quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tem que ser o melhor,por quê???






Texto da jornalista Leila Ferreira

Leila Ferreira é uma jornalista mineira com mestrado em Letras e doutora em Comunicação, em Londres.




Apesar disso, optou por viver feliz uma vidinha mais simples, em Belo Horizonte...


Estamos obcecados com "o melhor".
Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do "melhor".

Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.

Bom não basta. O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com "o melhor".

Isso até que outro "melhor" apareça - e é uma questão de dias ou de horas até isso acontecer.

Novas marcas surgem a todo instante. Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado, modesto, aquém do que podemos ter.

O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego.

Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta conquistar ou ter.

Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos. Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros...) estão vivendo melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários.

Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.

Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos, às vezes, é mais do que suficiente.

Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência?

Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de chefia que vai me matar de estresse porque é o melhor cargo da empresa?

E aquela TV de não sei quantas polegadas que acabou com o espaço do meu quarto?

O restaurante onde sinto saudades da comida de casa e vou porque tem o "melhor chef"?

Aquele xampu que usei durante anos tem que ser aposentado porque agora existe um melhor e dez vezes mais caro?

O cabeleireiro do meu bairro tem mesmo que ser trocado pelo "melhor cabeleireiro"?

Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixado ansiosos e nos impedido de desfrutar o "bom" que já temos .

A casa que é pequena, mas nos acolhe. O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria. A TV que está velha, mas nunca deu defeito.

O homem que tem defeitos (como nós), mas no s faz mais felizes do que os homens "perfeitos".

As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar a chance de estar perto de quem amo...

O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.

O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.

Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?

Ou será que isso já é o melhor e, na busca de tudo que nos dizem ou imaginamos ser "melhor", a gente nem percebeu?




domingo, 12 de fevereiro de 2012

os livros que são a melhor memória de nossa espécie







Da série “Eu Preciso”
fevereiro 10, 2012 por Lyani



A melhor memória de nossa espécie

Ao longo da história o homem tem sonhado e forjado um sem-fim de instrumentos. Criou a chave, uma barrinha de metal que permite que alguém penetre em um vasto palácio. Criou a espada e o arado, prolongações do braço do homem que os usa. Criou o livro, que é uma extensão secular de sua imaginação e de sua memória. A partir dos Vedas e das Bíblias, temos aceitado a noção dos livros sagrados. Em certo modo, todo livro é. Nas páginas iniciais de Quixote, Cervantes deixou escrito que recolhia e lia qualquer pedaço de papel impresso que encontrava na rua. Qualquer papel que encerra uma palavra é uma mensagem que um espírito humano manda a outro espírito. Agora, como sempre, o instável e precioso mundo pode se perder. Somente podem salvar os livros, que são a melhor memória de nossa espécie“.

. Jorge L.uis Borges .

... rútilos !







(...)de mim sei nada, sei muito dessa palha que se chama aparência,
sei nada dessa coisa entranhada do meu ser de dentro (…)
(...) e a cólera de saber que tudo me possui
e ao mesmo tempo nada,
que nada em mim é permanência, vínculo,
tudo se adere ao circulo, tudo é a mesma linha
que se estende, tudo é tangente, tudo esta colado a mim.


"Dentro de mim, sagrado descontentamento."


[Rútilos, pág 15 e 16- Hilda Hilst]


O livro Rútilos é a reunião de duas obras consagradas de Hilda Hilst: Rútilo Nada e Pequenos discursos.

As Lágrimas do General





NILSON SOUZA

As lágrimas do general

Um militar com nome de poeta protagonizou esta semana um episódio emblemático da vida brasileira. O general Gonçalves Dias, da 6ª Região Militar, comandava a operação de cerco à Assembleia Legislativa de Salvador, invadida por policiais grevistas.

Num dos momentos de tensão, ele discursou para os manifestantes e garantiu que não haveria combate, não haveria invasão e que tudo seria resolvido de forma pacífica. Como era dia de seu aniversário, ganhou um bolo dos grevistas e emocionou-se diante das câmeras da tevê.

No outro dia, foi afastado da missão pelo comando do Exército e substituído por um desses oficiais de fala empostada e camisa arremangada. General não chora, onde já se viu isto. O soldado é superior ao tempo. Missão dada é missão cumprida. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Decididamente, as lágrimas do general e seu discurso pacifista não combinavam com os chavões dogmáticos do militarismo.

Aprende-se muito na caserna. Estive lá por um curto período e considero a experiência valiosa na formação de um jovem. A disciplina, o espírito de tropa, o cultivo de hábitos saudáveis, os exercícios físicos, o fortalecimento moral e até mesmo a instrução militar são valores que ficam para toda a vida.

Mas também tem coisas ruins, como a humilhação de subordinados por superiores sociopatas, o culto da obediência cega e outros comportamentos autoritários que estigmatizam os quartéis.

Pelo sim, pelo não, cumpri o tempo obrigatório de serviço militar e pedi permissão para me retirar, batendo a devida continência. Aprendi a manejar armas e espero nunca mais colocar as mãos numa. Se a vida militar me ajudou a tomar decisões, esta é irrevogável.

Ouvi, muitas vezes, sob sol inclemente ou chuva torrencial e em posição de sentido, que o soldado é superior ao tempo. Não parecia. De vez em quando um mais frágil entre nós dava passos trôpegos e desabava no chão. O corpo humano, embora os jovens custem a acreditar nisso, tem limites. A mente e o coração também.

O general certamente não ganhou as suas estrelas chorando na frente dos superiores. Mas, como ensina o Eclesiastes, há tempo para todo o propósito debaixo do céu. E o tempo, só pode ter sido ele, amoleceu o coração do veterano militar. Os comandantes não gostaram.

Mas, se serve de consolo, brasileiros como esse escriba aplaudem o general emotivo. E, parafraseando o poeta que lhe emprestou o nome, ouso dizer: chorar pela paz, aos fortes e aos bravos, só pode exaltar.

O jovem servente ,devolve os vinte e quatro mil reais.





SEM PREÇO

Servente acha e devolve R$ 24 mil

Jovem de 20 anos é recompensado após entregar bolsa com dinheiro encontrada no Salgado Filho

Um enredo de cinema se desenrolou no aeroporto Salgado Filho. Um servente de 20 anos deu uma prova rara de honestidade: encontrou uma bolsa com R$ 24 mil e devolveu ao dono.

Por volta das 9h de sexta-feira, o consultor empresarial Antônio Mallmann, 66 anos, desembarcou na Capital vindo de Florianópolis (SC). Acomodou as malas no carrinho, posicionou a nécessaire com o dinheiro sobre as bagagens, passou em uma lanchonete, pediu um suco para tomar remédios para o coração e saiu rumo ao estacionamento. Entrou no carro e foi até o bairro Santana, onde quitaria uma dívida no valor da quantia transportada. Foi aí que deu falta da bolsa:

– Pensei: meu Deus, meu Deus! Comecei a me benzer e disse: tenho de achar uma solução. Voltei ao aeroporto e quando cheguei foi maravilhoso.

Mallmann retornou em 30 minutos e descobriu que o dinheiro estava na Delegacia da Polícia Civil do aeroporto. Chegou enquanto Davi Junior dos Santos Pereira registrava a ocorrência.

– Abracei muito aquele menino. Me fez acreditar que ainda existe gente honesta no mundo – repetia Mallmann.

Davi é servente em uma empresa terceirizada pela Infraero e estava arrumando os carrinhos quando avistou a nécessaire no chão. Juntou e levou para a central de achados e perdidos. Os funcionários abriram a bolsa e foi aí que ele viu a quantia.

– Se tivesse oportunidade, faria tudo de novo. Não era meu. Cresci com esse ensinamento do meu pai – contou.

Na delegacia, recebeu uma recompensa. A primeira coisa que fez foi comprar um tênis e uma camiseta. O resto, quer guardar para passar o mês. Usou a beca para festejar em uma roda de samba perto da casa onde mora com os pais e os irmãos, no bairro Mathias Velho, em Canoas.

O Brasil e o mundo serão melhores quando pais e escolas educarem crianças para fazerem as coisas certas.... sem a sensação de serem heróis!!!

As pequenas grandes coisas



é a autora : < Eliane Cantanhêde >


Minha filha caçula, orientadora pedagógica e psicóloga de crianças e adolescentes, chorou emocionada ao ouvir pelo rádio a entrevista que o estudante Vitor Soares Cunha deu ao sair do hospital, depois de ser agredido covardemente por jovens como ele.

Vitor, 21, aluno de desenho industrial, passeava com um colega na Ilha do Governador, no Rio, quando viu cinco rapazes bem alimentados espancando um mendigo. Filho de uma assistente social (coincidência?), não pensou duas vezes ao tentar impedi-los. A violência irracional voltou-se contra ele.

Foram socos e pontapés violentos e ininterruptos, atingindo, sobretudo, a cabeça e o rosto de Vitor mesmo quando ele já estava caído no chão, totalmente indefeso.

Depois de horas de cirurgias, placas de titânio na testa e no céu da boca, 63 pinos para recompor os ossos da face e ainda com o risco de perder os movimentos do olho esquerdo, Vitor saiu com sua mãe do hospital e disse, com uma simplicidade atordoante, que não se sentia heroico e que faria tudo novamente.

"Pelo menos uma, duas, três pessoas vão pensar alguma coisa, vão ensinar para os filhos deles. Não adianta pensar que uma atitude vai mudar o mundo, mas pequenas coisas vão mudando", declarou.

Não podemos nem devemos desperdiçar episódios, personagens e frases assim, fundamentais para reforçar que, além do Estado, dos poderosos e dos ídolos, cada um de nós tem de dar o exemplo e ter responsabilidade diante do país e do outro. Uma delas, possivelmente a mais nobre, é a de criar os filhos para o bem.

A comparação entre Vitor e seus agressores nos faz refletir. O Brasil e o mundo serão muito melhores quando pais e escolas educarem as crianças para fazer a coisa certa sem se sentirem heróis, não para se arvorarem fortes e machos ao trucidar um ser humano -ou um animal- jogado na rua, no abandono e na dor.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

estamos emburrecendo nossas crianças e jovens,mesmo querendo o seu bem???


Lya Luft

Medo do medo

"Querendo ser politicamente corretos, estamos cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico"

Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos -narrativas populares, orais, de povos muito antigos.

Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.

Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram.

Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.

Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas.

Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.

Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.

Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato?

Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.

Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai.

Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança.

Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.

Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas.

Lya Luft é escritora





cada jardim substituído por projeto de paisagismo...






CLÁUDIA LAITANO

O Grito da Ipiranga

Moro no ainda simpático Mont’Serrat, um bairro, como tantos outros de Porto Alegre, que vem sendo diligentemente reflorestado por edifícios. Aos moradores mais antigos, resta conformar-se com os horizontes perdidos ou chamar o caminhão da mudança. Como a segunda opção está fora de questão por enquanto, sou dessas moradoras que encaram cada casa demolida com a resignação de quem percebe uma ruga ou um novo fio de cabelo branco.

Cada jardim de família substituído por um projeto padrão de paisagismo, cada fatia de chão que deixa de ser tocada pelo sol é uma cidade nova que se impõe à antiga. Pouco a pouco, a cidade em que a gente nasceu e cresceu vai sendo substituída por outra, não necessariamente melhor ou pior, mas de certa forma estrangeira ao tempo da nossa memória. Trata-se de um espantoso movimento migratório de quem nunca saiu do mesmo lugar: um dia você percebe que, sem querer, mudou de cidade (ou a cidade mudou de você).

Nos últimos meses, um curioso modelo de construção tem pipocado nas ruas do Mont’Serrat e das vizinhanças – um caixote em geral cinzento, com um ou dois andares de altura e grandes janelões de vidro, construído especificamente para abrigar lojas e outros empreendimentos comerciais.

O negócio chama a atenção não tanto porque é feio, mas pela reprodução fordiana da fachada: tanto faz a rua onde está instalado, o prédio vizinho ou o negócio que vai funcionar ali (loja de móveis, pet shop, funerária...), o projeto é sempre o mesmo. Seria uma assinatura artística – um estilo, digamos – se não fosse evidentemente apenas o resultado da combinação de funcionalidade com administração racional de custos. Pragmatismo arquitetônico levado às últimas consequências: a produção em série de edifícios.

E a quem deveríamos culpar pela cruel invasão dos caixotes envidraçados a não ser a nós mesmos? Os caixotes estão aí porque parecem sensatos, modernos, eficientes. Não importa que a cidade vá ficando com aquela aparência anódina das metrópoles erguidas sem planejamento: Porto Alegre desenvolveu uma evidente vocação para a indiferença estética.

Logo que começaram os debates sobre o guard-rail da ciclovia, imediatamente apareceu gente reclamando que era perda de tempo discutir a beleza do projeto em uma cidade com tantos outros problemas para resolver. Se funciona, e cabe no orçamento, está de bom tamanho.

Não poderia haver melhor metáfora da nossa persona como grupo social: por aqui, com assustadora frequência, beleza (assim como arte e cultura) é confundida com frescura. Por sorte, neste caso, a prefeitura teve o bom senso de ouvir o clamor das redes sociais e decidiu consultar arquitetos antes de sair plantando toras de eucalipto às margens do Dilúvio.

Não podemos desperdiçar essa surpreendente eclosão de bom senso. Porto Alegre deveria aproveitar esse momento histórico de rebeldia estética para instalar uma espécie de Brigada da Beleza – um batalhão de arquitetos, artistas e outros profissionais ungidos com a nobre missão de proteger nossa cidade da bárbara invasão das toras de eucalipto, dos caixotes envidraçados, da feiura eficiente. Que o guard-rail da ciclovia seja celebrado como o nosso Grito da Ipiranga.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Pobreza emburrece???



GILBERTO DIMENSTEIN

Pobreza emburrece?

Einstein nascido miserável, sem apoio para aprender, até seria inteligente, mas dificilmente um gênio

PARA QUEM estuda o cérebro, a resposta da pergunta que está no título é sim: a pobreza emburrece.

Apenas metade da inteligência de um indivíduo pode ser explicada pela herança genética, segundo estudo divulgado neste mês pela Universidade de Edimburgo, que envolveu cientistas de diversos países. O restante da composição do QI vem do ambiente em que se vive e dos estímulos educacionais recebidos desde o berço.

Simplificando: um Einstein nascido na miséria, sem apoio para aprender, até seria inteligente, mas dificilmente um gênio. Alguém com potencial de ter uma alta inteligência torna-se apenas mediano. É como se um músculo deixasse de ser desenvolvido.

Chegou-se a essa conclusão depois de testes laboratoriais com 3.118 pessoas espalhadas pelo mundo. Imaginava-se que as forças externas seriam bem menores na formação do QI. Tradução: inteligência é uma habilidade que, em boa parte, se aprende, depende da família e das oportunidades na cidade.

É um ângulo interessante para ver a parceria, anunciada na quinta-feira, entre a presidente Dilma Rousseff e os governadores da região Sudeste de unificação de seus programas de complementação de renda para combater a pobreza, batizado de Brasil sem Miséria.

Menos miséria acarreta mais inteligência?

A pesquisa dos neurocientistas ajudou-me a ver por outro ângulo um dos projetos mais emocionantes que conheço (Ismart) no Brasil: jovens de baixa renda, a maioria deles vindos de comunidades pobres, são escolhidos e preparados para estudar em escolas de elite.

Quase todos eles costumam entusiasmar seus professores porque, apesar da adversidade extrema (muitos passam parte do dia no trajeto de ônibus até a escola), conseguem recuperar a cada ano o tempo perdido. Logo estão no mesmo nível de aprendizagem de seus colegas mais abastados e até os superam, entrando nas melhores faculdades.

Conheci vários desses jovens e tendia a atribuir sua performance à garra, a uma inteligência acima do normal, tudo isso, é claro, favorecido por escolas de qualidade.
O que impressiona a todos é a rapidez da evolução. O que aquela pesquisa da Universidade de Edimburgo traz é a suspeita de que, com tantos estímulos, desafios e apoio, a taxa de QI possa ter sofrido um upgrade -afinal, nessa fase o cérebro ainda está em formação.
É, por enquanto, apenas uma especulação.

O que não é uma especulação é o caminho inverso, mostrando a relação entre pobreza e aprendizagem. Com apoio do Unicef, o Cenpec analisou, desde o ano passado, 61 escolas de de São Miguel Paulista, região da periferia da cidade de São Paulo. Já sabemos que, em geral, quanto mais pobre um bairro, pior tende a ser a nota dos alunos.

Mas essa investigação foi mais longe. Analisou as escolas de uma mesma região, comparando alunos com semelhante posição socioeconômica. Detectou-se uma expressiva diferença segundo as peculiaridades de cada território, especialmente a oferta de serviços públicos em cada um deles.

Nos lugares com menos serviços públicos, as demandas sociais tendem a sobrecarregar mais as escolas e, com isso, afastam ainda mais os professores e as famílias que têm maior repertório cultural. Nesses locais, há menos oferta de creche e pré-escola, retardando o processo de aprendizagem.

Esses programas da renda mínima unificados (acertadamente) por Dilma e os governadores têm como contrapartida a permanência dos alunos nas escolas. Mas a subida da renda, a julgar pelas descobertas da pesquisa do Cenpec, será limitada à aprendizagem dos alunos se não houver um investimento e articulação nos territórios.

Nem será justo que se avaliem essas escolas com padrões semelhantes aos das demais, já que os professores, mesmo os mais capacitados, terão uma margem de manobra limitada.

Programas como o Bolsa Família são um bom exemplo de política para a redução da miséria. E, por isso, têm um efeito eleitoral, mas terão um baixo impacto educacional caso não se perceba o território como uma extensão da sala de aula.

Não pensar na educação como uma linha que passa pela família, pela escola e pela comunidade é falta de inteligência pública.

PS- Por falar em políticas públicas e territórios, será lançado no começo de setembro um aplicativo para celular por meio do qual as pessoas poderão, em tempo real, relatar suas impressões sobre a cidade. Gera-se, no final, um mapa das percepções de toda a cidade e seus problemas rua por rua.

Desenvolvido pelo Movimento Mais Feliz, comandado pelo publicitário Mauro Montorin, o projeto deve ser encampado pelo Facebook para ter amplitude internacional.






sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012







L. F. VERISSIMO

A arma

Nessa discussão sobre baixarias na TV e a má qualidade generalizada do que vai ao ar, ninguém se lembra de que toda casa brasileira – pelo menos toda casa brasileira com TV – tem uma arma eficaz de autodefesa. É uma arma poderosa.

Com ela, se cala a boca do político embromador e do apresentador gritão, se elimina o programa que choca ou desagrada e o troca por outro, se chega até, em casos extremos, a cortar a força do aparelho ofensivo e silenciá-lo, para sempre ou por algum tempo, para aprender. E tudo isto sem sair da poltrona.

O nome da arma é controle remoto. É movida a pilhas e cabe na palma da mão. Não é uma invenção muito antiga. (Sim, crianças, houve um tempo em que para ligar e desligar a TV ou mudar de canal você precisava sair do sofá e ir até lá. Inconcebível, eu sei). Mas minha neta começou a usar o controle remoto antes de começar a andar, e pelo menos duas gerações se criaram usando-o sem se dar conta da mágica que tinham nas mãos.

O poder de mover as coisas à distância e comandar o mundo sem precisar sair do lugar é uma ambição humana desde as primeiras bruxas, mas as gerações que se criaram com ele usam o CR com a inconsciência de um cachorro brincando com uma bola de césio.

Se não se dão conta do seu poder mágico, muito menos se dão conta de que o CR é uma arma. Porque o CR também representa essa outra coisa potente que temos para nos defender das agressões da TV: o livre-arbítrio. A capacidade de decidir por nós mesmos.[do controle remoto ao livre arbítrio]

De procurar uma alternativa, outro canal, ou o silêncio. Em vez de dizer “isto deveria ser proibido” e incentivar, indiretamente, a censura, e negar o direito dos outros de gostarem de porcaria, deveríamos exercer, soberanamente, a liberdade de escolha do nosso dedão.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lya Luft e a Compustura...







LYA LUFT*

Compustura e Caldo de Galinha

Vejo no noticioso que estamos em último lugar quanto ao retorno,para cada cidadão, dos gigantescos impostos que pagamos mesmo num cafezinho. Em muitas coisas andamos lá na rabeira do mundo, mas parece que nosso ufanismo continua pulsante.

Vai daí, acompanho meio distraída a celeuma em torno de alguma cena tórrida numa das camas do Big Brother, programa a que assisti há anos, quando ele se iniciava, achando bobamente que aquilo não iria durar.

Depois, vi fragmento e ouvi comentários, o suficiente para notar que a vulgaridade se perpetua e torna sem que se perceba: fica natural. Há quem vá me achar antiquada, alienada, severa.

Não imagino que a gente deva usar saia comprida, manga idem, feito freiras de antigamente. Detesto a antiga hipocrisia em assuntos sexuais. Naturalidade e liberdade são positivas, mas a gente não precisa exagerar... Precisamos, já grandinhas, usar saia tão curta que a maioria fica tentando puxar um centímetro mais para baixo, num desconforto idiota?

Precisamos, homens e mulheres, fingir que sexo é só o que importa, ou em idade avançada expor peles murchas em profundíssimos decotes como se o tempo nos tivesse ignorado? Um pouco de recato é questão de higiene, dia uma amiga minha, jovem e sensata. Mas haja coragem para nadar contra a correnteza, em quase todos os assuntos e modismos deste nosso tempo.

Aí vem o tal programa BBB, que virou manchete, no qual um casal (nada original, pois a isso eu mesma assisti nos primeiros tempos) faz ou finge fazer sexo embaixo da coberta sabendo que é filmado.

Nada novo, isso já se viu ali com alguns parceiros a mais na cama, ou no sofá espiando, pois, se é o olhar voraz do BB que tudo espreita, por que não? Alguém ousou reclamar, mas parece que a maioria achou tudo bobagem, todos estavam gostando, o povo espectador aplaudindo, por que não, por que não?

Afinal, não somos tropicais, liberados, avançados, modernos, embora digam que somos Terceiro Mundo – ou exatamente porque somos? Não sei se progresso se mede pela vulgaridade. Não sei se avanço se calcula conforme a deselegância, e se ascender socialmente implica baixar as calças, levantar a saia, tirar o que sobrou do sutiã. Tenho dúvidas.

Tenho insegurança a respeito do que representam essas drásticas mudanças, do antigo primeiro tímido beijo na boca cheio de encantamento e mistério, e esse ficar atual, muitas vezes ainda na infância, no qual vale quase tudo e meninas engravidam sem saber – e sem saber de quem – nesses falsamente inocentes joguinhos eróticos em salões de festa, quando a luz diminui, ou dentro de piscinas sem adulto por perto, ma com bebida.

Escrevi há tempos dois artigos dizendo que família deveria ser careta:
cada dia me convenço mais de que toda a sociedade deveria ser um pouquinho mais careta. Com jovens menos pressionados a enveredar precocemente por uma sexualidade que ainda não é a deles nem psíquicas nem biologicamente.

Com adultos que não precisam inventar uma modernidade fictícia, mas ser amorosos e responsáveis – mais naturalmente alegres, não tendo de se expor de corpo e alma, feito, diz minha amiga Lygia Fagundes Telles, “carne em gancho de açougue”.

Essa aceleração no escrachado, no pretensamente liberado, essa ânsia de ser uma celebridade, de ser notado (não necessariamente amado), essa exigência de ter imediatamente um emprego bom, fácil, muito bem pago, e todas as sensações que o mundo (da fantasia) pode oferecer, depressa, logo, agora, não têm volta.

Pois a construção de uma vida, uma profissão, uma pessoa, importo pouco diante da onde de caricaturas de mulheres, homens ou gays que invade nossas telinhas e respinga no nosso colo. E o mundo gira para a frente. Tudo está virando um grande cenário de reality show?

Que reality, aliás? Pois não me parece que essa seja a realidade concreta. E é isso que alimenta minha esperança de que, apesar de tudo, se afirme e espalhe a velha mania do bom gosto e da compostura, que, como caldo de galinha, nunca fez mal a ninguém.

* Escritora - Tradutora. Colunista da VEJA - Fonte: Revista VEJA impressa, ed. 2254, nº 5 - 01 de fevereiro de 2012.

Viver é uma execução sumária...de Fabrício Carpinejar





FABRÍCIO CARPINEJAR

Eu já sabia

Teremos sempre gente nos julgando.

Os vizinhos, os parentes, os colegas de trabalho, da academia e do inglês, quem nos tirou no amigo-secreto, quem nos viu no cinema.

Chamados para opinar, vão demonstrar uma intimidade surpreendente.

Não é paranoia, todos só estão esperando que eu faça algo realmente grande para confessar que me conheciam.

E pode ser agradável e pode ser nocivo, não importa, as maçãs podres partilham a cesta com as frutas sadias, o joio e o trigo são irmãos gêmeos, a maldade e a bondade são mais parecidas entre si do que o amor e a amizade.

Diante de uma atitude boa, dirão que já sabiam que eu era sinônimo de retidão.

Diante de um fato ruim, também dirão que já sabiam que eu não prestava.

O sonho da maioria é desfraldar a faixa: “Eu já sabia, Galvão”.

O fofoqueiro deseja ser profeta, pretende dar a notícia em primeira mão seja lá qual for e como for.

Os conhecidos guardam meus antecedentes negativos e positivos numa pastinha na área de trabalho do Windows, prontos para a impressão.

Ao me tornar santo, não será complicado encontrar testemunhas dos meus milagres. Citarão coisas inacreditáveis. Quando pulei o muro de três metros da Escola Imperatriz Leopoldina aos 11 anos e fui suspenso, avisarão que nada me aconteceu porque meu corpo é protegido pelo Nosso Senhor Jesus e que a direção me castigava injustamente e não compreendia meu dom.

Ao me tornar louco, comentarão que o mesmo pulo já dava provas da possessão do demônio, que meu apelido Chuck indicava a liderança negativa na turma, que merecia expulsão da diretora.

De um lado da moeda, a santidade. De outro, a ausência de sanidade. Em ambos, a mesma efígie.

Somos influenciáveis. Há a ânsia em definir o próximo para nos poupar da encrenca de assumir as próprias ambiguidades.

Em caso de me converter num herói salvando criança de atropelamento, a opinião pública tecerá elogios de minha conduta familiar. Lembrará do amor incondicional aos filhos.

Na hipótese de atropelar alguém, o público me enxergará como uma máquina mortífera desde a infância. Desde quando andava de triciclo e amassava formigas. Puxarão os pontos da carteira de habilitação, e o zelador do meu prédio, Carlos, descreverá minhas dificuldades para tirar o carro de ré.

Teremos sempre gente nos condenando. Viver é uma execução sumária.

Certo que, um dia, termino no paredão.

Pelo menos, vou pintando os muros de meu fim. Verdes de esperança.

Mas não faltará amigo supondo que isso é ironia.

Excelente novo mês ,é Fevereiro de 2012

Somos tão responsáveis,
somos omissos...



Luiz Alcides Capoani*

Projetos que evitam tragédias

No Brasil, a sociedade em geral e o poder público, em particular, mostram-se ineficientes na fiscalização da segurança dos edifícios e obras de artes especiais (túneis, pontes, viadutos). Somente quando ocorrem acidentes com vítimas, de grande repercussão, como o do Rio de Janeiro, lembrando de Capão da Canoa e da ponte em Agudo, é que todos nós concordamos que ainda estamos na fase embrionária de fiscalização e prevenção de acidentes.

Quando permitimos que algo ocorra, somos em parte responsáveis e todos culpados.

É preciso esclarecer qual é a função legal do Crea-RS, agora Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RS; cabe a nós o registro de profissionais e empresas e a fiscalização do exercício profissional, para coibir o exercício ilegal das profissões em defesa da ética profissional, para que os serviços e obras prestados venham em benefício e garantam segurança à sociedade.

A Constituição Federal determinou aos municípios definir leis e regramentos para licenciamento, aprovação de projetos, construções, fiscalizações, permissões, habite-se, proibições e embargos na esfera municipal.

Cabe também, constitucionalmente, fazer leis, no âmbito municipal, aos vereadores e, na esfera estadual, aos deputados, através da Assembleia Legislativa.

Assim como não há crime sem lei anterior que o defina, não é possível que façamos inspeções ou fiscalizações sem que o legislador defina como fazer, a quem cabe a atribuição e de que forma serão feitas.

O Crea-RS, em nossa gestão, após amplo debate em seminários na União Estadual de Vereadores, Federação dos Municípios do RS, na Assembleia Legislativa do RS, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, promoveu, em agosto de 2009, um fórum de discussão, com a participação de autoridades governamentais, entidades públicas, associações de engenheiros, universidades, institutos e sindicatos de nossas categorias profissionais, com o objetivo de criar legislações que visem buscar formas que impeçam que novas tragédias venham a ocorrer com a queda de edifícios e demais elementos construtivos, bem como as pontes, túneis, viadutos e outras obras passíveis de danos e decadência.

Desse encontro, elaborou-se um anteprojeto de lei que institui a obrigatoriedade de inspeções e manutenções, sendo encaminhado a todos os municípios, Câmaras de Vereadores e Assembleia Legislativa.

O município de Capão da Canoa, após o trágico acidente acontecido em julho de 2009, quando vidas foram ceifadas, adotou o projeto de lei que prevê inspeções e manutenções prediais periódicas nas edificações e, podem ter certeza, muitas vidas, depois disso, foram salvas.

Também foi entregue ao Legislativo estadual anteprojeto de lei que prevê a obrigatoriedade de inspeção e manutenção em pontes, viadutos, túneis. Mas, lamentavelmente, esse anteprojeto foi arquivado pela Assembleia Legislativa do Estado.

Em Porto Alegre, é urgente a conscientização de nossos administradores e legisladores da necessidade premente de adotar legislação que tramita na Câmara de Vereadores.

É um projeto de lei de 2009, recentemente encampado pelo vereador Carlos Todeschini, que previne sinistros para a redução de acidentes, preservação do patrimônio imobiliário, público histórico e cultural e, o mais importante de tudo, a proteção de vidas que são valores primordiais do nosso conselho.

Cada ser humano, ao cerrar seus olhos para sempre, leva consigo um universo de sonhos e possibilidades, e cabe a nós, como cidadãos, cobrar de nossos legisladores que haja leis que não permitam que isso ocorra.
*Presidente do Crea-RS