondando o filhote. E sai do próprio aconchego só para conferir. Com mãos de fada, puxa as cobertas, ajeita o filho e volta para seu próprio sono sem fazer qualquer ruído.

Todos nós, grandes ou pequenos, cruzamos com vários tipos de amor ao longo da vida. Amores estão sempre surgindo (devem estar sempre surgindo em vidas saudáveis e dignas). Amigos, parentes, amantes, esposos, filhos. O afeto, em maior ou menor medida, nos cerca e nos acalenta ao longo da existência. Mas, de todos os amores de uma vida, entre todas as pessoas que hão de nos querer bem, a mãe da gente é a única que vai sair da cama – uma, duas, várias vezes por noite – apenas para vigiar nosso sono, protegendo-nos do frio.

A mãe, a mãe sem nacionalidade, sem idade, sem profissão; a mãe – essa entidade quase celestial – sai do aconchego da própria cama quentinha e cobre (ou cobriu, ou cobrirá) seu filho no meio da noite, saindo do quarto tão silenciosamente quanto entrou. Amor de mãe é assim: invisível, incansável.         Amor de mãe é... amor de mãe
                               
Mais tempo
para as mães tão ocupadas



Mães sempre foram tipo polvo, fazendo mil coisas com mil tentáculos. Casa, comida, lavar roupa, crochê, tricô, figada e uvada no tacho, cuidar do jardim, da horta e da roça, parir, costurar etc.

Mãe-BomBril mil utilidades. Muitas ainda tinham tempo de ter cinco, seis, dez, quinze filhos e dar uma mãozinha para as parentes e amigas. As que podiam trabalhavam fora eram professoras, enfermeiras ou outras poucas profissões. No interior da Serra gaúcha, quando uma mulher tinha filho, as vizinhas iam para a casa dela, com uma galinha na mão, para ajudar em tudo e dar caldo para a gestante, ao menos por uns dias.

No mês ou ano seguinte a gestante auxiliava a vizinha. Uma mãe levava à outra. Eletrodomésticos, menos filhos, empregadas, comida congelada (argh!, “derrete na boca”) trabalho fora, dupla jornada, maridos ajudando um pouco, pílula anticoncepcional e a vida foi mudando. As mulheres se queixam de tantas atribuições.

Ainda por cima têm de cuidar de si mesmas. Principalmente em cidades grandes, a vida é agitada. Horas de transporte, horas de trabalho, horas em casa. Não é brinquedo, não! As mães estão merecendo mais tempo para serem mães no sentido de observar, curtir com calma o crescimento dos filhos, que crescem cada vez mais rápido.

As mães merecem mais tempo para olhar nos olhos dos filhos, afagar seus cabelos, conversar com mais vagar, fazer nada ao lado das crianças, brincar com elas. Elas crescem rápido demais. Logo vão para a Austrália, para Londres, Jaquirana, Floripa, Brasília e outras bandas.

Depois voltam, às vezes com netos e/ou projetos de netos. Maternidade não combina com correria e terceirização e o tempo se vinga - e como! - das coisas feitas sem a colaboração dele. Mãe é tipo zagueiro, tem de chegar junto! Mas com calma, com categoria, tipo assim o Airton Pavilhão, saudoso, elegante. Feliz Dia das Mães! E que consigam e tenham mais tempo para se ocupar, ainda mais, com a própria e feliz maternidade.

La vita è adesso. A vida é agora. As mães sabem. Sabem tudo, as mães, mesmo as coisas que acham que não sabem. Mães não devem ser os únicos seres felizes. Todos devem ser.

Questão de tempo. E de todos darem uma mãozinha para as mamães, que sempre andaram ocupadas e, agora, estão ainda mais envolvidas demais com tantas coisas.

Jaime Cimenti

domingo, 6 de maio de 2012

MARTHA MEDEIROS

                                       
    0 Dinheiro Que Grita

Todo mundo quer ter dinheiro e não há nada de errado com isso, desde que seja conquistado por mérito próprio, sem roubar de ninguém tampouco do município, do Estado e da nação.

Dinheiro limpo é bem-vindo: nos proporciona viagens, prazeres, conforto, cultura, saúde. Saúde não apenas física, mas mental, e não estou falando do fato de poder pagar um analista se for preciso, mas da tranquilidade de não ter dívidas. Uma pessoa sem dívidas dorme melhor, pensa melhor, respira melhor.

Além de limpo e honesto, dinheiro bom é dinheiro silencioso. Que não se exibe, não se pavoneia, não aponta para si próprio dizendo: olhem eu aqui! Conheço milionários que tem com o dinheiro uma relação discreta. Claro que moram bem, viajam, possuem um bom carro, mas não ostentam, não botam seu dinheiro no sol para brilhar e ofuscar os outros. O dinheiro tem que ser elegante como o seu dono. Ninguém precisa lidar com o dinheiro como se fosse um bicheiro.

Mas é como muitos lidam. Mesmo não abrindo a camisa para mostrar suas correntes douradas nem transitando em limusines, ainda assim há quem não se importe que seu dinheiro grite – aliás, até fazem questão de ter um dinheiro bem marqueteiro.

São mulheres que colocam todas as joias que possuem para ir a uma festa, usam bolsas com monogramas gigantes, instalam chafarizes nas piscinas e compram os dias de folga dos empregados porque não toleram a ideia de irem até a cozinha buscar seu próprio copo d´água num domingo.

Homens que andam em carros que valem uma cobertura, pets que vestem Prada, vinhos que são escolhidos pelo preço e namoradas idem, que amor verdadeiro é coisa de pobre.

O rico que esnoba pessoas humildes tem um dinheiro que grita. O rico que trata a todos com respeito e gentileza, tem um dinheiro silencioso.

O rico que só gasta com grifes, tem um dinheiro que grita. O rico que investe também no que é popular (e valoriza uma pechincha, por que não?) tem um dinheiro silencioso.

O rico que perdeu o prazer de apreciar as coisas gratuitas da vida, tem um dinheiro que grita. O rico que não perdeu a conexão com aquilo que lhe dava prazer quando não era tão rico, tem um dinheiro silencioso.

Quem dificulta o acesso a si mesmo através de um sem número de assessores, guarda-costas, secretários, agentes e demais bloqueadores humanos, tem um dinheiro que grita. Quem segue disponível pro afeto, tem um dinheiro silencioso.

Costuma-se diferenciar um do outro dizendo que um é o novo rico, e o outro, o rico de berço. Pode ser. Quem nunca teve, se deslumbra. Reconheço que é muito bom viver bem e poder pagar as próprias contas, tenham elas quantos dígitos tiverem. Mas dinheiro deveria ser educado da mesma forma que um filho: nunca permita que ele seja insolente e ruidoso.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Como você é Perigoso
David Coimbra


DAVID COIMBRA

Como você é perigoso

Esse meu amigo meteu-se no pijama de flanela, abriu o tinto de Bento e aboletou-se ao lado da mulher no fundo sofá para ver um filminho inconsequente de sábado à noite. Queria matar tempo até chegar a hora de buscar a filha na saída de uma festa.

No meio da madrugada, consultou o relógio de pulso, largou a taça na mesinha de centro e foi para o carro de pijama mesmo. Dirigiu sem pressa, pegou a menina e rodou mansamente de volta ao lar.

Mas no caminho... havia uma batida da Balada Segura! Cáspite, ele tomara algumas taças de vinho! E agora? Meu amigo imaginou-se detido, arrastado de pijama para a delegacia, a filha soluçando aos berros de “não levem papai!”, os jornais do dia seguinte noticiando que ele estava dirigindo “embriagado”, os olhares de condenação e repulsa na segunda-feira, a possível demissão do emprego devido ao opróbrio público.

Começou a rezar: “Protegei-me dos azuizinhos, ó, Senhor”. E o Todo-Poderoso o bafejou com Sua graça, e desviou a atenção dos azuizinhos para outro carro, e ele passou incólume pela batida.

Ainda assim, o medo que meu amigo tem dos azuizinhos não diminuiu. Entendo por quê. Eu mesmo fui enganado por um, outro dia. Fui ao show do Joe Cocker ali perto do aeroporto. Ao chegar ao local, um guardador de carros gritou que eu poderia estacionar sobre o canteiro por R$ 20. Desconfiei, mas um azulzinho estava por perto, assistindo com serenidade aos guardadores cobrando pelo estacionamento de dezenas de carros no mesmo canteiro.

Tudo bem, pensei, olhando para o bravo agente de trânsito. Engano. Depois de alguns dias, uma multa de R$ 127 aterrissou na minha caixa de correio. Ou seja: o objetivo do azulzinho era me multar, não orientar o trânsito. Nada surpreendente: igual objetivo que eles têm quando se escondem atrás de árvores cem metros depois de um pardal.

Ora, logo depois do controle eletrônico, ninguém vai acelerar o carro a uma velocidade perigosa. Talvez passe uns 15% do limite. Então, o azulzinho de campana não tem a intenção de educar ou ajudar: ele pretende multar.

Há muitos agentes de trânsito de campana pela cidade. Eu aqui, na minha ingenuidade, gostaria tanto que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana à noite nos semáforos, onde pessoas são ameaçadas por pistolas, colocadas nos porta-malas de seus carros e sequestradas; gostaria que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana na minha rua, nem que fosse de vez em quando, para que eu não tivesse de pagar segurança privada;

gostaria que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana nos bares e restaurantes que são assaltados na Cidade Baixa e no Moinhos de Vento; gostaria que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana nas vilas e bairros pobres da cidade, onde explodem tiroteios nos fins de semana.

Mas, como já disse, isso é muita ingenuidade minha. Os agentes repressivos do Estado estão muito ocupados prestando atenção em mim, em você e no meu amigo de pijama. Nós é que somos perigosos. Nós somos uma ameaça.



quinta-feira, 3 de maio de 2012

Fabuloso texto escrito por Catón, jornalista mexicano.
“Tenho a intenção de processar a revista "Fortune",
porque fui vítima de uma omissão inexplicável.
Ela publicou uma lista dos homens mais ricos do mundo, e nesta lista eu não apareço.
Aparecem: o sultão de Brunei, os herdeiros de Sam Walton e Mori Takichiro.
Incluem personalidades como a rainha Elizabeth da Inglaterra, Niarkos Stavros,
e os mexicanos Carlos Slim e Emilio Azcarraga.
Mas eu não sou mencionado na revista.
E eu sou um homem rico, imensamente rico.
Como não? vou mostrar a vocês:
Eu tenho vida , que eu recebi não sei porquê, e saúde, que conservo não sei como.
Eu tenho uma família, esposa adorável, que ao me entregar sua vida me deu o melhor para a minha;
filhos maravilhosos, dos quais só recebi felicidades;
e netos com os quais pratico uma nova e boa paternidade.

Eu tenho irmãos que são como meus amigos,
e amigos que são como meus irmãos.
Tenho pessoas que sinceramente me amam, apesar dos meus defeitos,
e a quem amo apesar dos meus defeitos.

Tenho quatro leitores a cada dia para agradecer-lhes
porque eles lêem o que eu mal escrevo.

Eu tenho uma casa, e nela muitos livros
(minha esposa iria dizer que tenho muitos livros e entre eles uma casa).

Eu tenho um pouco do mundo na forma de um jardim,
que todo ano me dá maçãs e que iria reduzir ainda mais a presença de Adão e Eva no Paraíso.

Eu tenho um cachorro que não vai dormir até que eu chegue,
e que me recebe como se eu fosse o dono dos céus e da terra.

Eu tenho olhos que vêem e ouvidos para ouvir, pés para andar e mãos que acariciam;
cérebro que pensa coisas que já ocorreram a outros,
mas que para mim não haviam ocorrido nunca.
E eu tenho fé em Deus que vale para mim amor infinito.

Pode haver riquezas maiores do que a minha?
Por que, então, a revista "Fortune" não me colocou na lista dos homens mais ricos do planeta? "


Há pessoas pobres, mas tão pobres, que a única coisa que possuem é ...
DINHEIRO.
Armando Fuentes Aguirre (Catón)

terça-feira, 1 de maio de 2012

A árvore que floresce no inverno

                                         A árvore que floresce no inverno

RUBEM ALVES*
 
 
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Se fosse um ser humano
certamente o internariam
em algum hospício,
pois lhe faltava o senso da realidade

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OS SINAIS ERAM INEQUÍVOCOS. Aquelas nuvens baixas e escuras... O vento que soprava desde a véspera, arrancando das árvores folhas amarelas e vermelhas. É, o inverno estava chegando. Deveria nevar. Viriam então a tristeza, as árvores peladas, a vida recolhida para funduras mais quentes, os pássaros já ausentes, fugidos para outro clima, e aquele longo sono da natureza, bonito quando cai a primeira nevada, triste com o passar do tempo...
Resolvi passear, para dizer adeus às plantas que se preparavam para dormir, e fui, assim, andando, encontrando-as silenciosas e conformadas diante do inevitável, o inverno que se aproximava. E foi então que me espantei ao ver um arbusto estranho. Se fosse um ser humano certamente o internariam num hospício pois lhe faltava o senso da realidade, não sabia reconhecer os sinais do tempo.
Lá estava ele, ignorando tudo, cheio de botões, alguns deles já abrindo, como se a primavera estivesse chegando.
Não resisti e, me aproveitando de que não houvesse ninguém por perto, comecei a conversar com ele, e lhe perguntei se não percebia que o inverno estava chegando, que os seus botões seriam queimados pela neve naquela mesma tarde.
Argumentei sobre a inutilidade daquilo tudo, um gesto tão fraco que não faria diferença alguma. Dentro em breve tudo estaria morto... E ele me falou, naquela linguagem que só as plantas entendem, que o inverno de fora não lhe importava, o seu era um ritmo diferente, o ritmo das estações que havia dentro.
Se era inverno do lado de fora, era primavera lá do lado de dentro dele, e seus botões de flor eram um testemunho da teimosia da vida que se compraz mesmo em fazer o gesto inútil. As razões para isso? Puro prazer.
Ah! Há tantas canções inúteis, fracas para entortar o cano das armas, para ressuscitar os mortos, para engravidar as virgens, mas não tem importância, elas continuam a ser cantadas somente pela alegria que contêm...
E há os gestos de amor, os nomes que se escrevem em troncos de árvores, preces silenciosas que ninguém escuta, corpos que se abraçam, árvores que se plantam para as gerações futuras, lugares que ficam vazios, à espera do retorno, poemas inúteis que se escrevem para ouvidos que não podem mais ouvir, porque alguma coisa vai crescendo por dentro, um ritmo, uma esperança, um botão pela pura alegria, um gozo de amor. E me lembrei de um pôster que tenho no meu escritório, palavras de Albert Camus: "No meio do inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível".
E aí a alucinação teológica tomou conta da minha cabeça e me lembrei de uma velha tradição de Natal, ligada à árvore. As famílias levavam arbustos para dentro de suas casas. E ali, neve por todas as partes, elas os faziam florescer, regando-os com água morna. Para que não se esquecessem de que, em meio ao inverno, a primavera continuava escondida em alguma parte.
Inverno: o frio, a neve, o silêncio, a morte.
Quando as plantas florescem na primavera, ali os homens escrevem os seus nomes. Mas quando as plantas florescem no inverno, ali se escreve o nome do Grande Mistério...
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* Teólogo. Educador. Escritor.