domingo, 31 de julho de 2016

" Lula culpa o BRASIL "


domingo, julho 31, 2016

MARY ZAIDAN

BLOG DO NOBLAT - 31/07

Fingir que não é com ele, mentir para livrar a sua cara e a sua pele são traços impressos na personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 Sempre foi assim. Desde os palanques de São Bernardo do Campo -- quando recitava palavras de ordem óbvias diante da massa e de uma ditadura que lhe era dócil --, até à quase inacreditável petição contra o Estado brasileiro que impetrou, na quinta-feira, junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU. 

Uma alma narcisa que só pensa em si. Que xinga e elogia, soca e abraça por conveniência e só age na primeira pessoa.

O mesmo Lula que em 1993 escorraçou a Câmara dos Deputados afirmando que ela abrigava “300 picaretas” dedicou loas à Casa, 10 anos depois, ao receber a Suprema Distinção Legislativa: “não existe nada mais nobre que um mandato parlamentar”.

Pouco despois de se eleger em 2002, desfilou de braços dados com José Sarney, a quem já acusara de ser “grileiro”. Adulou Renan Calheiros para ficar em pé durante o processo do mensalão; bajulou Paulo Maluf – que já fora o mal em si – para eleger Fernando Haddad, o prefeito mais impopular que São Paulo já teve.

Algumas lembranças do Lula de ocasião fazem arrepiar até a esquerda cativa que ainda hoje o aplaude. Collor de Mello que o diga. A entrevista ao Bom Dia Brasil, na TV Globo, pouco antes de ser eleito presidente da República pela primeira vez, é simbólica. 

Ali, elogiou, em alto e bom som, os governos de Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, que “pensavam o Brasil estrategicamente”. E discordou de bate-pronto da afirmativa do entrevistador sobre as altas taxas de inflação que os generais deixaram como herança. “Não é verdade”, assegurou.

Depois de vencer a eleição, Lula soltou ainda mais a verve. Fez do hoje condenado e preso José Dirceu o “capitão do time”, para depois puxar-lhe o tapete. Foi a público, em cadeia de rádio e TV, pedir desculpas pela traição dos seus no escândalo do mensalão, ocorrência que, meses depois, passou a negar peremptoriamente.

Quando se vê sem alternativas, escolhe a categoria de vítima, posando como perseguido da mídia e da elite. A mesma elite que lhe prestou favores pessoais e garantiu os bilhões para custear o sonho da hegemonia petista. Tudo à custa de generosas propinas nos negócios públicos.

Ainda que um pouco chamuscado, livrou-se do mensalão. E, se já podia tudo, Lula acreditou no infinito. Inventou Dilma Rousseff, enfiou-a goela abaixo do PT e dos aliados, provocando uma indigestão que nem todos os bilhões desviados de obras públicas, dos fundos de pensão e do sabe-se lá mais onde, foram suficientes para curar.

Vieram a Lava-Jato, o processo de impeachment de Dilma, a incerteza, o medo da cadeia.

O Lula que agora recorre à ONU não é mais o mesmo. Está fragilíssimo.

Por ironia da história, virou réu em Brasília – não em Curitiba -- quase que simultaneamente à sua tentativa de estender ao mundo a sua versão de mártir.

Mas suas bravatas já não ecoam. O processo que tenta impor em Genebra é um amontoado de mentiras. O cerne da peça -- o juiz Sérgio Moro age arbitrariamente para forçar delações de prisioneiros e não há tribunais para rever as sentenças – desintegrou-se em uma simples nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe): “O sistema processual brasileiro garante três instâncias recursais e, até o momento, menos de 4% das decisões do juiz Sérgio Moro foram reformadas”. E a tentativa de dizer que as acusações que pairam sobre si não passam de uma ação articulada de forças conservadoras para impedir a sua candidatura em 2018 beira o ridículo.

O Lula que agora recorre à ONU, seja para criar um fato novo em pré-impeachment ou facilitar uma eventual solicitação de asilo político no futuro, se mostra miúdo, debilitado, anêmico.

Ao acusar a Polícia Federal, a mesma que ele tanto elogiava durante o seu governo, e a Justiça, para a qual ele e sua sucessora indicaram 13 ministros, oito dos onze em atividade na Suprema Corte, Lula enterra-se, definitivamente, na lama.

Sua defesa age como se todas as instituições brasileiras – incluindo a imprensa, é claro -- fossem criminosas. E ele, só ele, inocente. O Lula que agora recorre à ONU é patético.

" O Peso das Imagens " de DILMA E LULA " ...

 EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 31/07

O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem
Os quadrilheiros Dilma e Lula,estão soltos... enquanto não forem presos,teremos esse BRASIL...
mau caráter,impunidade,imoralidade ética,e Ministros Comprados...pelo PT.



O desespero cresce à medida que se aproxima o impeachment e, com isso, Dilma Rousseff vai perdendo a noção do ridículo.

 A mulher dita honesta, acuada pela sanha golpista dos inimigos do povo e confinada na solidão de um palácio de mentirinha, volta-se, explicitamente, contra seu próprio partido, a quem atribui a responsabilidade por qualquer malfeito que tenha sido cometido nas duas bem-sucedidas campanhas eleitorais de que participou. 

Mas o sentimento de rejeição é recíproco: está aberta nas hostes lulopetistas a discussão sobre a conveniência de manter Dilma Rousseff afastada da campanha municipal. O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem. Dispensa o abraço de afogado.

Para a presidente afastada, a confissão de seu ex-marqueteiro oficial de que recebeu via caixa 2 pelos serviços prestados na campanha presidencial de 2010 não a atinge: “Ele diz que recebeu isso em 2013.

 Ora, a campanha começa em 2010 e até o final do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. A partir do momento em que ela é encerrada, tudo o que ficou pendente de pagamento da campanha passa a ser responsabilidade do partido”.



Equivoca-se a mulher honesta. Mesmo que o cipoal legislativo que regula a matéria dê margem a eventuais interpretações pontuais discrepantes, o bom senso impõe a observância do princípio da responsabilidade solidária de candidatos e partidos sobre os gastos eleitorais, principalmente quando se trata de pleito majoritário. No caso, o marqueteiro João Santana, responsável pelo marketing eleitoral de Dilma em 2010, só conseguiu receber US$ 5 milhões que lhe eram devidos – na verdade, US$ 500 mil a menos – em 2013, depositados em conta no exterior.

Ninguém imagina que um candidato à Presidência da República seja obrigado a cobrir gastos de campanha. Mas é óbvio que ele é responsável, solidário com o partido, por esses gastos, inclusive do ponto de vista da legislação eleitoral. É, aliás, exatamente por essa razão que está sendo julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativa aos gastos de campanha de 2014.

 É simplesmente ridícula, portanto, a alegação da presidente afastada de que, como a campanha de 2010 foi encerrada antes de o pagamento ser feito ao marqueteiro, a responsabilidade exclusiva por esse pagamento é do PT.

De resto, essa atitude revela, no mínimo, o desapreço que Dilma tem pelo partido pelo qual se elegeu duas vezes presidente da República. O que suscitaria a questão – se é que ela acredita realmente que possa voltar ao Palácio do Planalto – de saber com o apoio de quem ela contaria para recompor seu governo.

Ao tentar transferir para o PT toda a responsabilidade pelos golpes eleitorais que alavancaram suas eleições, Dilma nada mais fez do que imitar o comportamento de seu criador e mestre, Lula da Silva. Mentor e maior beneficiário do mensalão e do petrolão, peças do mesmo esquema de corrupção com os quais procurou em vão consolidar seu projeto pessoal de poder, o hóspede contumaz do famoso sítio de Atibaia passou oito anos na Presidência da República comportando-se como se qualquer suspeita de seu envolvimento em trambiques fosse crime de lesa-majestade. 


A diferença entre Dilma e Lula é que este, muito mais esperto, não perdia oportunidade de passar a mão na cabeça de quem operava o jogo sujo para ele.

Hoje, a agenda dos restos do PT concentra-se na sua sobrevivência política, o que passa necessariamente por um desempenho se possível um pouco mais do que medíocre no pleito municipal de outubro. 


A estratégia eleitoral a ser adotada divide suas lideranças. Por um lado, os que preferem a uma abordagem mais “ideológica” insistem que o mais adequado é a “nacionalização” da campanha, levando para os palanques municipais o tema do “golpe” de que o PT estaria sendo vítima com o impeachment de Dilma. De outra parte, os mais pragmáticos entendem que, numa eleição de prefeitos e vereadores, o que garante voto são as questões locais.

Seja qual for a estratégia, predomina entre as lideranças petistas, nos âmbitos federal, regional e municipal, a convicção de que, com a exceção talvez do Nordeste, as presenças nos palanques de Lula e, principalmente, de Dilma, não são desejáveis.


 São as voltas que a política dá.

" Faltam Líderes "

MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/07

A atual crise brasileira revela uma aguda escassez de líderes com visão de longo prazo e capacidade de infundir confiança por meio do exemplo, problema que ainda vai perdurar por um longo período e promete ser um desafio para os eleitores nos próximos pleitos. A perda de legitimidade de políticos - independentemente de vinculações partidárias - tornou-se endêmica.



Nomes antes promissores foram varridos do tabuleiro político, e não há no horizonte novos líderes despontando. Resolvi pedir ao economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, especializada em planejamento, gestão e cenários prospectivos, uma avaliação sobre os governadores mais promissores em atividade, nomes que podem aparecer, a médio e longo prazos, como eventuais alternativas políticas.

A Macroplan acompanha há longo tempo o desempenho de governantes, avaliando a qualidade da gestão pública no país, e tem visão detalhada de inovações em curso em governos estaduais. Porto confirma a sensação de ausência de lideranças no campo nacional, e de quadros que inspirem confiança para conduzir o país a uma trajetória de crescimento sustentável no longo prazo, mas identifica gestores diferenciados que eventualmente poderão ocupar esse imenso vazio.

Para Porto, a grave crise econômica coloca em evidência aqueles que mais têm trabalhado no ajuste estrutural das finanças públicas sem comprometer as entregas de serviços e obras à sociedade. Dos três que ele destaca numa primeira leva, apenas o governo do Espírito Santo é seu cliente.

O governador Paulo Hartung (PMDB) retornou ao cargo após um primeiro período de governo em que livrou o Espírito Santo do crime organizado e implantou um modelo de gestão política, estratégica e de austeridade fiscal reconhecido nacionalmente, especialmente pela capacidade de produzir respostas rápidas e em acordo com os demais Poderes do estado capixaba.

Não foi à toa que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi buscar em seu governo a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que era secretária da Fazenda de Hartung. "Apesar do ambiente de escassez de recursos, o governo capixaba prestou os serviços de Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social sem interrupção, pagou servidores e fornecedores em dia e terminou 2015 reequilibrado do ponto de vista fiscal, situação nada comparável aos déficits de R$ 7,6 bilhões do Estado do Rio, R$ 2,6 bilhões de Minas e R$ 2,2 bilhões do Rio Grande do Sul", analisa Porto.

Ele destaca o rigoroso ajuste de gastos de custeio de Hartung, com redução de cargos comissionados, renegociação de contratos de fornecimento e adequação dos investimentos à disponibilidade de recursos.

Outro que vem se destacando, para a Macroplan, é o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, também do PMDB. "Embora à primeira vista possam ser interpretadas como emergenciais ou meramente pragmáticas por serem inevitáveis, as medidas do governador Sartori de disciplinar gastos revelam que ele esboça uma reação estrutural", analisa Porto.

Apoiado por coalizão empresarial e de líderes civis, Sartori liderou a aprovação da primeira Lei de Responsabilidade Fiscal estadual - com regras complementares à lei federal de 2000 - e tem objetivo de restringir concessão de reajustes salariais para outras administrações ou governantes pagarem, bem como limita contratações, criação de cargos e reajustes se a despesa com pessoal ultrapassar o limite de 60% da receita. Há poucos dias, o governo do RS ingressou com ação no Supremo contra o reajuste dos servidores dos demais Poderes do RS, aprovado pela Assembleia Legislativa.

O terceiro nome que se apresenta como contraponto ao desencanto com a política, para Porto, é o do governador de Mato Grosso, Pedro Taques, cujo currículo chama a atenção. Procurador da República antes de se eleger senador, em 2010, Taques foi protagonista na prisão de empresários e políticos acusados de corrupção, entre os quais o ex-senador Jader Barbalho.

O ex-pedetista, hoje tucano, tem trajetória em temas importantes, como combate à corrupção e elaboração do novo Código de Processo Civil; e, como governador, foi um dos mais firmes opositores à presidente Dilma. "No campo da gestão, Taques tem atuado fortemente na costura de parcerias com a iniciativa privada, principalmente no campo da Educação, fazendo entregas relevantes para a sociedade", destaca Porto.

" Partido que fala " javanês "

DORA KRAMER

ESTADÃO - 31/07

Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português

A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.



O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.

Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.

Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.

Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.

O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.

De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.

Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.

Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.

Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.

" O Mais Pesado "

 ELIANE CANTANHÊDE

      ESTADÃO - 31/07

Principal liderança do País, Lula vai esgotando possibilidades para 2018


A “fonte” é quente: o que já saiu não é nada leve, mas as denúncias “mais pesadas” contra o ex-presidente Lula ainda estão por vir. É por isso que Lula e seus advogados se antecipam, em busca de uma duvidosa proteção no Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ambiente político, a sensação é de que foi um ato de desespero, indicando que Lula sabe que pode ser preso e estaria aplainando terreno para um futuro pedido de asilo político.

Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes... tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.

No centro, podem estar as perigosas relações de Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, ou o chefe da “organização criminosa”. No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.

Lula tornou-se réu pela primeira vez, na sexta-feira, pelo menor dos seus problemas com a Justiça: a suposta tentativa de evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, para que ele não abrisse o bico sobre as peripécias de seu amigo José Carlos Bumlai. Peripécias essas que seriam para atender a interesses, conveniências e possivelmente pedidos de Lula.

Digamos que tentar obstruir a Justiça é um “crime menor”, quando Lula é suspeito de ter ganho fortunas e viver à custa de empreiteiras, numa rede de propinas, de toma lá, dá cá. Menor, mas impregnado de simbologia e de força política.

Os fatos embolaram-se de quinta para sexta-feira, num ritmo de tirar o fôlego. Lula entra com a petição no Comitê da ONU, acusando o juiz Sérgio Moro de “abuso de poder” e “falta de imparcialidade”. Ato contínuo, sai o laudo da PF mostrando, até com detalhes constrangedores, como o ainda presidente e Marisa Letícia negociaram cada detalhe da reforma de um sítio que juram não ser deles e cujo dono oficial é um íntimo amigo que não tem renda para tal patrimônio. E, já no dia seguinte, explode a decisão da Justiça Federal do DF tornando Lula réu.

O efeito prático da petição à ONU é remoto, ou nenhum. O comitê tem 500 casos, só se reúne três vezes por ano e está esmagado por guerras, atentados que matam dezenas e golpes de Estado sangrentos. Além disso, só acata pedidos semelhantes quando todas as instâncias se esgotaram no país de origem e Lula ainda está às voltas com a primeira instância. Conclusão: a ação é mais política do que jurídica.

Já o laudo da PF é minucioso e bem documentado, criando uma dificuldade adicional para Lula: ele é suspeito de mentir sobre suas propriedades não apenas em seu depoimento às autoridades, mas à própria opinião pública. Difícil acreditar que não é dono do sítio que frequenta regularmente com a família, que recebeu uma reforma feita ao gosto do casal, que abriga os barcos para os netos e parte da mudança do Alvorada após o governo. Se mentiu, por que mentiu?

Mais: Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele? Porque são todos “de direita”? Ou são todos “tucanos”? Lula parece dar murro em ponta de faca, sem argumentos concretos para se defender e esgotando suas possibilidades não só de disputar em 2018, mas de liderar uma grande e saudável renovação da esquerda brasileira. “Cansei”, reagiu. Mas, se a “fonte” estiver correta, o “mais pesado” ainda vem por aí.

" Advertência aos políticos "

 EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

 31/07

Alguns episódios indicam que o Brasil passa por mudanças importantes. Ao tornar réus o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e mais cinco pessoas, a Justiça demonstrou, na última sexta-feira, que a elite política não está acima da lei. O julgamento do mensalão já havia provado, de forma contundente, que poderosos podem conhecer as penalidades previstas para crime de corrupção. O maior exemplo recaiu sobre José Dirceu, ministro todo-poderoso da Casa Civil durante o primeiro mandato 


de Lula no Palácio do Planalto. Atualmente, Dirceu cumpre prisão em decorrência da Operação Lava-Jato, que neste momento está nos calcanhares da estrela maior do Partido dos Trabalhadores. Não se pode dizer que se trata de mera coincidência.

A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Lula e outros foi acatada integralmente pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Segundo os termos relatados por Rodrigo Janot, o ex-presidente e os demais réus são acusados de crime de obstrução de Justiça ao tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O episódio resultou, entre os diversos impactos na política brasileira ao longo da Lava-Jato, na prisão preventiva de Delcídio do Amaral, ex-senador e ex-líder do governo de Dilma Rousseff, e consequente acordo de delação premiada. O magistrado de Brasília entendeu que a investigação reúne elementos probatórios largamente suficientes para que o processo tenha andamento e determinou prazo para as respectivas defesas se manifestarem.

A decisão de Brasília ocorreu um dia depois de o ex-presidente abrir ofensiva contra outro magistrado federal, Sérgio Moro, no âmbito da ONU. Os advogados do reclamante afirmam, na queixa encaminhada ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, que a condução coercitiva ocorrida em São Paulo em março tratou-se de flagrante ilegalidade. Os defensores de Lula também acusam Moro de ser um homem "consumido por um desejo de autopublicidade, a fim de engrandecer sua cruzada contra políticos que ele alega serem corruptos".

 A decisão da última sexta-feira, proferida por outro magistrado federal, enfraquece a tese persecutória e amplia o rol de suspeitas sobre a conduta de Lula. É lamentável observar um ex-mandatário da nação, que tem por obrigação zelar pela respeitabilidade do cargo que exerceu durante oito anos, se complicar cada vez mais nas raias da Justiça.

Além do ex-senador Delcídio do Amaral, acompanham Lula neste desdobramento da Lava-Jato o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e filho, e advogados e assessores envolvidos. A abertura de ação penal contra o ex-presidente constitui um duro golpe no PT, em meio à iminente definição do processo de impeachment de Dilma Rousseff e às eleições municipais. Mas significa, sobretudo, um alerta para homens públicos e para toda sorte de profissionais envolvidos na política. O Brasil tem leis. E está começando a aplicá-las para valer.

" O PT e a OPÇÃO DILMA "

 CELSO MING

   ESTADÃO - 31/07

'Os companheiros' parecem confusos e radicalmente divididos sobre apoiar a permanência da presidente afastada


Até que ponto o PT está mesmo interessado na volta da presidente Dilma ao governo, com tudo o que viesse depois?



O teatro e a retórica sugerem que está, sim, e que o interesse do partido se identifica com o interesse da presidente. Mas não é só a lógica que aponta para outra direção. Como tem acontecido em tantos outros assuntos, “os companheiros” parecem confusos e radicalmente divididos.

A condenação do “golpe” a que se aferram peca por falha estratégica. O PT e a presidente Dilma vêm usando todos os recursos políticos e institucionais, os mesmos que passaram a denunciar como ilegítimos. Como aceitar como legítima a defesa da presidente Dilma se todo o processo deve ser considerado nulo, como opinam?

Em outras palavras, é difícil vender a tese do golpe parlamentar e judiciário se os apoiadores da presidente afastada estão usando todos os meios e prerrogativas que lhes conferem a Constituição, as leis e os regimentos, tanto do Congresso quanto do Supremo. Se aceitam as regras do jogo, não há sentido em condená-las.

A outra contradição está no comportamento prático. O PT refugou veementemente a política econômica colocada em marcha no segundo período Dilma. Descartou o que chamou de cavalo de pau na economia adotado ainda em dezembro de 2014, que “criou a sensação de estelionato eleitoral”. Malhou o quanto pôde o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e 


sua política de ajuste. Malhou depois o ministro que lhe sucedeu, Nelson Barbosa, e também acusou seu programa fiscal “de destruir a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista”. E rejeitou também veementemente os primeiros passos em direção à proposta de reforma da Previdência feita pela própria presidente Dilma e pelo ministro Nelson Barbosa.

Em lugar de tudo isso, os dirigentes do PT defenderam a retomada da política econômica do primeiro governo Dilma, baseada na enorme expansão das despesas públicas, nas desonerações fiscais, na distribuição de subsídios, na derrubada dos juros, na fartura de crédito – decisões que deveriam ser reforçadas pela venda imediata de reservas externas. Ainda nesta sexta-feira, o presidente Lula declarou que a solução da economia está na expansão do consumo e na ativação do crédito, como se faltasse crédito – e como se a retranca no consumo fosse causa e não consequência dos desequilíbrios da economia.

Na Resolução sobre a Conjuntura, de 17 de maio de 2016, o PT comprometeu-se com a defesa de Dilma no processo de impeachment, mas exigiu que, uma vez vitoriosa, adotasse mudança radical de rumo na política econômica adotada antes do seu afastamento do governo.

Dilma chegou a propor que, uma vez de volta ao Palácio do Planalto, novas eleições fossem convocadas imediatamente para escolher novo chefe de governo. Mas essa é uma proposta de baixa viabilidade política, uma vez que exigiria renúncia do vice-presidente e aprovação de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), em dois turnos pelas duas Casas do Congresso, por maioria de três quintos.

E, antes disso, seria preciso saber com que base parlamentar contaria a presidente Dilma para conduzir a economia, especialmente depois do rompimento com o PMDB liderado pelo vice-presidente, Michel Temer, agora seu desafeto.

Independentemente disso, ou Dilma aceitaria a volta dos experimentos e do voluntarismo praticados enquanto vigorou a fracassada Nova Matriz Macroeconômica e sua política de pedaladas, ou adotaria uma variação qualquer da política de Temer, sem no entanto garantir a credibilidade necessária para isso. Qualquer que fosse a opção, teria potencial para produzir novos estragos e isso, decididamente, prejudicaria ainda mais o projeto eleitoral do PT, pelo menos o de 2018.

Por isso, faria mais sentido que o PT permanecesse na oposição, de onde pudesse tirar proveito político de possíveis tropeços do governo Temer, do que voltasse à base de apoio de um eventual novo período Dilma.


E se o PT não está inteiro contra o processo de impeachment, mais improvável ainda contar que seja rejeitado no Senado.

" Mais 20 anos ? "

AMIR KHAIR

ESTADÃO - 31/07

É natural que haja otimismo em algumas análises quanto às expectativas favoráveis com o governo Temer. Dados recentes chegam a apontar que o fundo do poço já foi atravessado. Não compartilho dessa avaliação. Há de se ter cautela.




Completado o impeachment, novas medidas mais amargas poderão aparecer. Outras virão após completado o período eleitoral municipal. Estão e estarão na linha da economia de despesas primárias (que excluem juros) do governo federal.

Talvez o governo consiga aprovar antes das eleições de outubro mais um pacote: a PEC 241 (que prevê o congelamento de despesas primárias). Creio, no entanto, que isso só vá ocorrer após as eleições municipais, dado o impacto desfavorável com a população na área social e previdenciária. Além disso, há todo um processo de negociações com o Congresso, de olho nas eleições de outubro, e, em se tratando de emenda constitucional, tem trâmite mais demorado, devendo passar pela Câmara e pelo Senado com quórum de aprovação elevado.

Mais complicado e difícil politicamente é a aprovação da reforma da Previdência, cujo debate talvez só ocorra com o início dos trabalhos legislativos em 2017. Segundo a equipe econômica, é necessário que as novas regras de aposentadoria sejam aplicadas o quanto antes, prevendo um período curto de transição do atual regime para o novo, onde deveria constar idade mínima de aposentadoria, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e acabar com os regimes especiais para a mulher, trabalhador rural e professores. Não vai ser fácil e as centrais sindicais de trabalhadores estão unidas, não aceitando redução de direitos para quem já está no mercado de trabalho, portanto, com transição longa. 

Admitindo que a PEC 241 seja aprovada ainda neste ano, que a reforma da Previdência ocorra como deseja a equipe econômica e não ocorram problemas maiores com a rigidez de despesas, a despesa primária do governo federal ficaria congelada por pelo menos dez anos: de 2017 a 2026, podendo ser estendida até 2036, perfazendo 20 anos de congelamento. Em um cenário como esse, o que poderia ocorrer com a situação fiscal?

Perspectivas fiscais. Vamos supor que ocorra nesse período, de 2017 a 2036: a) um crescimento médio anual de 2%; b) inflação anual de 5% em 2017 e de 4% de 2018 em diante e; c) a taxa média de juros da dívida dos títulos federais seja de 12% em 2017 (Boletim Focus), caindo para 10% em 2018. E três alternativas para 2019 a 2036: permanecer em 10%, baixar para 8% e baixar para 6%.

Nessas condições, ocorreria no governo federal em relação ao PIB: a) déficit primário até 2023 e em 2026 o superávit primário estaria abaixo de 1%; b) déficit nominal (que considera juros) caindo de 10,2% em 2016 para em 2026 atingir 3,2% no caso de taxa de juros de 6%, 5,2% no caso de taxa de juros de 8% e ao redor de 8% até 2028 no caso da taxa de juros de 10%.

No início deste ano, a dívida bruta do setor público estava em R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e a dívida mobiliária do governo federal estava em R$ 2,6 trilhões (44,7% do PIB), portanto 2/3 da dívida bruta. A evolução que teria essa dívida mobiliária em relação ao PIB seria: a) de elevação até 68,7% em 2023 no caso de taxa de juros de 6%; b) de elevação até 78,2% em 2028 e; c) de elevação contínua até o fim de 2036, quando atingiria 107,1%.

Essas projeções mostram que, para um mesmo resultado primário, na hipótese de congelamento por 20 anos, o déficit nominal e a dívida mobiliária federal apresentam resultados elevados até 2023, mesmo com taxa de juros de 6%. Somente depois de 2023, com taxa de juros de 6%, é que reflui lentamente a relação dívida/PIB.

Proposta. Para se ter resultado nominal tendendo mais rápido para o equilíbrio, é necessário um forte abatimento até o fim de 2017 da dívida mobiliária, que se encontra ao fim de maio em R$ 2,7 trilhões (45,6% do PIB). Isso poderia ocorrer de diversas iniciativas: a) venda de excesso de reservas internacionais (US$ 200 bilhões); b) redução da Selic para o nível de 6% até o fim deste ano; c) acelerar a devolução dos R$ 513 bilhões em créditos do Tesouro Nacional no BNDES; d) redução pela metade na disponibilidade de R$ 926 bilhões do Tesouro Nacional no Banco Central, que não rendem nada; e) venda de ativos desnecessários à finalidade pública.

Admitindo que se proceda à política de redução da dívida mobiliária com ativos mal aplicados e, mesmo sem novas privatizações como a venda de participações acionárias do governo, seria possível até o fim de 2017 reduzir pela metade a dívida mobiliária prevista para o fim de 2017 (R$ 3,6 trilhões). 


Na hipótese de venda desses ativos se teria: a) déficits nominais fortemente cadentes e inferiores a 4% do PIB a partir de 2018 por causa da redução dos juros de 7,4% do PIB no fim deste ano para o nível de 2% do PIB a partir de 2018; b) equilíbrio fiscal (déficit nominal zero) em 2029 e superávits a partir de 2030 e; c) a dívida mobiliária federal cairia de 53% do PIB ao fim deste ano para níveis entre 30% e 35% do PIB de 2018 até 2029.

Alternativas viáveis e independente de negociações com o Congresso existem. Para isso, é necessário uma discussão mais abrangente sobre a questão fiscal envolvendo o resultado nominal, para não ficar no samba de uma nota só do déficit primário e do corte social que vem de Dilma com Levy e Barbosa para Temer com Meirelles. 

O Banco Central aguarda o esforço fiscal do governo como condição necessária para reduzir a Selic. Enquanto isso, ao praticar a Selic elevada, é o principal causador da elevação de despesas. Já são 22 anos, desde o Plano Real, que o BC espera, também, a redução da inflação para reduzir a taxa de juros. Mais 20 anos?

" A academia tenta entender o estranho fenômeno de juros nulos e deflação "

 SAMUEL PESSÔA

 FOLHA DE SP - 31/07

Desde meados dos anos 1990 a economia japonesa apresenta a estranha situação de juros reais negativos e deflação.

A academia não deu muita importância. A economia japonesa –com toda a disciplina e capacidade de poupança– parece se tratar de um mundo tão distante, mesmo para habitantes do hemisfério Norte, que o problema passou batido.

De fato, Paul Krugman publicou em 1998 seu hoje clássico paper "It's Baaack: Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap". Houve alguns outros poucos esforços em entender esse estranho equilíbrio macroeconômico: juros nominais nulos e deflação.

A saída da crise de 2008 colocou quase todo o mundo desenvolvido em um equilíbrio próximo ao japonês. A economia norte-americana apresenta uma recuperação com baixo crescimento do emprego. Na Europa, há desemprego elevado, com juros nulos e inflação muito baixa ou deflação.

Quando ficou claro que o estranho equilíbrio poderia ser um fenômeno mais geral, e não uma idiossincrasia de uma sociedade, ela mesma idiossincrática e distante, a academia se movimentou.


Há hoje literatura muito extensa tentando entender o estranho fenômeno. Em poucos anos a academia produziu um conjunto impressionante de conjecturas, modelos e diagnósticos. Certamente não há consenso e não há entendimento completo do que estamos vivendo.

As teorias consideram imperfeições no mercado de trabalho –em geral algum tipo de rigidez nominal dos salários– e algum tipo de restrição ao crédito.

Por exemplo, o trabalho "A Model of Secular Stagnation", de Gauti Eggertsson e Neil Mehrota, da Universidade Brown, sugere que as economias centrais estariam vivendo situação na qual ocorrem o paradoxo da parcimônia –o desejo de todos pouparem mais somente reduz a poupança e o emprego– e o paradoxo da labuta –o desejo de todos trabalharem mais somente reduz o emprego e o produto.

A saída mais simples é uma forte expansão fiscal. A política monetária é pouco eficaz nessa situação.

Já Stephanie Schmitt-Grohé e Martin Uribe, da Universidade Columbia, no paper "The Making of a Great Contraction with a Liquidity Trap and a Jobless Recovery", argumentam que nessas situações a política monetária ótima deixa de ser a regra de Taylor, que fixa a taxa de juros em função da distância da inflação corrente da meta inflacionária.

Em situações de carência crônica de demanda agregada, a queda da taxa de juros que acompanha a crise é pouco efetiva para estimular o consumo e o investimento. Além disso, a queda dos juros ajuda a manter as expectativas inflacionárias deprimidas, reforçando a recessão. Nessas situações, a melhor política é o banco central fixar o juro nominal no valor dado pela meta inflacionária mais o juro real normal da economia. Os juros nominais mais elevados elevarão as expectativas de inflação e ajudarão a retirar a economia da depressão.

Todos que leram Keynes sabem que esses fenômenos podem existir. A pergunta acadêmica é: que fatores levam a que essa possibilidade tenha ocorrido justamente agora e qual é a melhor resposta de política econômica? Essas questões requerem modelos teóricos com implicações empíricas precisas e testes robustos que não as rejeitem.

De qualquer forma, o mundo gira, a lusitana roda, e a academia não se deprime. Novos problemas, novos desafios. Sempre sem preconceitos e ideias prontas.

sábado, 30 de julho de 2016

" Ponto Cruz da Memória "





A febre é uma terapia há o degelo de lembranças longínquas que eu julgava esquecidas.




Ocorre um derretimento da memória de longo prazo e acesso antiguidades do meu pensamento com grande facilidade. O factual some, o mais imediato desaparece, em compensação o que estava lá atrás das vivências ressurge como se fosse ontem.

Vem um fluxo livre e rico de evocações. Capturo sons e cores da infância, converto fotografias em preto e branco em animação.

Quando fico com febre, não paro de falar. Deliro. Dou uma palestra exclusiva para a minha mulher. Óbvio que ela se assusta porque não calo a boca.

Mas é um reencontro com o meu passado, sem a censura dos sonhos e o medo dos pesadelos.

Febril, recordo que não conseguia dormir na casa de meu avô paterno. Apagava a luz do quarto e começava uma marcha de ratos pelo assoalho. Eu ouvia certinho a migração dos bichinhos pela extensão das tábuas. Para me assustar, o primo Beto dizia que os ratos se escondiam no piano durante o dia. Por muito tempo, não me aproximei do instrumento. Imaginava que os ratos saltariam das teclas nos recitais de minha tia.

Febril, recordo que viajava na infância deitado num pelego, no bagageiro do carro. Os pais armavam uma cama nos fundos da Belina. Eu e os irmãos vivíamos num universo à parte dos adultos. Brincávamos de Stop e acenávamos aos motoristas que se aproximavam do para-choque.

Febril, recordo que conhecia os vizinhos pelas suas árvores. Era o Edgar do pessegueiro, era a Florinda da laranjeira, era o Pedro da caramboleira, era o Alencar da bergamoteira. Os pés de fruta serviam de sobrenome às pessoas.

Febril, recordo que a minha avó materna me deixava pressionar os pedais da máquina de costura. Debaixo da cadeira, mexia o acelerador usando toda a força das duas mãos. Ela bordava nomes de noivos nas fronhas dos travesseiros, atendendo a pedidos de enxoval em Guaporé (RS).

Febril, recordo daquilo que nem sabia que era meu, revejo o que fui e me dá muita saudade dos meus mortos.

A minha consciência é somente uma questão de temperatura.