sábado, 31 de dezembro de 2016

" Há trabalho a mostrar e a fazer "

EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 30/12

No dia 31 de agosto, o Senado Federal encerrou o processo de impeachment de Dilma Rousseff, julgando-a culpada de crimes de responsabilidade, e Michel Temer assumiu a Presidência da República em caráter definitivo até o fim do mandato, em 2018. 

Se desde então o horizonte da política – e da polícia – não desanuviou no grau e na velocidade que se esperavam, essa quebra de expectativa não pode ser atribuída a uma eventual falta de ação da equipe econômica do governo Temer. Antes, a agenda econômica vem sendo diligentemente implementada com um grau de eficácia de dar inveja a muito governo com condições de temperatura e pressão bem mais favoráveis.

É evidente a principal vitória de Michel Temer até o momento. Ele assumiu um governo em dramáticas condições fiscais e conseguiu, menos de quatro meses depois, aprovar um remédio de longo prazo – amargo, mas muito necessário –, a PEC do Teto dos Gastos.

Muitos diziam que seria impossível aprovar uma emenda com esse teor, especialmente com um Congresso acostumado a cobrar caro por apoio a medidas impopulares. No entanto, Michel Temer conseguiu e o País tem hoje uma legislação que pode frear uma das principais causas de desequilíbrio econômico e social – a gastança pública.

Não fossem as atuais conturbadas circunstâncias políticas, seria mais que razoável uma longa e festiva comemoração pela aprovação da PEC do Teto dos Gastos. Não custa repetir: foi uma significativa vitória da racionalidade e da boa governança sobre a irresponsabilidade e o populismo.

Essa não foi, no entanto, a única vitória de Michel Temer no Congresso. O governo conseguiu a aprovação da Medida Provisória (MP) 735/2016, que altera significativas regras no setor elétrico. Entre outros pontos, a medida facilita os processos de privatização, diminui a burocracia dos leilões e reduz os custos da União com subsídios a concessionárias.

Outra medida importante aprovada durante o governo Temer foi o fim da participação obrigatória da Petrobrás na exploração do pré-sal. Promulgada em fins de novembro, a Lei 13.365/2016 desobriga a estatal de ser a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha de produção. Sem outro motivo que a absurda limitação ideológica dos governos petistas, essa obrigação colocava em risco a capacidade e a liberdade de investimento da Petrobrás, além de impor sérias limitações à própria exploração do pré-sal.

O governo Temer conseguiu ainda aprovar a Lei de Governança das Estatais, medida de grande utilidade, especialmente após a experiência petista no Palácio do Planalto. A nova lei fixa normas de governança corporativa e regras para compras, licitações e contratações de dirigentes em empresas públicas e sociedades de economia mista. Por exemplo, estabelece condições mínimas para a nomeação de diretores das estatais, dificultando seu aparelhamento político.

Outra vitória alcançada pelo presidente Michel Temer foi a aprovação da MP do ensino médio, com sua proposta de atualizar os currículos escolares, fortalecendo as disciplinas essenciais e dando maior liberdade de escolha ao aluno. Ainda que não se trate de um tema específico da área econômica, tem também efeitos diretos sobre a economia nacional, já que educação e produtividade são assuntos necessariamente vinculados.

Além disso, o governo Temer ainda lançou um consistente programa de medidas microeconômicas – que podem contribuir para desembaraçar a economia, não apenas no curto prazo – e apresentou corajosa proposta de reforma da Previdência.

Nos últimos dias, o governo federal deu decisivos passos para a reforma trabalhista, medida que muitos analistas diziam ser inadmissível para as centrais sindicais e todos dizem ser essencial para o destravamento dos investimentos. Além disso, ajudou os Estados endividados na medida do possível, no que foi atrapalhado pela irresponsabilidade de uma maioria de deputados.

Certamente, ainda há muito a ser feito na pauta econômica e em muitas outras áreas. É preciso, no entanto, reconhecer uma abissal diferença entre o governo de Michel Temer e a anterior administração – ele está trabalhando.

" Sim, a pós - verdade é um conceito mentiroso !


 Henrique Monteiro*
Pergunto-me a mim próprio por que razão se descobriu o conceito de pós-verdade quando tínhamos à mão uma palavra tão boa para referir o mesmo conceito. Não, não me refiro a inverdade, que já teve os seus tempos.
          É mesmo m-e-n-t-i-r-a! MENTIRA!
A pós-verdade, dizem-nos, ocorre neste tempo e sociedade em que a verdade deixou de ser relevante. Rasgam as vestes, como se fosse a primeira vez na História que tal acontece. Não é verdade! É mera pós-verdade, ou como prefiro dizer: MENTIRA!
O que aconteceu, então? Ocorreu que uma série de conceitos que tínhamos por verdadeiros, pelo menos desde o Iluminismo e mais convictamente após o positivismo e o marxismo, começaram a ser postos em causa, a desmoronar-se, a ir por água abaixo. O consenso existente e que foi claramente dominado por uma abordagem epistemológica que não era, nem podia ser neutra, afunda-se. Nas universidades, em cuja maioria o conhecimento antigo foi substituído por uma nova vulgata pós-moderna, a crise não podia ser maior. Afinal, o que nos andaram a impingir não só não se verifica como acontece o contrário. Penso que a 'pós-verdade' reside nessa perplexidade contraditória. Sartre, Chomsky e Boaventura Sousa Santos não tinham razão. Os mais pessimistas, como Isaiah Berlin, Raymond Aron ou Fernando Gil estavam mais próximos da verdade.
Isto podia não ser mau se, como quase sempre, a criança, neste caso, conceitos transcendentes como o da Verdade (com v grande) não estivesse a ir pelo ralo com a água do banho (frase querida a Lenine). Mas está.
Trump veio demonstrar que se pode mentir com quantos dentes se tem na boca, sem que daí surjam consequências, pelo contrário tem milhões a apoiá-lo. Isto é verdade, sem qualquer prefixo pós. Mas peço licença: pessoas mil vezes menos recomendáveis, como Hitler e Estaline, Mao e Pol Pot já o tinham feito. Ninguém se lembrou da dita pós-verdade na altura dos crematórios e dos campos de concentração e dos tiros na nuca ou dos mortos de fome por uma política dogmática e insana. É certo que o mundo não era global a esta escala, mas a técnica é velha. E a verdade ou é ou não é. O problema é que, para boa parte dos relativistas, a verdade não é. E assim a mentira também não pode ser. Por isso, a mentira tem a mais recente tradução no dicionário do relativismo: pós-verdade!
Diz Manuel Fonseca no comentário a este post de Pedro Norton " As massas induzidas por notícias falsas, a informação inventada, é velha de séculos. Da Grécia e de Roma. Foi a pós-verdade que levou a cicuta à boca de Sócrates e já havia pós-verdade nas Catilinárias. Sem a pós-verdade Shakespeare não teria posto na boca de Marco António a arrebatada oratória que virou do avesso a multidão que deixa de incensar Brutus para logo lhe querer queimar a casa. Eu vi a pós-verdade a fazer correr sangue nas ruas de Luanda na transição para a independência e depois da independência… Eu vi, gerações e gerações viram a pós-verdade ainda ela não tinha nascido". Tem razão. Tem muita razão.
Mas, afinal, quando falam de pós-verdade, de que verdade falam?
O bom relativista postula que não há verdades absolutas (o que é logicamente falso, porque para este postulado ser verdadeiro pelo menos uma verdade absoluta tem de existir - a que diz não haver verdades absolutas). Ao postular que não há verdades absolutas e que tudo depende do ponto de vista do observador, confunde dois conceitos, além de matar mais uns.
Por um lado confunde o conceito de verdade prática (filiada na razão prática), quase toda ela indefinível em absoluto, mas apenas através de conflitos de valores (clashes of values) com a Verdade transcendente, aquela platonicamente preexistia na Psyke antes de se juntar ao Soma (corpo). Bem sei que Sartre defendeu que antes do ser há o Nada (Néant, que é uma palavra maior do que nada, ausência, vazio) inaugurando um novo existencialismo formado apenas por construções sociais, no qual nem as construções sociais naturais têm praticamente lugar. Assim, não haveria qualquer Verdade fora do ser. É esta a questão que já opusera Kant a Benjamin Constant. A Verdade com V grande só pode ser absoluta no espaço da razão pura e não na prática. A novidade com os pós-modernos (que na verdade só o são depois de Lyotard os descrever em 1970 em  'A Condição Pós-Moderna') é, dito depressa e mal, uma amálgama do que ficara do niilismo com os restos do marxismo (não o da URSS), de ultrapassagem do iluminismo e da tradição liberal para uma sociedade multicultural sem referências centrais ou transcendentais, que os críticos classificavam como tribalizada.
Ao contrário do que se possa pensar a pós-modernidade não se filia na tradição liberal (embora alguns o sustentem). A tradição liberal sendo certo que detesta verdades impositivas convive e defende os conceitos transcendentais. Isto significa o quê? Que há conceitos que estão para lá de cada um e que cada um toma o caminho que lhe parece mais apropriado para lhes tentar chegar. E que, por outro lado, há um espaço conhecido e ao alcance de todos onde se lida com o bom senso e com o conflito de valores para determinar qual o mais importante a cada momento - e aqui temos verdades que podem ser relativizadas em função das situações concretas (o célebre exemplo do fugitivo da Gestapo escondido em nossa casa que nos leva moralmente a mentir sobre o seu esconderijo, apesar da mentira no mundo da razão pura ser condenável).
Mas no espaço que nos transcende, porque não o conhecemos, as verdades têm de ser absolutas, de outro modo não teríamos referências. Caso não reconhecêssemos como absoluta a Verdade, a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, a Justiça, a Honra, a Probidade e mais uma série de valores.
(Peço a fineza de não confundirem verdade transcendental, ou seja que transcende cada indivíduo, com verdade revelada, que é o do domínio da crença livre de cada um).
 "A pós-verdade começou com a expulsão de Adão e Eva do paraíso. Como não acredito que esse episódio seja histórico, resta-me dizer que é um conceito inventado pelos adeptos da pós-modernidade para não terem de lidar com conceitos que lhe são estranhos."
A ser assim, e socorrendo-me de uma imagem gráfica, imaginemos que uma clareira no centro de uma floresta corresponde ao nosso universo conhecido. O perímetro dessa clareira corresponde ao incognoscível. Quando dobramos a área do que é conhecido, dobramos a do que não é conhecido. É o que tem vindo a acontecer nas áreas científicas da chamada ciência dura. Se multiplicarmos por 100 o conhecido, multiplicamos por 100 o desconhecido. E esta relação só tem duas soluções: ou a floresta é finita - e o nosso conhecimento seria limitado, a determinada etapa do conhecimento, porque tudo era conhecido, ou o desconhecido será sempre muito superior ao conhecido.
Mas o positivismo e o materialismo histórico pensaram noutra forma de derrotar esta irritante constatação (que além de Kant, Rousseau já pensara). Como? Postulando que seria possível prever o que não se conhece. O materialismo histórico sabe o sentido da História; o positivismo sabe que a mais educação corresponde mais conhecimento e sabedoria e que, armados dessas duas armas, a natureza humana modifica-se. Cria-se um homem novo, um homem diferente, o homo informatus.
Ora estas ideias, talvez generosas foram-se, O homo informatus pode ser um trumpiano ou um adepto de Putin ou Erdogan. Os nossos pós-modernos, que diabolizaram Merkel têm-na agora como líder do mundo livre - tocha que lhe foi passada por Obama.
A frase do Eclesiastes: "Tudo o que foi será; tudo o que aconteceu, acontecerá. Não há nada novo debaixo do Sol", que não fazia sentido na modernidade, parece voltar a galope, como dizia Destouches ao adaptar um verso de Horácio ("chassez le naturel, il revient au galop"). Nada do que era antigo fazia sentido para o espírito moderno. E, no entanto, o espírito liberal nunca quis matar os conservadores nem os progressistas, antes tentou um chão comum onde convivessem todos.
Quando o homem se liberta de Deus - esse enorme desconhecido que atrapalha de uma forma terrível qualquer teoria de conhecimento total ou de previsão, parece não levar em conta essa grande reacionarice que é a natureza humana. Eis algo tramado. Muda pouco ou nada. Lida com a mentira e aplaude-a quando ela parece melhor do que a verdade. O povo adora vendedores de ilusões, mesmo quando é devidamente escolarizado (não é por acaso que 70 anos sem Igreja na Rússia não alterou grande coisa a devoção naquelas paragens). E são pontapés em conceitos destes, que eram preconceitos, o que a atualidade tem estado a dar. O que hoje se passa não é mais nem menos pós-verdade. É o que somos, sem as sombras criadas por teorias que vão pelo ralo (e que levam com elas adquiridos culturais, ideias generosas, muita coisa boa, mas ao mesmo tempo muita sujidade, muito mau cheiro).
"O Senhor pôs um espírito de mentira na boca de todos os profetas aqui presentes", está escrito no Livro dos Reis (I Rs, 22,23); "Ó poderosos, até quando tereis o coração endurecido, no amor das vaidades e na busca da mentira?" (Salmos 4,3); "Na verdade, do maior ao menor, todos se entregam aos ganhos desonestos; desde o profeta ao sacerdote praticam todos a mentira" (Jeremias, 6,13). Posso continuar indefinidamente.
A pós-verdade começou com a expulsão de Adão e Eva do paraíso. Como não acredito que esse episódio seja histórico, resta-me dizer que é um conceito inventado pelos adeptos da pós-modernidade para não terem de lidar com conceitos que lhe são estranhos. Tais como a Verdade (com V grande) e a mentira.
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 * Jornalista português. Fonte: http://www.escreveretriste.com/author/henrique-monteiro/

" 2016 < o ano em que se tentou matar a esperança do povo brasileiro "


Leonardo Boff*

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A situação social, política e econômica do Brasil mereceria uma reflexão severa sobre a tentativa perversa de matar 


a esperança do povo brasileiro, promovida por uma corja (esse é o nome) de políticos, em sua grande maioria corruptos ou acusados de tal, que, de forma desavergonhada,


 se pôs a serviço dos verdadeiros forjadores do golpe perpetrado contra a Presidenta Dilma Rousseff: a velha oligarquia do dinheiro e do privilégio que jamais aceitou que alguém do andar de baixo chegasse


a ser Presidente do Brasil e fizesse a inclusão social de milhões dos filhos e filhas da pobreza.



         Obviamente há políticos valorosos e éticos, bem como empresários da nova geração, progressitas que pensam no Brasil e em seu povo. Mas estes não conseguiram ainda acumular força suficiente para dar outro rumo à política e um sentido social ao Estado vigente, de cariz neoliberal e patrimonialista.



         Ao se referir à corrupção todos pensam logo no Lava Jato e na Petrobras. Mas esquecem ou lhes é negada, intencionalmente pela mídia conservadora e legitimadora do establishment, a outra corrupção, muito pior, revelada exatamente no dia de Natal que junto com o nascimento de Cristo se narra a matança de meninos inocentes pelo rei Herodes, hoje atualizado pelos corruptos que delapidam o país (O Estado de São Paulo 25/12/2016).


         Wagner Rosário, secretário do Ministério da Transparência, nos revela que nos últimos treze anos esquemas de corrupção, de fraudes e desvios de recursos da União, repassados aos Estados, municípios e ONGs e direcionados a pequenos municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano podem superar um milhão de vezes o rombo na Petrobras descoberto na Lava Jato. São 4 bilhões mas camuflados que podem se transformar, num estudo econométrico, em um trilhão de reais. As áreas mais afetadas são a saúde (merenda) e a educação (abandono das escolas).

       Diz o Secretário: “A gente chama isso de assassinato da esperança. Quando você retira merenda de uma criança, você tira a possibilidade de crescimento daquele município a médio e a longo prazo. É uma geração inteira que você está matando”.

         A nação precisa saber desta matança e não se deixar mentir por aqueles que ocultam, controlam e distorcem as informações porque são anti-sistêmicas.

         Mas não se pode viver só de desgraças que macularam grande parte do ano de 2016. Voltemo-nos para aquilo que nos permite viver e sonhar: a esperança.

  "Ter fé é ter saudades de Deus. Ter esperança é saber que Ele está ao nosso lado, ainda que invisível, fazendo-nos esperar contra toda a esperança."

         Para entender a esperança precisamos ultrapassar o modo comum de vermos a realidade. Pensamos que a realidade é o que está aí, dado e feito. Esquecemos que o dado é sempre feito e não é todo o real. O real é maior. Pertence ao real também o potencial, o que ainda não é e que pode vir a ser. Esse lado potencial se expressa pela utopia, pelos sonhos, pelas projeções de um mundo melhor. É o campo onde floresce a esperança. Ter esperança é crer que esse potencial pode se transformar em real, não automaticamente, mas pela prática humana.


 Portanto, a utopia que alimenta a esperança não se antagoniza com a realidade. Ela revela seu lado potencial, o abscôndito que quer vir para fora e fazer história.

         Faço meu o lema do grande cientista e físico quântico Carl Friedrich von Weizsäcker cuja sociedade fundada por ele me honrou em final de novembro em Berlim com um prêmio pelo intento de unir o grito da Terra com o grito do pobre:”não anuncio otimismo, mas esperança”.



         Esperança é um bem escasso hoje no mundo inteiro e especialmente no Brasil. Os que mudaram ilegitimamente os rumos do país, impondo um ultraliberalismo, estão assassinando a esperança do povo brasileiro. As medidas tomadas só penalizam as grandes maiorias que veem as conquistas sociais históricas sendo literalmente desmontadas.


         Aqui nos socorre o filósofo alemão (Ernst Bloch) que introduziu o “princípio esperança”. Esta, a esperança, é mais que uma virtude entre outras. É um motor que temos dentro de nós que alimenta todas as demais virtudes e que nos lança para frente, suscitando novos sonhos de uma sociedade melhor.


        Esta esperança vai fornecer as energias para a população afetada poder resistir, sair às ruas, protestar e exigir mudanças que façam bem ao país, a começar pelos que mais precisam.


         Como a maioria é cristã valem as palavras do sábio Riobaldo de Guimarães Rosa:”Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve…Tendo Deus é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim, dá certo. Mas se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma”.


         Ter fé é ter saudades de Deus. Ter esperança é saber que Ele está ao nosso lado, ainda que invisível, fazendo-nos esperar contra toda a esperança.


* Leonardo Boff é articulista do JB online e escreveu Teologia da libertação e do cativeiro, Vozes 2014.
Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/2016/12/30/2016o-ano-em-que-se-tentou-matar-a-esperanca-do-povo-brasileiro/

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

" Abstinência e a monogamia "


Bruno Maia*
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 O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como forma de prevenção é o facto de que 
são precisos dois para se ser monógamo.

A Holanda tem desde há muitos anos um programa de educação sexual implementado que cobre todo o território e chega a praticamente toda a população. Este programa começa no pré-escolar e vai até à idade adulta e inclui um componente importante de educação para a diversidade. A Holanda é o país da Europa com a menor taxa de infeções de transmissão sexual (IST) entre os jovens, uma das menores taxas de gravidez na adolescência e de interrupção voluntária da gravidez.

Nos EUA, nos anos de Ronald Reagan, a política de prevenção das IST e do VIH passou a ser dirigida, primariamente, a programas de promoção da abstinência entre os jovens. A própria administração Clinton destinou 50 milhões de dólares do orçamento federal para programas que promovessem a abstinência sexual até ao casamento. Entre muitos dos critérios de elegibilidade para financiamento destes programas, contavam-se alguns como a prioridade da promoção da abstinência sobre todos os outros métodos de prevenção e a promoção da monogamia e da fidelidade como a única forma de relacionamento aceitável socialmente. Com a administração W. Bush a promoção da abstinência até ao casamento passou a ser a única política de prevenção aceitável para o Governo Americano. Só em 2009 a administração Obama reverteu esta situação, alocando fundos para programas de educação sexual dirigidos a jovens. Durante os anos da “abstinência até ao casamento” foram realizados muitos estudos para avaliar a eficácia destes programas. Em 2007 uma meta-análise de 56 destes programas demonstrou que estes foram ineficazes, não se tendo verificado um aumento na idade de iniciação sexual, uma diminuição do número de parceiros sexuais nem um incremento do uso do preservativo ou de outros contracetivos. Pelo contrário, durante a vigência destes programas aumentou a incidência de IST e de gravidezes indesejáveis. Quando os programas de promoção da abstinência foram comparados com programas estruturados de educação sexual existentes em alguns estados Americanos (com financiamento próprio), ficou demonstrado que os jovens incluídos em programas de educação sexual tinham taxas maiores de abstinência sexual e menor número de parceiros que os restantes incluídos em programas de abstinência.

Em Março de 2009, durante uma visita a África, o Papa Bento XVI disse publicamente: “o problema da SIDA em África não pode ser resolvido com distribuição de preservativos, estes podem inclusive agravar o problema...”. Já em 2003, o presidente do conselho pontifício do Vaticano para a família, Alfonso Trujillo, tinha afirmado que “o vírus da SIDA é 450 vezes mais pequeno do que o espermatozóide - o espermatozóide atravessa os buracos que existem no preservativo (...) os governos devem abordar o preservativo da mesma forma que fazem com os cigarros - eles são um perigo”. Muitos líderes religiosos e políticos em África também se juntaram a este discurso e adotaram posições extremas em relação ao VIH. O Uganda, um dos países Africanos com maior prevalência de VIH, em 2005 decidiu cortar financiamento vital a programas de prevenção, nomeadamente deixando de importar preservativos para passar a promover, exclusivamente, a monogamia e a fidelidade como estratégias de combate ao VIH. No ano seguinte os números de prevalência de VIH voltaram a subir, após um período prévio de queda. Existem quase 2 milhões de pessoas com VIH naquele país.

O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como forma de prevenção é o facto de que são precisos dois para se ser monógamo. Existe uma percentagem muito elevada de mulheres, em países Africanos, que foram infetadas pelo parceiro estável e único. Mesmo nos países ocidentais, uma parte muito significativa das transmissões em heterossexuais observaram-se dentro do casamento. Mesmo nos HSH, um estudo conduzido nos EUA concluiu que cerca de 68% de todas as infecções foram adquiridas no contexto de uma relação estável (AIDS. 2009 Jun 1;23(9):1153-62.). A agravar este facto, a grande maioria das pessoas utilizam o preservativo em muito menor quantidade com os seus parceiros estáveis em comparação com parceiros ocasionais. As campanhas de promoção da abstinência até ao casamento vêm sempre associadas a um forte discurso moralizador, de condenação da liberdade de escolha nas nossas relações e de afastamento dos mais jovens de outros métodos de prevenção. Nos anos Reagan - Clinton – Bush, elas foram sempre financiadas à custa de cortes nos programas de educação sexual e distribuição de preservativos. Os resultados estão publicados e não justificam a eficácia desta estratégia. Além disso, promover a abstinência até ao casamento em locais e países onde o casamento não é legalmente reconhecido para todos, nomeadamente os HSH, é voluntariamente afastar as populações mais vulneráveis de formas de prevenção.
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* Médico.
Fonte:  http://www.esquerda.net/opiniao/abstinencia-e-monogamia/46125

" Vivu ! Revu ! Amu !



Luis Fernando Veríssimo*
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Com o Mercado Comum Europeu se desfazendo, e o euro sendo questionado a torto e a direito, ou à esquerda e à direita, cabe lembrar a experiência do esperanto 

O inglês Cristopher Hitchens conta que entrevistou um líder do Partido da Liberdade, de extrema-direita, da Áustria, e que, quando a conversa derivou para a então recém-lançada moeda comum europeia, o entrevistado pediu a opinião de Hitchens sobre aquele “esperanto monetário”. Hitchens foi obrigado a concordar, a contragosto, com a sacada do fascista. O euro realmente evocava outra busca de integração transnacional, a do esperanto, uma língua inventada que — como fatalmente aconteceria com o euro — não pegara, e acabara como apenas uma boa tentativa. O objetivo do esperanto era o de unificar por uma linguagem em comum; o do euro, o de unificar pela moeda. Nos dois casos, o objetivo era acabar com conflitos e criar um sentimento compartilhado de humanidade que garantiria a paz.

Com o Mercado Comum Europeu se desfazendo, e o euro sendo questionado a torto e a direito, ou à esquerda e à direita, cabe lembrar a experiência do esperanto — e do seu idealismo frustrado, nem que seja só para comparar fracassos. A “língua franca” — que acabaria com a chamada danação de Babel, quando Deus reagiu à pretensão dos humanos de construir uma torre que os aproximaria do ouvido do Senhor, decretando a multiplicação das línguas (e, como efeito colateral, criando a profissão de tradutores) — foi uma invenção de L.L. Zamenhof, um judeu polonês que teve uma fase de entusiasta do sionismo, mas depois renunciou a ela, passando a pregar o fim de qualquer movimento definido por etnia ou nacionalidade. Ele chamou sua nova língua de lingvo internacia, mas ela se tornou conhecida como esperanto baseada no codinome que Zamenhof adotou, Doktoro Esperanto (Doutor Esperança em esperanto), quando publicou seu “Unua libro” (primeiro livro). 

O esperanto não trouxe a paz e a humanidade compartilhada que Zamenhof esperava, mas não deixou de fazer barulho, organizando conferências e campanhas promocionais e causando controvérsias. Pelo que eu sei, o movimento continua vivo, e atraindo adeptos. Li que a uma convenção compareceram esperantistas gays, do Partido Verde, vegetarianos, pacifistas e amantes de gatos, e todos usavam camisetas com os dizeres VivuRevuAmu! (Viva! Sonhe! Ame! em esperanto).

O sonho da unidade europeia e da moeda comum talvez não siga o caminho do esperanto para a irrelevância, ou para apenas outra invocação melancólica na frente de uma camiseta. Mas periga. 
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* Jornalista. Escritor. 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

" Temer deverá ser cassado " e a corja ser presa ,quadrilheiros muito estruturados em negociatas corruptas "2014. Basta ler o cheque. Reitere-se, não houve qualquer irregularidade na campanha do então vice-presidente Michel Temer", disse ele. Risco e dólar O episódio só reforça os holofotes direcionados para o TSE, que deve analisar, ainda sem data, uma ação do PSDB, de 2014, que pede a cassação da chapa Dilma-Temer por, entre outros motivos, supostamente ter recebido propinas disfarçadas de doações de campanha. Antes mesmo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em abril, a defesa do PMDB havia alegado que as contas de Temer deveriam ser julgadas em separado, tese que ainda deverá ser analisada pelo tribunal. Os defensores de Dilma, reforçados pelo cheque, querem derrubar a interpretação, argumentando que foi Temer e o PMDB que centralizaram parte da arrecadação para o fundo comum da campanha. No Planalto existe o temor de que o ministro Herman Benjamin, que é relator das ações contra a chapa no TSE, recomende a cassação sem separar as contas. Se a cassação da chapa ocorrer após janeiro de 2017, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), assumiria e convocaria eleições indiretas. Caso o processo ocorra antes, serão realizadas novas eleições diretas. O aparecimento do cheque foi mais um fator de incerteza nesta quinta-feira para o mercado no Brasil, que reverberava fortemente a eleição de Donald Trump nos EUA. O tema foi arrolado por analistas entre os que contribuíram para que o dólar fechasse com a maior alta em oito anos nesta quinta-feira, ao disparar mais de 4,5 por cento, indo acima de 3,35 reais. Para o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, mesmo que o PMDB consiga que o tribunal julgue as contas separadamente, se comprovado o pagamento de propina como doação para Temer, na Lava Jato, o presidente também pode se ver em dificuldades. “Se o cheque realmente tem origem ilícita, o crime de abuso de poder econômico vale para ele também”, afirma. Gilmar Mendes, presidente do TSE, já fez acenos contraditórios quanto à separação das contas de Dilma e Temer. No início do ano ele afirmou que não há “base jurídica” para a desvinculação, mas depois citou o citou o caso do ex-governador de Roraima José de Anchieta Júnior, que conseguiu que o tribunal analisasse sua prestação de contas separadamente. Em palestra realizada em Washington nesta semana Mendes afirmou que o tribunal nunca analisou um caso como esse, e que se trata de um momento “histórico”. “O que vai acontecer no caso atual, eu não sei. Mas o tribunal terá que fazer a avaliação levando em conta um quadro de grande responsabilidade institucional", afirmou. Outro ministro do TSE, Luiz Fux, também mencionou a possibilidade de separar as contas da petista e do peemedebista em entrevista no mês passado. Com informação de Afonso Benites, de Brasília.

Um cheque no valor de 1 milhão de reais pago pela construtora Andrade Gutierrez em nome de Michel Temer (PMDB) durante a campanha de 2014 coloca o presidente mais uma vez no raio da Operação Lava Jato. O documento pode complicar seu desejo de desvincular suas contas como candidato a vice das apresentadas por Dilma Rousseff em uma ação que pede a cassação da chapa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).



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De acordo com Otávio Azevedo, ex-presidente da empreiteira, o repasse de 1 milhão, feito em 10 de julho de 2014, seria referente ao acerto de propina por acordos firmados pela empresa com o Governo. O empreiteiro também ficou em uma situação delicada, uma vez que o cheque em nome de Temer, divulgado nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de São Paulo, contradiz um de seus depoimentos prestados à Justiça em setembro. Na ocasião ele afirmou que o montante equivalia a uma propina de 1% referente a contratos e que a doação teria sido feita ao diretório nacional do PT, e não ao peemedebista. Ele também havia dito que parte dos recursos repassados ao PMDB teriam relação com propinas relativas a contratos da hidrelétrica de Belo Monte.




Para a defesa de Dilma no TSE, que questionou a declaração, o empreiteiro prestou falso testemunho. Diante das versões conflitantes, o TSE chegou a determinar uma acareação entre Azevedo e tesoureiro da campanha petista, Edinho Silva, alvo de processo na Justiça por seu suposto envolvimento com o esquema de corrupção da Petrobras. O encontro acabou sendo cancelado e só Azevedo será ouvido.Cheque de 1 milhão de reais Michel Temer Lava Jato

2014. Basta ler o cheque. Reitere-se, não houve qualquer irregularidade na campanha do então vice-presidente Michel Temer", disse ele.

Risco e dólar

O episódio só reforça os holofotes direcionados para o TSE, que deve analisar, ainda sem data, uma ação do PSDB, de 2014, que pede a cassação da chapa Dilma-Temer por, entre outros motivos, supostamente ter recebido propinas disfarçadas de doações de campanha. Antes mesmo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em abril, a defesa do PMDB havia alegado que as contas de Temer deveriam ser julgadas em separado, tese que ainda deverá ser analisada pelo tribunal. Os defensores de Dilma, reforçados pelo cheque, querem derrubar a interpretação, argumentando que foi Temer e o PMDB que centralizaram parte da arrecadação para o fundo comum da campanha.
No Planalto existe o temor de que o ministro Herman Benjamin, que é relator das ações contra a chapa no TSE, recomende a cassação sem separar as contas. Se a cassação da chapa ocorrer após janeiro de 2017, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), assumiria e convocaria eleições indiretas. Caso o processo ocorra antes, serão realizadas novas eleições diretas. O aparecimento do cheque foi mais um fator de incerteza nesta quinta-feira para o mercado no Brasil, que reverberava fortemente a eleição de Donald Trump nos EUA. O tema foi arrolado por analistas entre os que contribuíram para que o dólar fechasse com a maior alta em oito anos nesta quinta-feira, ao disparar mais de 4,5 por cento, indo acima de 3,35 reais.
Para o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, mesmo que o PMDB consiga que o tribunal julgue as contas separadamente, se comprovado o pagamento de propina como doação para Temer, na Lava Jato, o presidente também pode se ver em dificuldades. “Se o cheque realmente tem origem ilícita, o crime de abuso de poder econômico vale para ele também”, afirma.
Gilmar Mendes, presidente do TSE, já fez acenos contraditórios quanto à separação das contas de Dilma e Temer. No início do ano ele afirmou que não há “base jurídica” para a desvinculação, mas depois citou o citou o caso do ex-governador de Roraima José de Anchieta Júnior, que conseguiu que o tribunal analisasse sua prestação de contas separadamente. Em palestra realizada em Washington nesta semana Mendes afirmou que o tribunal nunca analisou um caso como esse, e que se trata de um momento “histórico”. “O que vai acontecer no caso atual, eu não sei. Mas o tribunal terá que fazer a avaliação levando em conta um quadro de grande responsabilidade institucional", afirmou. Outro ministro do TSE, Luiz Fux, também mencionou a possibilidade de separar as contas da petista e do peemedebista em entrevista no mês passado.
Com informação de Afonso Benites, de Brasília.

Investigação da chapa Dilma-Temer avança e reaviva debate sobre eleição direta

Brasília reforça discussão sobre brecha legal para sucessão de Temer com voto popular antes de 2018


Temer pode ser cassado TSE.

apresentará todos os questionamentos possíveis, caso seja cassado.
O avanço nas investigações contra a chapa Dilma-Temer reacendeu em Brasília a discussão sobre uma eventual cassação do mandato do presidente no ano que vem e reforçou o papel de protagonista que o Judiciário terá na crise política enfrentada pelo país. Qualquer que seja a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a queda ou não de Michel Temer (PMDB) da presidência da República, haverá uma enxurrada de recursos judiciais. Possivelmente, o Supremo Tribunal Federal acabará dando a última palavra

Ainda não há data para qualquer definição. O corpo técnico do TSE esperava que até o fim do primeiro semestre de 2017, tudo estivesse solucionado. Mas, após o ministro Herman Benjamin autorizar nesta terça-feira o cumprimento de 20 mandados de busca e apreensão dentro da ação que investiga supostas fraudes nas prestações de contas da campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer, o prazo deverá ser prolongado para o segundo semestre. O Judiciário quer saber se as gráficas Rede Seg, VTPB e Focal, que prestaram serviços para a coligação PT-PMDB tinham condições operacionais de realizar os serviços para os quais foram contratadas ou se teriam sido usadas como uma forma de encobrir ilícitos.
As apurações se iniciaram com uma ação do PSDB, hoje principal aliado do presidente Temer, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano teria sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta cassada quanto o atual chefe do Executivo negam. Outro fato que pode fazer com que o processo demore a ser julgado é a informação de que a empreiteira Odebrecht teria dado 30 milhões de reais em caixa dois para a campanha eleitoral de Dilma e Temer. Esses dados são investigados pela operação Lava Jato, mas ainda não chegaram ao TSE.
Paralelamente às apurações, um debate toma conta da classe política: em caso de cassação da chapa no ano que vem, a escolha do novo presidente seria por meio de eleição direta ou indireta?
Pesquisas mostram que mais de 60% dos brasileiros estão de acordo com eleições diretas para escolher um nov presidente, como mostrou o instituto Datafolha no início deste mês. Mas, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 81, prevê que no caso de vacância do cargo nos últimos dois anos do mandato, a escolha seria indireta. Os únicos eleitores seriam os 513 deputados federais e os 81 senadores da República. Há um impasse, porém, em outra legislação. O artigo 224 do Código Eleitoral, que foi alterado em 2015. Segundo ele, a eleição indireta só aconteceria se a cassação da chapa ocorresse por meio da Justiça Eleitoral nos últimos seis meses de mandato. Acontecendo em outra data, o pleito seria direto.
O debate é amplificado cada vez mais entre especialistas. Um documento elaborado pela área técnica do TSE prevê que o correto era haver a eleição direta. Só que estudiosos do assunto divergem. Um deles é o professor da Universidade Federal do Pernambuco Walber de Moura Agra. “A eleição presidencial é regida pela Constituição. O artigo 224, inciso 3º do Código Eleitoral não pode ser aplicado porque é uma norma genérica” , diz Agra. Segundo ele, o artigo em questão não se sobrepõe à normal constitucional, e nem tem poder para revogá-la.
O promotor eleitoral em Minas Gerais e autor de obras nesta área Thales Tácito Cerqueira concorda que a Constituição está acima do Código Eleitoral. Mas, faz uma ressalva.  “Quando a Constituição [em 1988] previu no artigo 81 a eleição indireta nos dois últimos anos do presidente no poder, o mandato era de cinco anos e não de quatro”, explica ele. “Mas a emenda da reeleição, transformando o mandato em quatro anos com possibilidade de reeleição, ocorreu em 1997”, completa o promotor.
Com base nesse argumento, o TSE decidiu  em ao menos sete casos municipaisque a eleição indireta no caso de vacância do prefeito só aconteceria no último ano do mandato. Assim, o tribunal poderia replicar na esfera presidencial o mesmo que aconteceu no âmbito municipal. “Adotado este precedente do TSE no julgamento de chapade prefeito para chapa presidencial, o TSE e o STF podem permitir eleições diretas em 2017, preservando a ordem democrática e permitindo que o País saia da crise política, econômica e moral, através da legitimação de um novo presidente e vice que tenham legitimidade e popularidade para governar com apoio do povo”. No seu entendimento a eleição deveria ser direta, mesmo se a cassação ocorresse em 2017 e isso não afrontaria a regra constitucional.
Para tentar equacionar essa questão, o deputado Miro Teixeira (REDE-RJ) já havia apresentado em junho deste ano uma proposta de emenda constitucional, a de número 227, que reforçava o entendimento de que a eleição indireta só ocorreria no último semestre do mandato. Na última semana de trabalhos do Congresso Nacional, essa proposta chegou a ser levada a análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas não progrediu. No entendimento de Teixeira, na ocasião, a PEC 227 estava sendo usada como uma tentativa de atrapalhar a tramitação da Reforma da Previdência na Casa e foi mal interpretada pelos deputados. Ela acabava entrando na fila da CCJ mas mais como uma tentativa de ganhar tempo junto ao Governo para negociar benesses por um grupo de deputados, e não pelo mérito que ela defendia.
“Todo palácio tem bajuladores, áulicos, puxa-sacos. Eles começam a criar tempestade onde ela não existe”, diz o deputado. Segundo ele, a  PEC não tinha inicialmente nada a ver com o Governo Temer, pois ele nem estava efetivo no cargo quando a proposta foi apresentada no mês de junho. Apenas mirava a discussão sobre o Código Eleitoral. Com o passar do meses, ela ganhou um novo simbolismo, reconhece Teixeira. “Agora, a PEC acabou sendo um grito de diretas já. Esse grito tomou conta do Congresso. Não queremos mais saber de eleições indiretas, pois já sofremos muito com isso nas sucessivas ditaduras”, afirma o deputado. Pelo que se vê, a estabilidade de Temer no poder continua a render novos capítulos para a crise política em 2017.

" O Custo da ignorância "


 Francisco Marshall*
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“Se você acha que conhecimento custa caro, tente ignorância.”

Atribuída erroneamente a Abraham Lincoln, essa sentença já teve sua origem averiguada, mas seu conteúdo, tão singelo e poderoso, permanece desdenhado mesmo por quem se contenta com frases prontas. As atitudes do governo do Estado do RS, recém concluídas com a extinção de patrimônio cultural substantivo, são investimento sério na ignorância, e merecem o devido réquiem.

Patrimônios científicos e culturais não são construídos instantaneamente nem podem ser adquiridos no mercado. São o resultado do esforço de várias gerações, com finalidades rigorosas, por meio de coleções, documentos, históricos, arquivos, análises, publicações, seminários e recursos humanos de alto nível. Como disse meu colega Jorge Alberto Quillfeldt, neurocientista (UFRGS): o encerramento da Fundação Zoobotânica “foi o maior crime da história política do estado, um completo desastre que nos envergonhará por décadas”. Note-se, neste caso, o momento em que vivemos: de agudas transformações climáticas, em que o conhecimento do meio natural e a realização de análises comparativas se torna parte da necessidade de sobrevivência da espécie, de resiliência das cidades, de reconstrução de nossa atitude no mundo, em favor de uma ética sustentável. O RS faz sua parte pondo no lixo patrimônio científico precioso: estupidez máxima.

Vale o mesmo para as demais fundações ora extintas apressadamente, em especial a FEE e a Fundação Piratini (TVE e FM Cultura). São órgãos vitais. O estado extirpa cérebro e coração, remove inteligência e sensibilidade, e pensa com isso fazer algo novo. Faz, sim. Novo grau da barbárie. Novo cenário de miséria. A lucidez do pensamento econômico e o valor inestimável dos bens simbólicos (educação e cultura) são riscados em conta de boteco, e perdemos patrimônio e potência. Sabemos que estas despesas (baixas) não são a causa estrutural do déficit do Estado, nem farão cócegas na gestão do passivo. A liderança nos leva para baixo, e produz violência, angústia e nenhuma solução.

Sabemos quem são os culpados por este atentado. Não faltou alerta, de gente esclarecida e bem intencionada. Por que avançaram nesta ação maligna? No fundo, a autoria é de uma ideologia fácil, predileta de quem troca o estudo e o pensamento pela ambição política, para cair nas graças de empresários tacanhos, de midiocratas míopes e de zumbis com teclado e título de eleitor: o falso liberalismo que se propaga como praga desde os anos 1990, que hostiliza o Estado e sonha com o mito de que chegaremos à redenção econômica e política com o simples esvaziamento do estado de bem-estar social. Aos poucos, tornou-se meta produzir o oposto, mal-estar social, por vingança contra políticas que mitigam o crônico problema da desigualdade. Os embriagados por esta ideologia acreditam-se virtuosos: austeros e modernos, combatem enganos e trevas acumulados como privilégios e despesas insustentáveis. Atacam, então, como bando de bárbaros, sem diálogo, e impõem pacotes para massas de manobra no parlamento, e este poder abre mão de ser local de debates para agir como patrola do poder palaciano. O alvo massacrado tem nome extenso: sociedade, passado, presente e futuro.

A justificativa para tanta irracionalidade vem desta ideologiazinha de varejo, que faz parecer que a insensatez tem algum sentido. Se tivessem envergadura intelectual, política e moral, abririam o debate em torno das reformas, associando inteligências e parceiros na imperativa e urgente meta de sanear o Estado. Incapazes, restauram a questão que não conseguem responder, e só pioram a cada dia: como sairemos dessa crise?
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*HISTORIADOR, ARQUEÓLOGO E PROFESSOR DA UFRGS.ESCREVE MENSALMENTE
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a8879476.xml&template=3898.dwt&edition=30334&section=4572 -24/12/2016 e 25/12/2016 | N° 18723