domingo, 30 de abril de 2017

                Por que privatizar a Cedae? 

- RICARDO COSTA VIEIRA DA SILVA

          O GLOBO - 29/04

Muitos indicadores demonstram quão ineficiente é a empresa pública. Dois são críticos: o índice de esgoto tratado referente à água consumida e a despesa média por empregado


Nos versos de “Lata d'água na cabeça”, Candeias Júnior retratava a falta d´água no Rio de Janeiro dos anos 50. Hoje, no estado, por volta de 87% da água e 39% do esgoto são tratados, de acordo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Uma situação desoladora!

Em estudo recente, o Instituto Trata Brasil aponta que dentre o pelotão das vintes melhores cidades no ranking de saneamento do país há somente uma no Estado — Niterói, sob gestão privada. Por outro lado, dentre as dez piores, três estão em solo fluminense: Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João do Meriti. Todas sob administração Cedae.

Mas, enfim, faz sentido privatizar a empresa? Ao analisar os dados do Ministério das Cidades, muitos indicadores demonstram com mais clareza quão ineficiente é a empresa pública. Dois deles são críticos: o índice de esgoto tratado referente à água consumida e a despesa média anual por empregado.

Estudando o índice de esgoto tratado referente à água consumida, observa-se: Cedae — 29,46%; Prolagos — 91,42%; Águas de Juturnaíba — 57,14%; Águas de Niterói — 100%. Fica evidente quanto a empresa estatal está longe de cumprir a obrigação legal de universalizar saneamento básico.

A seguir, verificando a despesa média anual por empregado obtém-se: Cedae — R$ 144,4 mil; Prolagos — 43,5 mil; Águas de Juturnaíba — R$ 58 mil; e Águas de Niterói — 74 mil. Salta aos olhos o custo de pessoal da companhia estadual: três vezes maior do que o valor da Prolagos e quase o dobro das Águas de Niterói.

Dentre as empresas privadas destaca-se, positivamente, Águas de Niterói. Em 1999, ano em que foi outorgada a concessão, o índice de coleta de esgoto era de 35%. Em 2016, Niterói se tornou a primeira cidade fluminense a universalizar estes serviços. Por outro lado, a estatal que em 1999 possuía o índice de esgoto tratado em relação à água consumida de 23,93% alcançou em 2015 meros 29,46%!

Os detratores fazem muitas criticas à privatização. Apontam que a empresa seria lucrativa, as tarifas subiriam muito e deixaria de haver prioridade aos mais pobres.

O lucro da empresa pública em 2015 foi de R$ 249 milhões, e o Instituto Trata Brasil estima que seriam necessários R$ 21 bilhões para alcançarmos a universalização. Precisaríamos de 84 anos para que todos no estado tivessem água e esgoto tratados!

Quanto à elevação das tarifas, a experiência internacional mostra que em países como Inglaterra e Chile, nos quais houve uma preocupação com a definição adequada do marco regulatório, as tarifas não subiram de maneira intensa. Mesmo no Rio de Janeiro, as concessionárias que aqui já atuam não possuem tarifas muito mais altas do que aquelas cobradas pela companhia estadual.

Por fim, a controversa privatização argentina dos serviços de água e esgoto, estudada extensivamente pela Universidade de Harvard, realizada em 1993 e encerrada em 2006, demonstra que mesmo em casos nos quais o processo não funciona bem há uma melhora significativa dos atendimentos aos mais pobres e níveis de serviço. A mortalidade infantil nas áreas da concessão foi reduzida em 8% e, nas regiões mais carentes, alcançou impressionantes 26%! Os índices de atendimento de água e esgoto que inicialmente eram de 66% e 57% respectivamente, alcançaram 99,8% e 69% em 2015!

Ora se nossos governantes estão de fato preocupados com os mais pobres, se as empresas privadas demonstram ser mais competentes do que a Cedae, por que não privatizá-la? De quem seria a razão: dos poucos que querem preservar seus privilégios ou dos milhões de inocentes que morrem todos os dias?

Ricardo Costa Vieira da Silva é engenheiro e membro do Instituto Teotônio Vilella-RJ

Economia mundial torna mais urgente mudança no Brasil 


- EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

Prognóstico de recuperação das finanças mundiais, após anos de fraco crescimento na esteira de crise global, pressiona por revisão da economia do país

Com os americanos ainda cautelosos no consumo, a economia americana cresceu 0,7% no primeiro trimestre, o ritmo mais lento desde 2014. O consumo das famílias avançou apenas 0,3%, em meio à queda de vendas no setor automobilístico. Os economistas, porém, veem o fraco desempenho da economia americana como um fenômeno temporário, à medida que os ganhos de renda tendem a se traduzir no aumento do consumo, que representa dois terços do PIB. Eles apostam que os EUA terão um comportamento semelhante ao de 2016, quando começaram mal, mas depois mantiveram uma expansão moderada ao longo do ano.

A França e o Reino Unido também apresentaram um desempenho débil no primeiro trimestre, com suas economias avançando apenas 0,3%. No caso francês, o fator eleitoral e o temor de uma vitória da extremista Marine Le Pen tiveram impacto nas decisões de investimento das empresas, revelando que a segunda maior economia da UE ainda é vulnerável ao risco político. Mas, dizem os especialistas, à medida que o candidato independente, Emmanuel Macron, apareça liderando as pesquisas, a tendência é de recuperação.

Em relação ao Reino Unido, cujo desempenho ficou abaixo das previsões, analistas apontam para os efeitos do Brexit, sobretudo o impacto sobre o consumo de um potencial aumento da inflação com o divórcio da UE. Em ambos os casos, a economia reagiu a aspectos pontuais, embora no caso britânico o custo do Brexit tenda a se alongar nos próximos anos.

Apesar desses resultados, o Fundo Monetário Internacional (FMI), em relatório sobre a economia global, vê sinais positivos em áreas essenciais, como investimento global, setor industrial e a confiança do consumidor. Apesar das ameaças geopolíticas, em especial o impasse entre EUA e Coreia do Norte, as eleições na França e na Alemanha e o processo do Brexit, associados ao aumento do protecionismo no comércio mundial, o Fundo vê EUA, Europa e Japão mostrando sinais sustentáveis de recuperação.

No plano das commodities, as cotações do petróleo avançaram em relação a 2016, elevando as taxas de inflação de patamares perigosamente baixos nos países desenvolvidos, e favorecendo as economias emergentes dependentes das exportações. Segundo o relatório do Fundo, a economia mundial deverá avançar este ano 0,10 ponto percentual, para 3,5%, o que, se confirmado, representará o ritmo mais acelerado de expansão em cinco anos.

Os prognósticos do FMI para a economia mundial este ano tornam ainda mais urgente a aprovação das reformas básicas da economia no Brasil. O país não pode mais se dar ao luxo de desperdiçar uma nova oportunidade de atrair investimentos que impulsionem de vez a recuperação.

Povo da boquinha na boca do povo 


- ANA MARIA MACHADO

O GLOBO - 29/04

Difícil será ver com clareza quem ficou de fora da pilhagem. Mas existem nomes merecedores de esperança


Há quase 18 anos o ex-governador Anthony Garotinho — que por sua experiência devia ser um expert no assunto — definiu o PT como o partido da boquinha, dizendo que eles já tinham uns 200 cargos em seu governo e ainda queriam mais. Não chegava a ser original. Era o que sempre se murmurou à boca pequena, mesmo antes que essas boquinhas tenham servido para que um prócer partidário, o então Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, reconhecesse no ano passado que, ao praticar o que sempre criticara, o partido se lambuzou.

A essa altura, desde o mensalão, isso já caíra na boca do povo. O petrolão só confirmou. Mas muitos seguidores ainda faziam boca de siri, preferindo não tomar conhecimento do óbvio.

Enquanto isso, a boquinha ia crescendo. Virando boca de caçapa, a engolir mundos e fundos. Sobretudo fundos. Mas a tática era negar e acusar os outros. Igualzinho ao sapo da velha piada que todo mundo ouviu na infância, mas não custa recordar.

Ia ter uma festa no céu . Foram contar ao sapo.

— Oba! — exclamou ele, arreganhando a bocarra.

— Vai ter muita comida, churrasco, doces.

— Oba! — e a boca se abriu ainda mais.

— Vai rolar tudo quanto é bebida, Muita birita mesmo.

— Oba! — exclamava ele, animado, cada vez escancarando mais a boca.

— Mas só vai quem tem boca pequena...

Como bom batráquio, imediatamente o sapo se adaptou, fez biquinho e disse com a boca bem apertada:

— Coitadinho do jacaré...

Para não ficar de fora da festança, trataram de se precaver. Como revelou o subitamente boquirroto Emílio Odebrecht em vídeo a que o país, boquiaberto, assistiu na semana passada, foi preciso reclamar com Lula. Mostrar que o pessoal dele estava com a goela muito aberta, passando de jacaré a crocodilo. Pedindo valores cada vez mais altos. Propina gerada pela grana dos nossos impostos, saída dos cofres públicos para as empreiteiras, sob a forma de superfaturamento, aditivos e demais malandragens e patifarias, antes de virar caixa dois e ir comprar apoios e vantagens no governo e no Congresso.

Agora todo mundo sabe. O pessoal apanhado com a boca na botija não teve outro jeito a não ser botar a boca no mundo. Caiu também na boca do povo, somando-se ao mensalão. Os bem-intencionados ou ingênuos começam a admitir autocríticas. Não dá mais para continuar na atitude do “Rouba mas faz para os pobres”. Nem do “Rouba mas divide comigo” ou do “Rouba porque é esperto, todo mundo rouba, se eu estivesse lá também roubava”, ao som do clássico do grande Geraldo Pereira : “ô, que samba bom / ô, que coisa louca/ eu também tô aí, tô aí, que que há?/ também tô nessa boca...”

Os tempos mudaram. A nova população carcerária mostra que já não dá para achar tão normal “O que dá de malandro regular, profissional/ Malandro com aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social/ Malandro com contrato, com gravata e capital /Que nunca se dá mal...”

Alguns patifes começam a se dar mal. O jeito que alguns encontram para aliviar as penas é botar a boca no trombone. E neste artigo com trilha sonora, não dá para garantir que os que ainda estão de fora vão conseguir por muito tempo seguir o modelo do malandro Moreira da Silva e transferir aos comparsas a tarefa de se explicar com a justiça: “Vou desguiando na carreira/ A justa já vem/ E vocês digam/ Que estou me aprontando/ Enquanto eu vou me desguiando/ Vocês vão ao distrito/ Ao delerusca se desculpando...”

Mesmo mestres exímios em desguiar na carreira vão precisar dar alguma explicação mais convincente do que dizer que a vítima se suicidou. Ao menos, para tentar sobreviver, fingindo passar de jacaré a lagartixa, um bichinho tão útil para limitar a infestação de mosquitos que transmitem doenças...

Algumas pesquisas sugerem que não está mais dando para enganar tanta gente como antes. E sem enganar, nada se sustenta, porque toda essa força só se baseou mesmo é na enganação. Na mentira bem contada. O que não significa que muitos outros, de partidos variados, não se dedicassem às mesmas práticas — com maior ou menor requinte, há mais ou menos tempo, boca de calango ou camaleão. Ainda que sem mostrar a competência do que estamos descobrindo, na montagem de esquema tão azeitado para nos pilhar e para lascar com o futuro do país. Mas ninguém defende que se tenha bandido (ou político) de estimação.

O difícil vai ser ver com clareza quem ficou de fora da pilhagem e pode seguir em frente. Grandes celeiros de lideranças políticas — as universidades, o movimento estudantil e sindical — sofreram as distorções desse processo de mentira e corrupção. Rendidos, caíram de boca nas boquinhas. Mas existem nomes merecedores de esperança, entre uns poucos sobreviventes, boas revelações nas redes sociais ou entre ambientalistas e alternativos. Dá trabalho procurar. Mas é hora de sairmos de lanterna em punho atrás deles. Ano que vem tem eleição. Vamos precisar de gente decente. E competente, pelo amor de Deus.

Ana Maria Machado é escritora

Greve compulsória - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO 29/04

A título de defender os direitos desses mesmos trabalhadores, os sindicalistas cassaram-lhes o elementar direito de trabalhar, por meio da paralisação dos transportes coletivos

Como era previsível, milhões de trabalhadores tiveram de aderir compulsoriamente à tal “greve geral” convocada pelas centrais sindicais para protestar contra as reformas trabalhista e previdenciária. A título de defender os direitos desses mesmos trabalhadores, os sindicalistas cassaram-lhes o elementar direito de trabalhar, por meio da paralisação dos transportes coletivos. E aqueles que tentaram chegar ao trabalho de outras maneiras foram igualmente impedidos ou tiveram imensa dificuldade graças ao bloqueio criminoso de ruas, avenidas e estradas realizado por “movimentos sociais” que se comportam como bandos de delinquentes. Quando e onde nenhuma dessas táticas funcionou, os sindicalistas partiram para a pancadaria pura e simples.

Os acontecimentos de ontem serviram para mostrar que, embora haja uma insatisfação generalizada com o atual governo, a representatividade dos organizadores da balbúrdia travestida de “greve geral” é pífia. A maioria dos brasileiros tem manifestado, nas pesquisas de opinião, seu desagrado com as reformas – naturalmente impopulares –, mas deixou claro ontem que não compactua com a violência nem com a exploração mesquinha de sua insatisfação por parte de grupelhos político-sindicais. Com seus principais líderes acuados por inúmeras denúncias de corrupção e depois de terem provocado a maior crise econômica da história brasileira quando estiveram no governo, deixando mais de 14 milhões de desempregados, esses tipos sabem que, no voto, não têm mais como ganhar – então partem para o grito.

Não faltaram imagens e situações para simbolizar essa disposição truculenta da tigrada. Em São Paulo, pequenos grupos de baderneiros queimaram pneus para interromper o trânsito em diversos pontos, impedindo a livre circulação de quem queria chegar ao trabalho. A mesma tática foi usada em várias outras capitais.

No caso de São Paulo, a polícia foi rápida e interveio para liberar a passagem, prendendo vários desses vândalos. No entanto, como eles não desistem, havia a perspectiva de mais violência até o final do dia de ontem, em manifestações cujo único propósito era tumultuar ainda mais a vida dos paulistanos.

Em muitas cidades, sindicalistas, como verdadeiros mafiosos, obrigaram comerciantes a fechar as portas e agrediram quem ousasse desafiá-los. Houve pancadaria dentro do Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, protagonizada por integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) devidamente uniformizados, assustando os passageiros que apenas queriam embarcar para cumprir seus compromissos. Também no Rio, decerto contrariados com o fato de que o transporte não parou, os sindicalistas depredaram ônibus.

Tudo isso indica claramente o fracasso de um movimento de espertalhões que pretendia sequestrar o descontentamento da população para utilizá-lo como arma contra o governo que tenta consertar o estrago legado pelo PT. Nada disso significa, é claro, que eles vão desistir e se resignar. Ao contrário: continuarão a agredir a verdade dos fatos e a tentar confundir a opinião pública para se apresentarem como solução dos problemas que eles mesmos criaram.

Por isso, não surpreende que o principal chamamento para a tal “greve geral” tenha partido do próprio PT, que para tanto fez uso até do horário eleitoral a que tem direito na TV, pago com dinheiro do contribuinte. E por isso não surpreende que o chefão petista, Lula da Silva, tenha aproveitado o ensejo de uma greve que ele considerou um “sucesso total” para anunciar-se candidato a presidente: “Hoje eu posso dizer com certeza: quero ser candidato a presidente outra vez. Vou pedir ao povo brasileiro a licença para votar em mim”.

Lula e PT apelam descaradamente ao embuste, transformando em “grevistas” os cidadãos impedidos de trabalhar pelo gangsterismo sindical, porque sabem que não lhes restam muitas alternativas – num cenário em que o outrora poderoso partido luta para não se transformar em nanico nas próximas eleições e em que o demiurgo petista tem mais chance de ir para a cadeia do que para o Palácio do Planalto.

Ensino pago - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 29/04

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora

Acolhendo recurso impetrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 9 votos contra 1, que as universidades públicas podem cobrar mensalidade nos cursos de pós-graduação lato sensu. Esses cursos são de especialização e se destinam a profissionais que desejam qualificar-se para o mercado de trabalho. Não se confundem com os cursos de pós-graduação stricto sensu, que são destinados à formação de professores e pesquisadores, concedendo os títulos de mestre e doutor.

Como a decisão tem repercussão geral, ela valerá para 51 outras ações idênticas que tramitam nas diferentes instâncias do Judiciário. Também confere segurança jurídica às universidades públicas que investiram na pós-graduação lato sensu, como é o caso da USP, da Unicamp e da Unesp. Juntas, as três universidades públicas paulistas oferecem atualmente 501 cursos de especialização e de MBA, com 30,5 mil estudantes matriculados. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esses cursos são oferecidos há 50 anos, nas áreas de engenharia e negócios.

O caso foi parar na mais alta Corte do País porque o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região acolheu ação interposta por um estudante que alegava que a Constituição dá o mesmo tratamento às atividades de ensino, pesquisa e extensão e assegura a gratuidade de todos os cursos oferecidos pelas universidades públicas. Com base nesse argumento, o TRF da 1.ª Região proibiu a UFG de cobrar mensalidade num curso de pós-graduação lato sensu em direito constitucional. O relator do caso, Edson Fachin, que também leciona numa universidade federal, discordou desse entendimento e afirmou que a Constituição não apenas diferencia ensino e pesquisa, como também não incorpora na pós-graduação convencional, que é obrigatoriamente gratuita, os cursos de extensão (que incluem os de lato sensu).

“A Constituição é clara. Ela permite que as universidades públicas possam contar, em alguns casos, com recursos de origem privada. No âmbito de sua autonomia didático-científica, é possível às universidades públicas regulamentar as atividades destinadas preponderantemente à extensão sem ferir a legislação, sendo-lhes possível assim instituir a cobrança de tarifas e atuar em regime de colaboração com a sociedade civil”, afirmou Fachin.

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora. Ampliar a oferta de cursos de especialização e MBA é o modo que elas têm para obter receitas extras e usá-las no financiamento de programas de inclusão social, na manutenção da infraestrutura e no pagamento das despesas de custeio, como energia, água, telefonia e segurança.

Como esses cursos são baratos e de boa qualidade, pois os professores são os mesmos da graduação e da pós-graduação stricto sensu, eles têm uma alta demanda. Em 2014, a USP arrecadou R$ 55 milhões com a cobrança de mensalidades na pós-graduação lato sensu. Em 2016, a Unicamp teve uma receita extra de R$ 20,5 milhões. “As unidades que arrecadam recursos com esses cursos desoneram seu orçamento. Com isso, sobram mais recursos”, diz Vicente Ferreira, diretor da Coppead/UFRJ, um dos mais respeitados cursos de administração do País.

Além das universidades privadas, que reclamam da concorrência, os únicos focos de oposição ao aumento da oferta de cursos de especialização pelas universidades públicas se encontram em entidades estudantis e sindicatos de funcionários técnico-administrativos. Para eles, a pós-graduação lato sensu subordinaria as universidades à lógica do mercado. A crítica não procede. Como os cursos de especialização não estão entre os fins precípuos da universidade pública, nada impede que sejam pagos, diz a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader (SBPC). No que tem toda razão.

Sem adesão popular - MERVAL PEREIRA

O Globo - 29/04

A greve de ontem, que antes de ser “geral” foi mais um imenso protesto de sindicatos e associações de classe, pode ter sido um sucesso do ponto de vista classista, mas não houve indicações de adesão popular às causas prioritárias do movimento, contra as reformas trabalhista e Previdenciária.

Não resta dúvida de que a greve foi muito bem organizada, já que teve caráter nacional com o mesmo modo de atuação: o segredo é bloquear os transportes. E, para fazer isso com eficiência, basta meia dúzia de militantes para fechar avenidas e estradas. A dispersão organizada é melhor que a concentração grandiosa em poucos pontos, e a polícia ainda ajudou ao não atuar preventivamente para impedir os bloqueios.

Paralisar avida normal do país pode ter sido, no entanto, um tiro no pé, especialmente devido aos atos de vandalismo. Ter que usar piquetes e violência para impedira ida ao trabalho e a circulação normal do transporte público é prova de fraqueza do movimento; é prova de que não tem adesão popular. A ajuda dos black blocs só reforça essa sensação.

Não houve uma greve espontânea, do povo revoltado que resolveu protestar, e sim de sindicatos e de corporações que estão perdendo regalias nas reformas, principalmente o fim da contribuição sindical obrigatória. Tenho a impressão de que essa greve não vai influenciar as votações no Congresso e pode ter sido uma evidência de que os temas, embora impopulares, não estão mobilizando a população tanto quanto as corporações sindicais sinalizam.

Em todo lugar do mundo reformas co moada Previdência ou a trabalhista provocam protestos e greves, e somente um governo como o de Temer, que não tem objetivos eleitorais após o término do mandato, podes e arriscara concretizá-las.

Ao contrário, a base parlamentar que o apoia no Congresso depende do voto popular para manter-se na política, mas por uma dessas circunstâncias muito características da política brasileira, eles dependem mais do sucesso das reformas.

Caso não as aprovem, principalmente a da Previdência, não há futuro para o governo Temer e, consequentemente, também para eles. Já fizeram parte da base aliada dos governos Lula e Dilma por razões nada republicanas, mas os abandonaram para voltar às suas origens políticas.

É uma base liberal-conservadora, que não tem lugar em um projeto de governo esquerdista depois que foi revelado o esquema de corrupção que sustentou essa estranha simbiose.

Com algumas exceções regionais, como é o caso de Renan Calheiros em decadência eleitoral em Alagoas, a maioria dessa base parlamentar está mais bem acomodada num governo conservador como o de Temer do que numa aliança com partidos de esquerda que se sustenta à custa do puro fisiologismo.

A melhor aposta para essa grande massa parlamentar é na melhoria da economia com um projeto liberal, mesmo porque a alternativa da “nova matriz econômica” já deu com os burros n’água.

Além domais, há outros fatores importantes nessa equação, um deles sempre presente é a Operação Lava-Jato. Na próxima semana haverá o novo depoimento do ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT Renato Duque, que se manteve calado por quase três anos preso. Outro que em breve fará a delação premiada é o e x-ministro Antonio Palocci, homem forte de Lula e Dilma.

Não há futuro brilhante para o PT ou Lula, ou pelo menos jogar com essas cartas parece mais arriscado do que manter a atual posição governista. Tudo isso, no entanto, não torna fácil a aprovação de uma emenda constitucional que exige pelo menos 308 votos em duas votações na Câmara e outras duas no Senado, também com quórum qualificado.

O mais provável é que o relatório sobre a reforma da Previdência seja apresentado na Comissão de Constituição e Justiça no dia 8 de maio, e a partir daí o governo avaliará qual o melhor momento para colocar o projeto em votação no plenário.

Carta de 14 estudantes evidencia que eles aprenderam a pensar


- DEMÉTRIO MAGNOLI

   FOLHA DE SP - 29/04

A missão do professor é ensinar a pensar, não catequizar sobre o certo e o errado. Uma carta divulgada por 14 alunos do Colégio Santa Cruz, criticando a adesão de seus professores à greve geral, evidencia que eles aprenderam. O cerne da crítica: os professores apelam a "noções generalistas de justiça social" e pautam-se "em um maniqueísmo exacerbado", adotando uma "forma de pensar" que "simplifica e empobrece o debate" sobre a reforma previdenciária.

Portinari pintou "Os Retirantes" em 1944, na trilha da criação do Dnocs e da Codevasf. A imagem pungente dos migrantes famélicos conferiu uma aura de santidade à captura de recursos federais pelas elites nordestinas. Na sua carta, os alunos explicam como a invocação ritual de direitos sociais oculta a defesa de privilégios corporativos: o regime especial do funcionalismo, as aposentadorias fidalgais do Judiciário. Eles aprenderam a identificar um truque clássico do discurso político –e confrontam a frase feita com o argumento.

Os pobres, álibi de sempre, não serviram para calar a boca desses 14, que oferecem uma aula a seus mestres. "Um direito ser garantido por lei não garante o orçamento necessário para cumpri-lo". Atrás do sistema de privilégios previdenciários, encontram-se os desastres no saneamento básico, na educação e na saúde públicas.

O deficit da Previdência, que cresce no compasso da dinâmica demográfica, só pode ser financiado pela reativação do tributo inflacionário, um imposto antidemocrático cobrado dos pobres. Quem ensina quem, nesse caso?

Os 14 refutam o manifesto grevista de seus professores, mas só desvendam parcialmente seu sentido político. A indagação crucial é: por que os mestres, "que nos possibilitaram desenvolver as competências necessárias para entrar no debate político", rejeitam a complexidade, retraindo-se à caverna do chavão sindical? Desconfio que as respostas a essa questão ajudem a iluminar a extensão da adesão à greve geral.

Na pré-história da nação brasileira, estão colonos empenhados em "fazer a América", capturando índios, buscando pedras preciosas, extraindo ouro. Prezamos, acima de tudo, a recompensa pecuniária pessoal. Na Istambul de 2013, uma onda de manifestações antigovernistas foi deflagrada pela defesa do parque Gezi, que se queria converter em shopping center.

Aqui, não fazemos isso. Escolas, hospitais, redes de esgoto, metrôs e trens, praças públicas, bibliotecas, museus, parques nacionais? Não: lutamos por repasses em moeda sonante, nas formas de aposentadorias precoces, pensões especiais, bolsas, multas rescisórias, passes livres, cestas básicas, uniformes escolares, faltas abonadas, cotas raciais, meia-entrada. Desprezamos os direitos sociais universais. Queremos nossa parte em dinheiro –e já!

A história política moderna do Brasil começa com Getúlio Vargas. O primeiro "pai do povo" ensinou-nos que o Estado funcionará como intermediador geral da disputa por rendas. Com ele, aprendemos a interpretar os "direitos" como notas promissórias emitidas pelo Tesouro em nome de indivíduos organizados em corporações.

Os empresários almejam subsídios do BNDES, os sindicalistas protegem o imposto sindical, os artistas cantam a glória de leis de incentivo financiadas por renúncia tributária. A nossa parte em dinheiro depende da qualidade da conexão política de nossa corporação. Séculos depois, os colonos ainda "fazem a América", mas por outros meios. A efígie de Vargas tremula na ponta dos mastros da greve geral.

Lula ensaiou uma reforma previdenciária, no primeiro mandato. Dilma falou sobre a necessidade de aumentar a idade de aposentadoria, no curto outono realista de seus últimos meses. De volta à oposição, o PT se esqueceu disso, investindo na canção antiga, que toca a alma da nação de colonos estatizados. Eis uma aula que os 14 não terão.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Às vésperas de greve geral, reforma trabalhista é aprovada na Câmara

Texto, que muda diversos pontos da CLT e prioritário para Temer, vai agora ao Senado

Reforma Trabalhista

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, dia 26, a reforma trabalhista do Governo Michel Temer (PMDB). O projeto de lei que faz a maior alteração nas regras envolvendo patrões e empregados em sete décadas foi aprovado por 296 votos a favor e 177 contra. A proposta será enviada ao Senado Federal depois que os deputados aprovarem os destaques que ainda precisam ser analisados. A expectativa do Governo é que ainda no primeiro semestre deste ano a reforma também seja aprovada pelos senadores. O placar é considerado um termômetro para outra votação estratégica: na próxima semana, o embate, bem mais difícil, será em torno da reforma da Previdência. Para aprovar alteração nas aposentadorias da grande maioria dos trabalhadores brasileiros serão necessários mais do que a maioria simples desta quarta, ou 308 votos da maioria qualificada em dois turnos de votação.
A fácil vitória da base aliada do peemedebista foi marcada por uma tumultuada e demorada sessão. Foram mais de dez horas de debates. Sem votos para rejeitar a proposta, a oposição tentou obstruir a votação de todas as maneiras. Fez uma série de protestos, com cartazes, faixas, cruzes e caixões de papelão tentando mostrar que as alterações representam “a morte” da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Uma das discussões durante a sessão foi a de não deixar a votação ser nominal. Ou seja, os deputados da base de Temer queriam uma votação simbólica, sem que os nomes dos parlamentares aparecessem como voto favorável ou contrário ao projeto. O temor era serem vítimas dos manifestantes que convocaram a greve geral para a próxima sexta-feira, dia 28, tanto contra a reforma trabalhista como a da Previdência. A mobilização que cresce em adesão tenta transformar em resistência ativa a impopularidade do presidente Temer - sua aprovação caiu a apenas 4% segundo o instituto Ipsos - e será um teste para a capacidade das ruas de influenciarem as decisões do Congresso nas próximas semanas.
reforma trabalhista, se aprovada no Senado, acabará com a contribuição sindical obrigatória, determina que o que for negociado entre patrões e empregados prevalece sobre a legislação e dificultará o acesso dos servidores à Justiça do Trabalho. O texto cria uma jornada intermitente de serviço, regulariza o home office e exclui os sindicatos das homologações de demissões, entre outros tópicos. Assim como no Congresso, o proposta contrapõe especialistas no assunto. "A reforma como um todo foi olhada sob um viés do empregador, com coisas boas e ruins para a sociedade. Mas o problema é que não conseguimos ter um debate forte sobre o tema. Foi uma reforma açodada. Não há dúvidas que os trabalhadores saem perdendo", disse Ricardo Guimarães, mestre em direito do trabalho e professor da PUC- SP. Já Adauto Duarte, conselheiro do Instituto Via Iuris de Direito do Trabalho, elogia: "Sob a ótica do direito coletivo achamos a proposta muito equilibrada, porque a prevalência do acordo sobre o legislado já tinha sido dada pelo STF. A novidade é a lista do que não pode ser negociado. De um lado protege o trabalhador e do outro, para quem negocia (seja sindicatos ou empresas) aumenta a segurança jurídica. As regras ficam mais claras".

Sala de aula descontrolada

Em vários momentos, o plenário da Câmara parecia uma sala de aula em que o professor não tinha o mínimo controle sobre os estudantes indisciplinados. Ninguém escutava o orador, vaias eram ouvidas a todo momento e Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Casa, se cansou de pedir respeito, sen êxito. Os gritos de Fora Temer eram constantes no plenário. O deputado Assis Melo (PCdoB-RS) chegou a usar um uniforme de metalúrgico, que é a sua profissão original, e foi repreendido por Maia enquanto protestava contra a reforma. A lógica do presidente da Câmara é que o regimento interno da Casa prevê que os parlamentares têm de usar traje passeio completo, ou seja, terno e gravata.
Os opositores à gestão Temer repetiram à exaustão que as mudanças nas leis trabalhistas retiram direitos dos trabalhadores. Por outro lado, os aliados do Governo defendiam que as alterações modernizam a legislação e facilitarão a criação de emprego quando vier a retomada econômica. O líder da oposição, José Guimarães (PT-CE), disparou: “Só faltou um artigo neste projeto de lei: está revogada a CLT a partir desse momento”. Ao que o deputado Nogueira respondeu: “Nenhum direito foi revogado. A reforma quer garantir igualdade para todos os trabalhadores brasileiros”.
Enquanto os debates se intensificavam, lobistas vinculados a sindicatos patronais e laborais transitavam entre os deputados no plenário pedindo que vários deles apresentassem emendas parlamentares ao projeto, algo similar ao que ocorreu na comissão especial que debateu o tema, na terça.
Um levantamento feito pelo site The Intercept Brasil concluiu que entre os principais interessados nessa reforma trabalhista estavam entidades que representam bancos, indústrias e o setor de transportes. O jornal online examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial. Dessas propostas, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). O relator, Rogério Marinho (PSDB-RN), segundo a reportagem acatou 52,4% das emendas. Na terça-feira, o EL PAÍS mostrou que lobistas da CNI municiavam deputados da comissão com algumas dessas emendas.

Defecções e cuidado redobrado

Apesar do placar expressivo, os principais partidos da base do Governo, que representam 313 votos, registraram 57 traições. Nenhuma dessas legendas votou totalmente fechada com a gestão Temer. Apenas para ficar nos maiores, que têm representantes em ministérios: dos 59 deputados votantes do PMDB, sete foram contra a reforma trabalhista. No PSDB, os números foram 44 votantes, um contrário. No PP, 43 votos, sendo nove contra. No PR, foram 7 defecções entre os 35 deputados. No PPS, três dos nove legisladores foram contrários. No PSB, 16 dos 30 parlamentares estiveram contra Temer. No PSD foram cinco dos 34. E no PTB, quatro entre 17.
Foi tendo como pano de fundo esse cenário que Temer quis se cercar de cuidados para garantir o resultado. Exonerou quatro de seus ministros que são deputados federais para não ter o risco de ter quatro votos a menos entre sua própria base. Retornaram à Câmara os ministros da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (PSB-PE) e do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS).
O retorno de Nogueira foi cercado de simbolismo. Afinal, como ministro do Trabalho, ele queria dar o peso de seu cargo para dizer ao trabalhador que seus “direitos serão preservados”. Além disso, sua exoneração retirou o voto de Assis Melo, o deputado comunista que protestou usando o uniforme de metalúrgico. Melo é suplente de Nogueira na Câmara e a volta do ministro o retirou da lista de deputados.
A mesma medida, de exonerar os ministros, será adotada por Temer na semana que vem, quando até 13 ministros podem voltar ao Legislativo para votar a reforma da Previdência, na terça e na quarta-feira. Os dias de agenda frenética no Congresso estão só começando.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Carregar babá de branco a restaurante é sinal de que você é um rico bobo

Luiz Felipe Pondé*


Editoria de Arte/Folhapress
Ilustração para Pondé de 24.abr.2017.

Sempre se soube que sucesso desumaniza. Só gente iniciante não sabe disso. Sucesso é muito bom. Não me entenda mal. Desumaniza porque pode fazer você achar que você é o máximo em tudo, quando o foi apenas em algo em particular, e, às vezes, esse algo é bem banal se tomarmos a totalidade das atividades e experiências humanas. 

Mas o sucesso não só desumaniza, ele pode deixar você ridículo se você não perceber que a melhor forma de conviver com o sucesso é fingir que ele não existe. Pra você e para os outros. Eu sei que é difícil, então melhor consultar um profissional do ramo. Existem alguns bons por aí. Ouvi dizer que existem até alguns workshops que ensinam você a não ser um jovem de sucesso ridículo por causa do próprio sucesso. Lúcifer foi o primeiro jovem de sucesso bobo da história. E acabou ficando com o porão. 

Quando o sucesso atinge você muito cedo na vida, a chance de você virar uma besta arrogante é enorme. 

A juventude já é "um sucesso" em si, apesar de temporário e condenado à extinção com os anos. Quando associada a dinheiro ganho (ou herdado e ganho), essa tendência é reforçada. Quando a esse processo é adicionado o acesso a muita informação, mesmo que picada, superficial, mas abundante, ao simples toque de um rápido clique "mobile", você pode ver diante dos olhos o fenômeno tão discutido hoje em recursos humanos: jovens que estão sempre diminuindo todo ser humano que chegou ali antes dele. O pior é que tem gente de 60 anos que acha que se humilhando diante deles, dizendo que "o mundo é dos jovens", receberá um pouco de misericórdia. Bobinhos. 

Muito disso é culpa dos pais, como bem mostra a psicóloga americana Jean Twenge em sua obra. "Generation Me" e "Narcissism Epidemic", dois de seus títulos, mostram bem como crianças criadas por pais que sempre as acharam o máximo, e, com o tempo, passaram a invejar a juventude delas (principalmente as mães), facilmente se transformam em jovens arrogantes e crentes de que abafam porque foram à Mongólia nas férias. Essa moçada cresceu achando mesmo que as opiniões que acumulou ao longo dos poucos anos de leitura rápida é, de fato, relevante. Pouca experiência de vida associada a muito dinheiro e a muita "cultura mobile", pode dar em várias faces ridículas do sucesso. 

E quando essa turma tem filhos (se os tem...)? Surgirá a babá de branco em meio aos restaurantes de gente rica. Carregar uma babá de branco para um restaurante é sinal de que você tocou o fundo do poço da babaquice de rico. Vejamos a cena. 

E, assim, chegaremos a uma outra face ridícula do sucesso. Essa você vê em restaurantes, clubes e aeroportos. Trata-se desses casais com um filho só que carrega uma babá a tiracolo. 

O pai, com aquela cara de quem realmente acredita que tem a mulher na mão porque dá Chanel pra ela aos 35 anos de idade. Um daqueles descritos no parágrafo acima. Logo descobrirá o efeito devastador e purificador do tédio feminino –aquele mesmo que dizem por aí que é culpa do patriarcalismo. 

Risadas? 

Aliás, o patriarcalismo também é culpado pelo capitalismo, pela poluição ambiental, pela Inquisição e pelo fato da gravidade atrair corpos humanos. A mãe, com aquela dureza advinda de muitas bolsas Chanel e muito tédio, controla sua babá com um simples olhar a distância.

A babá, quase sempre vestida de branco, com aquele rosto cheio de mal-estar e vergonha, tenta fingir que não odeia aquilo tudo. Corre atrás do pequeno (miúdo, como diriam nossos irmãos portugueses) de um lado para o outro, segurando seu iPad. 

O pequeno, aluno da Saint Paul ou de uma Waldorf da moda, logo dará bolsas Chanel ou se for uma pequena, as ganhará. 

Mas, mesmo com rosto de mal-estar e vergonha por estar entre "gente rica", nossa babá suporta estoicamente a humilhação da roupa branca que não é de médica. Mas, quando se precisa de dinheiro, se precisa de dinheiro, coisa que em nosso mundo de plástico se esqueceu. 

A pergunta é: como alguém não ensina para essa gente brega que não se leva babá pra restaurantes? 
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*  Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência.