sexta-feira, 21 de março de 2014

" A janela da crueldade "

 

O desafio é
construir sentidos
de existência,
alimentando
imaginações
ousadas
                                                            ABRÃO SLAVUTZKY*
Cresce a janela da crueldade, gerando uma visão sombria do ser humano.
Mulheres atacadas por homens raivosos e ciumentos, quando muitas são mortas.
 Da mesma janela, olhando o passado, hoje se sabe que o deputado Rubem Paiva teria sido jogado no mar em 1973. O que ainda o Brasil não pode ver e saber da ditadura militar de 64? Já hoje se vê, em grandes manifestações justas, pequenos grupos que se reúnem para destruir. São encantados com o fogo, com o barulho dos vidros quebrados, como forma de chamar atenção. Pensam lutar contra o mal, quando fazem parte da crueldade humana. Há um desconcerto da sociedade diante de tanta audácia e agressividade.

Impressiona a violência dos que atacam a vida: seja a mãe Terra, sejam empresários que têm a coragem de pôr veneno no leite atrás de lucros a qualquer custo. Há quase um estresse permanente diante de tanta loucura e abuso de poder. A maioria, felizmente, busca manter a calma, mas há inquietações diante das inseguranças de toda ordem. Há incerteza, por exemplo, sobre o que irá ocorrer no campeonato mundial que se avizinha. Da janela se vê o aumento da delinquência e da criminalidade que impressiona; ainda ontem, escutei histórias de assaltos no bairro. E a própria mídia não prefere divulgar o mal em vez do bem?

A crueldade, convém não esquecer, há em todo ser humano, e também se expressa como uma tortura contra si mesmo. A começar pelas toxicomanias. E há compulsões por alimentos, aí está o crescimento da obesidade, e o vício de comprar sem parar. As agressividades nos laços afetivos e nas tristonhas relações entre irmãos que não se falam por anos ou por toda a vida. A sociedade parece passar por uma crise de valores, de certo empobrecimento humano. Enfim, na bolsa dos valores há uma fraternidade em baixa e um narcisismo em alta.

Apesar do panorama sombrio, é imprescindível resistir e abrir-se assim à sabedoria da incerteza. Perceber que ao lado da janela cruel das desgraças há uma janela das graças. Caso contrário, nos abatemos e nos fechamos em razões de toda ordem. Portanto, o desafio é construir sentidos de existência, alimentando imaginações ousadas, e não sucumbir ao poder das pulsões destrutivas. Frente ao desânimo e à apatia, convém recordar outras fases de sofrimento: há meio século, vivemos o autoritarismo repressivo. Depois, pudemos vibrar com o movimento das Diretas Já e a volta da democracia.

É preciso resistir à crueldade e diminuir as ambições desmedidas sobre a frágil condição humana. A ambição do Dilúvio bíblico de erradicar o mal fracassou, assim como todos os sonhos da sociedade perfeita. E convém aqui lembrar Leonardo da Vinci: “O ambicioso, para quem nem o benefício da vida nem a beleza do mundo são suficientes, recebe como pena a vida desperdiçada; e ele não possui nem os benefícios, nem a beleza do mundo”.
 
 Além do que, as crianças seguem brincando, e nós podemos despertar o entusiasmo adormecido diante do espetáculo que é a vida.


*Psicanalista

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