quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ah...amigo; amigaaa







"Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça dos demais.
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é."




[Guimarães Rosa]

Que eu possa respeitar opiniões diferentes da minha.







'Que eu possa respeitar opiniões diferentes da minha. Que eu possa me desculpar antes do ódio. Que eu possa escrever cartas de amor de repente. Que eu possa viajar para adorar a distância. Que eu possa voltar para dizer o que não tive coragem. Que eu pense em meu amor ao atravessar a rua. Que eu pense na rua ao atravessar o amor. Que eu dê conselhos sem condenar. Que eu possa tomar banho de cachoeira. Que eu seja a vontade de rir. Que eu possa chorar ao assistir filmes. Que eu não seduza para confundir. Que eu seduza para iluminar. Que eu não sacrifique a confiança pela covardia. Que eu tenha dúvidas, melhor do que certezas e falir com elas. Que eu faça amizades falando do tempo. Que eu possa amar mais sem contar as horas. Que eu use somente as palavras que tenham sentido. Que eu prove a comida nas panelas. Que transforme a raiva em vontade de me entender. Que eu possa soltar os vaga-lumes que prendi em potes. Que eu me lembre de ser feliz enquanto ainda estou vivo."




[Fabrício Carpinejar]

O Desafio do Ensino Médio





José Clovis de Azevedo*

O desafio do Ensino Médio

O Ensino Médio concentra os problemas mais graves da Educação Básica. Desde os anos 1930 que a então denominada educação secundária foi dividida em ensino propedêutico, formação geral voltada ao prosseguimento dos estudos, e educação técnica, com afunilamento profissional. Estabeleceu-se, na prática, o chamado sistema dual.

O ensino profissional para os alunos das classes menos favorecidas, e o ensino das letras e das ciências para os socialmente bem situados. Em 1971, a Lei 5.692 tentou quebrar essa dualidade, implantando compulsoriamente o ensino profissionalizante para todos. O caráter impositivo da medida e a ausência de condições materiais e intelectuais para a sua implantação determinaram seu insucesso. Desde então, o Ensino Médio perdeu a sua identidade, com resultados danosos para a juventude.

O diagnóstico desse nível de ensino revela-nos um quadro insustentável, com resultados que agridem a ética e os padrões mínimos de qualidade que se esperam de uma atividade pública financiada pelo esforço do conjunto da sociedade. Temos hoje na rede pública do Estado um índice de reprovação e abandono que reproduz a situação nacional, superior a 30%.

Ou seja, de cada mil alunos que ingressam, 300 são reprovados ou abandonam a escola. Significa que, dos aproximadamente R$ 2 bilhões que o Estado investe a cada ano no Ensino Médio, um terço perde-se no “ralo” do abandono e da reprovação. Mas mais grave que a perda material é a perda humana – os milhares de jovens que veem frustrados os sonhos de conquista de uma vida melhor pela educação.

Em tempo, o Conselho Nacional de Educação emitiu as novas diretrizes para o Ensino Médio, que irá orientar-se pelos eixos – Trabalho, Ciência, Cultura e Tecnologia – que deverão estruturar o currículo em quatro áreas: Linguagens e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias e Matemática e suas tecnologias.

Seguindo estas diretrizes, o governo do Estado colocou em discussão, desde setembro, uma ampla reforma curricular propondo um Ensino Médio que dialogue com o mundo do trabalho, embora não profissionalizante, e o Ensino Médio profissionalizante, com a educação profissional integrada à educação geral.

Esta proposta será implantada em três anos, oportunizando o amplo debate com comunidades escolares, entidades educacionais e, sobretudo, com o protagonismo dos educadores. O nosso objetivo é superar a desmotivação da nossa juventude e resgatar a identidade deste nível de ensino, possibilitando a formação de cidadãos globais humanizados e tecnicamente competentes.

*Secretário de Estado da Educação do RS

Autoajuda ,Martha Medeiros





30 de novembro de 2011
MARTHA MEDEIROS

Autoajuda

Estava lendo o divertido Tudo é Tão Simples, de Danuza Leão, quando uma senhora chegou perto, com ar de desprezo, e disse: “Não te imaginava lendo autoajuda”. Pensei em responder que Kafka e Tchekhov também são autoajuda: dos eruditos aos passatempos, todo livro escrito com honestidade ajuda. Se bobear, até mesmo embustes tipo “Como arranjar marido” ou “Como juntar o primeiro milhão antes dos 30 anos” ajudam – quer ilusão, toma ilusão.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez disse numa entrevista que escreve para estimular o leitor a melhorar a qualidade de sua experiência de vida, intensificando-a. E Calligaris realmente consegue esse feito, por isso o leio. Assim como leio e sublinho inúmeras citações do filósofo romeno Cioran, que me ajuda a identificar a miséria humana sob uma ótica extremamente lúcida.

Muito antes de eu descobrir Calligaris e Cioran, tive que descobrir a mim mesma, e Marina Colasanti foi, nesse sentido, minha guia espiritual. Com suas crônicas, abriu minha cabeça para a sociedade que estava se firmando no início dos anos 80, quando as mulheres assumiram um novo papel. Eu não seria a mesma se não tivesse lido seus livros (muitas garotas talvez citem hoje a autora de Comer, Rezar, Amar como divisora de águas em suas vidas – eu também adorei).

Ainda adolescente, Fausto Wolff me deu consciência política, Millôr Fernandes me ensinou a enxergar o reverso do espelho, Verissimo me incentivou a rir de mim mesma, Paulo Leminsky me fez ver que poesia não precisava ser um troço chato e Caio Fernando Abreu me apresentou um mundo sem preconceitos. Seria uma ingrata se dissesse que eles não fizeram nada além de me entreter.

Além desses autores geniais, passei também por livros maçantes que me serviram como ansiolíticos – me ajudaram a pegar no sono. Hermetismo nem sempre é sinônimo de inteligência, profundidade não é privilégio dos deprimidos e mesmo histórias bem escritas podem naufragar se forem pretensiosas.

Michael Cunnigham ajuda a manter minha humildade (nem que eu vivesse 200 anos conseguiria escrever algo minimamente parecido com Ao Anoitecer, que acaba de ser lançado), Cristovam Tezza ajuda a controlar minha inveja (que técnica!) e Dostoievski me ensina que a fúria é mais produtiva quando transformada em arte.

Qualquer tipo de arte, aliás. Música de Autoajuda? Existe. Cazuza, por exemplo, já estimulou minha indignação com o país, Ney Matogrosso me faz sentir sensual, Jorge Ben sempre me alegra e Chico Buarque diversas vezes me comoveu, e ficar comovido é de primeira necessidade.

Existe autoajuda para todos os gostos. Tendo ou não esse propósito, nenhum livro deve ser diminuído por ter sido útil.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Falta Domínio da Língua Portuguesa,Niskier

Ausência de autoestima,
de, Arnaldo Niskier *



Não deveremos contar com o apoio total dos professores no processo de contemplar o novo perfil dos alunos, porque lhes falta a necessária autoestima

Alunos dispostos como se estivessem num ônibus lotado; aulas expositivas ao estilo "magister dixit" dos velhos tempos, com gosto dos tradicionais "trivium" e "quadrivium" da educação clássica -eis o quadro encontradiço na grande maioria das escolas brasileiras de ensino médio.

Modernidade? Só naquelas que, a duras penas, conseguiram a doação de computadores solitários.

Nos planos oficiais, os conteúdos, por intermédio das diretrizes curriculares, fizeram dez anos de serviços, alcançando uma estabilidade altamente questionável.

Quase nada muda quanto ao desenvolvimento intelectual dos alunos, embora permaneça o dispositivo constitucional da aprendizagem como direito social, devendo ser oferecida com qualidade.

Pudera, as escolas, sobretudo as públicas, operam sucateadas, sem estrutura condizente, e conduzidas por professores justamente desmotivados, em virtude da tibieza dos seus salários. No Brasil há solução para quase tudo, menos para encontrar uma resposta condigna para essa questão que vem desde meados do século passado.

É certo que o perfil do aluno está mudando. Em busca da sonhada empregabilidade, ele reivindica o domínio de línguas estrangeiras modernas (pelo menos o inglês, como segunda língua) e o conhecimento dos mistérios da internet, cujo domínio passou a ser sinônimo de status.

Há um novo e instigante perfil psicológico dos jovens -e isso o Plano Nacional de Educação, que está em discussão no Congresso, deverá contemplar, mas com uma perspectiva facilmente previsível: não deveremos contar com o apoio total dos mestres nesse processo, pois lhes falta a necessária autoestima.

Foi uma boa iniciativa alargar para nove anos a obrigatoriedade do ensino fundamental. Continuam, como desafios, os lamentáveis problemas da permanência e da conclusão, o que pode perfeitamente explicar os vazios da educação média, que sofre as consequências dos problemas trazidos da base.

Muitos jovens dessa faixa etária crucial fogem da escola, com conhecimentos precários. Muitas vezes se limitam a assinar o nome, caracterizando o que chamamos de analfabetismo funcional. Os conhecimentos de leitura e interpretação não passam de precários.

Como pretender alunos críticos, reflexivos e investigadores se lhes falta o essencial, que é o adequado domínio da língua portuguesa?

Melhorar a educação brasileira, de um modo geral, pode ser uma utopia? Depende, naturalmente, da existência de uma política séria, no setor, conduzida por pessoas competentes e desinteressadas de proveito pessoal ou político. A boa escola deixará de ser utopia quando esse quadro se modificar.

ARNALDO NISKIER, 75, é doutor em educação. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras (gestão 98-99) e pertenceu ao Conselho Nacional de Educação.

Será que ouvi direito ?
de, Cláudio Moreno







1) Nascidas na década de 1930, no Canadá, as irmãs Dionne foram as primeiras quíntuplas a ganhar notoriedade na era pré-televisão. Por “motivos numéricos e biológicos”, explica nosso Jorge Luis Borges, a imagem das cinco graciosas figurinhas, levada nas asas ligeiras da publicidade e do cinema, conquistou o mundo inteiro com sua simpatia.

A extraordinária semelhança física entre elas, reforçada pelo fato de sempre usarem roupas e penteados iguais, tornava quase impossível identificá-las - exceto para um tal doutor Blatz, que dedicou a elas um vasto volume ilustrado por fotografias encantadoras, onde oferece a seus leitores a solução óbvia do problema: “Yvonne é facilmente reconhecida por ser a maior, Marie por ser a menor, Annette porque todos a confundem com Yvonne, e Cécile porque é praticamente idêntica a Émilie”.

2) No final do séc. 18 já se desenhava a estreita relação entre o saber e o poder. Não foi por acaso que a expedição militar ao Egito, comandada por Bonaparte, incluía uma verdadeira plêiade de cientistas, cujas observações e experimentos certamente foram muito mais gloriosas e duráveis que as batalhas vencidas pelos legionários.

Conta-se que, sempre que os mamelucos atacavam, as forças francesas formavam um quadrado de ferro e fogo para proteger os membros mais preciosos da expedição, a toques de corneta e gritos de “Jumentos e sábios, no meio!”.

3) Baudelaire, em uma de suas máximas sobre o amor, escreve este desabafo – e não parece estar brincando: “E não é que existem por aí os que se envergonham por ter um dia amado uma mulher burra? Pois não passam de pedantes vaidosos, nascidos para pastar os cardos mais impuros da criação.

A burrice é muitas vezes o ornamento natural da beleza; é ela que dá aos olhos aquela limpidez quase morna das lagoas escuras, aquela calma espessa dos mares tropicais. A burrice sempre contribuiu para a conservação da beleza; ela retarda as rugas e é o cosmético divino que poupa nossas deusas das cicatrizes que o pensamento nos inflige, a nós, que nos julgamos sabichões”.

4) O Barão Grimm, que tinha a má fama de maltratar seus criados e arremessar-lhes – com força – punhados de moedas na cabeça, sentenciava, gravemente, que o homem comum “não foi feito para a verdade, nem para a liberdade, embora sempre traga na boca estas duas palavras.

Esses dois bens pertencem à elite do gênero humano, sob a condição expressa de aproveitá-los sem fazer muito alarde, nem se gabar demais. Os outros nasceram para a servidão e para o erro; é o seu destino”.

5) E houve aquela dama, evocada por Paul Valéry, que exclamou, diante de um quadro que representava Jesus Cristo: “Mas como está parecido!”.

Memória: não esquecida



Três Virtudes,
de Liberato Vieira da Cunha







Três virtudes

É um debate com alunos de uma escola média. Pergunto, para surpreendê-los, qual foi o maior presidente do Brasil. São eles que me surpreendem. Nada menos que três citam Juscelino Kubitschek. Ora, eles nem eram nascidos, e talvez nem os seus pais quando JK abriu para este país as portas da modernidade.

Faço algumas perguntas a meus jovens interlocutores. Eles conhecem muito sobre o sorridente mineiro de Diamantina. Sabem que implantou a indústria automobilística. Não ignoram que construiu imensas hidrelétricas, rasgou o nosso território de estradas, ergueu Brasília em meio ao enorme Cerrado.

Mais do que tudo, colocou o Brasil no mapa do mundo.

Raul Bopp conta em suas memórias que, embaixador na Áustria, fez tocar todos os sinos de Viena bem no momento da inauguração de Brasília, a mais moderna capital do universo.

Era um momento de grandes ousadias. A Seleção Nacional ganhava sua primeira Copa do Mundo na Suécia. A Seleção de Basquete vencia o Mundial do Chile. Maria Esther Bueno se impunha em Wimbledon. Eder Jofre vestia o cinturão da vitória no boxe. A Bossa Nova encantava o Carnegie Hall, em Nova York. Nascia o Cinema Novo.

Tudo isso coincidiu, certamente não por acaso, com o governo de Juscelino Kubitschek.

Romi-Isettas, Volkswagens, Dauphines, Gordinis, Simca-Chambords, Aero-Willys – e não por acaso JKs começavam a transitar por nossas ruas.

Havia todo um clima de otimismo no ar. O Brasil podia ser uma grande nação.

Tudo isso – mas não com esses inteiros detalhes – eu conversei com meus amigos estudantes.

Esqueci de dizer no entanto que ele era um brasileiro cordial, na acepção que deu ao termo Sérgio Buarque de Holanda. Esse homem foi JK.

Duas vezes oficiais amotinados se rebelaram contra o seu governo.

Ele no entanto não usou seu poder de esmagar as revoltas. Ao contrário, perdoou e anistiou os revoltosos.

Na política não foi diverso: era um conciliador.

Essa é uma virtude que esquecemos durante a ditadura militar.

Fiquei contente ao perceber que a memória de JK não está perdida mesmo nas escolas. Pois ele nos legou três heranças: a ousadia, a cordialidade e a conciliação.

domingo, 27 de novembro de 2011

inovações





VACLAV SMIL DA “ATLANTIC”

Figura do herói inovador solitário é somente um mito

Todas as grandes invenções são filhas de pais espalhados pelo mapa e que jamais se encontraram

Gosta-se de imaginar que a invenção surge como percepção repentina, o equivalente ao súbito deslocamento de água observado por Arquimedes que deu origem a uma das mais famosas interjeições gregas, "eureca!".

Essa história é um mito. A narrativa de heroísmo tem pouco a ver com a maneira pela qual a invenção (criação conceitual de um novo produto ou processo) e a inovação (difusão em larga escala de invenções comercialmente viáveis) funcionam.

Todas as grandes invenções são filhas de pais espalhados pelo mapa e que jamais se encontraram. Talvez nada ajude tanto a detonar o mito do "heroico inovador solitário" quanto a história da eletrônica moderna.

O primeiro transistor foi patenteado em 1925, por Julius Lilienfeld. Em 1947, Walter Brattain e John Bardeen, cientistas dos Bell Labs, amplificaram potência e voltagem por meio de cristais de germânio, mas seu transistor -o de ponto e contato- não se tornou a peça essencial da eletrônica moderna -o que ocorreu com o transistor de efeito de campo de junção, que foi conceituado em 1948 e patenteado em 1951 por William Shockley.

O papel da fundação da eletrônica moderna coube ao silício, que é cerca de 150 mil vezes mais comum que o germânio na crosta terrestre.

Nesse ponto outra invenção essencial entra na história. O silício semicondutor precisa ser ultrapuro, para ser modificado por meio de um processo que acrescenta pequenas impurezas para alterar sua condutividade.

A fim de reduzir os custos de produção da bolacha de silício, o cristal do qual as bolachas são fatiadas precisa ser relativamente grande. Isso conduziu a novos métodos de purificação de silício (pureza de 99,9% se tornou comum) e a métodos engenhosos de obter grandes cristais.

A história da produção de cristais começou em 1918, quando o polonês Jan Czochralski, descobriu como converter material policristalino de extrema pureza em um cristal único. Procedimentos para criar cristais maiores foram introduzidos no início dos anos 50 por Gordon Teal e Ernest Buehler, nos Bell Labs. Depois, Teal se tornou diretor de pesquisa e desenvolvimento da Texas Instruments, onde uma equipe liderada por Willis Adcock desenvolveu o primeiro transistor de silício, em 1954.

A disponibilidade de silício abriu caminho para a instalação de número imenso de minúsculos transistores em bolachas de silício, resultando nos primeiros circuitos integrados (Robert Noyce e Jack Kilby, em 1959).

Depois, foi preciso encontrar uma maneira de depositar uma camada atômica de cristais de silício (façanha do grupo liderado por Alfred Cho nos Bell Labs, em 1968), antes que um grupo da Intel (Marcian Hoff, Stanley Mazor e Federico Faggin eram seus principais integrantes) conseguisse produzir o primeiro microprocessador (essencialmente, um computador em um único chip), em 1971.

SEM TV

O total de transistores em um chip cresceu de 2.300 em 1971 a mais de 1 milhão em 1990 e mais de 2 bilhões em 2010. Colocar tantos transistores em um chip para produzir computadores seria inútil sem que alguém desenvolvesse uma linguagem de máquina para transmitir instruções de processamento.

Quem fez algumas das mais importantes contribuições para isso foi Dennis Ritchie, criador da linguagem de processamento C, que resultaria na Java e no Unix.

Ritchie morreu poucos dias após Steve Jobs, da Apple. Não houve especiais de televisão e o epíteto "gênio" não lhe foi atribuído pelos canais de TV. Ritchie foi "apenas" um entre centenas de inovadores cujos projetos, desenvolvidos por milhares de colaboradores e por investimentos de bilhões de dólares, por décadas, foram combinados.

Há, sim, momentos eureca e alguns inventores deram contribuições individuais espetaculares. Mas prestamos atenção demais a alguns poucos e de menos aos muitos momentos de inovação significativa que vêm depois.

VACLAV SMIL é professor da Universidade de Manitoba (Canadá)

Sempre nos despedimos ...de coisas que gostamos





Gilberto Dimenstein

Minha palavra mais bonita

A Folha é meu 'serendipity'; o jornal me proporcionou o encanto de transformar o acaso em aprendizagem

Não conheço nenhuma palavra mais bonita do que "serendipity". Por isso, vou usá-la na minha despedida deste espaço, que, a partir de hoje, deixa o papel e migra para a edição digital do jornal.

Inventada por um inglês, em 1754, que se inspirou numa lenda persa, "serendipity" é uma palavra impossível de ser traduzida para outros idiomas num único termo.

Superficialmente, ela significa o prazer das descobertas ao acaso. Um velho amigo encontrado numa inóspita cidade estrangeira, os acordes de um violino tocado em um parque numa tarde de outono, uma súbita paisagem de uma praia que aparece quando caminhamos numa mata fechada.

Um encontro amoroso no final da madrugada, quando já estávamos conformados de ficar sozinhos ou um prato feito com ingrediente exótico num improvável restaurante de beira de estrada.

Mas o significado profundo de "serendipity" vai além do imprevisto. É o encanto da transformação dos acasos em aprendizagem. O bacteriologista Alexander Fleming viajou de férias e se esqueceu de guardar os pratos em que fazia experiências para curar infecções. Um fungo caiu do teto em um desses pratos. Descobriu-se o antibiótico. Se o tal fungo não tivesse caído na frente de um bacteriologista atento, seria apenas um bolor inútil.

Por trás da palavra, existe a ideia de que o melhor da vida é a aventura do aprender pela experiência -o que compensaria os riscos e a dor provocada pelos sucessivos erros.

A Folha é meu "serendipity". Investiguei as mais variadas modalidades de corrupção, o assassinato de crianças, a exploração sexual de meninas, os personagens invisíveis que habitam as cidades.

Os cenários iam da cracolândia, em São Paulo, aos morros do Rio, ao Harlem, em Nova York e às favelas da Índia ou da Colômbia, passando pelos gabinetes refrigerados de Brasília e, neste momento, pelos centros de pesquisa de Harvard e do MIT. Ganhei todos os prêmios possíveis como jornalista e escritor, o que é ótimo para o ego, é claro, mas o que sobrou mesmo foi a emoção da descoberta.

Nesse meu flanar, fui fisgado por um encontro casual, que me tirou da segura e previsível rota do jornalismo. Passei a me emocionar não só com o furo, mas com a comunicação, especialmente com seus recursos digitais para a aprendizagem e com o engajamento comunitário. É um olhar arriscado: não só assistimos ao jogo para descrevê-lo.

Somos também jogadores. Em meio a uma efervescente polêmica sobre os limites da objetividade, estudiosos da mídia dos Estados Unidos batizaram, com diferentes nomes, esse olhar de jornalismo: "civic", "public" ou "community". No Brasil, a tendência ganhou o nome genérico de "educomunicação" e virou curso de graduação na USP.

Ao morar em Nova York e voltar para São Paulo, apaixonei-me pela possibilidade de usar os recursos digitais para ajudar a fazer das cidades uma experiência educativa. As cidades são o melhor meio de comunicação já inventado: um ponto de encontro e difusão das informações.

Confesso que, nessas experimentações entre comunicar e educar, não sabia mais direito o que eu era ou o que eu fazia. Foi o que me levou a aceitar o convite para participar de uma incubadora de projetos em Harvard. Vim aqui para ficar seis meses. O projeto estendeu-se por mais seis meses e, agora, vai até o final de 2012, embora eu possa ficar parte do tempo em São Paulo, desenvolvendo o projeto de jornalismo comunitário em colaboração com o Media Lab (MIT).

Nesse flanar por outros caminhos, tornei-me dispensável -dispensável e caro- para versão impressa do jornal, obrigado a lidar com os crescentes desafios da mídia no papel.

Mas aí está a dor e a delícia do "serendipity": para viver experiências, sempre estamos nos despedindo de alguma coisa de que gostamos.

PS - Aproveito esta despedida da versão impressa para dizer publicamente o que tenho falado privadamente. Não fosse Otavio Frias Filho, disposto a apoiar tantas experiências por tanto tempo, eu não teria tantas histórias para contar.

sábado, 26 de novembro de 2011





RUTH DE AQUINO

O que vale mais: um preso ou um estudante?

Há carência de recursos em escolas e prisões. O absurdo é a negligência do Brasil com o conhecimento

RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br

Alguns números falam mais do que mil palavras. No Brasil, um preso federal custa o triplo de um aluno do ensino superior. E um preso estadual demanda quase nove vezes o custo de um estudante do ensino médio. A princípio, o que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo. Há carência de recursos tanto em escolas quanto em prisões. Mas o absurdo maior é a negligência do Brasil com o saber, com o conhecimento.

Quando essa equação vai fechar? Vamos gastar muito mais com os presidiários se quisermos tornar as cadeias brasileiras menos degradantes. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu que “agora vai”. Não sei se você, assim como eu, sente vergonha ao ver as cenas de mãos saindo pelas grades.

São seres humanos empilhados, espremidos e seminus. É um circo dos horrores. E piora nos rincões remotos do Norte e Nordeste, longe das câmeras. Mesmo assim, o Estado gasta mais de R$ 40 mil por ano com cada preso em presídio federal. E R$ 21 mil com cada preso em presídio estadual.

Esses valores, absolutos, não significam nada para nós. Mas, se dermos uma olhada no nível de instrução dos 417.112 presos, ficará claro como os dois mundos, o das escolas e o das prisões, estão intimamente ligados. Dos nossos detentos, mais da metade (254.177) é analfabeta ou não completou o ensino fundamental.

O menor grupo é o que concluiu a faculdade: 1.715 presos. Esses números estão no relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do ano passado. Os presídios são um retrato de nossa sociedade. Do lado de fora, poucos têm acesso a universidades. E criminosos ricos e influentes podem pagar bons advogados.

Poderíamos ficar resignados a nosso destino de país pobre em desenvolvimento humano. Poderíamos também construir macropresídios seguros para prender cada vez mais gente em cômodos amplos, com direito a boa alimentação, pátios, esportes e reeducação. Poderíamos melhorar a gestão penitenciária e reduzir a roubalheira. Em algumas cidades, os presos começam a ser soltos por falta de espaço.

O mais complicado de tudo, mesmo, é prevenir a criminalidade. Porque seria preciso investir forte na educação universal e de qualidade. Os últimos números do IBGE, do Censo 2010, deixam clara uma urgência: entre nossas crianças com 10 anos de idade, 6,52% são analfabetas. Você, que lê este artigo, quando se alfabetizou? Provavelmente entre os 5 e 7 anos de idade, como acontece nas maiores economias do mundo – aquele grupo privilegiado em que o Brasil se insere com orgulho.

Há carência de recursos em escolas e prisões. O absurdo é a negligência do Brasil com o conhecimento

Essa criançada brasileira que não sabe escrever nem seu nome não faz ideia de que está trancada na prisão da ignorância. Sem cometer crime algum, as crianças foram condenadas à marginalidade perpétua. Isso não significa que serão desonestas ou hóspedes dos presídios-modelos que o ministro da Justiça promete construir. Mas que chance o Estado dá a elas? Esse porcentual de 6,52% nada tem a ver com heranças malditas. São crianças que nasceram na década de Lula.

Por mais que se comemorem avanços na Educação, em uma década o total de analfabetos no Brasil caiu menos de 1 milhão. Eram quase 15 milhões e hoje são 14 milhões que não sabem ler ou escrever – esse total equivale a duas vezes a população inteira do Paraguai.

Em dez anos de investimento e dois mandatos de governo do “tudo pelo social”? Não dá para festejar. Entre os brasileiros com mais de 15 anos, continuamos mais analfabetos que Zimbábue, Panamá e Guiné Equatorial.

As disparidades regionais são outra preocupação. Em analfabetismo, segundo o Censo 2010, o Maranhão do clã Sarney está em 24º lugar e só perde para Paraíba, Piauí e Alagoas. Há 19,31% de analfabetos no Maranhão, porcentual maior que na República do Congo, na África.

No programa do PMDB em rede nacional de televisão, na quinta-feira passada, o presidente “vitalício” do Senado, José Sarney, afirmou: “O bom homem público olha e vive para seu país”. Eu já ficaria satisfeita se o homem incomum, blindado por Lula e aliado de Dilma, olhasse para o Estado onde nasceu.

Em mortalidade infantil, o Maranhão da governadora Roseana Sarney só perde para Alagoas. De cada 1.000 maranhenses que nascem, 36 bebês morrem antes de completar o primeiro ano de vida. Não sei como a dinastia que controla esse Estado há 45 anos consegue dormir em paz. No programa do PMDB, Roseana disse que uma mulher no poder “significa uma visão mais humana de governar”.

A esperança é que o Brasil amadureça e passe a investir logo em suas crianças e seus estudantes para um dia, talvez, reduzir a superlotação dos presídios. Não é uma fórmula infalível, mas parece ser uma aposta sensata.

Confiar vem do latim " con fides "!!!

Confiança



Uma das cenas mais bonitas entre pais filhos é ver uma criancinha correr de braços abertos em direção a seu pai ou a sua mãe para se jogar neles com a maior felicidade. Ela sabe que vai ser amparada e acolhida com segurança e amor e por isso não tem a menor dúvida. Isto é, ela tem total confiança na vida.(…)
Confiar vem do latim con fides, isto é, com fé. A confiança, portanto, é uma questão de fé. A gente pensa que a fé pertence ao universo da religião, que está apartada da vida comum, mas isso não é verdade. É a fé que nos preenche o coração na hora de nos atirarmos num projeto, nos entregarmos em relacionamentos, perseguirmos um objetivo. Não se pode saborear plenamente a vida sem fé.

De Liane Alves

A Consciência no Limite...

A consciência no Limite

Cláudia Laitano

Uma letra de Jorge Mautner, transformada em uma espécie de funk carioca pelo músico José Miguel Wisnik, poderia ter sido usada esta semana como trilha sonora da votação no Senado do projeto de lei que dá fim aos fumódromos: “A liberdade é bonita/ Mas não é infinita/ Eu quero que você me acredite/ A liberdade é a consciência do limite”.

As campanhas contra o cigarro sempre se basearam em duas linhas de argumentação não excludentes: fumar faz mal para a sua saúde (e você deveria encontrar outro companheiro para o seu cafezinho) e fumar faz mal para a saúde inclusive de quem não fuma (e você deveria pensar mais nos outros antes de acender um cigarro).

A primeira linha de argumentação respeita a liberdade individual, mas apela para o instinto de sobrevivência. Hábitos tão pouco saudáveis quanto o cigarro – como as comidas gordurosas, o açúcar e o álcool – estão passando por um processo semelhante: chega uma hora em que o prazer culpado fica tão culpado, que começa a deixar de ser prazer, e esse pode ser um importante motor de mudança de comportamento. A segunda linha de argumentação, a que implica respeitar o interesse coletivo, tende a deixar de ser apenas um alerta para tornar-se coercitiva.

Se fumar fizesse mal apenas para quem fuma, é provável que não houvesse leis que controlam os lugares onde é permitido acender um cigarro. Foi preciso popularizar a ideia de que fumar não é uma opção individual, mas uma invasão do espaço aéreo alheio para que o hábito começasse a ser malvisto.

Pouco a pouco, as iniciativas de restrição de liberdade do fumante – no avião, no restaurante, no escritório – foram sendo assimiladas como naturais, até o ponto em que os próprios fumantes começaram a aprovar as leis que restringiam seus direitos. A proibição dos fumódromos é uma ofensiva ao último espaço público em que a liberdade de escolha ainda era admitida – e será assimilada como foram todas as outras.

A “consciência do limite” dos fumantes foi sendo construída ao longo de décadas, graças ao esforço de cientistas, médicos e tantas outras pessoas que se engajaram em uma incansável campanha de esclarecimento – enfrentando resistência não apenas de toda uma cultura de glamour associada ao cigarro, mas a enormes interesses econômicos contrariados. Essa guinada ideológica, levada a cabo em um período de pouco menos de 50 anos, é um caso fascinante de transformação de comportamento coletivo a partir da mobilização de diferentes frentes da sociedade.

A eliminação dos tristonhos guetos conhecidos como fumódromos, assim como a transformação estética e atmosférica dos charmosos cafés de Paris ou Buenos Aires, marca uma grande vitória para a saúde pública e oferece uma preciosa lição histórica. Não importa o quão arraigado possa ser um hábito, um vício, um traço cultural: não há o que não possa ser mudado, nem adversário tão poderoso que não possa virar fumaça da noite para o dia.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011



Mais de 115 razões para amar Porto Alegre
Uma edição especial que circulou com a revista Veja 2243, da semana passada, coordenada por Alessandro Duarte, editada por Fernanda Guzzo, com reportagens de Anelise Zanoni, Guilherme Kolling, do Jornal do Comércio, Kellen Moraes e Naira Hofmeister, listou 115 razões para amar nossa cidade.

Os textos e as fotos falam, com encanto e competência, de quatro estações, pôr do sol, personalidades, Erico, Elis, Scliar, restaurantes, igrejas, Ospa, Brique, Morro do Osso, Estádio Beira-Rio da Copa e muitas outras seduções da Capital. Claro que 115 razões poderiam ser 500 para nosso 1,4 milhão de habitantes, como está, aliás, escrito na carta ao leitor da edição especial.

Sem querer chegar às 385 razões para completar as tais 500, listo outras para se gostar ainda mais da cidade do sorriso. Porto Alegre pode ser visitada de ponta a ponta, tipo Itapuã-Sarandi ou Partenon-Ilha da Pintada, em poucos quilômetros (uns 50) e em minutos. Pocket-metropolis. Pequenas distâncias, grandes prazeres.

A Igreja Nossa Senhora da Conceição é nosso point barroco-baiano. Nossa Londres tombada é o casario geminado da Félix da Cunha. Nossa alma zen japonesa flutua na Praça Província de Shiga, cidade-irmã de Porto Alegre.

É um dos lugares mais charmosos e pouco conhecidos que temos. O terraço do nosso edifício mais alto, Santa Cruz, na Rua da Praia, deveria ser mais frequentado e receber mais turistas, com sua vista bonita, a mais de cem metros de altura. Os cemitérios da Santa Casa, São Miguel e Almas e Evangélico merecem atenção, pela arte, pelas pessoas e histórias, mas não fique tempo demais por lá, se não te chamam.

As colinas, as plantações de pêssegos e os parreirais da Vila Nova são nossa mini-Toscana ou nosso mini-Vêneto, com sua energia italiana. O Morro Santa Teresa, com o busto do saudoso jornalista Carlos Nobre lá em riba, sempre foi motivo para amar a cidade. Antigamente, nos tempos do chubidu-bidu, foi um simpático e informal drive-in com casais se azarando e se amando noite adentro.

Enfim, já elogiei a bela edição da Veja, acrescentei alguma coisa. Mande aí para mim suas razões, seus lugares preferidos e as comidas que te fazem amar esta cidade, apesar de nosso clima. Bom, tem abril e outubro, gostosos. Não se queixe tanto. Fui, vou flanar na Padre Chagas, síntese da Rua da Praia e de quase tudo que nos encanta nesta cidade que, no fundo, no fundo do Guaíba, nos ama.







Em algum Lugar do Paraíso



Por Gonçalo Junior De São Paulo

Verissimo diante da balança do tempo

Verissimo: elegância em textos sobre brevidade da vida, escolhas e amores não vividos.

Há quem ainda considere a crônica um gênero literário menor ou superado. Mesmo que grandes nomes das letras nacionais tenham se destacado nele - Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Carlos Heitor Cony etc. Tudo bem que nas três últimas décadas o número de cronistas não tenha sido muito relevante. Mas bastou apenas um para carregar a tradição com maestria: Luis Fernando Verissimo. Desde a década de 1970, ele é um best-seller - quem não se lembra dos livros da L&PM? - com um jeito próprio de fazer textos curtos de humor com fins invariavelmente arrebatadores.

O autor criou tipos que se tornaram muito populares, como o Analista de Bagé e a Velhinha de Taubaté, e figuras avulsas às vezes anônimas. Como esquecer, por exemplo, o casal de vizinhos que se conheceu observando o lixo um do outro?

Desde então, Verissimo deixou de ser o filho do conceituado escritor Érico Veríssimo para andar com o próprio sobrenome. Aos 75 anos, seus textos continuam sutis e refinados, duas de suas marcas, e têm um quê de amadurecimento, de mais reflexivo do que da busca exclusiva do humor, como quem olha o tempo e a existência pela experiência e pela sabedoria - sem abandonar sua paixão por Jorge Luis Borges. Tornou-se um menestrel, mas que se mantém insubordinado ao rei.
A coesão das crônicas, contos e aforismos reunidos em seu novo livro - "Em Algum Lugar do Paraíso" - mostra uma visão da atualidade que pode passar despercebido a quem lê sua coluna semanal em jornais de todo país. A ótima seleção - não se sabe de quem - faz uma reflexão sobre a brevidade da existência, as escolhas que fazemos, os amores não vividos, as chances perdidas.

Elegância narrativa permeia essas crônicas de temática quase obsessiva que Verissimo, de modo irônico, chama de filosofia de vida. Como a do dilema do empresário compadecido com a truta viva que deve escolher para sua refeição. Ou a do homem de meia-idade que deixa a mulher preocupada porque não conseguiu fechar o zíper de seu vestido, após 30 anos de casamento.

Ou a do preço de um velório e a que trata de como dividir os CDs numa separação. Há também a da teoria do ralo, criada pelo dono de restaurante que compara as fortunas humanas ao mar. Num momento ruim, ele diz: "As ondas não estão só indo, estão só vindo. É como se o mar se retraísse. Como se o mar que ele via através dos janelões do seu restaurante se esvaziasse. Como se um ralo tivesse sido aberto no fundo do mar".

Na segunda metade do livro, as reflexões se tornam mais leves e o humor se sobrepõe, em ritmo que busca mais a graça. Verissimo mantém o pique quando implica com a inutilidade do bicho-preguiça e dá voz ao memorialista que ficou velho na época errada.

Pior, chegou às diferentes fases da vida quando elas já tinham perdido suas vantagens. A ponto de se casar, sem saber, claro, um dia antes do começo da revolução sexual, apenas para dormir com a namorada.

A escrita de Verissimo se destaca também pelo seu estilo econômico. Nenhuma palavra ou frase é desperdiçada. Nada está ali por acaso. Tudo é conduzido, sempre, para amarrar uma ideia, uma grande sacada.

Por mais esperançosas que possam parecer sobre relacionamentos duradouros, desgaste, traição, desejo secreto pela mulher do amigo etc., suas observações não têm nenhum propósito de autoajuda. A não ser nos fazer rir - ou chorar - como se estivéssemos diante do espelho.

"Em Algum Lugar do Paraíso"















quinta-feira, 24 de novembro de 2011

recomecemos até acertar...

Reaprendendo a escrever







Nina Horta

Reaprendendo a escrever

Pediram-me um blog. Aceitei sem pensar muito. Não estava preparada nem entendia o que era isso

pediram-Me um blog. Arrepiei, mas aceitei sem pensar muito. E não estava preparada, nem tecnicamente, nem entendia de verdade o que era um blog. Só sabia que o mundo tinha blogs demais para minha capacidade voraz de lê-los.

Era preciso criar conteúdos. Para criar conteúdo é preciso tê-lo. Um blog de receitas? Não. É só apertar o Google e elas saltam aos milhares. Tinha que ser original e de boa qualidade. Isso não seria possível com minha incapacidade de anexar filmes, fotos, música. Nem o endereço do meu blog eu decoro para fazer propaganda dele.

Fiz o que muito professor iniciante faz no primeiro dia. Nervoso, dá a matéria do ano inteiro. Escrevi tudo o que sabia em extensos posts.

De repente, percebi que só se dá chamadas e grande atenção aos blogs de futebol. Imaginei que não poderia passar a vida odiando um esporte que o mundo aprecia.

Resolvi ler e prestar atenção no assunto, o que me tomou mais tempo ainda. Além de blogar, fiquei imediatamente fã do Neymar (que graça de coreografia). Sem querer, estou assistindo ao Pan-americano, à final do campeonato de boxe, judô, tênis, vôlei, ginástica olímpica.

Acho que adquiri um novo prazer e menos tempo para o trabalho, o que é normal, graças à minha devoção pelo ócio prazeroso.

A minha vida diária poderia ser interessante, pois um bufê tem assunto todo dia, mas sei fotografar? Não. Riscar com um "x", então...

Escrever todo dia? Passado um tempinho, na maioria das vezes, você estará escrevendo por ter que escrever, sem assunto, e assim não vale. Suponhamos, então, que eu saia atrás de conteúdo. Filmes, aulas, encontros, viagens, restaurantes. Tempo? Dinheiro? Não tenho nenhum dos dois.

Quando preciso muito de uma informação, não são os que leem o blog que me ajudam, mas o Facebook. O Facebook responde a tudo que quero numa generosidade que me desmancha, com testemunhos bem escritos, interessantes, variados. Quem precisa de um blog se tem o Facebook? Boa pergunta.

E não quero vender nada. Até gostaria, mas sei que é difícil alguém voltar a um blog que está vendendo alguma coisa. Mas, se eu ensinar a fazer festas, há probabilidades de que voltem (continuo com a dificuldade de boas fotos, processo de receitas passo a passo, etc.).

A necessidade de leitores. Pensei que era preciso escrever para os leitores. No primeiro mês, tive 9.000, no segundo, 13 mil, no terceiro,

15 mil... E começou a diminuir.

Logo imaginei a debandada geral. Mas, não. Um blogueiro tem que escrever sem pensar se está sendo lido ou não, porque isso prejudica a sua escrita. Escrever só para agradar não dá certo.

Então, parei, sem saber o que fazer. Vou recomeçar de que jeito? Contratando um professor que me ensine as técnicas básicas.

E escrever, no começo, sobre a única coisa que sei fazer bem. Ler. Escrever sobre livros de comida. Todos os brasileiros, ingleses e franceses. Não é o assunto mais vibrante para todos (o mais querido são as memórias). Quando me sentir inspirada, vario um pouquinho. Pois é. Recomecemos até acertar.

Lugar para a Ternura





LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Lugar para a ternura

Receio que se agrava a minha desmemória. Antes, esquecia poemas, letras de música, trechos de Machado de Assis. Agora, não consigo lembrar os versos de um tango ou uma declaração de amor. Esses dias tentei evocar a letra da segunda estrofe do Hino Nacional e falhei miseravelmente. Só recordava o “Deitado eternamente em berço esplêndido ao som do mar e à luz do céu profundo”, mas ficava por aí.

Menos mal que a minha desmemória é seletiva. Não esqueço certos capítulos de Minha Vida.

Paris, 1980. Saio do Le Danton e a mais bela das garotas loiras da França segura delicadamente a minha mão e me conduz, junto com outros rapazes e moças , para a cripta da igreja de Saint-Sulpice, onde todos cantam louvores ao Divino Espírito Santo. Me bate uma paz tão bonita que gostaria de ficar ali pelos séculos dos séculos.

Éfeso, Turquia, 2002. Contemplo o anfiteatro grego de 20 mil lugares dispostos em semicírculo e, encantado com aquela perfeição de formas que os milênios não abalaram, mal sinto aproximar-se de mim a menina de seus 20 anos que simplesmente me diz: “Te lembras? Ambos assistimos a Édipo Rei bem naquela terceira fileira de lugares”.

Nova York, 2004. Assisto a O Fantasma da Ópera na Broadway e, fascinado pelo espetáculo e pela música, , no intervalo me ofereço uma dose de Dimples’s on the rocks. É o melhor uísque que já provei em minha existência sobre a Terra. Depois dele, o musical ganha uma nova sonoridade.

Berlim, 1982. Estamos no Viktoria Park e então uma doce brandura baixa sobre mim. Somos cinco reunidos ao redor de uma mesa – e a noite é tão suave como deveriam ser todas as noites de verão. Trocamos ideias sobre o curso que acabamos de concluir, relembramos aulas, episódios, personagens, e aí baixa sobre nós um súbito silêncio. Somos de países diversos e distantes e talvez nunca nos voltaremos a ver.

Costa Oeste, 1984. O Pacífico se estende infinito como o universo. Em algum lugar desta imensidão estão as Ilhas dos Mares do Sul, tão bem descritas por Somerset Maugham. Somos sete numa van e, a certa altura., decidimos descer à praia. São rochas e areias, nada parecido com Copacabana. É quando a moça canadense me dá um beijo na face. Não lhe pergunto porquê. Para certos gestos, só há a explicação da ternura.

Receio que se agrava a minha desmemória. Mas nela haverá sempre lugar para a ternura.

...Da Felicidade

Da Felicidade



LETICIA WIERZCHOWSKI


Faz alguns dias, tomei um táxi em Buenos Aires em companhia de uma amiga, e o motorista, ao perceber que éramos brasileiras, abriu-se em simpatias. Segundo as suas próprias palavras, aquele motorista “amava o Brasil”. Embora ganhasse a vida como taxista, ele estava terminando um curso de cabelereiro e tinha passagem comprada para o Ceará, onde pretendia recomeçar a vida na beira da praia. “Vocês são a gente mais feliz do mundo”, disse-nos ele, “não têm essa nostalgia platina”.

Expliquei que morávamos no Sul, e que nós, gaúchos, éramos sim um pouco nostálgicos. Mas o homem não se deu por vencido: “Mais do que gaúchos, vocês são brasileiros, e todo o brasileiro é alegre”. Para comprovar a sua certeza, contou-nos que, há alguns anos, tomado por uma depressão que nenhuma pílula nem médico conseguia amenizar, passara alguns meses na Bahia, e curou-se dos seus males em cima de um trio elétrico.

Estava em Buenos Aires temporariamente, liquidando seus haveres, e vinha de muda para o Brasil. Ao final da corrida, para provar a sua simpatia, deu-nos até um desconto.

Lembrei desse simpático encontro por causa de um depoimento que o Paulo Borges, responsável pela São Paulo Fashion Week, deu aqui em Porto Alegre ao participar da recente Semana de Comunicação. Você pode conferir esse papo no Facebook da ARP, buscando o Paulo numa das “planet pills” que a produtora Film Planet produziu. E disse o Paulo Borges que o caminho do Brasil, o seu talento verdadeiro, é a sua capacidade de ser feliz. Somos um povo feliz.

Nossos políticos custam mais caro do que os políticos europeus (e roubam mais), nosso sistema de saúde pública é uma verdadeira piada, nossos cartões postais estão tomados de favelas, e as favelas, tomadas pelo tráfico, nossas leis não funcionam direito, e nossos impostos, altíssimos, não revertem em benefícios para o povo. Mas somos assim alegres, de uma alegria congênita que explode fácil – basta um gol, uma festa de rua, um churrasco com os amigos, um naco de tarde à beira-mar, uma caipirinha gelada.

Tem razão o Paulo quando diz que essa alegria deveria ser um produto, um caminho de pensamento neste momento em que a indústria criativa desponta e ganha força. Palavras do Paulo Borges: “O mundo quer e precisa de uma coisa que só o Brasil pode dar: felicidade”. Aquele motorista portenho, bem, ele já sabia disso...

domingo, 20 de novembro de 2011





Percival Puggina*

autor do " Jovens rebeldes, " coroas " irresponsáveis

Leia a citação a seguir apesar dos erros primários: “Historicamente a Universidade em todo mundo se assume como um espécie de território livre em que caberia desde a mais inusitada teoria sobre qualquer dimensão do real a experimentação de vivências que iriam desde o consumo de maconha ao sexo casual”.

Essa frase não é de uma redação do Enem. Foi produzida por um doutor em Educação pela USP, professor da UFMT (o resto do artigo, em defesa dos invasores da USP, é ainda pior). Tendo lido e ouvido ideias parecidas também por aqui, é sobre isso que escrevo.

Não há geração que não tenha manifestado inconformidade em relação à que a antecedeu e vice-versa. A contrariedade de certos filósofos gregos ante o comportamento dos discípulos se repete na experiência de praticamente todos os pais e filhos, mestres e alunos. Exceções são exatamente isso – exceções.

É desnecessário, portanto, desenvolver uma pedagogia para suscitar a rebeldia dos rebeldes, seja elevando-a à categoria das coisas sagradas, seja transformando-a em parâmetro de discernimento, seja para destinar ao lixo orgânico as judiciosas ponderações da maturidade, ou seja, ainda, para instalar no ambiente acadêmico um hardcore da libertinagem.

Não há necessidade. De hábito, o jovem passa aí por conta própria. Aliás, eles raramente morrem por enfermidades do corpo, mas vitimados por sua onisciência e rebeldia.

Qual pai, qual mãe ainda não ouviu de um filho a frase “Eu sei o que é bom para mim” ao lhe proporcionar conselhos nascidos do amor e da experiência de vida? O jovem sabe o que é bom para ele, mas é a própria juventude que facilmente o ilude a respeito da natureza do bem. Ali onde está o que ele considera bom não vive necessariamente o bem dele.

E esta ilusão é apenas uma das muitas e frequentes evidências dos riscos inerentes à imaturidade. Há suficientes dramas, em número e porte, para dispensar a ridícula louvação aos jovens rebeldes promovida por “coroas” irresponsáveis (combinação explosiva!), sob motivações ideológicas e afinidades políticas. E só por causa delas.

Nos debates sobre a invasão da reitoria da USP, foi possível perceber o quanto essa combinação explosiva gostaria de exercer autoridade no ambiente acadêmico. Entre professor e aluno, dizem uns e outros, não haveria saber maior (olha o desatino teórico!).

Não duvido de que, em breve, os alunos estejam querendo salário para participar dessa exaustiva produção comunitária do saber. Em virtude dessa pretendida equivalência das respectivas funções, creem que a eleição do reitor deveria dar o mesmo peso aos votos de alunos e professores. Todo poder aos sovietes! Todo poder ao jovem e suas minorias organizadas!

Esquecem-se os moços rebeldes e os “coroas” irresponsáveis que o conceito de Estado democrático de direito, no qual o querer não faz poder, abriga um binômio jurídico-político. O simples desejo contrariado de um grupo pirracento não viabiliza o qualificativo “democrático” a qualquer reação do “coletivo”.

Há um democratismo muito ao gosto da esquerda, que adora “tirar decisões” em assembleias manipuladas. Então, assim como nem toda deliberação de um grupo é necessariamente democrática, nem toda ação por ele conduzida é tolerável no Estado de direito.

É fato sabido que, no Brasil, se um indivíduo invade, é agressor e vai se explicar com o delegado; se vários invadem, tem-se um movimento social ao qual tudo é permitido. Os estudantes contavam com isso e se deram mal.

e agora?alguém tem que fazer alguma coisa...

Alguém Quem... ?

Martha Medeiros











Faz muitos anos. Eu estava assistindo a um show do Living Colour, som pesado que fazia tremer as paredes de um pequeno ginásio da cidade. Guitarras, sonzeira, mal dava para se falar com a pessoa ao lado.

Foi quando resolvi dar uma espiada na tal pessoa ao lado: era uma mulher com um bebê de colo que não deveria ter mais do que quatro meses. Fiquei maluca. O que aquela criança fazia em meio a uma poluição sonora que era atordoante até para adultos?

Sem falar que na época se fumava à vontade em ambientes fechados. Não resisti e, entre uma música e outra, perguntei: você acha que esse é um local adequado para um bebê? Ela poderia ter me mandado longe, já que eu estava me metendo onde não devia, mas foi educada e respondeu que sabia que não, porém ela era muito fã do Living Colour e não tinha quem pudesse ficar em casa cuidando da sua filhinha. Respondi: que tal você mesma?

Ela me deu as costas e trocou de lugar.

Essa história me veio à lembrança depois que li no blog de uma leitora um caso semelhante. Ela e a mãe estavam passando de carro por uma rua, quando viram um senhor de cabelos brancos ajoelhado junto à sua bicicleta, tentando consertá-la. As duas viram a cena e ficaram com pena do homem. Comentaram: “Coitado, alguém tem que ajudá-lo”. Rodaram mais uns metros e então frearam bruscamente. “Ora, por que não nós?”

Deram meia-volta e descobriram que o senhor de cabelos brancos não era tão senhor, e sim um rapaz precocemente grisalho, e que ele estava com quase tudo já resolvido. Recusou a ajuda, agradeceu a gentileza e ofertou às duas seu melhor sorriso. O sorriso de quem sabe que pode contar com alguém, seja esse alguém quem for.

Alguém. Uma entidade a quem confiamos a solução de todos os nossos problemas. Alguém tem que dar um jeito no país. Alguém tem que mandar arrumar a máquina da lavar. Alguém tem que pensar no futuro das crianças. Alguém tem que se mexer, alguém tem que providenciar, alguém tem que ver o que está acontecendo. Mas como ele fará isso por você, sendo alguém tão ocupado?

Na hora de falar, nos anunciamos como muito capazes, mas quando a teoria necessita ser posta em prática, somos os primeiros a transferir responsabilidades. Talvez porque preservamos uma certa arrogância de senhor do engenho, que acredita que o servilismo de seus criados é que faz a roda do mundo girar.

Talvez por egoísmo: para que sujar minhas mãos se outro pode fazer o mesmo? Talvez tenha a ver com pouca autoestima: canto de galo, mas no fundo não presto para nada. Seja o motivo que for, estamos sempre esperando que Alguém se apresente para a tarefa que julgamos não ser nossa. Abrimos mão do protagonismo em prol de uma coadjuvância acomodada e maléfica para a sociedade.
Pois é, e agora? Alguém tem que fazer alguma coisa.


sábado, 19 de novembro de 2011

borboletas a leveza e a liberdade...

Tranformação

De : Nilson Souza
Uma menina de prata, com asas de borboleta, reza pacientemente por mim enquanto busco inspiração para este registro sabatino. Observo sobre minha mesa de trabalho a delicada estatueta que ganhei de presente de uma amiga querida e penso no artista (ou na artista) que a criou. Terá ele (ou ela) se inspirado no mais belo de todos os insetos para produzir esta miniatura de Psiquê, a mortal que se tornou deusa exatamente por sua beleza incomum?

É uma das lendas mais encantadoras da mitologia grega. Psiquê, que na língua de Sócrates significa alma ou borboleta, era uma mulher tão linda, que despertou o ciúme de Afrodite – a deusa do amor, aquela que venceu o concurso de mais bela contra Hera e Atena, mas acabou provocando uma guerra.

Meio desmiolada, ela. Por isso, quando viu que os homens babavam em torno de Psiquê, resolveu arruinar sua vida e mandou o filho Eros (Cupido, para os romanos) feri-la com sua flecha enfeitiçada para que ela se apaixonasse pelo mais feio dos mortais. Cupido, porém, atrapalhou-se diante de criatura tão bela, arranhou-se na própria arma e ele próprio apaixonou-se pela mulher.

A história é comprida, não vou cansar a beleza das leitoras (e dos leitores, vá lá). Abrevio dizendo que, no final, eles foram para o Olimpo e viveram felizes para sempre. Já a borboleta não tem a mesma sorte. Sua vida é breve, embora possa voar longe e visitar muitos jardins antes de desaparecer. Mas impressiona por seu colorido e por sua beleza. Tanto que se transformou no desenho preferido das tatuadas, por representar a leveza e a liberdade.

Representa, também, a transformação.

O que mais me encanta e impressiona nesse inseto misterioso é exatamente a sua origem, digamos, pouco atraente. Toda borboleta foi um dia apenas uma lagarta medonha e faminta. Até que se dá a metamorfose, ela sai do casulo, flutua no ar como uma fada embriagada pelo perfume das flores e sai pelo mundo no seu voo errante e assimétrico.

Não sou muito chegado a fantasias e simbolismos forçados, mas uma vez fiquei intrigado com uma borboleta colorida que pousou no meu ombro repetidas vezes. Era verão e eu fazia exercícios num parque da Capital. Quando percebi a intimidade, retirei-a delicadamente com uma varinha fina, mas ela retornou ao mesmo ponto três ou quatro vezes. Acho que gostou do meu suor.

Ou, talvez, estivesse querendo me dizer que, ainda na sua breve existência, inspiraria um artista para que fabricasse uma linda estatueta alada. E que esta pequena imagem da mortal transformada em deusa despertaria no coração de uma mulher o desejo de me presentear. Daí por que a menina ajoelhada sobre minha mesa de trabalho me olha com tanta ternura enquanto tento transformar transpiração em inspiração.




autocontrole sem inteligência é repressão...

Autocontrole
Cláudia Laitano






Em um dos trechos mais conhecidos da Odisseia, Ulisses, avisado de que estava prestes a velejar por águas assombradas por sereias, não deu chance ao azar: além de tampar os ouvidos, pediu para ser amarrado com correntes ao mastro do navio.

Ulisses era inteligente e estava determinado a voltar para casa, mas o que o ardiloso guerreiro já sabia (e a Odisseia trata de nos lembrar) é que inteligência, coragem e boas intenções nem sempre são suficientes para nos livrar da tentação. Às vezes, apenas uma corrente de ferro amarrada ao mastro de um navio é capaz de nos impedir de seguir o impulso de perseguir as sereias até o naufrágio inevitável. E olhe lá.

No livro Willpower (“Força de Vontade”), lançado há pouco nos EUA, o psicólogo Roy F. Baumeister investiga um dos traços mais complexos da natureza humana: a capacidade de trocar um prazer imediato por um benefício antevisto no futuro.

Enquanto o animal vai tocando sua vidinha previsível preocupado basicamente em se alimentar e reproduzir, o homem depende de sistemas sociais e culturais para sobreviver. Muito cedo, ele aprende que, se sair roubando a maçã do vizinho ou bolinando todas as moças bonitas que passam na rua, é provável que tenha alguma dificuldade para manter a cabeça atada ao resto do corpo.

O autocontrole, porém, andou meio fora de moda. Se na Inglaterra vitoriana era o último grito, entrou em franco descrédito a partir dos anos 60 do século passado. A assimilação de alguns ideais da contracultura pela sociedade de consumo – se você pode ser o que quiser, vestir o que quiser e transar sempre que tiver vontade, está livre também para comprar tudo que cabe no seu cartão de crédito e talvez um pouquinho mais – ajudou a transformar o autocontrole em um valor tão careta quanto a camisa polo e o abrigo de tactel.

Legal era ser espontâneo, curtir o momento, seguir a intuição – filosofia que o mestre Zeca Pagodinho sintetizou magistralmente no clássico “Deixa a vida me levar/ Vida leva eu”.

O que Baumeister tenta demonstrar é que o autocontrole é um traço mais decisivo para o sucesso (não importando o que cada um define como “sucesso”) do que a autoestima ou mesmo o talento.

Em certo sentido, o autocontrole é como um músculo: pode ser treinado, desde a infância, para ficar mais forte e “cansa” se usado em demasia (resistir a uma torta de chocolate pode ser mais difícil depois de uma jornada de trabalho de 18 horas, por exemplo), mas é o que nos faz ter disciplina para estudar quando poderíamos estar tomando banho de sol ou investir em um relacionamento à la carte quando poderíamos estar experimentando todos os pratos de um bufê.

Essa revalorização da força de vontade não implica, obviamente, um retorno ao puritanismo ou ao moralismo – autocontrole sem inteligência é apenas repressão. Mas pode, sim, ser um convite à reflexão sobre nossa capacidade de corrigirmos nossa rota, sempre que necessário, para chegarmos – sãos e salvos ou algo parecido – ao destino que nós mesmos escolhemos. Como Ulisses.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

palavras as letras...



Convite

Convite


Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.

Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio
que é água sempre nova.

Como cada dia
que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?




















O O essencial é saber ver…
Alberto Caeiro





O essencial é saber ver,
mas isso, triste de nós que trazemos a alma vestida,
isso exige um estudo profundo,
aprendizagem de desaprender.
Eu procuro despir-me do que aprendi,
eu procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
desembrulhar-me
e ser eu.

Você tem idéia do quanto é feliz???

A satisfação de uma pessoa, ou dos habitantes de um país, depende do contentamento que se tem em nove áreas diferentes. Esse cálculo, que produz o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), já está sendo usado para orientar políticas públicas, empresariais e até pessoais.



Você tem ideia do quanto é feliz, ou por que não é? Pouca gente sabe responder isso de bate-pronto. Mas as mesmas perguntas que podem ser usadas para avaliar a satisfação de uma pessoa também servem para medir a felicidade dos funcionários de uma empresa, dos habitantes de uma cidade ou da população de um país. Ciente da importância de ter súditos felizes, Jigme Singye Wangchuck, o rei do Butão, criou há mais de 30 anos um índice de desenvolvimento social baseado em pesquisas que procuram mapear o que pode trazer felicidade para seu povo. O FIB, ou Felicidade Interna Bruta, tornou-se então o fator determinante na aplicação das políticas governamentais desse minúsculo reino de orientação budista entre a China e o Tibete. Essa criativa experiência começa a render frutos. Prefeitos de algumas cidades do mundo (inclusive do Brasil), presidentes de instituições ou mesmo pessoas comuns estão dispostos a imitar esse simpático e bem-sucedido exemplo .





Essa criativa experiência começa a render frutos. Prefeitos de algumas cidades do mundo (inclusive do Brasil), presidentes de instituições ou mesmo pessoas comuns estão dispostos a imitar esse simpático e bem-sucedido exemplo. O Brasil sediará em novembro o próximo Encontro Internacional sobre Felicidade Interna Bruta-FIB, com a provável presença do rei butanês, um jovem de 27 anos, herdeiro do rei que implantou o FIB. Diz o ministro de Planejamento do Butão, Dasho Karma Ura, que veio a São Paulo em outubro do ano passado para falar da experiência de seu país. "As pessoas sempre podem se tornar mais felizes. Um bom começo é procurar detectar com minúcias o que nos traz felicidade - e o que nos causa sofrimento". Algo em que, ironicamente, sequer paramos para pensar.

o mundo naturalidade da espécie






Sempre tem uma história
de Cláudia Tajes

Enquanto casais apaixonados namoram entre as flores e aficionados por plantas cuidam dos canteiros, uma trama digna de novela da Globo acontece nos jardins. Loucos para acasalar, os machos da espécie Pisaura mirabilis, a popular aranha de jardim, preparam presentes empacotados em teias para seduzir possíveis parceiras.

Na falta de lojas de departamento ou joalherias, os bichos improvisam como podem, embalando suvenires ambicionados, como moscas mortas. O problema é que não tem mosca morta para tanta aranha, o que leva alguns espertos (ou desesperados) a embrulhar sementes estragadas. Pior que isso é quando até as quinquilharias acabam, e o aracnídeo chega com as oito patas abanando diante do seu objeto de desejo.

É aí que entra em ação o instinto de periguete das fêmeas. Das aranhas de jardim, que fique claro.

Cientistas do afamado periódico inglês BMC Evolutionary Biology descobriram que machos sem dote são despachados na hora, perdendo a chance de uma noite de amor. Qualquer semelhança com casos que são notícia nas páginas de celebridades deve ser apenas coincidência. Aqueles que se apresentam com pacotes partem imediatamente para o ato, mas nada está garantido. Mal o aranha-homem começa a dar o melhor de si, a fêmea abre o embrulho.

Os que entregaram presentes decentes ganham então o direito a um acasalamento longo, com maior depósito de esperma e, potencialmente, mais filhotes gerados. Para os que apareceram com sementes podres, a coisa acaba ali, deixando alguns ovinhos, mas poucos, como lembrança.

Segundo os pesquisadores, o coito interrompido serve para o controle demográfico da espécie. Se todos os machos tivessem uma mosca morta para oferecer às suas eleitas, a população de aranhas de jardim cresceria em nível de filme de terror. Melhor o enredo de novela das oito.

Assim é o mundo, cheio de histórias que podem virar um folhetim, um livro, uma música, outra história, para deixar o dia mais engraçado ou menos chato. É só prestar atenção.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Cliente Desprezado,
de Martha Medeiros









Sei que é antipático reclamar de atendimento, mas vou correr o risco. Tantas providências estão sendo tomadas para receber os visitantes da Copa de 2014, então que entre elas se inclua maior rigor em treinamento de pessoal. Turistas à parte, quem ganharia são os moradores da cidade.

Supermercados, por exemplo. Os corredores andam obstruídos por mercadorias embaladas em caixas enormes, ainda fora das prateleiras, tumultuando a vida do comprador que já não consegue transitar livremente.

Frequento dois, de redes diferentes, e em ambos isso acontece, sendo que o segundo é mais irritante: mantém poucos caixas abertos, os carrinhos ficam abandonados no estacionamento e o descaso com a clientela é generalizado. Nesse, já diminuí a frequência das minhas visitas, o que não faz a menor diferença pra eles, mas se outros pensarem como eu, fará.

Bancos, mesma coisa. Por que não colocam funcionários trabalhando em todos os caixas? Mesmo com uma fila enorme, é comum ver apenas dois caixas a postos, sendo que um atende apenas os clientes especiais. Será por falta de dinheiro que os bancos não contratam mais gente? É, deve ser isso.

Semana passada, uma amiga reuniu um grupo de 10 mulheres para brindar seu aniversário num bistrô. Pediu um espumante, porém a atendente avisou que não havia cálices de espumante para todas, por isso algumas teriam que ser servidas em cálice de vinho.

Por desleixo, o bistrô perdeu 10 clientes potenciais. Bares e restaurantes fecham antes de completar um ano por não prestarem atenção em pequenos detalhes que parecem frescura, mas são determinantes para estabelecer fidelização.

E me surpreende o modo como os funcionários ficam conversando entre eles enquanto estão atendendo. Discutem suas crises conjugais, doenças, não raro usando linguagem chula, e a gente ali, invisível.

Óbvio que conversar entre eles é natural, mas creio que a atenção deveria estar 100% voltada ao cliente, que não precisa saber da vida íntima de quem o atende. Quando o cliente se afasta, aí, sim, pode-se xingar o centroavante e esculhambar o ministro à vontade.

Se isso parece elitismo, que pena. Não é. Educação e presteza são valores de primeira necessidade em qualquer setor. Qualidade e atendimento, juntos, é que fazem com que empresas cresçam e o Estado se modernize.

Um funcionário despreparado e displicente está transmitindo exatamente essa imagem da empresa para a qual trabalha – aliás, se assim for, bem feito pro patrão. É dos donos a responsabilidade de treinar direito sua equipe.

A nós, resta sermos bons clientes (não somos santos: muitos consomem os produtos antes de passar no caixa, estacionam o carro sem respeitar a delimitação das faixas amarelas e tratam subordinados com arrogância) e trocar de estabelecimento quando formos mal atendidos. A concorrência está aí para nos receber de braços abertos.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ciúmes...humor...em feriado é bom !



Veja se você é ciumento
de Fabrício Carpinejar

Teste infalível

( ) Ciumento mesmo não diz alô ao telefone, já sai falando: “Onde você está?”. É um GPS movido a energia solar.

( ) Ciumento mesmo não pergunta, dá a resposta no lugar do outro. Não oferece tempo para sua companhia pensar.

( ) Ciumento mesmo não questiona seu destino, é ansioso demais para acreditar em qualquer coisa. Ele aparece de repente em seu trabalho.

( ) Ciumento mesmo conversa com a sogra mais do que com a mãe.

( ) Ciumento mesmo condena primeiro para julgar depois. A ofensa é preventiva.

( ) Ciumento mesmo odeia os amigos solteiros do seu marido/esposa, e deseja sempre casar os próprios amigos.

( ) Ciumento mesmo enxerga a culpa como uma vantagem. Pressiona que sejam feitas promessas a todo instante. O objetivo é colecionar desfeitas.

( ) Ciumento mesmo confere os bolsos antes de pôr as roupas na máquina de lavar.

( ) A sentença preferida do ciumento: “Você não me valoriza”. A ameaça preferida do ciumento: “Você acha que sou idiota e não vi?”.

( ) Ciumento mesmo não liga uma só vez. Deixará várias chamadas não atendidas no curto intervalo de três minutos.

( ) Ciumento mesmo é uma câmera escondida dentro da rotina. Não tem lembranças, e sim reprises.

( ) Ciumento mesmo (mulher) chama qualquer ex dele de vaca. Ciumento mesmo (homem) chama qualquer ex dela de boiola.

( ) Ciumento mesmo é um operador de cartão de crédito, nunca termina de confirmar informações.

( ) Ciumento mesmo espalha pertences pelo carro do seu par a fim de marcar território. Não estranhe se aparecer, da ala feminina, lingerie no bolso do banco, secador no porta-luvas, liquidificador no assento de trás, porção de cabides no porta-malas. Da ala masculina, o costume é plantar artigos esportivos no veículo (taco de beisebol, capacete de rúgbi e bolinhas de golfe).

( ) Ciumento mesmo não “mexe” nas gavetas, mas “arruma” as gavetas e ainda espera agradecimento.




"""" algumas coisas não mudam...




Algumas coisas não mudam
Cláudio Moreno

O mundo antigo não conhecia este estágio que chamamos de adolescência. A passagem para a idade adulta era quase instantânea, rápida demais se comparada ao ritmo de hoje. Para a mulher, a transição era vertiginosa: a mocinha grega passava diretamente das brincadeiras infantis para a cama do homem que o pai escolhera para seu marido.

“Quatro anos depois da puberdade”, diz Hesíodo, “a jovem está pronta para acender todos os fogos de uma casa” – e o leitor certamente terá percebido que ele não se refere apenas às brasas que ardem na cozinha.

Se era cedo demais, fica difícil saber. Não vamos cometer o erro primário de julgar a vida dos outros por nossos próprios parâmetros, ou decretaremos que uma jovem estudante paulista é mais feliz que uma esquimó da mesma idade, ou que todas as esposas islâmicas são tristes e oprimidas.

Não contamos com um testemunho fidedigno, pois raríssimas foram as mulheres da Antiguidade que conseguiram registrar alguma coisa por escrito. Os textos que temos são de autoria de homens, mas ao menos registram fatos que nos permitem imaginar o que significaria esta ruptura na vida da jovem grega.

Nos poemas dedicados ao casamento, a jovem noiva sempre parece aturdida pela vertigem dessa transição abrupta, por esse salto no mundo desconhecido do sexo e da maternidade. Ela mal acaba de guardar suas bonecas de osso e o tamborim que usava no coro das virgens e vêm chamá-la para cortar os cachos juvenis e vestir o manto nupcial!

Eurípides, homem sensível, dos clássicos o que melhor entendeu as mulheres, põe na boca de Medeia um desabafo: “Temos de viver sob costumes diferentes, mas nada nos ensinaram em casa; se você não é profetisa, é difícil saber como se portar ao lado do homem que vai viver com você”.

Esta frase isolada é como aquela breve abertura entre as nuvens que às vezes nos deixa entrever a paisagem lá embaixo – mas não vai além disso, pois tudo se esconde em seguida sob o espesso véu de silêncio que encobre a mulher do passado.

Se ela tivesse, como hoje, a liberdade e os meios de expressar o que pensava e sentia, talvez constatássemos – sem surpresa – que a alma feminina compartilha certos valores imutáveis, o que faz com que as mulheres se entendam, umas às outras, acima dos limites impostos pelo tempo e pela geografia.


Um gostoso feriado pra todos.