quinta-feira, 30 de junho de 2016

" Brexit " - do BRASIL "

     MATIAS SPEKTOR

      FOLHA DE SP - 30/06

Se você tem apreço pela Grã-Bretanha ou pelos valores da Europa unida, o voto da semana passada a favor da saída da União Europeia foi um evento deprimente. A sociedade britânica e o projeto europeu ficaram menores, com repercussões para todos.

Mas uma análise fria da nova situação revela um quadro potencialmente positivo para o Brasil. No caso brasileiro, o "Brexit" mais abre oportunidades do que cria constrangimentos. Eis os porquês.

O declínio econômico britânico, que será inevitável a curto prazo, não vai contagiar a economia brasileira: exportamos para eles 1,52% do que vendemos mundo afora e compramos deles apenas 1,63% das nossas importações totais. Uma base tão pequena blinda o Brasil, ao passo que abre uma enorme oportunidade, agora que as autoridades britânicas terão de buscar novos acordos comerciais para mitigar sua perda de riqueza e o possível fim do acesso privilegiado ao mercado comum europeu e aos 53 mercados não europeus com os quais a UE tem acordos de livre-comércio.

As perspectivas de comércio novo entre o Brasil e o Reino Unido existem em boa medida pela atitude relativamente aberta de Londres para tratar de questões agrícolas. Bastaria o governo argentino de Maurício Macri implementar seu projeto para reduzir o peso das ilhas Malvinas sobre sua relação com os britânicos para viabilizar uma eventual negociação comercial entre o Reino Unido e o Mercosul. Além de factível, algo assim enfrentaria menos interesses obstrucionistas que a famigerada negociação ora em curso entre o Mercosul e toda a União Europeia.

Sem dúvida, uma crise na praça financeira de Londres seria péssima para o Brasil, pois capitais britânicos respondem por 7,3% do estoque total dos investimentos estrangeiros que chegam por aqui. Mas o "Brexit" tende a forçar um aumento da liquidez no sistema financeiro internacional, e nada sugere que venhamos a enfrentar uma fuga desses recursos.

Para o Brasil, as implicações geopolíticas do "Brexit" estão longe de ser uniformemente negativas. Os Estados Unidos ficam sem seu principal ponto de apoio na Europa e seu aliado mais fiel em negociações multilaterais e organismos internacionais. Isso dificulta, nem que seja na margem, a capacidade de Washington de impor suas decisões mundo afora. Além disso, ganham força a Rússia e, a longo prazo e se jogar bem, a Alemanha (embora o governo em Berlim sinta estar perdendo a curto prazo).

Para quem acredita que a geometria mais benéfica ao Brasil é a multipolaridade — e assim pensa a maioria dos analisas e diplomatas brasileiros —, o "Brexit" acabou de abrir um futuro potencialmente promissor

" Tão Perto ! Tão longe " !

 FERNÃO LARA MESQUITA

O Estado de S. Paulo - 30/06

Desde que a Lava Jato demonstrou que o PT é o Eduardo Cunha e vice-versa, e que há muito pouca coisa entre os dois que se diferencie radicalmente de ambos, o Brasil está paralisado na sua perplexidade.

Seriam, de fato, os R$ 0,85 de cada mensalidade embolsados pelo ministro Paulo Bernardo o maior escândalo desses “empréstimos consignados” com juros subsidiados, que já montam a R$ 281 bi (4,5% do PIB), para a casta dos “com tudo” ao lado dos mais de 400% ao ano de juros do cartão do desespero dos “sem nada”, de quem o Estado já toma outros 46% do PIB (36% de carga + 10% de déficit)? Pense bem: o Bolsa Família, sempre aventado como desculpa para manter os ladrões onde estão, custa 0,3% do PIB...

Este país de avessos, onde as escolas é que estão “ocupadas” e estudar passou a ser uma atividade clandestina que a polícia reprime de preferência a quem trata de impedi-la, teve tempo de sobra para acostumar-se com isto em que se transformou. Os sindicatos-impostos de Getúlio Vargas evoluíram do primeiro e único ao 15.º milésimo de hoje e a metástase prossegue sem combate ao ritmo de 280 novos por ano. E daí saltamos com toda a naturalidade para os nossos por enquanto 35 partidos-impostos, aos quais pagamos horários-impostos para que nos ofendam e humilhem diariamente na TV, tudo sob a proteção dos “movimentos sociais-impostos” recheados de militantes-impostos que nos cobram hora extra para viajar em ônibus-impostos para onde quer que sejam convocados para defender a intocabilidade dos “seus” impostos. Passados 80 anos eis-nos bancando festas nos palácios com impostos diretamente arrancados às favelas...

Com toda a barreira de silêncio que ainda protege da exposição à execração pública que merece o mundo da corte movida a impostos onde “demissão” não consta do dicionário, “auxílio” não é renda e os salários continuam subindo 60 bilhões por ano em meio ao pânico aqui fora, bate na cara do País inteiro o verdadeiro divisor de águas – contribuintes x “contribuídos” – que separa os dois Brasis e não se encaixa nem a murro no repertório “esquerda-direita” dos nossos ditadores de “correção política”.

Agora temos o ciclo completo. Do imperador ao proletário, todos os que estiveram no comando do “Sistema” colheram variações do desastre que é só o que ele pode produzir ou, no máximo, suspenderam temporariamente seus efeitos. Caiu finalmente a ficha. É tudo uma fraude. Tudo tem sido uma fraude. E o País que não se assume como desonesto calou-se...

Tão perto! Tão longe!

O buraco é de dar vertigem, mas o tamanho do nosso atraso é o nosso maior trunfo. O mundo está todo numa encruzilhada, mas é uma encruzilhada lá na frente. Tudo o que diferencia o Primeiro do Último Mundo é, hoje, estrada batida. Para percorrê-la basta se dispor a tanto. Você saberá que o Brasil tem cura quando se começar a afirmar em voz alta, por aí, as duas balizas mais elementares da democracia, plantadas há mais de 300 anos. Apoiar o discurso do ajuste das contas públicas no princípio da igualdade perante a lei colocando na linha de cortes todos os “direitos” e isenções que não sejam comuns a todos os brasileiros é a única maneira de desarmar o torneio entre padrinhos de privilégios à custa do aprofundamento da corrupção e da miséria em que ele, mais uma vez, se vai transformando. Redefinir o direito de representação confirmando exclusivamente o dos sindicatos, partidos políticos e entidades que forem capazes de conquistá-lo e mantê-lo por livre eleição e financiamento dos seus representados é o único modo objetivo de sairmos do feudalismo e começarmos a nos beneficiar do processo de depuração recorrente inerente aos sistemas democráticos. A “cláusula de barreira” que o STF matou não era mesmo a melhor solução, pois cuidava só de represar a lama incessantemente produzida por um sistema torto e corrupto que acabará sempre, inevitavelmente, em “desastres da Samarco” com “danos ambientais” permanentes.

Para que “as instituições funcionem” de fato não é a letra, é a essência democrática da Constituição, definida nos seus artigos iniciais, que tem de ser imposta acima de tudo e de todos, começando pelo desafio jurídico de toda a vasta massa de exceções e penduricalhos esboçados nos que lhe foram acrescentados na sequência e estão em conflito insanável com eles.

Quando não foram diretamente protagonizadas pelo Poder Judiciário, como as da Inglaterra do século 17 que criaram a democracia moderna, as poucas revoluções verdadeiras que a História da humanidade registra – não confundir com os banhos de sangue recorrentes para troca de comandantes de monarquias ou ditaduras das culturas latinas – consolidaram-se (ou não) nas reformas jurídicas que foram empurrando a humanidade para fora do padrão geral do privilégio institucionalizado e para dentro da igualdade perante a lei cujo corolário obrigatório é sair do “a cada um segundo o seu grau de cumplicidade para com os crimes do rei” e enveredar pelo muito menos venenoso “a cada um segundo o esforço investido na obra coletiva”.

O que houve de empolgante no atual processo brasileiro foi exatamente o fato de ter ele partido do Poder Judiciário. Com as condenações do “mensalão” o Brasil acordou para o fato de que não é obrigatório, afinal, que o crime vença sempre, e foi às ruas para comemorar esse quase milagre e empurrar para adiante a “marolinha” que, a partir de Curitiba, assumiu ares de tsunami e ameaça fazer escola.

O Brasil Velho está vivo, como prova o fato de todos os ladrões estarem presos e continuarem soltos os seus chefes. Mas o Novo não dá sinal de abandonar a arena. Seria uma excelente bandeira para essa OAB reconciliada com sua tradição histórica de alinhamento com o que é justo tomar a si, junto com os movimentos de rua, esse “Mutirão pela Igualdade Perante a Lei”, de modo a forçar o País inteiro a tomar posição em relação ao que há de mais essencial numa ordem realmente democrática.

*Fernão Lara Mesquita é jornalista

" O Sonho da TV PÚBLICA acabou ?????? "

 NELSON HOINEFF

    O GLOBO - 30/06

Criação da EBC foi bela conquista política, mas, no momento seguinte, ficou claro que não havia a mínima intenção de colocar em prática tudo o que havia sido prometido


A manchete do GLOBO desta segunda-feira mostra que as estatais contrataram 56 mil servidores em quatro anos e revela um dado estarrecedor sobre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Seu número de funcionários cresceu nada menos que 180%; foi de 913 para 2.564.

A EBC é a controladora da TV Brasil, também conhecida por TV Lula, que, desde sua criação, há nove anos, não apenas não conquistou um ponto sequer de audiência, como deixou de cumprir ou mesmo de estabelecer metas artísticas, criativas ou de qualquer natureza televisiva.

A título de comparação, vale a pena lembrar que a Rede Bandeirantes, uma das mais modernas do país, tem menos de quatro mil funcionários. E que a Rede Globo, uma das cinco maiores do mundo, tem cerca de 18 mil.

O governo Temer, que vem ameaçando extinguir a empresa desde que o presidente interino se viu impedido de substituir um diretor, ganha agora forte munição para isso. Os opositores do atual governo despejam na opinião pública frases de efeito como “Temer quer destruir a TV pública”, quando, na verdade, o quadro é o oposto.

Logo no início do primeiro governo Lula, o PT criou inéditas condições políticas para que o país investisse meio bilhão de reais na formação de uma rede pública de TV. O governo acenava para algo que era verdadeiro: a necessidade de se construir uma televisão pública forte, que trafegasse lado a lado com a poderosa estrutura da TV privada do país. Alavancou para isso pelo menos dois grandes seminários nacionais — um no Rio, outro em Brasília — onde especialistas do Brasil e do mundo debateram os valores de uma televisão gerida pela sociedade e a conveniência da medida.

A criação da EBC foi uma bela conquista política, mas, no momento seguinte, ficou claro que não havia a mínima intenção de colocar em prática tudo o que havia sido prometido. Seminários e o desfile de nobres intenções eram apenas a máscara para a construção de mais uma estatal voltada para o aparelhamento, o empreguismo e o desperdício de dinheiro público.

Tudo isso é quase nada em comparação com a ética desse engodo; com o que representou a mobilização da consciência da sociedade brasileira em torno da necessidade de se criar uma TV pública, imediatamente derrubada pela revelação do que efetivamente se estava fazendo. Foi, portanto, o PT, e não o governo Temer, que destruiu a televisão pública no Brasil — e não há dinheiro que pague isso.

Dos quase três mil funcionários que hoje são pagos pelo contribuinte, contam-se nos dedos os que foram instruídos para moldar uma TV capaz de criar, ousar, retornar de alguma forma à sociedade aquilo que ela está gastando. A uma televisão privada que é respeitada em todo o mundo, a TV pública brasileira sequer procurou agregar um frame de inovação. E se tivesse agregado, isso não seria percebido. A TV Brasil até hoje não entra em São Paulo e, no Rio, o sinal para as operadoras de cabo ainda é enviado por VHF — razão pela qual é provavelmente a única emissora do mundo que chega aos usuários de TV por assinatura com fantasmas, ruídos e outras imperfeições típicas da TV aberta dos anos 80.

Por ironia, o bom exemplo está na porta do vizinho. Em São Paulo, a TV Cultura desenvolve hoje uma das melhores programações do país, com um jornalismo — através de programas como o “Jornal da Cultura” e o “Roda Viva”, por exemplo — que nada deixa a dever às melhores televisões públicas do mundo.

Ainda assim, a virtual extinção da EBC não representaria apenas o fechamento de mais uma empresa corrompida. Poderia ser o sepultamento de um sonho bom que, ainda com más intenções, foi propagado quando o primeiro governo petista ainda tinha um imenso aval popular. Este é um ativo que o governo tem como preservar. O desafio agora consiste em apagar o que foi feito e, ainda assim, manter a ideia de uma TV pública de verdade — o que é muito maior que simples políticas viciosas. Empresas podem morrer; utopias, não.

Nelson Hoineff é jornalista, diretor de TV e presidente do Instituto de Estudos de Televisão
* NOTA DO BLOG
Essa porcaria tem que fechar, o Brasil não precisa desse cabide de emprego para os apaniguados de plantão. 

" Quando a virtude não encontra limite "

MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 30/06


É difícil falar mal de uma instituição que tem como principal inimigo público o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas o Ministério Público parece inebriado com a fama e o poder adquiridos em Curitiba.

Os sinais foram captados por Daniela Lima, da 'Folha de S.Paulo', ao revelar que o MP achou por bem abocanhar uma fatia de até 20% dos acordos de leniência celebrados pela força-tarefa. Em resposta, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que calculou uma arrecadação de R$ 300 milhões a partir dos atuais acordos de colaboração e leniência, disse que os "órgãos de persecução se beneficiariam muito do aporte de recursos para a aquisição de equipamentos e softwares sofisticados, essenciais em investigações modernas e eficientes".

Lima, um dos mais frequentes porta-vozes da força-tarefa, já havia sido informado de que o ministro Teori Zavascki impedira a Procuradoria-Geral da República de replicar cláusula semelhante. A despeito da decisão do ministro do Supremo, os procuradores de Curitiba se veem protegidos pela lei da lavagem de dinheiro e pelo Código Penal que preveem a restituição do butim recuperado à União.

A mesma Constituição que definiu os poderes da República e abrilhantou o Ministério Público preservou o Legislativo como a instância deliberativa do Orçamento da União. É no exercício deste poder que o Congresso, em resposta a uma iniciativa do Executivo, está para chancelar um aumento salarial que premia a casta do funcionalismo, encabeçada pelo Judiciário, num país afundado em desemprego recorde.

Como agem com o termômetro das ruas e nenhuma delas se encheu em protesto contra este reajuste, os procuradores devem ter concluído que os brasileiros concordam em premiá-los pelos bons serviços prestados. Como não se ouviram panelas contra essa apropriação dos recursos devidos à União, é possível que a autonomia da força-tarefa seja vista como o preço a pagar para que o Brasil se livre da chaga da corrupção.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, reconhece a não previsão legal da cláusula adotada em Curitiba, diz ser bem-vinda a aprovação de uma lei que regulamente o repasse, comum em outras instituições, como Ibama ou Detran, mas, em cumprimento de seu dever, sai em defesa dos colegas. A decisão, argumenta, foi homologada pelo juiz Sergio Moro, um dos primeiros, no país, a autorizar que carros apreendidos em operações de combate à lavagem de dinheiro fossem vendidos antes de virarem sucata. O procedimento, depois autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça, permitiu que uma parte dos recursos, depositados em contas, fossem destinados à infraestrutura das operações.

Em artigo publicado no ano passado, Wanderley Guilherme dos Santos lembrou que quando as instituições falham, é o caráter que prevalece. Ex-colaborador de governos petistas, na secretaria de Comunicação Social e no BNDES, o pesquisador da Fundação Casa Rui Barbosa, Fábio Kerche se vale da inspiração do cientista político carioca para resgatar a singularidade de um ministério público brasileiro cuja autonomia moldou o caráter de procuradores que hoje só respondem a ruas e panelas.

Autor de "Virtudes e limites: atribuições e autonomia do Ministério Público" (Edusp, 2009), Kerche custou a encontrar em outro lugar uma instituição tão poderosa. Ainda que integre a estrutura do Judiciário, o ministério público na Alemanha, na Espanha e na Holanda tem seu orçamento subordinado ao Ministério da Justiça. Não por acaso, os modelos mais próximos estão nas pátrias inspiradoras da Lava-jato. Na Itália a carreira se confunde com a de juiz, e nos distritos americanos os procuradores são escolhidos diretamente pelo voto, o que leva a uma inflação de ações judiciais em anos eleitorais e a carreiras políticas, como a de Bill Clinton.

Kerche questiona a vigilância exercida pelo Conselho Nacional do Ministério Público, formado majoritariamente por integrantes da carreira, e o modelo de escolha do procurador-geral da República. A Constituição prevê a escolha pelo presidente da República, mandato de dois anos e recondução ilimitada. O último a exercer mais de dois mandatos sem nominação a partir de lista tríplice foi Geraldo Brindeiro, no governo Fernando Henrique Cardoso.

A previsão constitucional, diz Kerche, tanto permite que o procurador aja de olho em seu principal eleitor (o presidente), quanto no seu eleitorado (os pares que elegem a lista tríplice). Advoga que o modelo da lista tenha algum filtro de participação popular para evitar que as promessas corporativas se sobreponham às do interesse público.

O precedente aberto pelo bônus reivindicado pela força-tarefa de Curitiba, exacerba um modelo em que a legitimidade ao Ministério Público se dá em detrimento dos poderes eleitos. Todos os poderes enfrentam restrições orçamentárias, mas aquelas impostas ao Legislativo e ao Executivo limitam o alcance de políticas públicas sem as quais seus representantes não conseguem renovar seus mandatos. O procurador apoia-se na Constituição para determinar, sob aplausos, que um município aumente seus leitos de hospital, enquanto o prefeito é obrigado a cumprir a decisão judicial a despeito de restrições orçamentária para cumprir a decisão judiciais. A definição de prioridades pelo ministério público judicializa a essência da política.

É possível reconhecer a discricionaridade do MP frente a poderes eleitos atados por uma crise fiscal - e moral - sem concordar com retrocessos no combate à corrupção. Em discurso no início da semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot comparou os "grilhões do patrimonialismo" àqueles que há 130 anos foram rompidos nas senzalas. Citou Isaac Newton, que viu mais longe porque subiu nos ombros de gigantes. Kerche lhe contrapõe um contemporâneo de Newton, do outro lado do canal da Mancha. É de Charles-Louis de Secondat, que passaria à história como o barão de Montesquieu, o lembrete de que até a virtude precisa de limites.

" É o dólar caindo,caindo,caindo... "



 CELSO MING

O ESTADÃO - 30/06

A nova perspectiva de valorização do real tem como fundamento a retomada da confiança na economia


As cotações do dólar mergulharam 10,35% apenas em junho (até esta quarta-feira) e já não se enxerga o fundo da barroca.

É uma situação que começa a exasperar dirigentes da indústria e outros analistas que identificam nesse movimento tendência perigosa a nova temporada de perda de competitividade do setor produtivo. São os mesmos que, no passado, acusaram os governos anteriores de usar e abusar do câmbio como âncora contra a alta de preços.

A nova perspectiva de valorização do real tem como fundamento a retomada da confiança na economia. É menos capital medroso que sai e mais corajoso que entra.




O Banco Central poderia evitar novos tombos do dólar por meio de compras de moeda estrangeira no mercado. No entanto, na entrevista que concedeu na última terça-feira, o novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, lembrou o distinto público que o regime vigente é de câmbio flutuante e que eventuais intervenções não se farão contra tendências firmes do mercado - serão feitas “com parcimônia”. A informação foi entendida como disposição de deixar que a retomada da confiança e a baixa do dólar, que a ela se seguir, trabalhem a favor da queda da inflação.

Os mais aflitos com mais essa robusta valorização do real argumentam que um dos fatores que mais atraem capitais para cá, especialmente os especulativos - e que assim concorrem para acentuar a baixa da moeda estrangeira -, são os juros excessivamente altos no Brasil. Por enquanto, é um argumento que não encontra respaldo nos fatos. Não há indícios de entrada significativa de capitais que aportem por aqui para ganhar com os juros. As informações mais recentes, divulgadas terça-feira no Relatório de Inflação, mostram que, nos cinco primeiros meses do ano, houve saída líquida (e não entrada líquida) de recursos aplicados em carteira. Foram nada menos que US$ 11,8 bilhões negativos e, pelas projeções do Banco Central, deverão ser de pelo menos US$ 12,8 bilhões, também negativos, ao longo de todo o ano.

A questão de fundo consiste em saber como fica a indústria que aparentemente terá de remar contra mais essa corrente adversa. Essa pergunta não tem resposta fácil. O que se pode dizer é que o câmbio não é a causa da baixa competitividade da indústria brasileira. Ela tem de ser procurada na carga tributária excessiva, nas péssimas condições de infraestrutura, na falta de reformas e na falta de acordos comerciais que lhe deem acesso preferencial a seus produtos. É descabido tentar compensar esse jogo contra apenas com o câmbio, especialmente se esse câmbio supostamente favorável à indústria acabe por acentuar a desarrumação da economia. 

A melhor maneira de fortalecer a indústria não é jogo de retranca, mas é garantir solidez aos fundamentos da economia. É o que dará previsibilidade e condições de investimento. Um câmbio artificial teria efeito contrário, porque cria incertezas: a qualquer momento estaria sujeito a enfrentar o realismo da dança das moedas.

CONFIRA:




Continua ruim
O índice de desocupação no Brasil medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua manteve-se nos 11,2% no trimestre móvel terminado em maio. É resultado ligeiramente melhor do que o esperado que, no entanto, não deve enganar. As condições do mercado de trabalho ainda não apontam para melhora. Ao contrário, tendem a piorar. Mesmo se a atividade econômica (PIB) voltar a crescer, é improvável que o emprego siga no mesmo ritmo porque o empresário tentará produzir mais ocupando capacidade ociosa, e não aumentando os fatores de produção.

" Hora de Convencimento "




 MIRIAM LEITÃO

    O Globo - 30/06

Proposta do governo para a Previdência mais assustou do que convenceu. O governo até agora seguiu o melhor roteiro de como não fazer a reforma da previdência: montou um grupo de trabalho grande com destaque para quem já é contra a reforma e anunciou, em pedaços, ideias que aparecem como ameaças às pessoas. 

O melhor caminho seria o diálogo, mas com a população em geral e não com centrais sindicais que têm opiniões já formatadas.

As notícias saem picadas e parecem péssimas. Primeiro, falou-se na idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. 

Depois, circulou que a idade mínima seria, na verdade, de 70 anos. Redução do valor dos benefícios. Corte em pensões. E foi assim desde a posse de Michel Temer.

É difícil fazer essa reforma, ainda mais num governo interino e dando primeiro as más notícias. Assim não se sai do lugar.

 A previdência é um pacto de solidariedade entre gerações, no sistema de repartição como no Brasil. Quem está trabalhando contribui para sustentar quem está aposentado.

 Mas os trabalhadores entendem como se o regime fosse de capitalização, aquele em que a pessoa guarda para si mesmo, faz a sua poupança. Essa diferença, entre o sistema vigente e a impressão que a população tem, torna o diálogo mais difícil. 

É preciso explicar, mostrar os números, convencer que estamos caminhando para um colapso. Em vários países são feitas sucessivas mudanças no sistema previdenciário porque ele tem que ser sólido, do contrário a ameaça pesa sobre todos.

O mundo inteiro tem idade mínima para aposentadoria, menos o Brasil e outros dois ou três países. Mas Paulinho da Força saiu de uma das reuniões, com ar de autoridade com poder de veto, dizendo: “somos contra a idade mínima”. Para isso seria preciso revogar a demografia.

 As estatísticas mostram que os brasileiros estão vivendo cada vez mais e os grupos etários de mais idade são os que crescem. 


Por enquanto, apenas 12% da população brasileira têm 60 anos ou mais, e a idade média de se aposentar no Brasil é de 54 anos. Isso e os benefícios para determinados grupos fizeram com que a previdência virasse um peso enquanto a população brasileira ainda é jovem.

O rombo das aposentadorias é muito maior do que tem sido dito pelo governo. Quando as autoridades falam em déficit de R$ 130 bilhões estão se referindo apenas ao INSS, que cobre o custo de aposentadorias e pensões dos trabalhadores do setor privado.


 É o mais pesado e o que tem subido mais fortemente. Em 2014, foi de R$ 60 bilhões e mais que dobrou em dois anos. A recessão piorou o quadro porque reduziu a arrecadação.

Para se ter uma noção exata do custo das aposentadorias tem que se somar também o desequilíbrio da previdência dos servidores do setor público federal — que supera R$ 60 bilhões por ano — e mais os déficits dos servidores estaduais. 


E agora um novo custo do saneamento dos fundos de pensão de estatais, vítimas de erros de gestão e desvios.

Um país em que 88% da população têm até 59 anos não pode estar com um peso previdenciário desta dimensão. É completamente insensato, porque o gasto que for destinado a cobrir as aposentadorias fará falta para despesas como as de educação. O próprio sistema em si tende ao colapso se nada for feito para reequilibrá-lo.

Os que são contra a reforma sustentam que a Previdência precisa de boa gestão, de combate aos privilégios e de cobrar das empresas que não pagam porque sonegam ou têm isenções. 


É verdade, deve ser feito, mas não é o suficiente. O governo, se quiser convencer as pessoas de que as mudanças são necessárias, precisa combater ralos e privilégios.

A proposta de 70 anos de idade mínima é alta demais, maior do que a adotada atualmente nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo. Porém, o que está sendo formulada é a ideia de que, no futuro, se caminhe para isso diante do aumento da expectativa de vida. 

E mesmo a idade de 65 anos terá, pelo que está sendo estudado, um período de transição. A este limite se chegará gradativamente.

Por enquanto o governo assustou as pessoas, conversou com quem já tem posição cristalizada contra qualquer mudança, e tentou agradar os que já são favoráveis à reforma, prometendo aprová-la o mais rapidamente possível. Até o momento errou tudo.


É preciso ter uma estratégia de convencimento para avançar nesse terreno, que é sempre pedregoso.

" O Brasil já não tem limites...SENADO APROVA AUMENTO PARA JUDICIÁRIO " ...

POLÍTICA



MEDIDA INCLUI TAMBÉM servidores do Ministério Público da União e segue para sanção de Temer

Os senadores aprovaram ontem reajuste salarial de 41,47% para servidores do poder Judiciário e de 12% para os funcionários do Ministério Público da União (MPU). Os dois projetos vão a sanção presidencial. A votação foi acompanhada por servidores que passaram os últimos dias pressionando os parlamentares. Ao final, aplaudiram o resultado.

De acordo com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, que participou ontem de audiência pública no Senado antes da votação, o impacto do aumento para os servidores do Judiciário será de R$ 1,69 bilhão para os cofres públicos ainda em 2016. No caso do MPU, alcançará R$ 334,9 milhões. Ao todo, são cerca de R$ 2 bilhões.

Os gastos para o Judiciário aumentam significamente nos anos seguintes (confira quadro ao lado). Em 2019, chegará a R$ 9,3 bilhões, totalizando quase R$ 22,3 bilhões no acumulado do período. O aumento será dado, de forma escalonada, em oito parcelas, de junho de 2016 a julho de 2019.

O reajuste a analistas e técnicos do MPU custará R$ 3,5 bilhões até 2019. O projeto prevê aumento no vencimento básico em oito parcelas, também de forma escalonada, de junho de 2016 a julho de 2019.

A gratificação judiciária, correspondente a 90% do vencimento básico, chegará gradualmente a 140%, em janeiro de 2019. A proposta concede, a partir de janeiro de 2016, reajuste de até 25% para os cargos em comissão. Além disso, técnicos judiciários com curso superior receberão adicional de qualificação. Também foi elevado o percentual da gratificação de atividade do MPU incidente sobre o vencimento básico, de 90% para 140%, até 2019.

As duas propostas fazem parte de um pacote de reajustes para diversas categorias do funcionalismo público autorizados pelo governo do presidente interino Michel Temer. As medidas já foram aprovadas pela Câmara. O reajuste do Judiciário é um dos mais dispendiosos para as contas públicas dentro desse conjunto de medidas que ainda falta ser votado no Senado. De acordo com Oliveira, o impacto não é relevante.

– Isso não vai tornar a nossa situação fiscal mais difícil – afirmou.



A votação dos projetos foi viabilizada depois que o ministro foi ao Senado ontem à tarde para explicar as propostas e os reais efeitos que trazem aos cofres públicos. Disse que há espaço para garantir os aumentos. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), que estava à frente do Planejamento quando o governo autorizou o reajuste, afirmou que na meta aprovada, que prevê déficit de R$ 170,5 bilhões, já haviam sido reservados recursos para esses aumentos. Os senadores chamaram o ministro para saber se o reajuste causaria mais descontrole fiscal no governo federal.

" Atentado na Turquia é alerta para o RIO - 2016 - "



                  EDITORIAL O GLOBO

                                 O GLOBO - 30/06

A pouco mais de um mês para as Olimpíadas, ataque a aeroporto de Istambul reforça necessidade de vigilância e ação integrada internacional contra o terror

O atentato no Aeroporto Ataturk, em Istambul, que matou ao menos 41 pessoas na terça-feira e feriu cerca de 240, se soma a uma série de atos terroristas recentes na Turquia, evidenciando que o país se tornou alvo crescente de extremistas. Desde junho do ano passado, foram realizadas 14 ações por militantes separatistas curdos e extremistas do Estado Islâmico (EI), com quase 300 vítimas fatais. No ataque desta terça-feira, a maioria dos mortos era de nacionalidade turca, mas também havia cinco sauditas, dois iraquianos e um cidadão de China, Irã, Jordânia, Tunísia, Ucrânia e Uzbequistão, segundo dados oficiais.


A violência política, étnica e religiosa reflete a complexidade de uma nação que representa a fronteira — real e simbólica — entre o Ocidente e o Oriente, especialmente a cosmopolita Istambul, cujo aeroporto é um dos mais movimentados do mundo, funcionando como ponto de conexão para dezenas de milhões de passageiros entre Europa, Oriente Médio, África e Ásia.



Membro da Otan, a Turquia também participa da coalizão que vem combatendo as posições do EI na Síria e no Iraque. Tal iniciativa despertou o ódio dos radicais islâmicos.



Internamente, o país sofre com divisões políticas profundas, especialmente entre muçulmanos que apoiam o presidente Recep Tayyip Erdogan e a oposição, que defende uma nação secular e nacionalista. Há ainda uma guerra entre o governo e a minoria curda que há décadas luta para se separar, transformando o Sudeste da Turquia numa região conflagrada.



Os separatistas curdos estiveram por trás de inúmeros atentados. Já o regime turco é acusado de autoritarismo e de agir com truculência contra a minoria, o que retardou o processo de adesão formal do país à UE.



Em meio à crise humanitária provocada pelo fluxo de refugiados sírios à UE, a Turquia desempenhou um papel crucial, ao aceitar receber refugiados pegos tentando entrar irregularmente na Europa. A contrapartida do acordo foi a aceleração do processo de incorporação do país ao bloco europeu, apesar das acusações de violações de direitos humanos. Além disso, os atentados de terça-feira ocorreram um dia após o governo turco ter anunciado uma reaproximação diplomática com Israel e Rússia, reforçando seu papel como ator estratégico na região.



Os radicais, como se vê, miram alvos com alto poder simbólico, além de civis inocentes. É assim que chamam a atenção para suas causas, e isto é inadmissível. Nenhuma população pode ficar refém de extremistas. O atentado no aeroporto Ataturk é o mais recente alerta sobre a necessidade de uma ação conjunta contra o terror.



A pouco mais de um mês de sediar as Olimpíadas, o Rio se encaixa neste perfil e deve redobrar a vigilância. Por isso, é louvável a iniciativa do governo federal para uma atuação ainda mais integrada com serviços de segurança estrangeiros, sobretudo o americano e o israelense.


" O Rombo e a dívida crescem "

 EDITORIAL O ESTADÃO

    

Continua crescendo o buraco das contas públicas, enquanto o governo ainda ensaia os primeiros passos para arrumar as suas finanças. Com os negócios emperrados e 11,4 milhões de pessoas desempregadas, a receita de impostos e contribuições permanece em queda, enquanto a despesa aumenta sem parar.


 Chegou a R$ 15,49 bilhões só em maio o déficit primário do governo central – sem a inclusão, portanto, dos juros da dívida federal. Descontada a inflação, foi quase o dobro do resultado negativo de um ano antes, de R$ 8,07 bilhões em valor atualizado.

 Entre janeiro e maio de 2015, o poder central – representado por Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência – ainda apresentou um balanço no azul, com superávit primário de R$ 6,49 bilhões. Neste ano, os cinco meses foram fechados com um rombo de R$ 23,77 bilhões, explicável pela combinação de dois fatores: a retração econômica e a rigidez dos gastos.

Enquanto a receita líquida encolheu 5%, o dispêndio foi 1,4% maior que o do mesmo período de 2015. Enquanto a receita do regime geral da Previdência diminuiu 6,5%, em termos líquidos, o pagamento de benefícios cresceu 5,2%. 

Os desempregados deixaram de recolher a contribuição, mas os aposentados continuaram a receber seu dinheiro. Excetuada a folha de pessoal, as demais despesas obrigatórias também continuaram em expansão. Com a recessão, o superávit do Tesouro tornou-se insuficiente para compensar, nas contas primárias, o déficit crônico da Previdência.


Com o retorno ao crescimento econômico, ainda sem previsão segura, a receita do Tesouro voltará a crescer, mas, ainda assim, as contas oficiais continuarão com problemas muito sérios. Poderá haver mais dinheiro para compensar o déficit da Previdência, mas será preciso muito mais que isso para aliviar o peso da dívida pública, o principal desafio, hoje, para os ministros das áreas econômica e financeira.

O tema fica mais claro quando se examina o balanço geral do setor público, preparado mensalmente pelo BC. As contas, nesse caso, são sujeitas a um critério diferente do usado nas demonstrações do Tesouro. O resultado, neste caso, corresponde simplesmente à diferença entre receitas primárias e despesas primárias.

 Nos cálculos publicados pelo BC, o resultado positivo ou negativo corresponde às necessidades de financiamento do setor governamental. Incluem as despesas com os juros e a amortização da dívida. Além disso, essas contas abrangem os números federais, estaduais, municipais e de parte das estatais.

Pelas contas divulgadas pelo BC, o déficit primário do setor público bateu em R$ 18,12 bilhões em maio. Todos os níveis de governo ficaram no vermelho e o pior desempenho foi o do governo central, com um buraco de R$ 17,77 bilhões. Somando os juros, obtém-se o resultado nominal e o quadro fica muito pior. O déficit nominal chegou a R$ 169,91 bilhões no ano e a R$ 604,56 bilhões em 12 meses, valor correspondente a 10,08% do Produto Interno Bruto (PIB), o triplo da média da União Europeia.

Com isso, a dívida bruta do setor público atingiu em maio R$ 4,11 trilhões, ou 68,6% do PIB. Pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI) a proporção seria maior, porque a soma incluiria os papéis do Tesouro em poder do BC. Por esse padrão, a dívida bruta brasileira já está bem acima de 70%, enquanto a da maior parte dos emergentes é inferior a 50% do PIB.

Só um enorme esforço de ajuste permitirá conter e depois diminuir o endividamento público. O crescimento econômico ajudará, mas serão necessárias medidas muito severas – e dificilmente haverá condições políticas para isso antes da solução do processo de impeachment. Além disso, um ajuste duradouro dependerá de medidas mais ambiciosas, como a reforma da Previdência, por enquanto encalhada, e a redução – ou eliminação – das vinculações orçamentárias, um fator de rigidez e de irracionalidade. 

Nada disso será possível se faltar ao governo disposição para enfrentar a resistência de congressistas e de grupos organizados.

" A Cultura da boca- livre "


 EDITORIAL O ESTADÃO

    O Estado de S. Paulo - 30/06

O escândalo do desvio de recursos públicos para atividades que nada têm a ver com o estímulo à cultura, conforme apurou a Operação Boca Livre da Polícia Federal (PF), tende a radicalizar a discussão em torno da chamada Lei Rouanet, que gera controvérsia desde que foi aprovada, em dezembro de 1991. 

Não é para menos: afinal, quando até uma festa de casamento é bancada com recursos oriundos de renúncia fiscal, é porque alguma coisa está muito errada.

A operação da PF desmontou um esquema que funcionava desde 2001 e fraudava o processo por meio do qual o Ministério da Cultura (MinC) libera o benefício a quem o solicita. Segundo as investigações, os operadores do esquema apresentaram projetos culturais falsos e dessa forma obtiveram cerca de R$ 180 milhões.

 A tal festa de casamento, por exemplo, recebeu os recursos porque foi disfarçada de show.

Está claro que essa quadrilha pôde agir por 15 anos porque a fiscalização é frouxa, e talvez seja esse o maior problema da Lei Rouanet. O benefício tem sido concedido a projetos que jamais poderiam ser enquadrados na categoria de “fomento à cultura”.

O estímulo oficial à criação artística e ao desenvolvimento cultural, seja por meio de recursos advindos de renúncia fiscal, seja por investimentos diretos do governo, é indispensável como instrumento auxiliar para, entre outros objetivos, a formação da identidade cultural de um povo. A Lei Rouanet, ao longo de seus 25 anos de existência, tem cumprido esse objetivo. 

Apresenta, no entanto, graves distorções que precisam ser corrigidas, inclusive aquelas que dão margem a fraudes.

Para que venha a se beneficiar da Lei Rouanet é preciso que um produtor cultural submeta um projeto detalhado ao MinC, informando o montante de recursos financeiros que pleiteia. Uma comissão de técnicos analisa a proposta tanto do ponto de vista técnico quanto de seus objetivos culturais e aprova, ou não, a captação pelo pleiteante, junto às empresas privadas, da verba aprovada. Esse dinheiro é descontado pelo patrocinador de seu Imposto de Renda devido como pessoa jurídica.

Quando, em 2009, tentava negociar com o Congresso a reforma da Lei Rouanet, o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, argumentava que a maior distorção do sistema estava na captação dos recursos junto à iniciativa privada, cujos departamentos de marketing tinham o poder de definir os projetos de sua preferência. Como consequência, dizia então o MinC, cerca de 80% dos recursos captados pelos projetos aprovados beneficiavam o Sudeste. É verdade, consequência do fato óbvio de que é em Regiões Metropolitanas como as de São Paulo e Rio de Janeiro que se concentra a maior parte do público-alvo das empresas. Seus departamentos de marketing, portanto, fazem o que deles se espera e pouco têm a ver com a difusão da cultura.

Mas é verdade também – e esse é o fulcro da questão – que os projetos que as empresas aceitam patrocinar para se beneficiarem da renúncia fiscal são aqueles, e somente aqueles, que o MinC aprova. A distorção, portanto, não está na captação, mas na aprovação dos projetos.



É claro que não faz sentido patrocinar com recursos públicos espetáculos de artistas consagrados que por definição podem contar com a bilheteria para cobrir seus custos e remunerar seu talento. É claro também que em momentos de crise como o que vivemos é muito difícil, até para celebridades, contar apenas com bilheteria. Mas, quando se trata de recursos públicos, é preciso estabelecer prioridades. 

A questão central, então, é que é indispensável o aporte de recursos públicos para a criação artístico-cultural, mas esses recursos devem se concentrar no fomento da atividade criativa – o que implica prioritariamente pesquisa, inovação e qualificação profissional – e não no espetáculo, o que significa a submissão de um programa de governo no campo cultural ao efeito perverso da lógica do mercado. Para não falar da falta de fiscalização, que beneficia as escandalosas bocas-livres.