quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

" O Ano em que se confirmou o fim do modelo LULOPETISTA "< roubos,fraudes,corrupção ativa >

 EDITORIAL O GLOBO

       O GLOBO - 31/12





Historiadores não seguem o calendário gregoriano. Por método, dividem os fatos em ciclos, por sobre a convenção de se limitar o ano a 12 meses. Getúlio, na primeira encarnação, por exemplo, perdurou sete anos, de 1930 até o golpe do Estado Novo, e por aí segue.

Hoje, concluem-se os primeiros 12 meses do segundo mandato de Dilma. São, portanto, cinco anos de Dilma no poder, e também 13 de PT no Palácio do Planalto, todos com Dilma em postos proeminentes: ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil, presidente da República. Com o detalhe de ter presidido o Conselho de Administração da Petrobras de 2003 até disputar as eleições presidenciais de 2010.
Dilma é o fio condutor pelo qual o lulopetismo põe em prática o projeto dos sonhos: dirigista, concentrador de rendas da sociedade no Estado, este aparelhado pelo partido, a fim de redistribuir o dinheiro do contribuinte para fazer o “bem” ao pobres e aos empresários escolhidos para ser futuros “campeões nacionais”.

Portanto, a seriíssima crise na qual Dilma 1 embalou o Brasil precisa ser colocada numa contexto amplo. Esses 12 meses de 2015 são apenas a menor parcela de um experimento catastrófico. Ele foi sinalizado a partir do final do primeiro mandato de Lula, quando, afastado José Dirceu da Casa Civil, Dilma, a substituta, rejeitou, por “rudimentar”, a proposta que lhe foi apresentada pelos ministros da Fazenda e Planejamento, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, para impedir que as despesas públicas crescessem mais que o PIB. A ideia, correta, sensata, livraria o país desta que deve ser a mais grave crise desde a provocada pela Grande Depressão americana, em 1929/30. Consta que Lula, sempre ardiloso, ordenou a Dilma matar na origem aquela proposta, contrária ao ideário do “Estado forte”.

Já a crise mundial iniciada em 2008, com a explosão da bolha imobiliária-financeira americana, serviu de pretexto para o início de implementação do “novo marco macroeconômico”, ainda com Lula no poder, sob inspiração da ministra Dilma, coadjuvada por Guido Mantega, na Fazenda. Que ela manteria no primeiro mandato, juntando-se aos dois o secretário do Tesouro Arno Augustin, o mago da “contabilidade criativa”, das pedaladas e outros truques. Gastos sem controle, descuido com a inflação, manipulação do câmbio e de preços administrados se constituem a fórmula básica que destruiu a Venezuela chavista e desestabilizou a Argentina kirchnerista, aparecendo aos brasileiros mais distraídos apenas neste ano. Antes sufocada por razões eleitoreiras, a crise desabrochou: inflação em dois dígitos, déficits fiscais cavalares, recessão grave e desemprego em alta rebaixam a nota de risco do país para nível especulativo e elevam a cotação de papéis que servem como seguro contra uma quebra do Brasil, os CDS (Credit Default Swap). (gráficos)

Entra-se na fase final do ciclo da política econômica lulopetista. Haverá pelo menos mais um capítulo, com o economista Nelson Barbosa, transferido do Planejamento para a Fazenda, no lugar de Joaquim Levy. Barbosa, próximo ao PT, fará o que a economista Dilma quiser. Também por isso é dito que 2015 não acaba hoje. E ainda não é possível saber até onde irá.

" A VERGONHA BRASILEIRA " ...

AFP

A "The Economist", renomada revista britânica, elegeu como tema para sua primeira capa de 2016 a crise política que afeta o Brasil. A presidente Dilma Rousseff aparece de cabeça baixa com a face entristecida. O título "Queda do Brasil" indica que 2016 será "um ano desastroso"para o país. 

O texto cita a perda do grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch Ratings e a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, menos de um ano após assumir o cargo. A previsão de que a economia brasileira encolha até 2,5% ou 3% no ano que vem também é citada.
 
Esta não é a primeira vez em que a crise brasileira é destaque na “Economist”. Em fevereiro, a matéria principal da capa da revista para a América Latina também foi o Brasil. Uma passista de escola de samba usando uma fantasia com as cores da bandeira brasileira aparecia em um pântano quase toda coberta por uma espécie de lodo verde.

Em setembro deste ano, a revista também teve duas reportagens sobre a crise no Brasil, embora não fossem o tema principal da capa. Com chamada de “Brasil decepciona, de novo”, duas reportagens falavam sobre a economia brasileira com cenário político desalentador. Em meio às ações da Operação Lava-Jato e à recessão confirmada pelo PIB, o país sofria com as disputas políticas entre uma presidente com apenas 8% de aprovação e um Congresso que gasta energia tentando derrubar Dilma “em vez de procurar uma maneira de remediar o orçamento”, dizia o texto da revista.

A revista britânica, em 2009, estampou em sua capa uma imagem do Cristo Redentor “decolando” do Corcovado, uma representação positiva do crescimento da economia brasileira na época. Em 2013, o mesmo Cristo Redentor foi mostrado em um voo “desordenado”.

" Quando quer, o BRASIL FAZ !!! "

 MOREIRA FRANCO[ The Economist ] coloca na página,a Crise BRASILEIRA... Dilma é um DESASTRE !!!AFP

           ESTADÃO - 31/12

A crise brasileira é, essencialmente, uma crise de confiança. Industriais, comerciantes, agricultores, investidores, consumidores e o povo em geral não acreditam que o governo, os partidos e o Congresso Nacional sejam capazes de dar resposta aos graves problemas do País. A população sente-se desamparada por quem deveria justamente liderar o processo de mudanças: os políticos. E é forçoso dizer, por um dever de honestidade, que os brasileiros têm razão. Nossa cultura de fazer política está esgotada e, caso não se renove, ensejará uma deterioração crescente das condições já precárias da economia nacional. É preciso brigar menos, cooperar mais. Menos ambição, mais Brasil.



O desafio que os partidos de situação e oposição têm à frente é um só: não adiar mais a agenda de mudanças na economia, todas elas públicas e notórias. Nossa primeira tarefa é imprimir uma imagem do futuro em que estejam presentes o crescimento econômico, inflação sob controle, equilíbrio fiscal e segurança jurídica.

Temos a pluralidade como patrimônio nacional e a busca de entendimento como capital político, já utilizado no passado. O PMDB cumpre de novo o seu papel. Legenda cheia de contradições, bem de acordo com a tradição política brasileira, é capaz, no entanto, de construir pontes nos momentos em que mais se precisa dele, como foi na resistência à ditadura, na redemocratização e na Assembleia Nacional Constituinte.

O nosso recente documento Uma Ponte para o Futuro resgata fundamentos do Plano Real e da Carta ao Povo Brasileiro, lançada em junho de 2002 pelo então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Graças ao primeiro, criamos uma moeda estável, graças ao segundo, experimentamos avanços sociais inéditos. Tanto um quanto outro privilegiaram o equilíbrio fiscal e criaram o ambiente desejado para o desenvolvimento. Até que, por alguma leniência ou falta de clareza política, se sacrificaram conquistas e se perdeu o norte.

O que essa Ponte para o Futuro – batizada com justiça de Plano Temer pelo partido – faz é resgatar o apreço dos planos anteriores pelo equilíbrio das contas do governo. A estabilidade da economia não tem dono. É uma necessidade, um bem comum. É regra que paira acima de carimbos ideológicos, não é progressista nem conservadora. Tanto na casa do social-democrata quanto na do liberal, gastos descontrolados trarão igualmente o caos.

O PMDB, com seus 50 anos de história, propõe-se a reconstruir caminhos que nos levem novamente à outra margem, da qual descuidadamente voltamos. Essa ponte é oportuna porque faz o convite político ao diálogo e à travessia. Não sendo eleitoral, não é oportunista e, portanto, tem a legitimidade de reivindicar a atenção de todos para a urgência de tomarmos solidariamente o caminho de volta.

O item inicial dessa agenda de encontro é promover um ajuste fiscal verdadeiro e de longo alcance, regulado e perenizado por lei. Sem ele continuaremos agarrados à política de juros muito altos, à carga tributária elevada e de baixo retorno para a sociedade, à dívida pública crescente e cara, à pressão cambial, à retração do investimento privado e à inflação em alta. Ao contrário das ladainhas políticas, somente o equilíbrio fiscal permanente poderá salvar as conquistas sociais e permitir o crescimento econômico.

Ilustra bem a situação atual de descontrole o desequilíbrio crônico e crescente da Previdência Social, com déficit este ano superior a R$ 88 bilhões e R$ 125 bilhões previstos para 2016. Enquanto a maioria dos países estabeleceu a idade mínima de aposentadoria e a vem ajustando para 65 a 69 anos, de acordo com o crescimento da expectativa de vida da população, o Brasil foge do problema. O aposentado brasileiro tem em média 57,5 anos. Nesse ritmo, a falência do sistema é certa.

Já se foi o tempo em que se podia cobrir o aumento das despesas públicas com o aumento de impostos. De 1985 a 2013 a carga tributária cresceu 50%, mas não houve melhoria dos serviços prestados pelo Estado. Além da baixa eficiência da máquina pública, a opção cômoda pelo bolso do contribuinte estrangula a economia brasileira e insufla o déficit nominal, que foi de 6% do PIB em 2014 e chega a inacreditáveis 9% em 2015.

A despesa pública cresce acima da renda nacional, justificada fundamentalmente pelas necessidades de custeio da máquina administrativa, e eleva a dívida pública a quase 70% do PIB, em contínua trajetória ascendente. Ao mesmo tempo, o sobrepeso dos impostos, como fonte exclusiva de receita, e a complexidade do regime tributário nos fizeram despencar 18 posições no Relatório de Competitividade 2015 do Fórum Econômico Mundial. A queda livre do Brasil no gráfico de atratividade dos países significa menos investimentos, menos empregos e oportunidades.

As vinculações orçamentárias e despesas obrigatórias, por sua vez, engessam 89% das receitas orçamentárias e retiram do governo e da sociedade a capacidade de fazer escolhas quando tudo o que se deseja não cabe no Orçamento e vai produzir déficit e endividamento. O Estado pode e deve aumentar seus recursos eliminando desperdícios, encerrando programas que não produzem resultados e reduzindo drasticamente as oportunidades de corrupção.

A economia brasileira está em crise, mas não está perdida. Se o que nos paralisa é o desequilíbrio do Estado, é responsabilidade do sistema político concentrar-se no interesse público. É assim, e somente assim, que mudaremos as expectativas sobre o futuro. Resolver isso depende de nós, os políticos, no exercício da política em sua grandeza. A Nação quer e merece a responsabilidade de todos neste grave e ameaçador momento à paz social que a duras penas conquistamos. Nesta hora é preciso ser sincero e dizer a verdade à sociedade, sem fantasiar a realidade.

O Brasil exige isso.

" A quem desagradar ? "

 CELSO MING

  ESTADÃO - 31/12

O ministro Nelson Barbosa começou sua atuação na Fazenda sob o signo da contradição.


Seus primeiros pronunciamentos foram os de um paladino da ortodoxia. Afirmou e reafirmou que a prioridade é atacar o rombo das contas públicas, sem o que não haverá crescimento sustentável nem controle da inflação nem aumento do emprego – no que está carregado de razão. E ainda avisou que era preciso atacar com coragem o déficit da Previdência Social por meio do aumento da idade mínima de aposentadoria e fazer reformas nas leis do Trabalho, no que também tem razão.

O ministro não conquistou a confiança das forças mais conservadoras, menos por seus discursos do que pela sua ficha até então. Enquanto esteve no Ministério da Fazenda, como secretário executivo, de 2011 a maio de 2013, foi um dos arquitetos da chamada Nova Matriz Macroeconômica, o arranjo do primeiro período Dilma que produziu o desastre. Além disso, assumira ao longo do segundo semestre de 2015 a tarefa de justificar as pedaladas, um dos truques que escamotearam o resultado das contas públicas, o principal argumento do projeto do impeachment. E desde o início do segundo mandato, foi quem mais resistiu aos programas saneadores comandados por Joaquim Levy. Com esses antecedentes, ficou mais difícil convencer o País de que seja o cara talhado para garantir políticas de responsabilidade fiscal.

Por motivos diferentes, as esquerdas, que brigam por uma política distributivista – que, ao mesmo tempo, garanta rápido crescimento econômico, expansão do emprego, inflação no chão e juros de primeiro mundo –, também receberam o ministro com forte dose de desconfiança. É verdade que ajudaram a empurrá-lo para cima, pela sua vasta folha corrida de serviços prestados ao PT e ao governo Lula. Mas agora desconfiam de que Barbosa pode ser um Levy disfarçado ou um Palocci, que plantou a ortodoxia no primeiro período Lula.

Enfim as esquerdas estão cismadas de que Barbosa não passe de quinta coluna do pensamento neoliberal, que acredita mais nos banqueiros do que nos desenvolvimentistas e do que na gente mais identificada com as políticas sociais.

Seria também o que transparece da ênfase que o ministro dá ao ajuste fiscal, em detrimento da criação de empregos. O anúncio de que vêm aí reformas na Previdência e na Consolidação das Leis do Trabalho é para eles uma indicação de que Barbosa olha mais para os interesses do capital do que para os do trabalhador.

É essa sensação que transparece do último documento da direção do PT. Uma nova e ousada política econômica para 2016, que pede realinhamento com a política populista do primeiro período Dilma: “Chega de altas de juros e de cortes em investimentos”.

Para desgosto da direção do PT, a presidente Dilma vem insistindo em que não haverá reviravolta à esquerda na economia e que não haverá desvios no objetivo de passar a limpo as contas públicas. Mas as pressões estão aí. Enquanto os empresários pedem mais bondades fiscais, os dirigentes dos sindicatos e dos movimentos sociais querem mais gastança e refugam qualquer reforma na Previdência e nas leis trabalhistas.

Os tempos estão complicados demais para a política econômica. O ministro terá de fazer escolhas. Entre elas, a de que lado mais desagradar.

Confira

''Falha nossa"
O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner admitiu terça-feira que o rombo fiscal deste ano e dos anteriores e a crise da economia foram agravados por erros do governo. Conforme o jornal 'O Globo', o ministro citou como erros, "a desoneração exagerada" e "programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava". Poderia acrescentar: o represamento de preços e tarifas, a derrubada artificial dos juros, os favores tributários às montadoras e ao setor de aparelhos domésticos e muito mais.

Mau diagnóstico
É a primeira vez que um membro do alto escalão faz esse reconhecimento. Até agora, o governo apontava como causa da encalacrada a crise externa. Ou a "imprensa golpista", essa destiladora de pessimismos.

Matriz errada
Levado às suas últimas consequências, esse reconhecimento embute crítica aos pressupostos desses erros, contidos no programa chamado de Nova Matriz Macroeconômica.

" Brasil AFLITIVO, 2016 Aflitivo "

 ROGÉRIO GENTILE

  FOLHA DE SP - 31/12

O governo Dilma termina o ano com a saúde muito debilitada, mas respirando sem a ajuda de aparelhos. A presidente conseguiu uma leve melhora na sua popularidade (de 8% de ótimo/bom em agosto no Datafolha para 12% em dezembro) e o clima pró-impeachment arrefeceu desde que, com habilidade inusual, Dilma carimbou no processo a figura de Eduardo Cunha.




Na batalha da comunicação, o impeachment deixou de ser um pedido formulado pelo fundador do PT e militante dos direitos humanos Hélio Bicudo para figurar como um "golpe" impetrado pelo "dragão da maldade" peemedebista.


Mas a calmaria é circunstancial. Eduardo Cunha não deverá se sustentar muito tempo no cargo. Sem o bode expiatório, o processo de impeachment deverá retomar o curso normal, a não ser que a presidente consiga reconstruir sua base política no Congresso -tarefa que tenta, desde a segunda posse, sem sucesso.

O problema é que Dilma não pode contar hoje com as duas principais armas que um governante costuma dispor para aglutinar forças. A despeito da ligeira melhora em sua imagem, a presidente está longe de ser uma boa companhia para quem necessita de voto nas eleições de 2016.





Ao mesmo tempo, em meio à grave crise econômica, seu governo não tem como oferecer obras e verbas para estimular a acomodação política parlamentar. O máximo que poderá fazer é prestar socorro a governadores que, a exemplo do que foi feito pelo do Rio, disponibilizarem votos para sua causa maior (a sobrevivência) no Congresso. Mas, como se viu na reunião do ministro da Fazenda com 10 governadores, os problemas são enormes e prementes, enquanto o cobertor é obviamente curto.

Para embaralhar ainda mais o quadro, há a Operação Lava Jato, que exerce incessante ameaça sobre o governo e seus aliados, assim como sobre o entorno de Michel Temer.

O ano de 2016 tende a ser tão ou mais aflitivo que 2015.

" 2016 só poderá ser melhor ... "

CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 31/12

Nem começou 2016 e o Brasil já está mal na foto, literalmente: Dilma Rousseff, abatida e de cabeça baixa, ocupa a capa da "Economist" já em circulação, mas com data de 2 de janeiro.

O título é "A queda do Brasil", e o texto começa por prever que, em vez de promover uma grande festa pelos Jogos Olímpicos, "o Brasil enfrenta um desastre político e econômico".

Nada que não tenha sido publicado em 11 de cada 10 jornais brasileiros (e do resto do mundo).


Mas, de todo modo, é significativo que o Brasil volte estropiado à capa da revista que, não faz tanto tempo assim, retratou-o como um foguete rumo a um futuro brilhante (é verdade que, mais recentemente, o foguete se esfarelou sem pena nem glória, sempre na capa da nobre revista britânica).

Nem serve de consolo o fato de que o mal-estar no Brasil, evidente a olho nu, não é um (triste) privilégio nosso.

Apesar da recuperação da economia na maior parte do mundo, "no momento todos os grandes atores [mundiais] parecem inseguros –até mesmo temerosos", constata, por exemplo, Gideon Rachman no "Financial Times".

Reforça, para o caso dos Estados Unidos, o notável chargista Patrick Chappatte: seu desenho mostra um casal olhando dois cartazes, um com a resenha de 2015 e o outro, sobre o que esperar para 2016.

"Não sei qual me assusta mais", diz o homem.

Qualquer chargista brasileiro poderia ter feito desenho igual e estaria rigorosamente certo, até mais do que nos Estados Unidos.

Afinal, o Brasil era, ao se iniciar a cúpula do G20 em novembro, o país com o segundo pior desempenho econômico desse conjunto das 20 grandes economias do planeta, à frente apenas da Rússia (a "Economist" prevê que, em 2016, ficaremos atrás até do desastre russo).

Além disso, há o formidável imbróglio político cujo desenlace foi jogado para 2016. É difícil encontrar no mundo, fora as antigas repúblicas bananeiras, um país em que estão sob suspeita a presidente da República e os presidentes das duas Casas do Congresso.

Rachman joga o Brasil em um saco coletivo no qual "o maior fator comum, e o mais difícil de pinçar, é um sentimento em ebulição contra as elites, combinando ansiedade a respeito da desigualdade e raiva com a corrupção, que é visível em países tão diferentes como a França, o Brasil, a China e os Estados Unidos".

Acrescenta o colunista: "Na América e na Europa, tais queixas são frequentemente vinculadas a uma disseminada narrativa de declínio nacional".

Preciso dizer que, no Brasil, a crise levou a uma difusa, mas persistente, sensação de que o país está andando para trás?

Parecemos (o Brasil e o mundo) vítimas de um novo "mal du siècle", aquela melancolia que abateu a Europa, especialmente a França, no início do século 19.

Era, então, um estado d'alma. Agora, é algo bem mais material, mais mensurável, mais difícil de destrinchar.

Resta o consolo de que 2015 foi tão ruim que 2016 tem que ser forçosamente melhor, para a alma e para o bolso. É pelo menos o que desejo ao leitor

" Cadê a Constituição ? "

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 31/12

Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal

Pela Constituição, todo brasileiro tem o sagrado direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do SUS, Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam: sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).

Diz a Constituição ainda que é dever sagrado do Estado atender a esse direito universal.

A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se cumprir essa letra da Constituição. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.

A solução, praticada em um sem-número de países, exige uma seleção e uma lista. A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado.

A regra, claro, deve ir do mais pobre ao mais rico.

A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.

Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Alguns interpretam que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas muitos juízes entendem que, se o tratamento não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.

De todo modo, é evidente que se precisa alterar a Constituição para fazer a lista do pago e do gratuito.

Isso vale para os medicamentos: os básicos são de graça; os intermediários terão um preço subsidiado; os demais, preço de mercado. A lista, claro, deve ser específica e alterada regularmente.

Há ainda uma outra lista, mais geral. É preciso especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existe a seguinte regra: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.

Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.

Falso, inteiramente falso. A seleção é praticada diariamente. Comecem pelo coitado do plantonista no pronto-socorro, em geral um residente. A sala de espera está lotada e só tem uma vaga na UTI. Quem vai? Não são raros os casos de jovens médicos que entram em crise psicológica ao terem que decidir entre quem vai viver e quem vai morrer —pois essa é a decisão nua e crua.

Seriam desumanos se não sofressem com isso. Mas é mais desumano ainda colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.

Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.

Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente. Parentes e amigos do pessoal que controla os hospitais também furam a fila.

E há uma última e definitiva seleção, essa ocorrida na crise do Rio. Hospitais simplesmente fecham as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto.

Cadê a Constituição?

Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada saúde complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.

Os governos Lula e Dilma têm imposto regras e limitações a essa saúde complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.

Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.

A última: governadores estão querendo cobrar dos planos de saúde quando o SUS atende segurados. É inconstitucional: todo brasileiro, tenha ou não seguro privado, tem de ser atendido no SUS. Os que têm seguro pagam duas vezes: os impostos para o SUS, as mensalidades para o plano. Se este tiver que pagar ao SUS, obviamente terá o custo aumentado e precisará cobrar de seus clientes — que estarão pagando uma terceira vez.

" Uma solução contra o Estado Islâmico "


 MUSTAFA AKYOL
Especialista em islamismo, articulista e islâmico
 
Recuperar milenar conceito islâmico pode ser antídoto para radicalismo


MUSTAFA AKYOL
THE NEW YORK TIMES
Escritor e Articulista

Os recentes massacres em Paris e San Bernardino, na Califórnia, demonstraram mais uma vez a habilidade do autodenominado Estado Islâmico (EI) de conquistar muçulmanos desiludidos. Usando uma mistura de literalismo textual e superioridade moral, o grupo extremista consegue persuadir jovens dos dois sexos, do Paquistão à Bélgica, a jurar lealdade e cometer violência em seu nome.

É por isso que a ideologia religiosa do EI tem de ser levada a sério. Assim como é errado acusar o pensamento do grupo de representar o grosso do Islã, como costuma fazer a islamofobia, também é errado fingir que o EI “não tem nada a ver com o Islã”, como muitos muçulmanos costumam dizer.

Na verdade, líderes jihadistas são versados em pensamento e ensinamentos islâmicos, embora usem seu conhecimento com finalidades brutais e perversas.

Um bom começo para se entender a doutrina do EI é ler a revista digital em inglês Dabiq, que o grupo divulga mensalmente. Um dos mais contundentes artigos que li na revista foi um texto de 18 páginas divulgado em março com o título “Irja – a mais perigosa Bid’ah”, ou heresia.

Se você não tiver conhecimento de teologia medieval islâmica, provavelmente não fará ideia do que irja significa. Literalmente, quer dizer adiamento. Era um princípio teológico lançado por alguns teóricos islâmicos durante o primeiro século do Islã. Na época, o mundo muçulmano vivia uma grande guerra civil, com protossunitas e protoxiitaslutando pelo poder e um terceiro grupo chamado Khawarij (dissidentes) excomungando e massacrando os dois lados. Ante esse caos sangrento, os proponentes da irjadiziam que a inflamada questão de quem era verdadeiramente muçulmano deveria ser “adiada” para a outra vida. Mesmo muçulmanos que abandonassem toda prática religiosa e pecassem muito, raciocinavam eles, não poderiam ser denunciados como apóstatas.
Último livro de Mustafa Akyol - título:
"Islã sem extremos: um processo muçulmano
para a liberdade"
Ainda sem tradução em português.

Os estudiosos que divulgaram esse pensamento ficaram conhecidos como “murija” ou, simplesmente,“os adiadores”. A teologia por eles esboçada poderia ter sido a base de um Islã tolerante, não coercivo, pluralista.

Infelizmente, eles não tiveram suficiente influência no mundo islâmico. Sua escola de pensamento desapareceu rapidamente, sufocada na memória da ortodoxia sunita como uma das primeiras “seitas heréticas”.

Os murija deixaram sua marca no lado mais tolerante do Islã sunita, representados pelo hanafi-maturidismo, mais popular nos Bálcãs, Turquia e Ásia Central.Hoje, nenhum grupo muçulmano se identifica como murjia.

Então, por que o EI está tão alarmado com essa velha “heresia”? A resposta pode ser encontrada no próprio artigo da Dabiq, em que os autores acusam outros grupos rebeldes islâmicos na Síria de “irja”.

“Essas facções não seguem a sharia, apesar de seu controle dos ‘territórios liberados’”, acusam os redatores do EI. Em outras palavras, a acusação é de não matar “apóstatas”, não adotar punições corporais e não forçar mulheres a se cobrir dos pés à cabeça. Os grupos que o EI acusa de irjaprovavelmente não aceitariam o rótulo.

Também em seus textos religiosos é provável que irja apareça como heresia. Mas é preciso reconhecer que, ao “adiar” a imposição de religião e a punição de pecadores, esses grupos de fato estão engajados em irja. Talvez não pelos princípios, mas pelo pragmatismo.

De fato, há centenas de milhões de muçulmanos através do mundo também praticando irja, mesmo não familiarizados com o termo. Outros muçulmanos estão sob influência cultural do liberalismo ocidental. Outros são influenciados pelo sufismo, o ramo místico do Islã, que tem mais foco na observância divina do que na estrita aderência a regras e leis.

Em sua condenação à irja, o EI também visa aos muçulmanos tolerantes. Como um desses muçulmanos, convoco os correligionários com ideias semelhantes a ostentar com orgulho o emblema da irja– e renovar o conhecimento. Perdemos essa chave teológica há mais de um milênio, mas hoje precisamos dela desesperadamente tanto para pôr fim a nossas guerras religiosas quanto para dar liberdade a todos.

Consciente de que a irja é o antídoto teológico contra ele, o EI a apresenta como falta de piedade religiosa. Ela é, porém, piedade verdadeira combinada com humildade – a humildade que vem de honrar a Deus como o único juiz dos homens. Na outra ponta, o fanatismo ditatorial do EI, por ele apresentado como piedade, parece guiado pela arrogância – arrogância de julgar os outros homens e, em nome de Deus, reivindicar poder sobre eles.

Traduzido do inglês por Roberto Muniz.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço abert

" Dou bonecas ao meu neto .Dei-lhe uns tênis cor de rosa. De onde vêm estas categorias ??? "

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 Shirin Ebadi

Shirin Ebadi foi a 1ª mulher juíza no Irão e a 1ª mulher muçulmana a receber o Nobel da Paz. Em entrevista, diz que a discriminação é como a "hemofilia" e não aceita que 2 mulheres valham por 1 homem.
Shirin Ebadi foi a primeira mulher juíza no Irão e a primeira mulher muçulmana a receber um Prémio Nobel da Paz, em 2003. Aos 68 anos, os Direitos Humanos são causa de profissão e de vida. Hoje, a também professora de Direitos Humanos na Universidade de Teerão (Irão) abraça um tema bem atual: os direitos das mulheres e a igualdade de género.

Dá ténis cor-de-rosa ao neto de quatro anos e vê um filme cómico todas as noites, antes de adormecer, para acordar todos os dias com otimismo para continuar. “O meu trabalho é lidar com a dor e com o sofrimento”. Diz que a cultura patriarcal é como a hemofilia. E são as mães que têm a responsabilidade de não passar essa doença aos filhos. A advogada esteve em Portugal por ocasião da conferência “The Unknown, 100 years from now”, organizada pela Fundação Champalimaud, e conversou com o Observador.

Foi a primeira mulher juíza no Irão, em 1975, mas quatro anos depois teve de abandonar o cargo porque as mulheres foram proibidas de ser juízas. Depois só conseguiu a licença de advogada em 1992. Ser mulher no Irão exige persistência?
Depois da revolução de 1979 foram adotadas muitas leis anti-mulheres no Irão. Por exemplo: o valor da vida de uma mulher é metade do valor da vida de um homem. Se eu e o meu irmão estivermos a andar na rua, e se alguém nos atacar e nos ferir, a indemnização por perdas e danos que vai ser paga ao meu irmão vai ser o dobro da que vai ser paga a mim. Um testemunho de duas mulheres em tribunal é equivalente ao testemunho de um homem. Um homem pode casar com quatro mulheres. Uma mulher casada não pode viajar nem trabalhar sem a autorização do marido.

Veja este caso interessante: recentemente uma mulher foi nomeada embaixadora para a Malásia. Ou seja, o governo quer mostrar ao mundo que está a avançar no reconhecimento das mulheres. Esta mulher foi nomeada embaixadora mas não o pode ser sem permissão do marido. Agora imagine se na noite antes do avião de partida ela e o marido discutem e ele proíbe-a de ir. O que é que vai acontecer à embaixada? Vai ficar fechada? Porque a embaixadora não pode viajar porque o marido não quer?

Porque é que existe esta discriminação contra as mulheres?
Esta situação foi criada depois da revolução. Antes não era assim. O Irão é um país em que 50% dos estudantes universitários são mulheres. As mulheres iranianas têm muitos estudos. Quando eu me tornei juíza no meu país, acho que não havia nenhuma no vosso. As mulheres iranianas conseguiram o direito de voto e de serem eleitas para o Parlamento antes de as mulheres suíças terem esse direito. Por isso, é natural que as mulheres no Irão não concordem com estas políticas e leis de discriminação. Elas lutam. No momento em que estamos a falar, há muitas feministas que estão na prisão.

Na Europa e nos Estados Unidos, a igualdade de género é uma das questões do momento. Fala-se muito da igualdade de salários. São vários lados da mesma história, certo?
É verdade e, mesmo nas zonas mais desenvolvidas, ainda não atingimos a completa igualdade. É sempre o mesmo assunto — o tipo de discriminação é que varia de sítio para sítio. As raízes da discriminação contra as mulheres, seja em que país for, está na cultura patriarcal — a cultura que não aceita a igualdade entre homens e mulheres. Nos países em que esta cultura é mais forte, a democracia é mais fraca e os direitos das mulheres são muito baixos.

Há vantagens na igualdade de género? Em termos de desenvolvimento económico?
Claro. A sociedade ignora 50% da sua população e isso é visto como normal. A sociedade está a ignorar 50% do seu potencial de crescimento e de desenvolvimento. Nenhum governo que ignore 50% da sua população pode aspirar a dizer-se democrático. Por exemplo, no Irão o regime não reconhece metade da população, ou seja, as mulheres. Como é que pode ser um país democrático?

Há mulheres que dizem não ser feministas e que consideram que a igualdade de género não é uma necessidade.
No Irão o movimento feminista é muito forte. Mas eu entendo o que está a dizer. Isso acontece integrado em culturas patriarcais, onde vemos mulheres que são oprimidas a transferirem essa cultura para os próximos. Não nos podemos esquecer que cada homem opressor nasceu e cresceu num lar e com uma mãe.

Eu comparo a cultura patriarcal a uma doença chamada hemofilia. Hemofilia é uma doença em que o sangue não coagula. Se tiver uma pequena ferida no corpo, vai sangrar muito. O interessante nesta doença é que é a mãe que a transfere, que carrega esse gene, e transfere esse gene para o filho. Não para a filha, mas para o filho. E o filho fica doente. É assim que a cultura patriarcal funciona: as mulheres são as vítimas desta cultura mas são também, muitas vezes, as portadoras desta cultura.

E qual é o tratamento para esta doença?
O tratamento passa pelo conhecimento e pela consciência. As mulheres têm de se de se aperceber das convenções erradas que estão enraizadas nesta cultura, para que possam preveni-la. Por exemplo, há pessoas que consideram que as mulheres são mais emocionais, mais sentimentais, e que por isso há empregos que não são bons para elas. Isto são interpretações masculinas dos assuntos.

Vou partilhar uma memória minha consigo. O meu neto tem 4 anos e vive nos Estados Unidos. Está num jardim de infância muito bom. Uma vez comprei-lhe uns ténis e a cor era rosa. Ele adorou os ténis, levou-os para o jardim e, quando voltou, estava a chorar. E eu perguntei: ‘Porque é que estás a chorar?’, e ele disse: ‘Não quero usar mais estes ténis porque os outros meninos gozaram comigo e disseram que isto era para meninas, não para mim’. Agora, de onde é que isto vem? De onde é que vem esta categorização? Vem de interpretações erradas que devem ser combatidas. Para este meu neto, eu compro tanto carros como bonecas. Porquê? Porque quero mostrar-lhe que um dia ele vai ser pai e se tiver filhas, raparigas, vai ter de ser capaz de as apoiar, de as compreender, de as amar e também de lhes comprar este tipo de ferramentas.

E os pais dele? Não olham para si tipo: ‘não lhe compre isso… Só carros, só azul’?
Felizmente, não. Os pais pensam como eu. E não se esqueça que a mãe dele é minha filha, a filha que eu fiz crescer, com a mentalidade que eu tenho, por isso ela pensa como eu. É esta a chave. É como a hemofilia — é passada pela mãe. Se a mãe não tiver noção dos perigos desta doença, não pode educar a criança para desconstruir estas ideias.

O que é que nos impede de atingir a totalidade dos direitos humanos?
Há muitas questões. Os regimes de ditaduras, a ausência ou a falta de justiça social e o fosso grande entre ricos e pobres. Atualmente preocupa-me muito que as crianças pobres não tenham as mesmas possibilidades de aceder à educação como as crianças ricas. O meu neto de 4 anos já se entende bem com computadores, conhece vários programas, sabe jogar, fala comigo todas as noites por Skype. E o mais giro é que quando eu tenho problemas com computadores, pergunto-lhe a ele. Agora imagine a diferença entre o meu neto, de 4 anos, e outra criança de 4 anos que viva na Somália. Esta diferença na educação traz muitos problemas e é muito inglória. Infelizmente eu sou testemunha de que o mundo está num caminho em que o conhecimento se tornou propriedade dos ricos.

Disse um dia que acorda sempre otimista mas depois vai dormir a pensar ‘hoje ainda não foi o dia’. Ainda é assim?
É verdade. Eu acordo sempre otimista a pensar que hoje é que vai ser o dia em que muita coisa vai mudar. No meu trabalho lido muito com pessoas que estão em sofrimento, em dor. Quando vou para a cama, tenho sempre a cabeça muito cansada. Para conseguir acordar no dia seguinte otimista de novo, para conseguir seguir em frente, o que eu faço é ver um filme cómico todas as noites antes de dormir. Enquanto estiver viva, vou continuar a lutar. E tenho de dizer que uma das minhas filhas optou pela mesma carreira que eu, é jurista, e trabalha na mesma área. E eu espero que este meu neto de 4 anos, a quem eu compro bonecas, aprenda a ser feminista no futuro.

Comentário/Leitor 
Terça-feira, Dezembro 29th, 2015“Dou bonecas ao meu neto. Dei-lhe uns ténis cor de rosa. De onde vêm estas categorias?”
Percorrida a entrevista constata-se algo curioso. Não se vislumbra o termo: Islão. Chama-lhe “cultura patriarcal”. E relativiza com o que “consta” passar-se nos países democráticos mais desenvolvidos. Como o que comprovado estatisticamente (e nunca particularizado), fosse comparável com o que se passa realmente nos países islâmicos. Mesmo nos “mais desenvolvidos”. Omitindo também que o acesso das mulheres a altos cargos da administração, foi resultado da guerra Irão Iraque. Algo que o regime tenta reverter por ser contrário aos princípios islâmicos (não esquecendo que as políticas liberais do Xá, foi o que justificou a revolução. A corrupção, essa, não diminuiu, até aumentou). Deve ser isto que se considera “narrativa de islâmica moderada” Se tivesse algum efeito o “dar uma boneca” ao neto, significaria que criança que tivesse acesso a armas de brinquedo, seria um “macho” violento. O que não acontece. E se o neto continuar a viver nos USA, não será pelas bonecas que respeitará as mulheres, mas pela força da lei. Porque a “libertação” da mulher não pode depender da “boa vontade” de homens bem-educados. Há direitos a respeitar mesmo pelos que nunca “brincaram com bonecas”.
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Reportagem por  Catarina Marques Rodrigues
Fonte: Site de Portugal:  http://observador.pt/2015/12/28/

Ricardo Piglia: “A experiência da doença é a da injustiça em estado puro”

Ricardo Piglia em uma imagem de 2014. Mariana Eliano

Escritor argentino fala da esclerose lateral amiotrófica e de seu refúgio na leitura

'Los diarios de Emilio Renzi' foi escolhido o livro do ano pelos colaboradores de Babelia




“Muitas vezes, ao longo do tempo, me pus a copiá-lo à máquina, é um trabalho brutal. Mas acredito que vou tentar publicar. Não vou deixá-lo como livro póstumo, não é?”. Nesse ponto da gravação se ouve a risada de Ricardo Piglia, uma risada seca e gozosa, modelada pelo hábito recorrente de zombar de si mesmo, como quem diz “não me levem muito a sério”. Era o dia 11 de agosto de 2010 e Piglia acabava de publicar o romanceBlanco Nocturno (Anagrama). Em seu estúdio, um apartamento num andar alto do Bairro Norte, apesar de ser inverno, fazia calor e ele tinha comprado uvas. Do seu diário se conhecia, até então, pouco. Pílulas, pequenos linhas reproduzidas em seu livro Prisão Perpétua que foram ampliados com a publicação, a partir de 2011, de fragmentos mais longos em Babelia. Supunha-se que tinha começado a escrevê-lo em 1957, mas a pergunta sobre o diário persistia: esses mais de 50 anos de escrita tinham existência real, seriam publicados em algum momento? Naquela tarde, quase como um teste irônico, Piglia meteu a mão em uma das caixas de papelão que enchiam a sala (talvez por ser um canhoto que na escola foi forçado a escrever com a direita, as mãos de Piglia sempre tiveram uma gestualidade magnética, uma mistura de força e inépcia, como se fossem de um boxeador que controla seus movimentos para não destruir nada). Dali ele pegou, ao acaso, uma caderneta preta da marca Congreso. Abriu-a e leu algumas frases em voz alta, repetindo: “O que diz aqui?”. Essas cadernetas eram vendidas, segundo ele, em uma única livraria de Buenos Aires: “Quando acabarem eu não escrevo mais, mas não o diário, nada mais. Seria ótimo, não? Acabam os cadernos e acaba tudo”, disse.

As cadernetas já não se acham para comprar, mas cinco anos depois daquela tarde, Piglia continua escrevendo e em setembro 2015 publicou o primeiro volume –dois outros são esperados– desse diário de características lendárias. Intitula-se Los diarios de Emilio Renzi. Años de formación., abrange uma década –de 1957, quando tinha 16 anos, até 1967–, foi eleito pelos colaboradores do Babelia como o melhor livro de 2015 e é uma aproximação selvagem do processo pelo qual alguém se torna escritor e como, para consegui-lo, se transforma antes num um leitor bestial, passando por todas as instâncias de perplexidade, dúvida, epifania e desânimo que atravessa qualquer artista jovem.

O nome completo é Ricardo Piglia é Ricardo Emilio Piglia Renzi. Emilio Renzi, o personagem que aparece repetidamente em seus livros, é o seu alter ego: um escritor e jornalista que gosta de ruivas. O documentário, 327 cuadernos, dirigido pelo argentino Andrés Di Tella, foi lançado neste ano, mas começou a ser filmado em 2010. Já então Piglia expressava seu desejo de publicar o diário assinado por Emilio Renzi: “Não sei se terei coragem”, dizia. Finalmente, foi isso o que fez: atribuir o diário ao personagem que também é ele.


Continuo lendo e escrevendo. 
Estou com bom ânimo 
porque continuo dando pouca 
atenção à realidade

– “Pareceu-me mais verdadeiro e mais sincero fazer esse deslocamento, mudar de lugar e evitar o peso da escrita pessoal”– responde Piglia por e-mail no dia 7 de dezembro de 2015. Um nome falso, sempre gostei desse jogo. Não sou o que sou. Quem enuncia? Aí está o problema da literatura. Todo o material é meu, trata-se da minha vida, mas contada como se fosse a de outro. Não gosto de confissões, é preciso dar uma reviravolta irônica às intimidades, acredito.

No diário, Piglia anota: “Às vezes penso que tinha que publicar o livro com outro nome, cortando assim todos os laços com o meu pai, contra o qual, de fato, escrevi esse livro e escreverei os seguintes. Deixar de lado o sobrenome dele seria a prova mais eloquente da minha distância e do meu rancor”; e “é o meu avô Emilio quem vai me pagar a faculdade porque rompi com meu pai, que me ameaçou de uma maneira absurda quando soube que eu não queria estudar medicina como ele”. Quando Piglia tinha 16 anos, seu pai, um médico peronista perseguido pelo antiperonismo, decidiu deixar Adrogué, um subúrbio da cidade de Buenos Aires, e se mudou com a família para Mar del Plata. O primeiro efeito dessa mudança sobre Piglia (um adolescente que preferia frequentar bilhares a ir à escola e tinha lido muito pouco: apenas A Peste, de Camus, para conquistar uma garota) foi o impulso de começar um diário. De fato, a primeira entrada, de 1957, é a seguinte: “Nos vemos depois de amanhã. Decidi não me despedir de ninguém. Despedir-se das pessoas me parece ridículo. Cumprimenta-se quem chega, quem se encontra, não quem se deixa de ver (...). Tudo que faço me parece que faço pela última vez”. Los diarios de Emilio Renzi, no entanto, não começam com essa entrada, mas com uma nota do autor em que o autor do diário se refere ao autor do diário –que é, por sua vez, o alter ego do autor do diário– em terceira pessoa, estabelecendo um jogo de espelhos que atravessará o livro em histórias ou ensaios intercalados de ano para ano. “Tinha começado a escrever um diário no final de 1957”, diz a nota, “e ainda continuava a escrevê-lo. Muitas coisas mudaram desde então, mas ele permaneceu fiel a essa mania (...)”. Muitas coisas mudaram desde então, e uma delas é o fato de que há algum tempo Piglia está, para usar suas palavras, “zombando da saúde” (ele nunca diz “doente”), afetado pela esclerose lateral amiotrófica, e escreve com ajuda. Mas todo o resto –a escrita, a leitura, ele como frontão onde ricocheteia o humor de uma inteligência arrepiante– permanece igual.

– A saúde não interfere no seu ânimo para produzir?

– Continuei trabalhando, com ajuda. Há muitas coisas que não posso mais fazer, mas posso continuar a ler e escrever como sempre, sem que isso seja um juízo de valor. Estou com bom ânimo porque continuo dando pouca atenção à realidade.


 
Ricardo Piglia em uma imagem de 2014. / Mariana Eliano

Quando em setembro passado ele recebeu o Prêmio Formentor de Literatura, seu editor, Jorge Herralde, leu um texto que lembrava: “Em outubro de 2000 tive fisicamente em minhas mãos o primeiro livro que publicamos de Ricardo Piglia: Formas Breves (...). Quando esse meteorito inesperado aterrissou aqui, Ricardo Piglia era um escritor quase desconhecido na Espanha”. No início do século, Piglia não era conhecido na Espanha, mas do outro lado do oceano já era um autor muito importante. Depois de dois livros de contos (A Invasão e Nome Falso), ele havia publicado o romance Respiração Artificial, em 1982, que o colocou em uma posição-chave, e a isso se seguiram os ensaios de Crítica y ficción (1986), a nouvelle Prisão Perpétua (1988), o romance Dinheiro Queimado (1997), entre outros. Se desde Dinheiro Queimado até Blanco Nocturno passou 13 anos sem publicar um romance, apenas três depois daquele último publicou outro: El Camino de Ida. Desde então, sua capacidade de produção se multiplicou: deu palestras na televisão –Borges por Piglia, em 2013–, publicou dois livros –Antología Personal (2014) e La Forma Inicial (2015)– e adaptou Os Sete Loucos, de Roberto Arlt, para a televisão. Agora, além de continuar revendo os diários, escreve histórias protagonizadas pelo comissário Croce, seu personagem de Blanco Nocturno.

– Já escrevi vários e espero fazer mais cinco ou seis para completar um volume que inclua todos os casos de Croce.

— Continua escrevendo o diário?

– Sim, mas com outra dinâmica, agora é um diário de trabalho. No terceiro volume cheguei ao presente, mas com desvios e elipses. Um diário da maturidade, digamos, com saltos e coisas implícitas.

Los diarios de Emilio Renzi registram a minúcia –“Recebi carta de José Antonio, de Nova York. Ele não gosta da comida, fascinado com a biblioteca”–, mas são, acima de tudo, anotações do incerto processo de formação de um escritor: “Quando releio o que tenho escrito na monografia, eu quero morrer. De onde tirei que sou um escritor?”. “Com cinquenta pesos no bolso e sem comer, viajo de trem para La Plata (...) sem encontrar a calma de que preciso para escrever. Uma calma que se define para mim como ausência de pensamentos. Não pensar para poder escrever, ou melhor, escrever para alcançar pensamentos não de todo pensados que definem sempre o estilo de um escritor”.

– Você escreve e escolhe o imaginário porque está desajustado em relação à vida– diz Piglia. Isso não implica em qualquer privilégio ou é garantia de profundidade, é uma rachadura entre a experiência e o sentido, eu não entendo como acontece e de onde vem esse pensar demais e essas ligeiras alucinações e talvez seja por isso que escrevo um diário, para manter à distância essa estranheza, mas eu só consegui confusão. É engraçado, procura-se entender o que acontece e só se consegue ficar mais perplexo.

– O tom é muito homogêneo. Estamos lendo o Piglia que escrevia aos 16 anos ou aquele que escreve agora?


Minha relação com a escrita é a mesma. 
São horas de grande plenitude que 
estão no centro da minha vida

– O essencial de um diário é que não se corrige, é o mais próximo da noção surrealista de escrita automática, você escreve no momento, se deixa levar por um impulso espontâneo quase demencial. Registra-se o que se vive sem distância, o que tende ao presente, mas ao transcrever, você já é outro.

 A coisa mais difícil para mim foi entender a minha letra, o que diz aqui?; então, às vezes, eu tinha que inventar, mas fui fiel ao que estava escrito. No começo você escreve bem, depois vai se arruinando.

Claro que se o diário reflete sua formação como escritor, também reflete, inevitavelmente, sua formação como leitor. Um leitor que aos 16, 18, 20 anos opina sobre as diferenças de estilo entre Salinger e Arlt e anota suas impressões sobre Dostoiévski, Faulkner, Pavese, Borges, mas também sobre os escritores de sua geração como Miguel Briante e Juan José Saer.

– Sua relação com a escrita mudou? Ocupa um lugar diferente?

– Continua sendo a mesma, são horas de grande plenitude que estão no centro da minha vida. O difícil é, como sempre, passar para o outro lado, entrar na escrita e deixar o real em suspenso.

– Há alguma coisa em sua reação a esses problemas de saúde que o surpreendeu?

– Bem, a experiência da doença é a da injustiça em estado puro: “Por que eu?”, você se pergunta, e qualquer explicação é ridícula e sem sentido. O sentimento de injustiça convida à rebelião e à luta, então você não se queixa e isso é um alívio.
O livro termina com um texto, ‘Canto rodado’, em que o distanciamento de si mesmo que Piglia se impôs alternando a primeira e a terceira pessoa chega à sua máxima expressão, com uma mobilização emocionante de recursos e de destreza narrativa. Escreve Piglia que Renzi diz: “(...) Renzi disse que parecia ter começado a desvairar um pouco, como vinha acontecendo com mais frequência desde que estava doente, não doente, ele nunca usou essa palavra, estava, para dizer como ele, ‘um pouco zombado, como dizia louco de pânico, ‘não tenho dores, apenas uma pequena perturbação na mão esquerda, que é a minha mão boa, ou melhor, era a minha mão boa porque sou canhoto (...)’. Por esse motivo teve que contratar uma assistente para ditar seu diário (...). Por isso, continuou (...), trabalho agora com minha musa mexicana (...), entende metade do que lhe digo (...), por isso, quando depois de um tempo peço para ela ler o que escrevemos, ela, com seu espanhol mais nítido, me lê algumas páginas nas quais o que eu disse é apenas uma sombra turva em meio a palavras puras e precisas com as quais ela melhorou minha leitura do que está escrito à mão há anos nos meus cadernos”.
Los diarios de Emilio Renzi são dedicados a Beba Eguía, a mulher de Piglia, e a Luisa Fernández, “a musa mexicana” que o ajuda a transcrever.
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Reportagem por 
Fonte:  http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/14/cultura/1450103490_379984.html