sábado, 30 de junho de 2018

Trilhões de dívida sem freio 





O Estado de S.Paulo -30 Junho 2018

Os R$ 5,13 trilhões devidos pelo governo correspondiam em maio a 77% do valor anual do PIB. Números mostram a urgência e a importância das reformas

Cada um dos 210 milhões de brasileiros devia em maio, mesmo sem saber disso, pouco mais de R$ 24 mil – sua parte na conta de R$ 5,13 trilhões pendurada pelo governo geral. Essa dívida aumenta mês a mês, porque o buraco nas contas oficiais cresce muito mais rapidamente que a população. A lista dos devedores inclui desde bebês ainda no berço até velhinhos centenários. Sem meter a mão no bolso, até porque nem todos têm bolso, cada um já suporta, no dia a dia, os efeitos econômicos da insegurança quanto ao futuro das finanças públicas, agravada neste ano pela incerteza política, pela paralisação da agenda de reformas e por novos maus-tratos impostos aos orçamentos, principalmente ao federal. 

Os R$ 5,13 trilhões devidos pelo governo geral correspondiam em maio a 77% do valor anual do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o balanço das contas públicas divulgado pelo Banco Central (BC) na sexta-feira passada. No mês anterior a proporção ainda estava em 75,9%. O avanço do programa de ajustes e reformas permanece “fundamental para a reversão da trajetória ascendente da dívida pública”, havia informado o BC em seu relatório trimestral de inflação, divulgado um dia antes das novas estatísticas fiscais. 

A mesma preocupação quanto às finanças do governo aparece na Carta de Conjuntura publicada na quinta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): “A grande fonte de incerteza na economia brasileira continua sendo a questão fiscal – agravada no momento pela indefinição do quadro eleitoral”. O aumento do déficit público, segundo os autores da Carta, “reflete a pressão das despesas obrigatórias”, puxadas principalmente pelos gastos da Previdência. 

O efeito desastroso das despesas previdenciárias aparece, mais uma vez, no balanço de maio das contas públicas. Pelos cálculos do BC, o governo central fechou o mês com um déficit primário, isto é, excluídos os juros, de R$ 11,12 bilhões, embora o resultado conjunto do Tesouro e do BC tenha sido um superávit de R$ 3,98 bilhões. Houve saldo negativo porque o buraco de R$ 15,10 bilhões do INSS devorou aquela sobra e poderia ter devorado mais um pouco. 

O descompasso entre as contas do INSS e as demais do governo central aparece mais dramaticamente quando se examinam os valores de 12 meses. Nesse período, o sumidouro da Previdência, de R$ 188,72 bilhões, engoliu com muita folga o superávit de R$ 92,05 bilhões acumulado pelo Tesouro e pelo BC. O resultado foi um saldo negativo de R$ 97,39 bilhões nas contas primárias do governo central. 

Sem sobra nessas contas, o governo é incapaz de pagar os juros vencidos da dívida pública. Os juros se acumulam e, quando incluídos no cálculo, o resultado geral do setor público é um déficit nominal de R$ 480,16 bilhões, equivalente a 7,21% do PIB. Esse conjunto mais amplo inclui também os governos estaduais e municipais e algumas estatais (sem Petrobrás e Eletrobrás). 

Por qualquer critério a condição das contas públicas brasileiras é uma das piores do mundo. O déficit nominal é muito maior que o máximo admitido na União Europeia (3% do PIB) e superior ao da maior parte das economias de renda média. Na Europa, a maioria dos países tem fechado seus balanços fiscais com déficits bem abaixo do teto. 

Além disso, os governos do mundo rico normalmente conseguem financiar suas dívidas – em alguns casos maiores que a brasileira – com juros muito menores, e até negativos. 

No Brasil, o déficit público muito grande, crescente e alimentador de uma dívida em expansão continuada, é um dos principais obstáculos à redução dos juros. Não se baixa o custo dos financiamentos com simples voluntarismo, embora muitos políticos pareçam acreditar nessa possibilidade.

 Quando o maior tomador de empréstimos é um setor público viciado em gastança e com o orçamento amarrado por despesas obrigatórias, cortar juros é uma tarefa extremamente complicada. Os números mostram a urgência da recuperação fiscal e a importância da pauta de reformas, a começar pela da Previdência.

Contra os monopólios, a abertura


 - EDMAR BACHA


       O GLOBO - 30/06

O próximo presidente deve anunciar logo após sua posse um amplo programa de abertura do Brasil à economia mundial

Nossas elites defendem com unhas e dentes os monopólios de bens e serviços através dos quais exploram os trabalhadores e os consumidores brasileiros.

Três exemplos recentes ilustram essa afirmação. Documento preparado pela Confederação Nacional da Indústria para os presidenciáveis defende uma política de comércio exterior com reforço dos mecanismos de defesa contra as importações. Ofícios da Ordem dos Advogados do Brasil advertem a Eletrobras e o BNDES para não contratarem escritórios de advocacia estrangeiros. Liminar do ministro do Supremo Ricardo Lewandowski proíbe a venda de empresas estatais sem prévia anuência do Congresso.

Os exemplos se multiplicam. Os ruralistas há tempos impedem a importação de bananas do Equador, café robusta do Vietnã, alho da China. A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) se insurge contra a proposta da equipe econômica do governo de reduzir as tarifas sobre bens de capital importados etc.

Essas manifestações caracterizam a atitude de nossas elites empresariais e corporativas de que podem continuar a explorar os brasileiros, contratando-os a salários baixos e vendendo-lhes bens e serviços caros e ruins, sem preocupar-se em gerar empregos melhores, com produção de qualidade para ser exportada. “Nossas” elites incluem as subsidiárias das empresas multinacionais que aqui se instalam para explorar o mercado interno, mas não reproduzem a experiência de suas congêneres na América do Norte, Europa e Ásia, que atuam de forma integrada nas cadeias mundiais de valor.

São poucos os países que desde a Segunda Guerra Mundial evoluíram da renda média e são hoje países ricos, mas todos chegaram lá através de uma integração crescente com o comércio internacional: Austrália, Cingapura, Coreia do Sul, Espanha, Hong-Kong, Irlanda, Israel, Grécia, Noruega, Portugal, Nova Zelândia, Taiwan. São países pequenos comparados com o Brasil, mas recentemente temos o exemplo da China, hoje o segundo maior PIB do mundo graças à decisão de Deng Xiaoping em 1978 de abandonar o maoísmo e abrir a economia para o comércio e o investimento internacionais.

A experiência desses países confirma que crescimento econômico deriva de aumento da produtividade e este de empresas que participam ativamente do comércio internacional. A razão é que ganhos de produtividade são gerados por empresas com acesso a tecnologia de última geração; com ampla escala de produção para reduzir os custos unitários; que se especializam em bens e serviços em que são mais competitivas; e que atuam num regime de concorrência indutor da inovação e da seleção empresarial.

As economias maiores que o Brasil são também grandes exportadoras. Já o Brasil tem 3% do PIB mundial, mas suas exportações alcançam apenas 1,1% das exportações mundiais. Um gigantinho em termos de PIB, o Brasil é um anão em termos de exportações. O que se constata nas exportações se repete nas importações. A parcela das importações no PIB brasileiro é de apenas 14%. Exceto por Nigéria e Sudão, esse é o menor valor entre todos os 160 países para os quais o Banco Mundial tem dados.

Impõe-se mudar esse estado de coisas e para isso é necessário confrontar as elites que travam uma maior integração do país ao comércio internacional. O próximo presidente deve anunciar logo após sua posse um amplo programa de abertura do Brasil à economia mundial. Um programa que reduza ou elimine a cornucópia de medidas protecionistas que hoje impede a geração de bons empregos e a melhoria do bem-estar da população: tarifas elevadas sobre bens industriais importados; proibições à importação de bens agrícolas; restrições à importação de serviços bancários e à contratação de profissionais estrangeiros; limitações à presença de empresas estrangeiras em diversos setores; requisitos de conteúdo nacional; preferências para compras governamentais; barreiras portuárias e alfandegárias.

A retomada de um crescimento econômico vigoroso tem mão dupla por estar associada a uma maior integração do Brasil ao comércio internacional. Ela implica um aumento substancial tanto das exportações como das importações no PIB do país. É abrir e abrir, não cabe um dilema hamletiano nesta questão.

Edmar Bacha é economista

quinta-feira, 14 de junho de 2018

     O risco do populismo

 (Charlie Forgham-Bailey/eyevine/Glow Images/.)

Professor Jan-Werner Müller diz que a ameaça populista tem sido menosprezada e que suas presas mais fáceis não são os desvalidos


Entre os muitos clichês em torno do populismo está o de que os apoiadores dessa forma de fazer política são mais pobres e menos racionais que outros eleitores. Para o alemão Jan-Werner Müller, professor de ciências políticas da Universidade Princeton, tais conceitos são não apenas falsos, como servem para anabolizar uma prática que, por recusar o pluralismo de ideias, representa uma ameaça real à democracia. Müller analisou a chegada ao poder de políticos como Hugo Chávez, Recep Erdogan e Donald Trump. Em comum, disse a VEJA, os três exercitaram a retórica da unificação popular, enquanto, paradoxalmente, se mostraram determinados a excluir os que não compartilham de sua visão de mundo.

O senhor afirmou que nenhum populista chega ao poder sem o apoio de uma elite conservadora. Isso significa que o peso das camadas populares nesse processo é menor do que se imagina? O que eu quis dizer é que, ainda que haja forte adesão popular a esse discurso, a história recente, especialmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, mostra que parte do establishment tem uma participação importante na aprovação de um pleito ou na condução de um populista ao poder. No caso do Brexit e da eleição de Donald Trump, isso é muito patente. Michael Gove, secretário de Meio Ambiente do Reino Unido, foi um dos articuladores do Brexit e integra a elite intelectual do Partido Conservador. Não era um outsider a dizer loucuras — era alguém “de dentro”. Já Trump se elegeu por um partido do establishment, com apoio de nomes importantes, como Rudy Giuliani e Newt Gingrich, esse último, professor universitário e membro atuante de uma elite intelectual. O populismo não pode ser tratado como um fenômeno isolado e irracional dentro de uma sociedade. Ele existe porque pessoas muito influentes se beneficiam dele política e economicamente, sobretudo economicamente.

Isso ajudaria a explicar, por exemplo, por que num país como a Áustria, com alto nível de renda e desenvolvimento, o populismo obteve uma vitória tão expressiva na eleição parlamentar? As explicações para o populismo nunca são muito simples. A história de um país e seu contexto nacional têm grande peso. No caso da Áustria, o Partido da Liberdade tornou­-se relevante nos anos 1980. Não apareceu do nada, por causa do fluxo de refugiados. Ele se tornou um partido populista forte principalmente porque a Áustria vinha sendo governada pelas mesmas grandes coalizões por um longo período, durante todo o pós­-guerra. A sigla cresceu como contraponto a essas coalizões centristas. E é sempre muito fácil criticar grandes coalizões políticas e encontrar eco entre a população.

Então é possível dizer que o populismo é um movimento cíclico que se fortalece após grandes períodos governados por coalizões? Talvez o melhor termo seja ocasional, não cíclico. O populismo aparece como uma contingência — quando determinado grupo político, que possui uma liderança, está insatisfeito com o status quo e prega ser o único motor com legitimidade para representar o povo em um novo governo. É característico do líder populista pregar a unificação popular, quando, na realidade, quem não compartilhar de sua visão de mundo será excluído, no sentido de não ser representado por seu governo. Na prática, o líder populista divide, mas o discurso é invariavelmente de unificação. Trump fez uma campanha com esse tom. Erdogan e Chávez tinham a mesma retórica. Também é interessante notar que o populista, apesar de prometer representar o povo, não necessariamente diz que faz parte do povo. Ajuda, aliás, na narrativa do populismo o argumento de que o candidato é tão rico que não “precisa” ser corrupto, e de que vai governar o país como se governa uma empresa. Silvio Berlusconi fez isso na Itália nos anos 1990: prontificou-se a ser o empresário que “limparia a sujeira”.


“O discurso do populista é sempre de unificação, mas quem não concordar com sua visão de mundo será excluído. Trump fez campanha nesse tom. Erdogan e Chávez 
usaram a mesma retórica”

As redes sociais tiveram influência no fortalecimento do populismo? Sim, porque permitem um link direto entre o populista e os cidadãos, sem poderes intermediários, sem a imprensa. Ao dispor de ferramentas de comunicação direta, o populista passa a crer que a mediação é distorção. E transmite essa mensagem aos seus apoiadores. Em outro aspecto, o populista tem a possibilidade de, via redes sociais, modular o discurso para falar diretamente àqueles que lhe interessam, dizer exatamente o que esses indivíduos querem ouvir. Trump fez isso com maestria ao usar o Twitter para escantear a imprensa profissional e criar essa impressão de conexão direta com seus eleitores. Antes, era preciso ir a uma convenção partidária para ter uma experiência parecida. Hoje, o contato se dá 24 horas por dia. Essa ressonância ininterrupta é a grande novidade do nosso tempo.

Como se desmonta um discurso populista? Primeiro, é preciso abandonar os clichês sobre o populismo, que são muitos e equivocados. Depois, é necessário deixar de menosprezar os partidos populistas. Falamos dos “eleitores dos candidatos populistas” como se eles tivessem todos o mesmo perfil. Cremos saber o que eles sentem, o que pensam, e também acreditamos que são dominados pela emoção na hora do voto. Ocorre que tais convicções são velhas. São clichês da psicologia de massas do século XIX, que prega que estas são “irracionais” e que, por isso, se deixam levar por demagogos. Trata-se de uma tese ultrapassada. Um exemplo é a questão da imigração. Em uma democracia, há pessoas com posição clara e racional: “Não queremos muitos imigrantes em nosso país”. Partindo apenas dessa afirmação, não há evidências para concluir que todas as pessoas que pensam dessa forma são irracionais ou, por exemplo, contra gays ou qualquer outra minoria. Isso não é verdade. Há muita racionalidade na raiva e na insatisfação com o status quo. Quando se põem todos no mesmo saco, favorece­-se o discurso populista, que, via de regra, tem um tom de antipluralismo. Os críticos da imigração podem não ser necessariamente homofóbicos ou misóginos, mas são empurrados a aderir ao candidato populista por se se sentirem excluídos de outros círculos. Em última instância, o populismo é um movimento que rechaça a diversidade de ideias, que é um componente forte de uma sociedade democrática. Combatê-lo com mais intolerância não resolverá o problema. Só vai agravá-lo.

Há alguma diferença entre o populismo de esquerda e o de direita? Não. O que os diferencia são as razões que fizeram o líder populista chegar até ali. Em especial na América do Sul, tende-se a classificar o populismo como um movimento estático, quando, na verdade, ele é muito dinâmico, e por isso tomou o caminho da esquerda em determinados países. A Venezuela, por exemplo, não era um paraíso na terra quando Hugo Chávez surgiu. Havia espaço na sociedade venezuelana para o surgimento de um líder com discurso socialista. Na Turquia de Erdogan, o fenômeno é parecido. O país não era um modelo global de liberdade antes de ele ascender e restringi-la ainda mais.

O que mudou no discurso dos populistas do século XXI em relação àqueles do passado? A grande diferença é a presença de uma narrativa que antes não existia, a da abertura — e não só a econômica. Hoje, num país, há aqueles que advogam pelas minorias étnicas, religiosas e sexuais. E há aqueles que querem restringir essa abertura. Esse conflito facilita o surgimento de populistas, já que eles rapidamente captam que a grande questão é quem pertence e quem não pertence a tal grupo. Se os grandes conflitos fossem apenas sobre aquecimento global, bioé­tica ou aborto, populistas não teriam tanto espaço para crescer.

A aversão aos políticos é um combustível para o populismo? É combustível para votos de protesto ao status quo. Mas nem todo partido de protesto, como os movimentos que surgiram na Europa nos últimos anos, se torna necessariamente populista. Na Espanha, o Podemos e o Ciudadanos canalizaram bem a insatisfação dos espanhóis, e não há evidência de que sejam populistas. Partidos de protesto são saudáveis para a democracia.

Por que o discurso populista sempre é nacionalista? Já que todos os populistas dizem ter o monopólio da representatividade popular, é preciso que consigam preencher esse discurso com argumentos. Em geral, apontam o dedo para um determinado grupo dizendo que esse grupo não pode representar o povo porque é corrupto ou inadequado. E a retórica do nacionalismo é, em muitos casos, conveniente para justificar a razão de eles serem os únicos legítimos para essa tarefa. Uma retórica frequente é: “Eu amo o meu país, por isso não sou corrupto. ‘Eles’ não amam”. Esse discurso contrapõe diretamente o nacionalismo à corrupção. Mas é importante notar que ele é usado conforme a necessidade. Chávez, quando ascendeu ao poder, não defendia prioritariamente o nacionalismo. Apoiá-lo implicava necessariamente ser a favor do socialismo no século XXI.

Alguns cientistas políticos e historiadores relacionam o aumento da desigualdade ao surgimento do populismo. O senhor concorda com isso? A desigualdade é um problema mundial. Mas não há evidência científica de uma relação direta entre renda e populismo. O que existe, com alguma plausibilidade acadêmica, é o conceito de que a “ansiedade por status” leva ao populismo. Ansiedade por status é a expressão que define a angústia que um indivíduo sente em sua busca incessante por status, seja ele econômico, cultural, social ou profissional. E isso não tem nada a ver com renda. Curiosamente, o discurso populista encontra mais eco entre aqueles que sentem que estão sendo, de certa forma, roubados do que entre a população economicamente desfavorecida. Quem vive em situação materialmente precária tende a aderir a promessas assistencialistas, e nem sempre o assistencialismo é populista. Há muitas evidências para afirmarmos que o populismo atrai aquele indivíduo que acha que o país está caminhando de uma forma que prejudica suas aspirações e as expectativas futuras de seus filhos, e que o grupo no poder “rouba” aquilo que ele hipoteticamente poderia alcançar. Quem se prontifica a impedir esse “roubo” tem chance de conquistar essa fatia da sociedade.
----------------
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/o-risco-do-populismo/ 08/06/2018

La patología de la abundancia

¿Qué es más sano, llenar la vida de cosas, productos de moda, vestidos, bebidas, revistas y televisión o cuidar las necesidades más hondas y entrañables del ser humano en la relación de la pareja, en el hogar y en la convivencia social?
(José Antonio Pagola).- La cultura moderna exalta el valor de la salud física y mental, y dedica toda clase de esfuerzos para prevenir y combatir las enfermedades. Pero, al mismo tiempo, estamos construyendo entre todos una sociedad donde no es fácil vivir de modo sano.

Nunca ha estado la vida tan amenazada por el desequilibrio ecológico, la contaminación, el estrés o la depresión. Por otra parte, venimos fomentando un estilo de vida donde la falta de sentido, la carencia de valores, un cierto tipo de consumismo, la trivialización del sexo, la incomunicación y tantas otras frustraciones impiden a las personas crecer de manera sana.

Ya S. Freud, en su obra El malestar en la cultura, consideró la posibilidad de que una sociedad esté enferma en su conjunto y pueda padecer neurosis colectivas de las que tal vez pocos individuos sean conscientes. Puede incluso suceder que dentro de una sociedad enferma se considere precisamente enfermos a aquellos que están más sanos.

Algo de esto sucede con Jesús, de quien sus familiares piensan que "no está en sus cabales", mientras los letrados venidos de Jerusalén consideran que "tiene dentro a Belzebú".

En cualquier caso, hemos de afirmar que una sociedad es sana en la medida en que favorece el desarrollo sano de las personas. Cuando, por el contrario, las conduce a su vaciamiento interior, la fragmentación, la cosificación o disolución como seres humanos, hemos de decir que esa sociedad es, al menos en parte, patógena.

Por eso hemos de ser lo suficientemente lúcidos como para preguntarnos si no estamos cayendo en neurosis colectivas y conductas poco sanas sin apenas ser conscientes de ello.

¿Qué es más sano, dejarnos arrastrar por una vida de confort, comodidad y exceso que aletarga el espíritu y disminuye la creatividad de las personas o vivir de modo sobrio y moderado, sin caer en "la patología de la abundancia"?

¿Qué es más sano, seguir funcionando como "objetos" que giran por la vida sin sentido, reduciéndola a un "sistema de deseos y satisfacciones", o construir la existencia día a día dándole un sentido último desde la fe? No olvidemos que Carl G. Jung se atrevió a considerar la neurosis como "el sufrimiento del alma que no ha encontrado su sentido".

¿Qué es más sano, llenar la vida de cosas, productos de moda, vestidos, bebidas, revistas y televisión o cuidar las necesidades más hondas y entrañables del ser humano en la relación de la pareja, en el hogar y en la convivencia social?

¿Qué es más sano, reprimir la dimensión religiosa vaciando de trascendencia nuestra vida o vivir desde una actitud de confianza en ese Dios "amigo de la vida" que solo quiere y busca la plenitud del ser humano?


------------
Teólogo español
Fonte:  http://www.periodistadigital.com/religion/opinion/2018/06/07/religion-iglesia-opinion-reflexion-dominical-pagola-sociedad-desequilibrio-vida-patologia-abundancia-fe-dios-jesucristo.shtml

Ponha seu amor no sol


Martha Medeiros*
 Resultado de imagem para amor a noite
A história foi a seguinte. Ele tinha uns 27 anos e estava em Berlim pela primeira vez. Solteiro, livre, desbundado. Passava as noites dançando em casas noturnas onde encontrava alemãs góticas, estranhas, caladas. Até que se encantou por uma delas. Encontravam-se na balada todas as noites, depois ela o acompanhava até o muquifo onde ele estava hospedado e, de lá, saía sorrateiramente no meio da noite, pois trabalhava cedo na manhã seguinte. Meu amigo ficava estrebuchado na cama até o meio-dia, já pensando em trocar seu nome para Hans e estudar filosofia. Até que as férias terminaram, e ele voltou para o Brasil. 

Com uma amiga se deu assim: ela era advogada de dia e tinha aulas de flamenco à noite, momento em que trocava a calça de linho por vestidos vermelhos e incendiava o salão com suas castanholas. Um belo dia, surgiu um projeto de espanhol no curso e não deu três dias para se tornarem o par mais caliente do tablado. Calça justa como a dos toureiros, camisa aberta no peito, pura testosterona em 1m87cm. Ela não resistiu: a dança evoluiu para os lençóis, mesmo sendo um caso proibido - ele dizia ser noivo. 

A paixão adora a noite e seus mistérios. Até que o dia amanhece. 

Não é que a alemoa inventou de conhecer o Brasil? Mandou uma carta para o meu amigo (perceba o tempo que faz isso), e ele na mesma hora se predispôs a hospedá-la. Ela desembarcou na tarde mais escaldante de fevereiro com seu capote preto, o mesmo que usava na balada berlinense, e com uma palidez de doente. Não se acostumou com a comida dos trópicos e logo seus olhos acinzentados saltaram de seu rosto esquelético. Meu amigo a levou para Garopaba, onde ela usou um biquíni que cobria o umbigo e um chapéu que mais parecia um ombrelone - mesmo assim, pegou uma insolação. Meu amigo fantasiou uma Nina Hagen e acordou com uma militante da Gestapo. Vida real, muito prazer. 

Minha amiga advogada estava em casa num sábado de manhã esquentando a água para o chimarrão quando bateram à porta. Era o projeto de espanhol, só que agora de calça de moletom, camiseta do Grêmio e um bebê no colo. Um bebê!! O homem era pai de uma criança de sete meses. E não parecia nem um pouco espanhol, nem um pouco alto e nem um pouco esbelto - camiseta de time de futebol é sempre traiçoeira com as barrigas dos torcedores. Que fim levou o mistério, o charme, a pulsão erótica? Ele a convidou para uma caminhada no parque, e ela lembrou que tinha hora no dentista - sim, no sábado de manhã - e sua adoração pelo flamenco foi subitamente trocada pela capoeira, ela até já procura no Face quem tenha um berimbau pra vender. 

Afora uns pequenos detalhes fictícios para dar sabor à trama (e livrar meus personagens da identificação), é tudo verdade. Do que se conclui: abram bem a janela, coloquem os travesseiros pra fora e tomem muitos cafés da manhã juntos antes de dizer um eu te amo no escuro.
------------- 
* Escritora. Jornalista
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f065fe9f90c6f176adf5aca0b889d595

Fetichizando o povo


Luiz Felipe Pondé* 
 
Ilustração
O povo é confiável? Não. Se olharmos pra história, 
a resposta é ambivalente

O que é fetichizar o povo? É assumir que cada passo, cada escarro, cada suspiro, cada berro, cada loja quebrada, cada refrão cantado em jogral, cada polarização das mídias sociais significa algo de sublime.

O fetiche começa com a revolução francesa de 1789 (um “massacre sublime”) e passa pelos movimentos operários do século 19, que Marx (1818-1883) viu de perto.

Esses movimentos garantiram o estado de bem-estar social europeu, às custas, é claro, do resto do mundo, que os europeus exploram até hoje e que não se constitui, “ainda bem”, no mesmo parque temático de direitos que é a Europa ocidental —alguém já viu a Europa querer exportar seu modelo de parque temático para o mundo?

O mais ridículo é que os idiotas da política daqui olham para esse parque temático como algo possível sem homogeneidade étnica (olha só o pau que está rolando por conta dos imigrantes), sem riqueza sobrando (se a Europa ficar pobre vira África), sem imobilidade ascendente na estrutura social (ninguém ganha dinheiro, só os mesmos de sempre), sem portas fechadas aos desgraçados que queriam entrar.
 
Fetichizar o povo é uma forma de mentalidade hegeliano-marxista diluída. Uma espécie de gozo primitivo narcísico. Um tipo de sentimento oceânico, como diria o velho Freud (1856-1839).

Nesta forma degradada de concepção hegeliano-marxista, existem “forças democráticas” latentes no povo ou forças “isso” e “aquilo” prontas a agir a partir de intenções que tendem a uma organização cada vez mais imanente ao objetivo de justiça cósmico-política.

Nesse delírio, essas forças “querem x”, para isso se “organizam de forma y”. Quando, na verdade, o povo, ou “as massas”, age de modo confuso, impulsivo e, quando articulado, o faz a partir de grupos de comando com agendas próprias, movidas pelos interesses de grupos específicos que pretendem tomar o poder e pronto. E para isso usam da linguagem “o povo quer x”, as “forças democráticas amadurecem no combate” e por aí vai. Os canalhas da política adoram esse tipo de linguagem.

O povo, sim, é capaz de muito. De ficar puto e quebrar tudo a se manifestar de forma (des)organizada a partir das redes ou de grupos de liderança. As pessoas (unidades reais do povo) se movem pelos mais variados interesses, inclusive pela inércia diante dos conflitos que rasgam a sociedade.

O tempo desgasta todas as formas de organização. Era o povo na Bastilha, era o povo gozando com a guilhotina, era o povo nos comícios nazistas, fascistas e comunistas, era o povo na “noite dos cristais” esmagando judeus, era o povo esmagando gente na Guerra Civil americana, era o povo na Guerra Civil russa pós-Revolução Bolchevique, era o povo gozando nos autos de fé na Inquisição, era o povo nos linchamentos, era o povo pedindo intervenção militar na greve dos caminhoneiros.

O povo é um substantivo abstrato na violência qualitativa das teorias políticas e, ao mesmo tempo, um substantivo concreto na violência quantitativa nas ruas.

O povo é confiável? Não. Se olharmos pra história, a resposta é ambivalente. É confiável se você quiser gerar violência social. O sinal positivo ou negativo dessa violência é decidido por quem narrar essa violência.

Alguns setores mais à esquerda reclamaram que faltou ao Brasil a coragem política de usar a crise dos caminhoneiros para derrubar o governo e, quem sabe, instalar um regime de secessão que preparasse formas mais “democráticas” de participação popular, levando à frente o embrião de um regime mais civilizado, sustentado numa vontade popular (ou soberania popular, tratarei aqui como sinônimos).

Esses setores à esquerda são claramente defensores do que se chama “destruição criadora”. “Vontade popular” é outro fetiche nas teorias políticas que veem no povo uma entidade que carrega sobre o si o sinal da graça hegeliano-marxista de evolução política e social.

No meu entendimento primário dessa posição, não a vejo muito distante de meninos esquisitos brincando de Jedis com uma realidade potencialmente violenta, quando o mundo vai às vias do fato. O pecado maior é que são intelectuais públicos irresponsáveis.

Esses Jedis da política projetam sobre a sociedade sua vaidade intelectual.

No primeiro berro, correm para Paris com medo. Dizem que as rupturas políticas podem “ser levadas para o lado do bem”. O sentido verdadeiro dessa frase é “matar as pessoas certas”. Quem plantar violência colherá violência.
----------------------
Luiz Felipe Pondé é filósofo e ensaísta, autor de ‘Dez Mandamentos (+Um)’ e ‘Marketing Existencial’

domingo, 10 de junho de 2018

Os chantagistas e a falta da boa política


- MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 10/06

Cabe a políticos dialogar para respeitar o Estado de direito e não ceder a pressões

Há muito com o que se preocupar nos tempos atuais, sobretudo a rejeição da boa política.

O país enfrenta dificuldades para conciliar interesses divergentes em meio a uma economia que não tem como atender a todos os pedidos. Já há muito se sabe que os benefícios concedidos pelo governo não cabem no Orçamento.

Apesar disso, grupos organizados se mobilizam para pedir novos benefícios ou impedir a revisão dos seus privilégios.

A lista é longa. Servidores públicos fazem greve branca para garantir reajustes salariais apesar da perda de renda do restante da população. O bolo ficou menor depois da recessão, mas as dificuldades são irrelevantes para quem demanda seu butim.

Setores produtivos privilegiados com desonerações se recusam a pagar impostos como o restante da sociedade. Outros, como a agricultura recentemente, conseguem novos benefícios. Dane-se a restrição fiscal.

O petróleo ficou mais caro e os caminhoneiros paralisam o país, chantageando o restante da sociedade para que pague a conta do seu combustível. 

Como o governo é fraco, aproveitam para pedir o tabelamento do frete de modo a restringir a concorrência e a aumentar as suas receitas, onerando o transporte de bens. Chantagem pouca é bobagem, e também exigem dispensa de licitação para vender seus serviços ao setor público.

O próximo governo precisará negociar as perdas inevitáveis. Há uma conta imensa a ser paga, talvez R$ 250 bilhões ao ano. Benefícios terão que ser reduzidos e tributos, aumentados.

Pior apenas a alternativa. A recessão recente pode ter sido apenas o prólogo de uma crise ainda mais severa.

Nossa democracia requer ampla maioria para superar os problemas. Não há como reduzir o crescimento dos gastos públicos sem reformar a Constituição ou as suas emendas, o que exige o apoio de 60% do Congresso.

Há mais. A extensão da Constituição tem justificado o ativismo do Judiciário que, com frequência, revê decisões do Congresso ou impõe novos gastos públicos, às vezes desconsiderando o bem-estar da maioria.

Enfrentar nossos desafios requer técnica para avaliar o impacto das propostas. Já tivemos em demasia, principalmente desde 2011, decisões incompetentes, com efeito contrário ao pretendido. Difícil imaginar as consequências de uma nova gestão que não saiba do que está falando.

A técnica, entretanto, apenas delimita possíveis soluções.

Resolver os problemas requer a liderança da política, a quem cabe dialogar com os demais Poderes e negociar conflitos respeitando o Estado de direito, sem transgredir por pressão de chantagistas.
Quem sabe o susto com o descontrole recente, que pode se agravar, ajude a recuperar a boa política.

Marcos Lisboa

Doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.

Os avestruzes 


- EDITORIAL O ESTADÃO

    ESTADÃO - 10/06

Vários candidatos à Presidência têm ajudado a alimentar a ilusão de que os recursos à disposição do Estado são ilimitados

A maioria absoluta dos eleitores brasileiros (61%) não votaria em candidatos a presidente que propusessem a privatização da Petrobrás, mostra pesquisa da Ipsos veiculada pelojornal Valor. O porcentual de rejeição chega a 62% quando a pergunta é sobre a privatização do Banco do Brasil. Também é bastante significativo – 57% – o índice dos que descartam votar em quem defende a reforma da Previdência.

Os resultados não diferem de algumas outras enquetes feitas a propósito dos mesmos temas – todas apontaram uma considerável objeção às privatizações e à reforma do sistema previdenciário. Esta última pesquisa explicita esse componente da intenção de voto do entrevistado – e, com isso, aponta a dificuldade que candidatos de centro podem ter para sustentar a bandeira da redução do tamanho do Estado.

No entanto, paradoxalmente, a mesma pesquisa indica que 68% dos entrevistados dizem que pretendem apoiar candidatos que prometerem reduzir os gastos públicos. Trata-se de uma evidente contradição, pois é justamente a manutenção de gigantescas estatais, cuja simples existência distorce as relações de mercado, que contribui substancialmente para estropiar as contas públicas. A contradição fica ainda mais gritante quando se compara esse apoio ao corte de gastos com a rejeição a candidatos que defenderem a reforma da Previdência – crucial para amainar a crise fiscal no País. Não se pode querer uma coisa sem levar em conta a outra.

Contudo, ao que parece, essa pesquisa, como todas as demais do mesmo gênero, não apresentou aos entrevistados a questão na forma de trade-off. Afinal, toda decisão tem um custo. Como os recursos são sempre limitados, toda decisão econômica pressupõe alguma perda. Se o tomador da decisão desconhece essa perda, ele não terá condições de fazer sua escolha de modo consciente, seja no orçamento doméstico, seja no Orçamento do País.

Aparentemente, o eleitor entrevistado nessas pesquisas não estava ciente das possíveis consequências de suas escolhas. Por exemplo: é provável que, ao decidir rechaçar candidatos que defendem a reforma da Previdência, o entrevistado não tivesse consciência de que o rombo do sistema previdenciário inviabiliza os investimentos em áreas importantes e compromete as contas públicas, com efeitos nefastos para o País. Nessas condições, o eleitor entrevistado não tinha condições de ponderar de modo mais realista – e menos ideológico – a sua resposta.

Essa mesma incapacidade de discutir as consequências das decisões econômicas é amplamente disseminada entre os candidatos à Presidência. Ao que parece, ninguém está realmente disposto a assumir o ônus de revelar aos eleitores que os recursos do Estado são finitos e que, por isso, é necessário estabelecer prioridades. É preciso discutir, por exemplo, se o mais importante é gastar bilhões subsidiando combustíveis ou se o Estado deveria usar esse dinheiro para melhorar o ensino básico – que ano após ano despeja no País estudantes que mal sabem fazer contas e entender o que leem. É preciso saber se vale a pena bancar um crescente déficit de um sistema previdenciário que hoje sustenta privilegiados e que em pouco tempo se tornará inviável, enquanto, por outro lado, faltam recursos para tornar a saúde pública minimamente decente. Os exemplos de trade-offs são abundantes.

Trata-se de questões que pressupõem um mínimo de respeito pela realidade e pela inteligência do eleitor. Até aqui, porém, vários candidatos à Presidência têm ajudado a alimentar a ilusão de que os recursos à disposição do Estado são ilimitados. Gente bem posicionada nas pesquisas tem até mencionado a possibilidade de revogar o teto dos gastos públicos, uma das maiores contribuições do atual governo à racionalidade econômica. Age como se fosse capaz de, por mero ato de vontade, anular os trade-offs.

Essa cultura do dinheiro público sem fim, infelizmente, vem se consolidando, estimulada por demagogos que incitam os eleitores a agir como avestruzes – que enfiam a cabeça na terra para não ter que pesar o impacto econômico de suas escolhas.

Não estamos nos anos 1990


 - SAMUEL PESSÔA

        FOLHA DE SP - 10/06

O mercado opera como se estivéssemos no passado; hoje, o Estado é credor em dólar


Até algumas semanas atrás os investidores acreditavam que a sociedade elegeria um presidente centrista e estariam dadas as condições para a aprovação da reforma previdenciária e outras medidas necessárias para reconstrução do equilíbrio fiscal. Aparentemente, o mercado não acredita mais nessa tese.

Os investidores têm produzido forte processo de desvalorização da moeda e a aposta de que o Banco Central terá de subir os juros. Gestores do mercado entendem que os juros estão muito baixos, o que produz pressão pela saída de recursos.

A lógica dos gestores é que o regime cambial vigente no Brasil é de câmbio fixo ou administrado, e, portanto, a política monetária deve ser empregada para defender a moeda.

Diferentemente, operamos no regime de metas de inflação.

A taxa de juros é o instrumento regulador da demanda agregada. Se há excesso de demanda e, portanto, pressão inflacionária, os juros devem ser elevados. Se há carência de demanda agregada e, portanto, pressão desinflacionária, os juros devem ser reduzidos. Caso contrário, os juros devem ser mantidos.

A taxa de câmbio é livremente determinada pelo mercado. O papel do Banco Central é reduzir a variabilidade da cotação do câmbio. Em ano eleitoral, em que é natural maior incerteza quanto aos rumos futuros da política econômica, a necessidade de suavizar esses movimentos é maior.

O processo inflacionário está bem-comportado. Há dois choques externos, desvalorização de todas as moedas com relação ao dólar e elevação do preço internacional do petróleo, e o choque doméstico produzido pelo movimento dos caminhoneiros. Esses três choques adicionarão, provavelmente, um ponto percentual na inflação de 2018. Em vez de o IPCA fechar o ano na casa de 3%, fechará em torno de 4%.

No regime de metas de inflação, há a meta, no nosso caso de 4,5% no ano-calendário de 2018 e de 4,25% no de 2019, e há uma banda, de 1,5 ponto percentual, para a absorção de choques de oferta. Assim, se os choques colocarem a inflação, segundo as estimativas do Banco Central, em até 5,75% em um horizonte de uns 18 meses, não há motivos para a subida dos juros se o processo da inflação, excluindo os choques, continuar a ser desinflacionário.

Dado que a economia opera com grande ociosidade e dado que as últimas revisões da atividade econômica foram para baixo, não há sinais de que o processo inflacionário esteja mudando.

De fato, na sexta-feira (8), foi divulgado o IPCA de maio: 0,4%, um pouco acima do 0,3% que se projetava. Toda a diferença está nos preços que foram sensibilizados pela greve.

Os serviços continuam em sua trajetória de desinflação. Em maio, apresentaram deflação de 0,09%. Em 12 meses, a inflação de serviços encontra-se em 3,4%, e o núcleo dos serviços, em 3,3%. Não há, portanto, sinal de excesso de demanda que sugira a necessidade de subida de juros.

Por que, então, toda essa preocupação? Meu entendimento é que o mercado financeiro opera hoje como se estivéssemos nos anos 1990 ou em 2002.

Naquelas oportunidades, parte da dívida interna era denominada em dólares. Adicionalmente, a dívida externa era elevada. Quando o câmbio se desvalorizava, a posição patrimonial do Estado piorava muito. 
Hoje, o Estado brasileiro é credor em dólares. Desde o começo do ano, a dívida líquida tem caído em razão dos movimentos do câmbio.

Não faz sentido fazermos política monetária com a cabeça dos anos 1990.

Samuel Pessôa

Físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV

Mundo morto


 - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA edição nº 2586

Precisamos falar um pouco sobre o regime militar no Brasil, porque em nosso país, ao contrário do que em geral acontece no resto do mundo, a história vai ficando mais incerta com o decorrer do tempo. É a velha tirada do ex-ministro Pedro Malan: o Brasil é um país tão difícil que aqui não dá para prever nem o passado. Apareceram na praça, pouco tempo atrás, mais informações sobre o período do “regime militar”, ou “ditadura militar”, conforme o lado da rua em que o cidadão está — e o tema, que periodicamente sai do túmulo, circula pelos meios de comunicação e volta a ser enterrado, ganha de novo seus quinze minutos de fama. Desta vez, fomos informados de que os generais que mandavam no governo, inclusive um presidente da República, seu sucessor e outros colossos das Forças Armadas, autorizaram a “execução sumária” de “opositores do regime”. A informação é de um documento da CIA, a agência de espionagem dos Estados Unidos, e não esclarece se os seus espiões ouviram, de vivo ouvido, a conversa em que os chefes militares decidiram dar essas ordens. Seja como for, as dúvidas não vêm mais ao caso. A “denúncia da CIA” morreu de inanição pouco depois de ter nascido — não chegou a impressionar os especialistas nem, menos ainda, a interessar os indiferentes ao assunto.

A curiosidade, nesse último episódio de viagem ao passado, não é a falta de um ponto de chegada. O esquisito é a repetição da tentativa de manter vivos um mundo e uma época que estão mortos — apesar dos resultados cada vez mais frouxos que se obtêm com esses esforços de ressurreição. Pretende-se estabelecer a “verdade” sobre o passado — chegaram a criar até uma “comissão nacional” para essa tarefa. A cada tentativa, naturalmente, não se estabeleceu verdade nenhuma. Como seria possível, se o centro da questão está em fatos que aconteceram há cinquenta anos? As responsabilidades teriam de ter sido apuradas lá atrás. Mas para isso seria indispensável que os militares tivessem perdido seu combate contra os grupos que queriam derrubá-­los — só assim poderiam ter sido presos, julgados e condenados. (Ou “executados sumariamente”, talvez.) Acontece que os militares não perderam. Saíram do governo porque quiseram e foram em boa ordem para as suas casas, protegidos por uma lei de anistia legalmente aprovada. Não passou pela cabeça de ninguém, na hora, chamar o general Pedro ou o coronel Paulo para responder a inquérito nenhum. Caso encerrado, então. Punições desse tipo ou vêm imediatamente após o encerramento do conflito, ou não vêm nunca mais. Não dá para reabrir o Tribunal de Nuremberg ou os Processos de Tóquio. Não dá para descobrir a verdade sobre a Guerra dos Farrapos. Pode até dar — mas é inútil.

O que acaba acontecendo, na vida real, é que, a cada expedição arqueo­lógica feita para descobrir a “verdade histórica”, o passado se torna mais obscuro, e não mais claro. Em vez de se saber mais, fica-se a saber menos. No caso do regime que vigorou de 31 de março de 1964 até 31 de dezembro de 1978, quando foi revogado o Ato Institucional nº 5, a passagem do tempo torna as coisas especialmente mais vagas para o brasileiro comum. O período é descrito pelos fiscais da história nacional como o mais negro de toda a existência do Brasil — os tais “anos de chumbo”, piores que qualquer desgraça que o país tenha vivido até hoje. Mas, a cada dia que passa, mais ralo vai ficando esse caldo. Hoje, só cidadãos que já estão com 72 anos de idade, ou mais, tinham chegado aos 18 e eram adultos em 1964. Todos os oficiais atualmente na ativa nas Forças Armadas eram crianças na época, ou nem tinham nascido. Dos que sobreviveram, muitos não acham que aqueles foram “anos de chumbo” — ou nem sequer se lembram de algum incômodo causado em seu dia a dia pelo “regime”. Mais de 60% da população atual do Brasil, ou acima de 125 milhões de pessoas, tem até 40 anos de idade. Nenhuma delas era viva quando o AI-5 foi revogado e as liberdades públicas e privadas foram restabelecidas. Por que essa gente toda iria achar que o governo militar é uma questão fundamental em sua vida? Não é. Não vai ser nunca.

Os chefes militares foram responsáveis por mortes, torturas e prisões ilegais. Claro que foram: o AI-5 não aboliu o Código Penal nem tornou legal o homicídio. Como cometer crimes sem autorização superior? Todos achavam, aliás, que estavam fazendo muito bem — na sua visão, havia simplesmente um inimigo a eliminar. Não vão mudar de ideia. Esperam, ao contrário, que o tempo traga cada vez mais gente para o seu lado.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Competência como problema


 - EDITORIAL O ESTADÃO

                    ESTADÃO - 05/06

Parente não foi o primeiro a sucumbir diante da força do parasitismo estatal. Antes dele, caiu Maria Silvia Bastos Marques

O Brasil, ao que parece, não está pronto para uma gestão profissional e apolítica de suas empresas estatais. Sempre que uma estatal ou banco público começa a ter critérios racionais de administração, tornando-se infenso aos usos e costumes clientelistas e patrimonialistas, os grupos de pressão - sejam políticos, sejam sindicais - tratam logo de sabotar esses esforços. Donde se pode concluir que estatais, geralmente em nome de um obscuro "interesse nacional", jamais serão gerenciadas para manter seu equilíbrio financeiro e ter recursos para investir, pois só existem - é o que parece - para satisfazer objetivos estranhos ao seu negócio.

O recente caso da Petrobrás é apenas um exemplo. Como se sabe, a estatal chegou à beira da ruína depois de anos servindo aos projetos megalomaníacos dos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Felizmente, o impeachment de Dilma interrompeu esse processo, pois o sucessor da petista, o presidente Michel Temer, tratou rapidamente de entregar a administração da empresa a Pedro Parente, um executivo com indiscutível capacidade administrativa. Nenhuma das qualidades de Parente, contudo, teria sido suficiente para salvar a Petrobrás se o presidente Temer não tivesse atendido às principais exigências do executivo para aceitar o cargo, isto é, total autonomia para definir os rumos da Petrobrás e garantia de que não haveria interferência política na sua gestão.

Os extraordinários resultados obtidos pela Petrobrás na gestão de Pedro Parente serviram para comprovar não apenas o quão importante é ter bons profissionais à frente da administração de estatais, mas principalmente o quão crucial é impedir que essas empresas sejam exploradas com propósitos populistas, eleitoreiros e corporativistas.

Apesar dessas constatações indisputáveis, o governo foi incapaz de sustentar a administração de Pedro Parente diante do primeiro solavanco causado pelas milícias do subdesenvolvimento - que impulsionaram uma greve de caminhoneiros para exigir que a Petrobrás deixasse de praticar sua racional política de preços de mercado, implementada por Parente, e voltasse a bancar combustível barato, como fazia na trevosa era lulopetista.

Parente não foi o primeiro a sucumbir diante da força do parasitismo estatal. Antes dele, em maio do ano passado, caiu Maria Silvia Bastos Marques, que havia tentado fazer do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma instituição voltada para sua função essencial - estimular o crescimento do País sem favorecer nenhum setor em especial e sem bancar os "campeões nacionais" que fizeram a festa durante os governos de Lula e Dilma. Convém lembrar que Maria Silvia teve que trabalhar em um BNDES repleto de funcionários que haviam ingressado durante a administração do PT e que, sob inspiração do partido, foram responsáveis por dar aval a uma política de crédito que se revelou ruinosa não apenas para o banco, mas para o País. Também neste caso, o Palácio do Planalto falhou na defesa de sua executiva justamente no momento em que esta mais sofria com pressões de todo tipo - de funcionários, de empresários e de gente de dentro do próprio governo.

Assim, observa-se quão inúteis são as iniciativas destinadas a melhorar a governança das empresas e dos bancos estatais. A mais recente dessas iniciativas, a Lei das Estatais - que impôs requisitos mínimos para o preenchimento de cargos, na suposição de que isso impediria a nomeação de apaniguados de partidos governistas e, portanto, protegeria as empresas de interferência política -, se tornou quase letra morta. E isso aconteceu não apenas porque os partidos continuam a ter influência na nomeação de diretores das estatais, mas principalmente porque, como se viu nos casos da Petrobrás e do BNDES, quanto mais competente e profissional for a administração dessas empresas, menos "estatais" - isto é, menos sujeitas à ingerência política e sindical - elas serão. E isso para os diversos grupos organizados que, a título de defender os interesses do "povo", pretendem se apoderar de pedaços do Estado - aí incluídas suas empresas e bancos - é simplesmente intolerável.