fotógrafa Mercedes Vargas
* autora :Cláudia Laitano
Não sei se caiu em desuso junto com o kichute e o estojo de madeira, mas o dia 1º de abril já foi uma data importante no calendário escolar não oficial. Temido por uns, ansiado por outros, o Dia dos Bobos era o exame nacional de admissão na elite dos espertinhos – que nem sempre, ou quase nunca, eram os mais espertos segundo as normas convencionais de avaliação.
Malandros preparavam-se para o 1º de abril com a diligência que jamais demonstravam nas tarefas de casa ou na preparação de provas. Havia brincadeiras elaboradas, que exigiam um roteiro complexo e às vezes até o auxílio de figurantes, além do talento histriônico de um ator shakespeariano. Às suas vítimas em potencial, restava torcer por um golpe de sorte que os alertasse, antes de sair de casa, de que aquele era um dia para desconfiar de tudo – do conteúdo do pastel da cantina à chegada do homem na Lua.
Quantos salafrários profissionais podem ter dados seus primeiros passos no ofício pregando peças na escola, gargalhando diante da cara de tacho de um colega boa-praça. Não que todo gozador da infância tenha crescido para adulterar o leite das crianças ou convencer os outros a comprar usinas de petróleo a preço de minas de ouro, mas muitos talvez tenham descoberto ali, naquele ensaio de dissimulação tão naturalmente engendrado e posto em prática, um talento para o engodo que não haviam percebido antes.
Se hoje o 1º de abril perdeu um tanto de graça e outro tanto de utilidade (além, é claro, de continuar servindo para fazer troça do Golpe de 64), talvez seja porque a internet tornou possível um calendário com 365 dias da mentira por ano. Abra agora a sua caixa de e-mail e é possível que você encontre pelo menos uma das seguintes mensagens:
1) Sua senha de banco está com problemas. Entre aqui e resolva.
2) Sou uma senhora africana que acaba de perder o marido. Preciso da sua ajuda para recuperar US$ 1 milhão da herança e salvar meus filhos da fome.
3) Tenho fotos suas comprometedoras do último Carnaval. Entre em contato urgentemente comigo.
Além dos e-mails falsos, muito criativos em alguns casos, há ainda as contribuições diárias das redes sociais postadas indistintamente por crédulos e mal intencionados: teorias conspiratórias (“conglomerado americano derrubou o avião da Malaysian Airlines”), falsas notícias (“consulado espanhol está distribuindo passaportes europeus para 5 mil sobrenomes comuns no Brasil”), histórias mal contadas sem fonte confiável e histórias bem contadas e de fonte confiável, mas que não foram adequadamente checadas (“ditador da Coreia do Norte manda todo mundo cortar o cabelo igual ao dele”).
A vida cotidiana tornou-se um campo minado para os de natureza crédula e confiante, para aqueles que não achavam graça em fazer os outros de bobos e que às vezes caíam nas brincadeiras por excesso de boa vontade com o gênero humano. Ainda assim, se pudessem voltar no tempo e optar por um dos dois lados, boa parte deles talvez escolhesse permanecer dormindo o sono tranquilo daqueles que não desconfiam de tudo a sua volta e que sempre acabam apostando no melhor lado daquilo que ainda não se mostrou nem bom nem ruim.
Mas, vai saber, talvez até isso seja apenas ingenuidade da minha parte.
* autora :Cláudia Laitano
Não sei se caiu em desuso junto com o kichute e o estojo de madeira, mas o dia 1º de abril já foi uma data importante no calendário escolar não oficial. Temido por uns, ansiado por outros, o Dia dos Bobos era o exame nacional de admissão na elite dos espertinhos – que nem sempre, ou quase nunca, eram os mais espertos segundo as normas convencionais de avaliação.
Malandros preparavam-se para o 1º de abril com a diligência que jamais demonstravam nas tarefas de casa ou na preparação de provas. Havia brincadeiras elaboradas, que exigiam um roteiro complexo e às vezes até o auxílio de figurantes, além do talento histriônico de um ator shakespeariano. Às suas vítimas em potencial, restava torcer por um golpe de sorte que os alertasse, antes de sair de casa, de que aquele era um dia para desconfiar de tudo – do conteúdo do pastel da cantina à chegada do homem na Lua.
Quantos salafrários profissionais podem ter dados seus primeiros passos no ofício pregando peças na escola, gargalhando diante da cara de tacho de um colega boa-praça. Não que todo gozador da infância tenha crescido para adulterar o leite das crianças ou convencer os outros a comprar usinas de petróleo a preço de minas de ouro, mas muitos talvez tenham descoberto ali, naquele ensaio de dissimulação tão naturalmente engendrado e posto em prática, um talento para o engodo que não haviam percebido antes.
Se hoje o 1º de abril perdeu um tanto de graça e outro tanto de utilidade (além, é claro, de continuar servindo para fazer troça do Golpe de 64), talvez seja porque a internet tornou possível um calendário com 365 dias da mentira por ano. Abra agora a sua caixa de e-mail e é possível que você encontre pelo menos uma das seguintes mensagens:
1) Sua senha de banco está com problemas. Entre aqui e resolva.
2) Sou uma senhora africana que acaba de perder o marido. Preciso da sua ajuda para recuperar US$ 1 milhão da herança e salvar meus filhos da fome.
3) Tenho fotos suas comprometedoras do último Carnaval. Entre em contato urgentemente comigo.
Além dos e-mails falsos, muito criativos em alguns casos, há ainda as contribuições diárias das redes sociais postadas indistintamente por crédulos e mal intencionados: teorias conspiratórias (“conglomerado americano derrubou o avião da Malaysian Airlines”), falsas notícias (“consulado espanhol está distribuindo passaportes europeus para 5 mil sobrenomes comuns no Brasil”), histórias mal contadas sem fonte confiável e histórias bem contadas e de fonte confiável, mas que não foram adequadamente checadas (“ditador da Coreia do Norte manda todo mundo cortar o cabelo igual ao dele”).
A vida cotidiana tornou-se um campo minado para os de natureza crédula e confiante, para aqueles que não achavam graça em fazer os outros de bobos e que às vezes caíam nas brincadeiras por excesso de boa vontade com o gênero humano. Ainda assim, se pudessem voltar no tempo e optar por um dos dois lados, boa parte deles talvez escolhesse permanecer dormindo o sono tranquilo daqueles que não desconfiam de tudo a sua volta e que sempre acabam apostando no melhor lado daquilo que ainda não se mostrou nem bom nem ruim.
Mas, vai saber, talvez até isso seja apenas ingenuidade da minha parte.
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