terça-feira, 30 de junho de 2015

" Zeca Camargo e Cristiano Araújo "

TERÇA-FEIRA, JUNHO 30, 2015




Nós brasileiros gostamos de nos emocionar. Foi isso que o Zeca Camargo disse num polêmico comentário de TV acerca da morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo. As implacáveis redes sociais estão sendo... bem, implacáveis com o Zeca Camargo, porque ele teria desrespeitado o artista.

Não desrespeitou.

Embora o comentário tenha ficado um pouco confuso quando ele comparou a comoção fácil à febre dos livros de colorir, Zeca Camargo acertou ao observar que o brasileiro sente uma necessidade catártica de se despetalar em lágrimas. Sente. E isso vem de longe.

Até a manhã de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas era visto como um corrupto que, muito provavelmente, sairia algemado do Palácio do Catete. Um tiro de 32 no coração e uma carta-testamento febril de ufanismo o transformaram em herói do povo oprimido. Os mesmos que, nos bares, o chamavam de ladrão saíram às ruas em ira santa, atirando as máquinas de escrever dos jornais de oposição pela janela e quebrando as vitrines de quaisquer empresas que fossem vagamente associadas aos ianques exploradores.

Era uma morte trágica, perfeita para se prorromper em pranto purificador. Foi assim também com Francisco Alves, que morreu carbonizado num acidente na Via Dutra. Até os anos 1980, dizia-se que era impossível um povo chorar mais do que havia chorado Getúlio e Chico Viola. Aí morreu Tancredo. Lembro-me das cenas do caixão sendo transportado em carro de bombeiros pelas ruas, a multidão correndo atrás, derretendo-se em suor e lágrimas, e as TVs executando Coração de Estudante. Nossa, como o Brasil chorou! Era uma nação unida num só drama.

E, de fato, era de chorar. Tancredo seria o primeiro presidente civil do Brasil depois de 21 anos de ditadura, depois do fracasso das Diretas Já, depois da volta emocionante dos anistiados. Tamanha dor se justificava. Como se justificou a de Senna, um ídolo colhido pela foice do Ceifador em pleno exercício de sua atividade, um brasileiro vencedor, jovem, bonito, que arrancava conquistas impossíveis das unhas da derrota certa.

Todos esses personagens eram importantes, e morreram de mortes inesperadas. Natural que fossem chorados, como os Estados Unidos choraram Kennedy e Martin Luther King, como os britânicos choraram Lady Di.

E aí paro: o funeral de Lady Di.

Recordo-me de Elton John entrando ereto na Abadia de Westminster para cantar Candle in the Wind. “Você viveu sua vida como uma vela ao vento, sem saber onde se agarrar”, cantava ele ao piano, e todos na abadia ouviam em silêncio, e, lá fora, a multidão acompanhava por um telão, e a câmera passeava pelos rostos, e eles... aqueles ingleses... eles não choravam. Ou, pelo menos, não choravam como deviam chorar num momento tão comovente. Era um choro contido, um choro de poucos, duas ou três lágrimas recolhidas por um lencinho mínimo. Eu, olhando pela TV, pensava: como esses ingleses conseguem ser tão fleumáticos, se eu, aqui, já sinto uma bola de emoção na garganta?

Uma boa morte nos toca. E, na falta de um morto imponente, como uma princesa, um presidente ou um campeão, nos contentamos com os mortos periféricos. No ano passado, o fim de Eduardo Campos quase o elegeu presidente da República, representado por Marina.

Cristiano Araújo era um Eduardo Campos: muito conhecido regionalmente, desconhecido nacionalmente. Zeca Camargo e outros tantos se surpreenderam com a intensidade da dor dos que o prantearam. Mas era uma dor legítima. Era a dor necessária do brasileiro, que, ao experimentar o grande sentimento, seja com a grande paixão, seja com a grande tristeza, sente-se grande, ele também.

" Perversão Legal "


Montserrat Martins*

descartando pessoas

O Odebrecht deve estar arrependido de não ser banqueiro, onde poderia lucrar à vontade, com leis e governos sempre a favor. Entre 1980 e 2014, o Estado brasileiro aplicou 861 bilhões em investimentos e 3 trilhões e 584 bilhões com o pagamento de juros, dado publicado pelo jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, que não foi manchete daquele jornal e de nenhum outro do país – quem quer se incomodar?

Poderosos mesmo não são os corruptos, são os que tem as leis a seu favor. Agiotagem é crime, mas os juros bancários extorsivos, seja sobre as pessoas comuns, seja sobre os governos, são legais. A Função Social da Empresa está na Constituição, Art.5º,XXIII, que enfatiza que “a propriedade atenderá a sua função social”. Mas na prática o Barão de Itararé já explicava como isso funciona, “banco é um lugar que te empresta dinheiro, se você provar que não precisa”.

No ambiente interno dos bancos, os funcionários são sugados até a exaustão. Um número expressivo de bancários – não só de funcionários comuns, mas inclusive de cargos de chefia, muitos deles Gerentes, passam a precisar de atendimento psiquiátrico em função do estresse crônico e cumulativo a que são submetido pela pressão constante pelas famosas “metas” a atingir.

 Bertold Brecht foi quem matou a charada: 
“Melhor que roubar um banco,
é fundar um”.

Os psiquiatras são testemunhas involuntários das várias formas de perversidade intrínsicas aos bancos, sejam privados ou estatais, todos dentro da mesma lógica da competição por produtividade. Jovens da faixa dos 20 anos de idade são rapidamente promovidos a funções gerenciais, para atrair clientes com a “boa aparência” dos funcionários que os induzirão a contratar os mais diversos “produtos” dos bancos. Os Gerentes mais experientes, que sabem que alguns negócios podem não ser bons para os clientes, podem ter crises de consciência em induzir pessoas a fazer certos negócios, mas são pressionados a “fechar metas” mesmo assim.

Quando bancários passam a ter problemas psiquiátricos e a depender do INSS, por terem de tomar medicação e não conseguirem mais trabalhar, eles tem uma perda financeira grande, em relação ao tempo na ativa, principalmente os que já foram Gerentes. Mesmo assim, a simples menção dos nomes de seus bancos, metas e uma série de siglas de produtos que vendiam, lhes faz terem sintomas de pânico. Dinheiro não é tudo na vida, eles querem ter um mínimo de saúde, que lhes foi sugada pelo sistema financeiro, uma “máquina de moer carne” por dentro e para fora.

A quem beneficiam os bancos, hoje? Nem aos funcionários, nem à indústria ou ao comércio, sob altos juros, nem ao governo, nem à sociedade. Meia dúzia de banqueiros, os donos, são os únicos beneficiários de um sistema perverso. Bertold Brecht foi quem matou a charada: “Melhor que roubar um banco, é fundar um”.
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* Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade.
Publicado no Portal EcoDebate, 29/06/2015

" O Virtual Nunca Existiu "


Juremir Machado da Silva* 

 

Foi em 2006. Eu estava em Paris para uma reunião do conselho editorial da revista Hermès, do qual faço parte. A publicação, uma das mais importantes da Europa em Ciências Sociais, é dirigida por Dominique Wolton e editada pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica, o prestigioso CNRS da França. Duas vezes por ano, o Conselho, que conta com quase 50 pesquisadores do mundo inteiro, reúne-se. A outra importante revista científica francesa da qual integro o conselho editorial é a Sociétés, criada por Michel Maffesoli e especializada em estudos do imaginário. Na época que me vem agora, aproveitei uma brecha para visitar meu amigo Jean Baudrillard, que morreria em 6 de março de 2007.

A doença já havia marcado Jean, que foi um dos homens mais inteligentes da sua geração.

Eram onzes horas da manhã. Ele me ofereceu um cálice de vinho branco.

– Não tenho mais tempo para esperar o final da tarde –– brincou.

Aceitei o vinho.

Baudrillard tinha bom gosto. Depois do brinde, apesar da melancolia que nos embaçava, ele começou a falar da falsa oposição entre real e virtual produzida pelas discussões em torno da internet.

Com a sua tradicional ironia sempre suave, profetizou:

– Dentro de dez anos, ninguém mais falará em virtual e real. Ainda se fala disso porque as pessoas continuam assustadas com a novidade, que já vai se fazendo velha e rançosa. Quando isso acontece, a tendência é negar o real. O virtual é o mordomo chamado a depor.

É tudo real. Tão real quanto a imagem da televisão. Tão real quanto a voz saindo do rádio. Tão real quanto a letra impressa no papel. Fiquei esperando que ele continuasse. Era maravilhoso ouvi-lo falar.
Ele saltava de um assunto para outro com certa volúpia:

– Na vida, meu amigo, tudo é questão de legitimação.

– De que está falando agora? –– arrisquei.

Ele bebeu mais um gole. Deu uma olhada pela janela. E disse:

– Do trabalho das ideias, do caminho que se tem de trilhar. Não basta ter uma boa ideia. É preciso lutar por ela. Quanto mais uma ideia contraria o senso comum, mais é combatida e menos legitimação ela encontra. Ter ideias muito boas e diferentes traz sofrimento. Baudrillard teve ideias originais. Escreveu grandes livros. Teve reconhecimento.

A legitimação, porém, não é permanente. Li um texto de um jornal inglês afirmando que não há mais pensamento original na França. Paris já não produziria ideias renovadoras.

– As ideias fazem greve – me dissera Baudrillard.

Foi nossa última conversa pessoal. Ainda falamos por telefone em fevereiro de 2007. Quando publiquei meu livro História Regional da Infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras, pensei nele. O combate seria duro e permanente. Os inimigos, ensinavam Jean, usam três estratégias alternadas: ataque, indiferença e deslegitimação pela biografia. Entre tantas grandes frases, Jean nos legou esta: “Esperamos que a inteligência artificial nos salve da nossa estupidez natural”.

Ou esta: “O pior num ser humano é mesmo saber demais e ser inferior ao que sabe”. Na mosca.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo online, 29/06/2015

" Novos olhares sobre o Casamento "


Frei Bento Domingues, O.P.*


1. Quem decide casar, seja pelo civil seja pela Igreja, é obrigado a marcar uma data. É por isso que existe um antes de casados e um depois de casados. Banalidade das banalidades. As instituições têm normas. Mas esta evidência jurídica não deve esconder as misteriosas dimensões humanas e cristãs de laços que se desenvolvem no tempo e que nenhum tempo explica.

O casamento é um processo infinitamente mais complexo do que o processo civil e religioso. Para não morrer, tem de ir crescendo sempre nos noivos e no casal. Aquilo a que normalmente se chama o casamento é apenas a Festa de uma realidade que só pode ser bem conjugada no gerúndio. As pessoas que se acolhem como casal serão lúcidas se perceberem que ganham em ir casando cada vez mais, nas diferentes etapas da vida, preparando-se, nos dias calmos, para o imprevisível.

Se for verdade, como diz A. Bessa Luís, que as famílias são férteis em tensões e desajustes e que, sem conflitos, a família não subsistiria, então o casal, para ter futuro, precisa da conversão permanente à escuta recíproca, ao diálogo e ao perdão, sabendo que seremos sempre um mistério para nós próprios e para os outros. A ambição da transparência total é o engano de almas lisas. 

Era ainda criança, mas lembro-me, como se fosse hoje, das conversas que provocou na minha aldeia uma pregação do padre Domingos, que depois foi Bispo da diocese da Guarda. Pregava contando histórias exemplares e parábolas semeadas de aforismos que tinham tanto de rústico como de prático. Num dos sermões, conhecendo a realidade local, resolveu falar, com muitos pormenores hilariantes, sobre três modelos de gestão familiar: a do varão - manda ele e ela não; o da varunca - manda ela e ele nunca; o da varela – manda ele e ela!

A questão mais difícil não é saber quem manda, mas o que comanda, em profundidade, as reacções de um casal que sonhou com um paraíso.

2. Nos debates em torno do Sínodo dos Bispos sobre a Família, alguns parecem obcecados pela indissolubilidade e pela impossibilidade de uma segunda celebração cristã do casamento. Nota-se pouca atenção aos seus modelos culturais e religiosos, no passado e no presente. Mesmo no âmbito da tradição cristã, podem observar-se diversos paradigmas.

 Nem o Antigo nem o Novo Testamento impõem uma estrutura determinada e fixa. A partir da experiência cristã, em confronto com outras culturas, numa época de globalização, é normal que se pense, dentro do próprio cristianismo, em instituições mais aptas para a família e para o casal europeu, latino-americano, africano e asiático.

Embora de forma muito esquemática e rápida, importa passar os olhos pelos traços essenciais da sua história como convite para leituras especializadas[1].

 Nos séculos I-III, o casamento era uma questão terrena que se procurava viver em espírito cristão: casava-se no “Senhor”, sem cerimónias próprias. Os cristãos casavam-se como os não cristãos: uns, segundo os ditames do Direito Romano, outros conforme os costumes locais (o direito consuetudinário). O grande cuidado a ter era com os ritos e sacrifícios pagãos que estivessem em contradição com a mensagem cristã.

Nos séculos IV-XI foi-se elaborando uma liturgia cristã, em duas fases: os esponsais e o casamento. As formas não eram obrigatórias. Obrigatória era a Bênção. Entretanto, foram-se introduzindo as formas civis no direito eclesiástico.

Pelo ano mil, todas as questões relativas ao casamento passaram para a jurisdição eclesiástica. Em suma: antes do ano mil, os cristãos casam-se de modos diversos: uns, segundo um rito cristão (direito eclesiástico); outros, segundo o direito civil; outros, segundo os costumes locais; outros ainda, clandestinamente.

Nos séculos XI-XV, produziu-se uma teologização e uma eclesiologização do casamento. O debate teológico sobre a sua essência agudizou-se. Toda a jurisdição do casamento passou para a Igreja, que ficou a regulamentar até os seus efeitos civis. Acabou assim por subsistir apenas o casamento religioso e o clandestino.

No Concílio de Trento (1545-1563), o casamento tornou-se numa instituição da fé. Todas as causas são transferidas para os tribunais eclesiásticos. É invalidado o casamento clandestino, dada a dificuldade dos tribunais em determinar qual era a esposa legítima de determinado varão comprometido, ao mesmo tempo, com várias mulheres.

3. F. Xavier de la Torre, da U. Pontifícia de Comillas, recorda que essa razoável proibição não pode fazer esquecer que, durante 15 séculos, a cerimónia não era uma exigência e, em termos teológicos, não tem de lhe estar associada. Isto permite-lhe destacar o valor luminoso do casamento e entender a crise de uma certa institucionalização. A trilogia sempre unida de casal, casamento e família, fragmentou-se. O adeus à Família é, no entanto, precipitado. De modos diversos, todos a procuram.

Jesus de Nazaré rejeita apenas a família como um mundo fechado, um egoísmo mais ou menos alargado, esquecida do nosso parentesco universal.

 
* Teólogo Dominicano.
FONTE: Público, 14.06.2015
Imagem: O casamento de Alfonso XIII e Victoria Eugênia, na Igreja de São Jerônimo, em Madri, 1906
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[1] Gabino Uríbarri, SJ (ed),La família a la luz de la misericordia, Sal Terrae, 2015, Santander.

" Curta a vida ! "

Artigo Zero Hora

LÉO GERCHMANN
Jornalista, repórter especial de ZH
leo.gerchmann@ zerohora.com.br


Nesta atual esquina da humanidade, cabe a você perceber se a via que se descortina segue adiante ou tem fluxo contrário ao rumo da evolução. Olho para os dois lados na hora de atravessar e sorrio. 


O fluxo segue adiante. O mundo está melhor, e o futuro é de mais compreensão, solidariedade e aceitação das diferenças. Aí, você me pergunta: e aqueles trogloditas que usam os Legislativos para bradar seus impropérios obscurantistas? E eu respondo que os vejo como baratas a espernear quando atingidas pelo inseticida do bom senso. Pois quero, aqui, falar do inseticida, porque as baratas são seres repulsivos com quem sempre tivemos de conviver.
Começo pela minha profissão. O jornalismo, para muitos, vive seu ocaso. Aí, eu faço uma provocação e um exercício comparativo. A provocação: na hora do vestibular, você deixaria seu filho se informar pelo Facebook? A reflexão comparada: mesmo que conquistada a paz mundial, os advogados serão necessários para dirimir controvérsias. Que bom, porque seria muito monótono se todos pensassem igual. E vou além. Mesmo que descubramos o segredo da finitude, os psicanalistas terão o papel de resolver conflitos emocionais, necessários no nosso crescimento. E o jornalismo com isso? Ora, em meio a um bombardeio verbal na internet em geral e nas redes sociais em particular, a informação apurada com a necessária técnica se torna cada vez mais essencial e valiosa. O que muda é a exigência de muita qualidade, e isso inclui questões de estilo, precisão e ética. Definitivamente, trata-se de uma ótima notícia para quem informa e para quem é informado.
Pois bem. Falemos nas redes sociais. A TV foi muito mais ameaçadora ao cinema  e ao rádio do que elas são para o jornalismo _ dizer “jornalismo de qualidade” seria pleonasmo. E, sim, elas são relevantes quando usadas com moderação e sem substituir a vida real. 1) Meus trabalhos no jornal, no blog que mantenho e até no livro que escrevi ganham uma ferramenta de repercussão. 2) Na vida pessoal, reencontro pessoas e revivo emoções que jamais seriam recuperadas. 3) Realmente curto ver fotografias de amigos felizes, famílias estruturadas e gente de bem com a vida.


Mais: gosto de dividir minha própria felicidade com os meus afetos. Tem gente por aí criticando essa prática. E eu pergunto: por quê? Ora, curta a vida. Sempre com bom senso e moderação. Dobre a esquina, sorria e siga em frente. Não se impressione com as baratas. Contra elas, o spray dos votos civilizatórios.


" Armadilha do Pragmatismo "

Editorial Zero Hora

Enquanto lideranças petistas buscam inimigos externos para explicar a crise do partido, o ex-governador Olívio Dutra coloca o dedo na ferida e denuncia o pragmatismo político como razão maior da perda de apoio popular e de credibilidade. Na entrevista concedida à edição dominical de Zero Hora, o ex-governador toca numa questão central: os partidos populares se transformaram em máquinas eleitorais, optando por alianças espúrias para conquistar ou se manter no poder.
É salutar que, num momento de perversa combinação entre dificuldades na área política e na econômica, algumas vozes se disponham a apontar essas contradições dentro de partidos cujo discurso dá ênfase ao alinhamento permanente com demandas das bases. No caso específico do PT, não há como desconsiderar o alerta de um dirigente histórico para o qual, na prática, a agremiação caiu “na vala comum da política tradicional”.
Cada vez fica mais evidente que as legendas políticas no país se diferenciam mais nas siglas pelas quais ficam conhecidas do que nos propósitos. Em muitos casos, a motivação preponderante acaba sendo de ordem pessoal, levando ao que o político gaúcho denuncia como a preocupação de ganhar eleição transformada em objetivo principal.
Esse tipo de deformação só teria como ser enfrentado com uma reforma política interessada de fato em mudanças profundas. Por razões óbvias, porém, o que se constata agora no Congresso é a disposição de mexer apenas no acessório, fazendo de conta que muda para deixar tudo como está.

" Maioridade e Responsabilidade "

MAIORIDADE E RESPONSABILIDADE


 Editorial Zero Hora

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Está nas mãos da Câmara a primeira decisão sobre a controversa proposta da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, aguardada para esta terça-feira. O debate em torno da alteração da maioridade penal confrontou dois segmentos bem definidos da população: a maioria, atormentada pela criminalidade e desejosa da punição rigorosa de jovens ainda em formação, e uma minoria identificada com avanços promovidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e suas normas consideradas civilizatórias.
Ambas as posições devem ser entendidas no contexto da sensação generalizada de que, enquanto a criminalidade aumenta, fracassam os mecanismos de prevenção, repressão e, principalmente, de reparação dos danos pela Justiça. Infelizmente, a origem do debate e o espaço onde se dará a resolução é um Congresso desmoralizado e populista, cada vez mais influenciado pela realidade do sistema prisional degradado e em um momento de depressão econômica e moral do país. A redução da maioridade pode ser tentadora, mas não representa solução.
É sensato o esforço de vastos setores da sociedade, liderado por respeitados juristas, que propõem a alternativa intermediária de elevação do tempo de internação dos autores de crimes hediondos, desde que se construa, paralelamente, infraestrutura adequada para a ressocialização.
Admite-se assim que autores de roubos com homicídio e estupradores não podem ser considerados recuperados em apenas três anos de internação. O que deve ser evitado é a simples mudança de idade, apenas para que a sociedade se sinta vingada. A saída imediatista não elimina uma situação que depende mais de educação e suporte social do que de soluções imediatistas.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

" Jô e os raivosos "





Nunca antes neste país, a direita militante foi tão agressiva e tão mal-humorada. A direita se vulgarizou quando optou por andar a reboque de figuras que a desqualificam. Raivosos das redes sociais, que agora insultam Jô Soares, tocam os mesmos bordões dos Bolsonaros e assemelhados.

Estão ofendidos por causa da entrevista com Dilma? Ou porque não suportam o humor que não conseguem ter? A direita brasileira perdeu o humor. E já teve, e como teve.

Já nos divertimos muito com o humor de grandes reacionários. A discordância ficava em segundo plano. O que prevalecia era a graça inteligente. Alguns eram geniais.

Mas o humor da direita nacional hoje é o que torce para que Jô Soares e Joaquim Levy morram. A direita mediana, essa que se reproduz nos facebooks (muitos camuflados por apelidos ridículos), nunca foi tão sem graça.

Se a direita percebesse onde está o humor, poderia rir muito dessa história do empreiteiro delator da UTC. Ricardo Pessoa é um dos ladrões confessos da Petrobras.

Sabe-se que as empreiteiras organizaram-se para roubar. Com as sobras de superfaturamentos e aditivos, pagavam propinas e faziam doações aos que estavam subornando ou a quem um dia já haviam subornado e poderiam voltar a subornar. Era dinheiro farto para partidos variados.

Mas, pelo que Pessoa disse à Justiça, o dinheiro se dividia em duas partes. Uma parte, limpa, era doada formalmente aos partidos. Outra parte, a suja, de caixa 2, informal, ilegal, ia parar, claro, quase sempre nos cofres de gente do PT.

Imagine que as empreiteiras tinham equipes encarregadas de separar o dinheiro limpo para doações legais, e o dinheiro sujo, para repasses às escondidas ao PT. Sempre ao PT. O dinheiro do bem e o dinheiro do mal. Mas alguém fez confusão com os dinheiros, e o senador tucano Aloysio Nunes acabou recebendo R$ 200 mil da parte suja da UTC. É óbvio que Aloysio Nunes deveria ter recebido o dinheiro limpo. Foi um engano. Tucanos nunca receberam dinheiro sujo.

A direita, se recuperasse o humor, saberia rir dessa bobagem do empreiteiro. A direita descobrirá um dia que não conseguirá transformar fúria em reflexão se não recorrer de vez em quando ao humor, mesmo que seja o alheio. A nova direita, bem insuflada pela velha, é tristemente mal-humorada.

" O Pesadelo Do Desemprego "

Artigo Zero Hora


LUIZ CARLOS BUSATO
Deputado Federal (PTB), titular da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados

Mensurar o impacto das paralisações da indústria de plataformas de petróleo na geração de desemprego no Brasil, depois da Operação Lava-Jato desencadeada pela Polícia Federal  é uma das tarefas da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. 

O investimento de quase R$ 3 bilhões na indústria naval que deveria gerar mais  de 20 mil empregos, direta e indiretamente já provocou, desde novembro do ano passado, cerca de sete mil demissões apenas no Estaleiro Enseada Paraguaçu, na Bahia.

No Polo Naval do Jacuí, em Charqueadas, no Rio Grande do Sul, mil trabalhadores foram demitidos. A indenização trabalhista foi de  R$ 23 milhões e está sendo paga devido a duas ações trabalhistas ingressadas pelo Sindicato dos Metalúrgicos. A Comissão, autoridades e entidades sindicais vão se reunir, no início do mês que vem, em Charqueadas, para diagnosticar a crítica situação, mas já  é certo que o esquema de corrupção da Lava-Jato acabou com o desenvolvimento e  com o sonho de muitos brasileiros! Os trabalhadores  “ainda”  tinham  esperança. E o pior, o desemprego cresce em todas as regiões, desde a suspensão do contrato da Petrobras, pois Estados e municípios ofereceram diversos incentivos.

Vale destacar que a Comissão do Trabalho é permanente e atua como mecanismo de controle dos programas e projetos do poder executivo. A Comissão também está discutindo se vai aceitar os acordos de leniência com as empresas envolvidas para que colaborem com o Estado e ressarçam os cofres públicos. Há uma dificuldade para os acordos de leniência, neste caso, devido a sobreposição e competências de diversos órgãos públicos envolvidos  como a Controladoria-Geral da União, Ministério Público e Tribunal de Contas da União. Audiências públicas estão sendo realizadas, pois quem defende o acordo argumenta que evitaria a demissão de mais 500 mil trabalhadores.

Os investimentos precisam ser retomados, com urgência! A geração de mão-de-obra não pode parar. A indústria naval brasileira não pode ser prejudicada. A bancada gaúcha na Câmara precisa  apoiar e trazer recursos para a região carbonífera do Rio Grande do Sul. É fundamental garantir as demandas desses municípios, uma vez que  o sonho acabou e ainda transformou alguns trabalhadores vítimas da corrupção com o desemprego.

" Eleições .Cláusula de Barreira "

Artigo Zero Hora


NELSON JOBIM
Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal

A Constituição dispõe que o funcionamento parlamentar dos partidos políticos deve ser disciplinado em lei.

Para a eleição de 1993, a Lei 8.713 autorizava o registro de candidaturas a presidente e vice, senador, governador e vice aos partidos que tiveram, pelo menos, 5% e 3%, respectivamente, de votos para a Câmara de Deputados em 1990.
O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a fórmula. Entendeu, com o ministro Marco Aurélio, que a “carta constitucional consagra o pluripartidarismo, viabilizando, assim, a representação dos mais diversos segmentos da sociedade e especialmente das minorias”.
Em 1995, a Lei 9.096 assegurou funcionamento parlamentar para os partidos que tivessem obtido 5% dos votos para Câmara dos Deputados.
Em 2006, o STF voltou a julgar inconstitucional as regras sobre o funcionamento e outras. Com o ministro Marco Aurélio, entendeu que a CF não havia acolhido “a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição”.
Em 28.05, a Câmara dos Deputados, em 1º turno, aprovou emenda que estabelece o acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de rádio e televisão aos partidos que tiverem, pelo menos, um deputado ou um senador eleitos.
Hoje, todos os partidos têm direito a uma parte no Fundo Partidário (95% de acordo com o tamanho da bancada e 5% dividos igualmente entre os partidos registrados no TSE) e ao tempo de rádio e televisão.
Pela fórmula da Câmara dos Deputados, serão atingidos o PSTU, PCO, PPL e PCB.
A fórmula é tímida.
É necessário algo parecido ao sistema alemão.
Nenhuma restrição à criação de partidos, salvo as do art. 17 da CF.
Quanto ao acesso à Câmara dos Deputados, a exigência de uma performance nacional na ordem de 5% dos votos, distribuídos em um número x de Estados.
Devemos continuar com uma profusão irresponsável de partidos?
Basta somente privar os partidos do fundo partidário e do tempo televisão?
Devem ter, mesmo sem apoio mínimo do povo, acesso à Câmara dos Deputados?
É isso se quer?

" Campanhas Sob Suspeita "

Editorial Zero Hora


domingo, 28 de junho de 2015

" Todos Envelheceram "






O PT já estava ficando velho, mas só ganhou rugas profundas na manhã de 19 de julho de 2005, uma terça-feira. Lula chamou Olívio ao Palácio do Planalto e o avisou da decisão dolorosa. Olívio deveria ceder o Ministério das Cidades a Márcio Fortes de Almeida, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento e apadrinhado do PP.

Só os mais próximos sabiam quem era o escolhido, protegido do presidente da Câmara, o inacreditável Severino Cavalcanti. Fazia-se o sacrifício em nome da governabilidade, em meio ao furacão da CPI do mensalão.

Não foi exatamente ali que o petismo começou a virar outra coisa. Mas ali, quando Olívio se viu trocado pelo protegido de Severino (lembram dele?), tudo poderia acontecer. E aconteceu. Foi naquele inverno de exatos 10 anos atrás.

O que Lula disse no início da semana passada todos já haviam dito. Só que agora é Lula quem admite que o PT envelheceu e virou um partido em que todos brigam por cargos. “Temos que definir se queremos salvar nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto”, disse Lula.

Já em 2005, Olívio entregou o cargo para que o governo tentasse salvar a pele. Ampliaram-se as alianças. Os partidos velhos, novos, grandes, os médios, os sanguessugas, nanicos variados, conservadores à direita da direita religiosa, que já constrangiam petistas históricos e a classe média militante desde a eleição de 2006, lotaram a coalizão.

Eu estava em Brasília naquele 19 de julho, para cobrir a CPI do mensalão, e não a demissão de Olívio, que surpreendeu os próprios governistas. Fui com os colegas Carolina Bahia e Klécio Santos ao Ministério das Cidades. Os corredores transpiravam desolação e constrangimento.

Um dos 12 avalistas da carta de fundação do PT em 1980 era mandado embora para dar lugar a um contumaz ocupante de funções subalternas desde o governo Collor. O pepista saiu do terceiro time para virar ministro no lugar de Olívio.

Os acertos eram fechados com o aval de José Janene, deputado do PP do Paraná, que estaria mais tarde na origem das investigações da Lava- Jato. Janene, compadre e cúmplice do doleiro Youssef, morreu em 2010.

Depois disso, Lula se reafirma como instituição acima do partido. O lulismo substitui o petismo e passa a ser sustentado eleitoralmente pelo que antigamente se chamava de proletariado. A classe média abandona as bandeiras que davam charme ao partido. O lastro eleitoral é então o da nova classe média. O fenômeno se completa em 2006 e se consolida em 2010 e 2014.

O grande projeto é a inclusão social. O país e os pobres prosperam. Mas a ressaca começa a pegar Dilma e se agrava com o refluxo da corrupção da Lava-Jato. O desencanto que Lula manifestou no início da semana já existia há pelo menos uma década. Era camuflado pela prosperidade.

O dilema do partido que ficou velho talvez nem seja o de como reconquistar a classe média dita progressista e há muito desencantada. Nem o de mobilizar uma esquerda encabulada e silenciosa. Mas de convencer os incluídos socialmente de que o projeto lá do começo só pode continuar sob o lulismo.

Não foi só o PT que virou outra coisa. O antigo pobre ou remediado do início do século 21 tem outras demandas. Lula e o PT são desafiados a entender as inquietações dessa gente que nem a ciência política sabe enquadrar direito.

O incluído pelo lulismo ao consumo, ao emprego, à universidade e às viagens a Miami está pronto para se aliar à antiga classe média e se jogar nos braços de quem estiver por perto. Até a nova classe média ficou velha.

" Alguém tem que tomar uma atitude "

 





É inacreditável que no ano da graça de 2015, depois de havermos tocado a face da lua e o fundo dos mares, a Nona de Beethoven e o Marin pra correr, ainda não tenhamos encontrado uma maneira melhor de fechar roupas de bebê do que estes 134 botõezinhos metálicos que serpenteiam da gola ao dedão do pé, ora pela frente, ora por trás – ora pela frente E por trás –, com traçados mais mirabolantes que os caminhos do Waze na hora do rush.


Quatro e dezessete da madrugada, o bebê urra, você aperta, em vão, o 37º botãozinho do pijama. O botãozinho não fecha. Você inclina o corpo para que a lanterna no seu sovaco ilumine melhor a cena – com o cuidado de não jogar o facho nos olhos do seu filho, já por demais assoberbados diante da sua trevosa incompetência – e, sob a luz tíbia das alcalinas insones, você descobre que os dois botões são iguais. São dois botões com furinho. Onde está, então, o botão com pininho?

Lembre-se, são 4h17min da madrugada. O bebê urra. Você não está de férias. Você tem um emprego no qual costumava ser competente. Você tem prazos que costumava cumprir. Você tem uma mulher com a qual costumava fazer sexo. Você tem sonhos que costumava perseguir. Você não queria estar com uma lanterna no sovaco, procurando, no escuro, um pininho metálico.

Mas você está, porque milhões de anos de seleção natural te programaram para agir assim, porque seus genes falam mais alto – e mais alto ainda falou sua mulher, meia hora atrás: “Eu também trabalho amanhã! Eu já fui às onze e a uma e meia! Nem vem!”. Você acha, enfim, o botão com pininho. Está atachado do outro lado da roupa, um botão acima, ou seja, todos os 36 botões anteriores foram fechados errado, ou seja, você terá que voltar 36 casas neste complexo jogo de tabuleiro chamado neném.

Eu me pergunto, enquanto vou abrindo os botões e fechando a cara: o que houve com o velcro? Por que o velcro não trilhou o futuro brilhante que, lá por 1983, imaginamos para ele? Lembro de, aos seis anos, festejá-lo como um salto evolutivo irrevogável. Por que alguém se submeteria, depois dele, ao suplício medieval de amarrar cadarços? O velcro substituiria não só os cordões dos nossos tênis, mas os fechos das roupas, as alças das bolsas, os cintos de segurança. O velcro, porém, não dominou o mundo. Foi como aquela mochila voadora na abertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, uma falsa esperança, de modo que aqui estamos, agora, penando pra fechar essa roupa, andando com as próprias pernas.

Veja: eu tenho um celular que faz filmes. Uma máquina que faz pão. Uma escova de dentes que parece uma nave do Star Trek. Em vários momentos do meu dia, me sinto em 2074. Basta meus filhos fazerem cocô, porém, e volto a 1352.

Eu apoiaria um deputado que levantasse a bandeira: “Por uma revolução no vestuário neonatal! Por um choque de lógica no pijama de pezinho!”. Não, um deputado, não, tem que ser um esforço internacional, tipo um Plano Marshall, pois com o Congresso atual é capaz de a roupinha acabar sendo aprovada com 1.786 botões (superfaturados), 11 cadarços, seis zíperes, uma cruz na gola e, se bobear, umas algeminhas para os bebês que chorarem depois das oito. É duro, meu filho, mas a verdade é essa, estamos abandonados à própria sorte: nós e os nossos botões.