quarta-feira, 19 de março de 2014

" Meu ladrão era um amor "





Ela contou a história com os olhos brilhando. Tinha acontecido o seguinte: era início de tarde quando ela embicou o carro em frente à garagem, estava voltando para casa com a filha de 10 anos no banco traseiro. Ela não sabe de onde ele surgiu: o homem simplesmente se materializou ao lado da sua janela portando um revólver. Mandou que ela saísse do veículo e que deixasse a chave na ignição. A primeira coisa em que ela pensou foi na filha, claro, que estava sentada atrás do banco do passageiro. Ordenou à menina com autoridade de mãe: “Sai do carro agora, Valéria”. A menina não se mexeu, estava em estado de choque.

“Sai, Valéria. Agora!”. A menina, que tinha total capacidade de se movimentar sozinha, não moveu um músculo. Minha amiga não quis sair do carro e deixar a menina ali atrás, não confiava que o ladrão fosse esperar ela caminhar em volta do carro para ajudar a retirar a filha. Ao mesmo tempo, temia que o gesto brusco de virar todo o corpo para trás a fim de puxar Valéria para si fosse considerado por ele alguma espécie de reação, e ele atirasse.

Ela tinha um milésimo de segundo para decidir, mas ele decidiu por ela: “Eu espero”. O quê? “Vai tirar tua guria do carro, eu espero”. E abriu a porta para ela sair, como se fosse um manobrista, um príncipe encantado. Ela pediu permissão para puxar a menina para o banco da frente, ele autorizou. Resgatada, a menina se grudou no pescoço da mãe e saíram as duas pela porta do motorista, ele aguardando calmamente a operação com a mão no trinco. Com o carro desocupado, foi a vez de ele entrar e ir embora – “sem cantar pneu”, lembra ela. “Meu ladrão era um amor.”

“Meu ladrão”. Hoje, cada um de nós tem o seu. Algumas pessoas, até mais de um. O ladrão da minha amiga era um amor porque, segundo ela, não parecia drogado e tinha compaixão (o que ela chama de compaixão talvez fosse apenas o bom senso de não levar uma criança com ele no próximo assalto que iria fazer, mas, vá lá, pode ter sido compaixão). O cara não a agrediu, não deu coronhada, não a chamou de vagabunda, não a torturou psicologicamente com frases como: “Ou a guria sai agora, ou levo junto!”, “Ou ela cai fora, ou leva chumbo!”. Será que o ladrão dela sabia rimar? Talvez. Era um amor.

Minha professora de pilates é um amor, minha astróloga é um amor, minha florista é um amor: são gentis, sorridentes, tornam a minha vida melhor. Já ladrão é aquele sujeito que, prevalecendo-se do semiaberto, ameaça outras pessoas na rua levando embora seus bens e sua confiança, que jamais serão recuperados.

Mas não levando nossa vida, são uns amores mesmo.

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