domingo, 31 de dezembro de 2017

Política, democracia e ética pública 

- BOLÍVAR LAMOUNIER

      ESTADÃO - 31/12

Crise deve-se ao falsear do processo eleitoral, da transparência e da ‘accountability’


Os escândalos de corrupção inaugurados com o “mensalão” e elevados à enésima potência nos últimos cinco anos demonstraram que as deficiências da democracia brasileira são muito maiores do que pensávamos. Antes deles, nosso relativo otimismo se estribava em cinco pilares, cuja importância não pode ser subestimada, mas que agora se mostram claramente insuficientes.

Ao longo de várias décadas, até mesmo durante o regime militar, nosso processo eleitoral se tornou altamente inclusivo, com um eleitorado superior a 70% da população total, a mesma proporção das democracias mais desenvolvidas. Entre 1985 e 1988, restabelecemos pacificamente o regime civil e constitucional. Em 1989, a vitória de Collor sobre os partidos tradicionais e sobre a esquerda inaugurou a alternância pacífica no poder, consolidada com a vitória de Lula em 2002. Instituímos um sistema mais robusto de monitoramento e promoção da legalidade, notadamente pela autonomia institucional do Ministério Público, obra da Constituição de 1988. Por último, mas não menos importante, domamos, finalmente, uma inflação que se prolongara por três décadas e aprovamos no Congresso a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras medidas relevantes no campo econômico.

Mas as deficiências se revelaram por um conjunto de problemas intimamente ligado à corrupção, que anula, na prática, grande parte dos avanços realizados. Proclamamos, como é usual no Primeiro Mundo, que o essencial da democracia é a exigência de que o acesso de cidadãos particulares a posições de autoridade se faça por meio de um processo competitivo, ou seja, mediante eleições limpas e livres. Mas não atinamos para o fato de que, mesmo num eleitorado de grandes proporções, os procedimentos criados para garantir eleições “limpas e livres” podem ser fraudadas por práticas em princípio lícitas, mas desleais ao espírito da democracia e, portanto, imorais. Entre estas, um exemplo egrégio é o clientelismo de larga escala, infinitamente mais pernicioso que o antigo “voto de cabresto”, que se pode embutir em políticas públicas e programas sociais.

Tampouco nos demos conta de que “eleições limpas e livres” podem transformar-se em mera aclamação simbólica, sem dentes e garras, onde não haja transparência – ou seja, onde inexista acesso efetivo do cidadão, das empresas e da sociedade civil a informações referentes às ações governamentais, notadamente no tocante ao emprego dos recursos financeiros. E mesmo onde tal acesso esteja devidamente previsto e estipulado nas leis, ele não passará de letra morta onde não exista accountability – ou seja, onde os titulares da autoridade, nos três ramos do Estado, se comportem de forma acomodatícia, ou se acovardem, não aplicando com o rigor preceituado as medidas profiláticas prescritas na Constituição e nas leis.

Eleições limpas e livres, transparência e accountability – no mundo atual, essas três condições definem o espaço válido de reflexão sobre as conexões entre a ética – a busca do bem comum – e a política. De fato, a ninguém ocorrerá avaliar o status ético de países governados por celerados e genocidas como Hitler, Stalin ou Pol Pot.

O agente do juízo ético é o indivíduo, ou seja, o cidadão que trabalha, paga impostos e mata ou morre na guerra, se convocado para tal. Ele é também o destinatário do bem comum. Decorridos dois milênios de Aristóteles, não faz sentido pensar no bem comum como um todo homogêneo, unitário e consensual. O que para um é um bem, para outro pode ser um mal. O que existe é, portanto, uma grande variedade de bens comuns ou, melhor dito, de bens coletivos, aqueles que o Estado não pode prover a um cidadão se não puder provê-los nas mesmas condições a todos os demais cidadãos compreendidos na mesma categoria. O que importa, por conseguinte, é investigar a emergência ex parte de um consenso, ou da aquiescência sempre precária, de todos, ou da maioria, a uma dada distribuição de bens coletivos. O orçamento nacional é essencialmente isto: a distribuição de bens coletivos que o Estado é capaz de prover em dado momento. Esse conjunto é a resultante do embate entre os interesses que soem existir em toda sociedade, mas que só na democracia são devidamente delimitados e regulados pelas instituições. Buscar o consenso pela via da política, o entendimento por meio de uma pugna constante, eis o notável paradoxo que as democracias consagram em suas regras de jogo.

Voltando ao início, podemos, pois, afirmar que a crise ética e econômica para a qual o Brasil foi arrastado se deve ao falseamento, ainda não superado, do processo eleitoral, da transparência e da accountability. É óbvio que a democracia tem muito que ver com as condições sociais gerais de um país, daí a existência de importantes diferenças de qualidade entre elas. Desigualdades sociais extremas são negativas para a democracia e a ética pública.

Nos limites deste artigo, cabe-me concluir apenas reiterando o que tenho insistentemente afirmado: justiça social, socialismo, social-democracia e similares devem ser entendidos tão somente como ideais abstratos de sociedade. Não são indicações concretas dos meios necessários para melhorar o padrão de vida dos indivíduos reais ou de como reduzir desigualdades de renda. Em pleno século 21, o que importa investigar é qual o melhor caminho para romper “relações de produção” peremptas a fim de liberar as “forças produtivas”. No Brasil, parece-me fora de dúvida que isso significa quebrar de vez a tradição patrimonialista, irmã siamesa da corrupção, e instaurar uma verdadeira economia de mercado.

*CIENTISTA POLÍTICO, É SOCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA E AUTOR DO LIVRO ‘LIBERAIS E ANTILIBERAIS: A LUTA IDEOLÓGICA DE NOSSO TEMPO’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)

A reação patética dos clubes 

- EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/12

Confundindo prerrogativas funcionais com privilégios, juízes desprezam o fato de que penduricalhos são uma apropriação imoral de recursos dos contribuintes

Desde que o ministro Luiz Fux liberou para votação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) as liminares que concedeu em 2014, estendendo o auxílio-moradia a todos os juízes das Justiças federal, estaduais e trabalhista, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) anunciaram que não medirão esforços para manter esse benefício, que hoje é de R$ 4,3 mil e não incide no cálculo do teto salarial do funcionalismo. Quando o Supremo retomar os trabalhos, em 2018, caberá aos ministros da Corte referendar ou não as decisões de Fux.

Em carta distribuída a seus filiados, a AMB afirmou que não aceitará “perdas salariais sob qualquer pretexto”, invocou a tese da “valorização da magistratura” para justificar o recebimento desse penduricalho e reivindicou, no caso de ele ser considerado inconstitucional pelo Supremo, a criação de outro benefício no mesmo valor do auxílio-moradia, a título de “valorização por tempo de serviço”. Também alegou que “não se curvará aos detratores da magistratura, especialmente à difamatória campanha lançada pela imprensa”. E defendeu, ainda, o anteprojeto da nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que foi elaborado pelo Supremo na época em que foi presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Entre outras concessões, o anteprojeto prevê o pagamento de até 17 salários, férias de 60 dias, multiplicação de verbas indenizatórias e até direito a passaporte diplomático.

Por seu lado, a Ajufe também denunciou uma “campanha orquestrada da mídia contra os direitos” dos juízes. Prometeu que lutará “até o fim” e no “limite de suas forças” para evitar que o Supremo considere inconstitucional o pagamento do auxílio-moradia. Além disso, anunciou a realização de um ato de protesto contra a extinção desse benefício em Brasília, no dia 1.º de fevereiro. Informou que, juntamente com a AMB, custeará a viagem de cem magistrados, “sem prejuízo de que outros venham de acordo com as possibilidades das associações regionais de juízes federais”. E ainda afirmou que não é justo que o auxílio-moradia dos juízes seja extinto, já que as demais carreiras jurídicas no Poder Público ganham verbas extras e não as levam em conta para efeito de cálculo do teto do funcionalismo. “Estão visando apenas os vencimentos da magistratura e esquecendo o de outras carreiras. Os honorários públicos (as verbas de sucumbência que recentemente passaram a ser concedidas aos membros da Advocacia-Geral da União – AGU) são um extrateto. É dinheiro que deveria ser direcionado aos cofres públicos. Por que não se discute isso?”, indaga o presidente da entidade, Roberto Veloso. Em mensagem de Natal enviada aos colegas de toga, ele já havia festejado o adiamento da votação da reforma da Previdência, acusando-a de ter sido concebida com objetivo de “atingir financeiramente” a magistratura.

Evidentemente, um erro – como a concessão de um penduricalho para os membros da AGU – não justifica outro erro, como a continuidade do pagamento do auxílio-moradia. Além disso, a AMB e Ajufe insistem em afirmar que os penduricalhos recebidos por seus filiados a título de “vantagens, direitos e deveres” são “legítimos” e estão “amparados pela legislação”. Deixam de lado, contudo, o fato de a constitucionalidade de parte dessa legislação estar sendo questionada no STF. E, se tivessem a certeza de que suas pretensões têm sólida base jurídica, as duas entidades não precisariam agir de modo tão patético.

Acima de tudo, essas associações não consideram o fato de que a discussão sobre os penduricalhos não envolve uma questão jurídica, mas uma questão ética. A corporação está entre as carreiras mais bem pagas do funcionalismo e goza de privilégios que não são concedidos aos trabalhadores da iniciativa privada. Confundindo prerrogativas funcionais com esses privilégios, os juízes desprezam o fato de que os penduricalhos são uma apropriação imoral de recursos dos contribuintes. Na defesa de seus interesses corporativos, esses clubes de magistrados cruzaram as fronteiras entre justiça e injustiça.

30 DE DEZEMBRO DE 2017


MODELOS QUE IRRIGAM A ESPERANÇA

É regra geral que o principal subproduto do sofrimento seja a revolta, coerentemente mais intensa durante o transe doloroso, mas que pode se perpetuar no espírito de quem sofre como uma amargura residual, persistente. Para desespero dos terapeutas da alma e entusiasmo dos fabricantes de antidepressivos. A associação desse sentimento com o desenvolvimento de culpa pode produzir sequelas emocionais insuperáveis. 

Com graus variáveis de sucesso, as vítimas de tragédias pessoais podem ser recuperadas para a vida útil e tidas com reequilibradas a julgar pelo retorno ao trabalho, a leveza do sono ou a espontaneidade do sorriso. Outros seguem remoendo a dor e subjugados por ela pela vida afora, sem trégua e sem remissão. Esses tipos, em geral, emagrecem, porque não conseguem dar uma pausa no culto à adversidade, nem para um prazer tão primitivo quanto o de comer.

Boris Cyrulnik era judeu, nascido na França, passou parte de sua infância nos campos de concentração da Alemanha de Adolf Hitler. Presenciou a morte de seus pais, irmãos, avós e amigos, e foi o único sobrevivente do grupo. Resgatado desse circo de horrores, perambulou por vários lares adotivos, carregando apenas a vida e a esperança.

Permaneceu analfabeto até a adolescência, mas conseguiu se formar em medicina, na qual elegeu a psiquiatria e desenvolveu a teoria da resiliência, baseado num conceito da física que a define como a propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer um choque ou deformação, ou na linguagem psiquiátrica, a capacidade de retomar o desenvolvimento depois de uma agressão traumática. 

Ou seja, dar uma utilidade ao sofrimento. No mundo contemporâneo deformado pelo egocentrismo, sempre me encantou a existência desses tipos que, marcados pela tragédia pessoal, encontraram forças não apenas para submergir, mas secar as lágrimas e tratar de mobilizar a sociedade com a única intenção de poupar famílias desconhecidas da mesma dor que os flagelou.

Francisco Assis Neto foi um desses raros exemplares. Tendo perdido um filho amado que não conseguiu ser transplantado do coração, abraçou fervorosamente a causa da doação de órgãos, fundou a Adote, uma ONG voltada para a conscientização da população, e literalmente batalhou pela causa até os últimos dias de sua vida. No final de setembro, dentro das comemorações da semana da doação de órgãos, nos encontramos pela última vez, durante uma homenagem que recebemos no Palácio Piratini. Impressionaram-me a postura, o destemor e a naturalidade com que falou da alegria pelo reconhecimento do seu trabalho. 

Comentou dos projetos que tinha e do quanto ainda havia por fazer nos próximos anos. Só ele e eu sabíamos o quanto o câncer avançado inviabilizaria tudo aquilo, mas um resiliente não morre antes de morrer. Um tipo como o Chico devia ter o visto de permanência renovado indefinidamente. Um mundo tão escasso de nobreza devia ser poupado de um tal desperdício, ainda mais quando não há peças de reposição.

O ano novo encanta pela possibilidade de recomeçar. Recomecemos na expectativa de que possamos melhorar a vida dos outros. O Chico nunca desistiu de tentar. Então, que seja por ele.

SÁBADO, DEZEMBRO 30, 2017




42% das mulheres relatam ter sofrido assédio sexual, aponta Datafolha

O AMOR TAMBÉM SE APRENDE

ABRÃO SLAVUTZKY

 Imagem relacionada

Há frases afirmativas que pedem uma interrogação ao final, quase como uma brincadeira. Transformar uma verdade numa pergunta abre o espaço para se pensar. Foi o que fiz, já faz anos, com o título de hoje: amor também se aprende? A dúvida foi decorrente das dificuldades de mudanças e da tendência humana a repetir comportamentos, a compulsão à repetição. Além do que, é difícil entender o amor ao ser graça e desgraça, alegria e tristeza, ternura e raiva, sensualidade e desespero. O amor convive com o ódio, é ambivalente, daí as oscilações. O amor é um sentimento o qual tanto se conhece como se desconhece. As escolhas amorosas são sempre misteriosas. 

O poeta é quem melhor consegue definir o amor. Foi Camões que ensinou: "Amor é fogo que arde sem se ver". Não se vê porque é invisível, pois se fosse visível tudo ficaria mais fácil. Sendo o amor invisível, ele precisa de provas, são as provas de amor, provas de que está vivo, pulsante. Nas mais variadas relações, um demanda do outro as demonstrações de ser realmente amado. O objetivo do amor é ser reconhecido pelo outro na sua essência singular. Sentir-se único, insubstituível, necessário, algo como se imaginar o melhor do mundo para o outro. O amor não nos protege dos azares da vida, mas ele é que gera os melhores dias da existência. O amor não é a perfeição, às vezes é o inferno, mas só ele nos reconcilia com o paraíso perdido. Concluí, com o tempo, que o amor também se aprende, quando ocorrem transformações narcisistas. Isso porque o amor aos progenitores, à primeira família, com o tempo, deve ceder espaço aos novos amores. Essas transformações psíquicas ocorrem ao longo de toda uma vida. O amor deve conquistar parte dos territórios dominados pelos amores infantis. Com o tempo e o vento a favor, o ser amado passa a ser o grande amor, ao crescer a coragem de abrir realmente o coração. Então se pode conhecer a plenitude amorosa. 

Há uma tendência a se dizer que o tempo vai matando o erotismo. Aí depende da capacidade de imaginação dos amantes de inventar, renovar o entusiasmo do casal. Desafio difícil, mas não impossível. E se a parceria amorosa estável não acontece, são possíveis os amores temporários. Também há os que se dedicam aos demais, seja no trabalho ou nas indispensáveis amizades. Aprecio escutar os que terminam inventando vidas criativas com amor às artes, aos animais, à natureza. O amor é uma ponte que permite sair de dentro de si para se abrir ao outro, ao mundo. 

Em psicanálise, se sabe que todas as histórias terminam falando de amor. O tratamento transcorre na relação transferencial. A transferência é uma história de amor, assim como no amor sempre ocorrem transferências. Transferimos protótipos infantis nos amores sem perceber, pois são inconscientes. Também ao escrever transfiro vivências, pensamentos através de palavras. Tenho buscado as palavras, mas nem sempre encontro. Desejo a todos nós mais amor neste novo ano, pois o amor também se aprende. Um dos aprendizados é que o amor não nos habita sem queimar. Por isso, os franceses dizem: o amor é uma loteria... não, não, pois na loteria se pode ganhar!
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 * Psicanalista

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

“Black Mirror’ nos faz ver como usamos o sofrimento alheio para expiar nossa insatisfação”

Maurício Dieter, professor de criminologia da USP, conversa sobre punitivismo a partir da série

Especialista discute justiçamento nas redes sociais e espetacularização de prisões no Brasil


Black Mirror, quarta temporada








A indústria do espírito

Jordi Soler*
 
 A indústria do espírito

Burguesia ocidental é o objetivo de uma operação mercantil que se fundamenta em um novo narcisismo


filósofo Daniel Dennett propõe uma fórmula para alcançar a felicidade: “Procure algo mais importante que você e dedique sua vida a isso”.
Essa fórmula vai na contracorrente do que propõe a indústria do espírito no século XXI, que nos diz que não há felicidade maior do que essa que sai de dentro de si mesmo, o que pode ser verdade no caso de um monge tibetano, mas não para quem é o objeto da indústria do espírito, o atribulado cidadão comum do Ocidente que costuma encontrar a felicidade do lado de fora, em outra pessoa, no seu entorno familiar e social, em seu trabalho, em um passatempo, etc.

De acordo com a fórmula de Dennett a chave está do lado de fora, no outro extremo, na atenção que dedicamos a coisas mais importantes do que nós, objetivo, certamente, nada difícil de se conseguir pois, a rigor, tudo é mais interessante do que nós mesmos. 
 
indústria do espírito, uma das operações mercantis mais bem-sucedidas de nosso tempo, cresceu exponencialmente nos últimos anos, é só ver a quantidade de instrutores e pupilos de mindfulness e de ioga que existem ao nosso redor. Mindfulness e ioga em sua versão pop para o Ocidente, não precisamente as antigas disciplinas praticadas pelos mestres orientais, mas um produto prático e de rápida aprendizagem que conserva sua estética, seu merchandising e suas toxinas culturais.

Há poucos anos a ioga e o mindfulness eram atividades marginais, praticadas por pouca gente e hoje se transformaram, em pouco tempo, em uma indústria multimilionária. Não vamos despreciar os benefícios físicos e mentais da ioga, e não se pode negar que na introspecção do mindfulness pode-se eventualmente enxergar alguma luz, mas também é verdade que o sucesso súbito e meteórico dessas duas indústrias dá o que pensar.

A questão atual é cultivar a espiritualidade, olhar para dentro de si, com um ar oriental, como veículo para se conquistar a felicidade. Como se a felicidade realmente fosse uma parcela conquistável, e não esse estado de ânimo aleatório, espontâneo e efêmero de, digamos, alegria integral, que chega de vez e quando e em rompantes. O que podemos mesmo experimentar são momentos de felicidade, a graça é justamente essa; se a felicidade fosse um estado permanente viveríamos em um mundo de idiotas com um sorriso bobo.

Frente ao argumento de que a humanidade, finalmente, tomou consciência de sua vida interior, por que demoramos tanto em alcançar esse degrau evolutivo?, proporia que, mais exatamente, a burguesia ocidental é o objetivo de uma grande operação mercantil que tem mais a ver com a economia do que com o espírito, a saúde e a felicidade da espécie humana.

Em seu ensaio America the Anxious (St. Martin’s Press, 2016)), a jornalista inglesa Ruth Whippman revela alguns dados reunidos pelo Departamento de Saúde dos Estados Unidos: mais de vinte milhões de pessoas, mais ou menos a metade dos habitantes da Espanha, praticam a meditação naquele país, e o gasto anual em custos de mindfulness, e os produtos derivados do ensino e da prática posterior, é de 4 bilhões de dólares (13 bilhões de reais). Os números da ioga são ainda mais importantes: os novos iogues investem 10 bilhões de dólares (33 bilhões de reais) por ano em aulas de ioga e acessórios como o tapetinho, as calças leggins, a garrafinha iogue de aço inoxidável para a água. Das indústrias que mais crescem, e mais rapidamente, nos Estados Unidos, a ioga ocupa o quarto lugar.

Em nossa época os idosos já não querem ser sábios, 
preferem estar robustos e musculosos
 
Isso ocorre em um país que em sua declaração de independência consagra por escrito a busca da felicidade (the pursuit of happines) como um dos direitos inalienáveis da população. Essa busca, como tudo o que acontece naquele país, se estendeu pelos países do Ocidente e chegou em outros lugares do mundo, como a Espanha e o Brasil, aplicada à indústria do espírito, com um sucesso, e uma militância entre seus praticantes, dos quais a maioria dos cultos não goza.

A indústria do espírito é um produto das sociedades industrializadas onde as pessoas já têm muito bem resolvidas as necessidades básicas, da moradia à comida até o Netflix e o Spotify. Uma vez instalada no angustiante vazio produzido pelas necessidades resolvidas, a pessoa se movimenta para participar de um grupo que lhe procure outra necessidade.

Esse crescente coletivo de pessoas que cavam em si mesmas buscando a felicidade, já conseguiu instalar um novo narcisismo, um egocentrismo new age, um egoísmo raivosamente autorreferencial que, pelo caminho, veio alterar o famoso equilíbrio latino de mens sana in corpore sano, desviando-o descaradamente para o corpo. O guru do século XXI convida seus pupilos a consentir-se a si mesmos, a tratar-se estupendamente enquanto encontram a porta da felicidade, os anima a descobrir os mistérios do mundo em seus próprios umbigos.

Esse inovador egocentrismo new age encaixa divinamente nessa compulsão contemporânea de cultivar o físico, não importa a idade, de se antepor o corpore à mens. Ao longo da história da humanidade o objetivo havia sido tornar-se mais inteligente à medida que se envelhecia; os idosos eram sábios, esse era seu valor, mas agora vemos sua claudicação: os idosos já não querem ser sábios, preferem estar robustos e musculosos, e deixam a sabedoria nas mãos do primeiro iluminado que se preste a dar cursos.

Mais de vinte milhões de pessoas nos Estados Unidos
 praticam a meditação

Walter Benjamin resgata o conselho de um velho sábio cabalista que vem ao caso; para conseguir uma mudança importante na vida não é preciso realizar grandes movimentos, e cursos de nenhuma espécie, eu acrescentaria: “Basta levantar um pouco essa xícara, ou esse arbusto ou essa pedra; e assim com todas as coisas”, recomendava o velho cabalista.

Se a indústria do espírito tem realmente os efeitos que sua clientela propagandeia, por que não vivemos rodeados de gente feliz e satisfeita?

Parece que o requisito para se salvar no século XXI é inscrever-se em um curso, pagar a alguém que nos diga o que fazer com nós mesmos e os passos que se deve seguir para viver cada instante com plena consciência. Seria saudável não perder de vista que o objetivo principal dessas sessões pagas não é tanto salvar a si mesmo, mas manter estável a economia do espírito que, sem seus milhões de subscritores, regressaria ao nível que tinha no século XX, aquela época dourada do hedonismo suicida, em que o mindfulness era patrimônio dos monges, a ioga era praticada por quatro gatos pingados e o espírito era cultivado lendo livros em gratificante solidão.
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* Jordi Soler é escritor.

Sentido da vida

Maria Ribeiro*

 Resultado de imagem para paz de espírito

Finalmente fui arrebatada por uma enorme paz de espírito

Eu sei, a culpa é minha também. Sempre é. Depois dos 40 a gente precisa se responsabilizar pelas coisas. Mas é que esse negócio de férias de fim de ano, vou te contar, é pior do que sentido da vida, uma coisa que não tem como dar certo. Você ser obrigado a não pensar em nada só porque “ficou combinado” é de uma violência que eu só vivi quando era pequena e era forçada a comer berinjela. Pra um ser humano como eu, que tem problemas sérios com infinito e vastidão desde que se entende por gente, não existe isso de “ficar off” só porque todo mundo fica (mas, também, vamos combinar que tanto o infinito quanto a vastidão são duas coisas totalmente inúteis e desagradáveis). Free ano novo, meu Brasil!

Porque acontece o seguinte. Esses problemas metafísicos, que já me dão a maior dor de cabeça — só que no peito — o ano todo, ainda fazem a gentileza de piorar muitíssimo quando chega dezembro. Meu HD não consegue se acostumar com esse reset obrigatório que vai do Natal ao Ano Novo de jeito nenhum, e, o que é pior, ainda tem a capacidade de se concentrar em tudo o que eu não dei continuidade no ano que chega ao fim, como se eu só me ativesse ao lado B da história.

O violão, por exemplo. Eu comecei a tocar pra fazer uma peça de teatro, mas parei com as aulas assim que a temporada acabou. Eu gostava de brincar de Nara Leão, eu fechava os olhos nos agudos, eu me vestia anos 60, eu me exibia no Instagram, era uma coisa que me fazia bem, mas cadê que eu continuei? Não continuei. E por quê? Porque não tinha mais um objetivo claro e determinado que justificasse tal esporte, olha que tristeza. O objetivo é o túmulo do samba.

O samba (e aqui vou perder 59 amigos do peito): minha grande questão com a folia de fevereiro é justamente o encerrar-se em si mesma. Eu sei que o legal é isso, mas, desculpa a sinceridade, só se você nasceu com esse superpoder. Tipo de fábrica. Quando eu era garota, até encontrava algum sentido em me fantasiar. Ia aos bailes do Clube Campestre, em Petrópolis, me vestia de colombina ou de Mulher-Maravilha, e tinha enorme prazer em deixar de ser eu, mas depois que fiz disso minha profissão... juro, não sou mais capaz. Atores são pierrôs profissionais (embora ser amador sempre me soe mais bonito). Resumindo: em 2017 me prometi ir ao Suvaco do Cristo e ao Bangalafumenga, mas quando eu vi já tinha sido, e eu não tinha ido.

Natal. Claro que, depois dos rebentos, a festa melhora muito, mas o meio do caminho, quando não se é mais criança mas também não se é mãe, olha, acho mais difícil que cuidar de Bonsai. Eu sei que muita gente não quer ter filho, e acho essa decisão admirável e corajosa, mas fico pensando em como seria atravessar esse Mar Vermelho com a água no pescoço sem ter aquela linha de chegada que é fazer os pequenos felizes. Filho é sentido garantido, e às vezes me pergunto se a maternidade e a paternidade não são mais um gesto de egoísmo do que de generosidade, já que muitos progenitores ainda cobram dos filhos o amor que lhes foi dado na infância ou na juventude, como se só o sentido recebido com a existência deles já não tivesse sido uma troca justa.

Todas essas palavras errantes pra dizer que apesar de viver atormentada 24 horas por dia com as perguntas “por que existe tudo e não o nada?” e “de onde viemos e pra onde vamos, e por quê?”, e de tudo isso ser elevado ao cubo em dezembro, eu finalmente fui arrebatada por uma enorme paz de espírito que certamente superará o sentido — ou a falta dele — do ano novo quando tomei a sábia decisão de viajar de carro pra Bahia. À la Guimarães Rosa, vou me entregar às benesses da travessia com toda a farofa a que tenho direito: três livros, Spotify premium, cinco sacolas gênias de supermercado, três barras de chocolate meio amargo com flor de sal e uma caixa de ansiolítico só pra saber que qualquer coisa ela tá ali.

Por que o fim do ano não é composto por dez domingos seguidos? E por que nesta época todo mundo tem que ficar num mood de vestir branco e fazer metas? Sim, porque de 24 a 2 ninguém toma nenhuma decisão importante — quer dizer, pode ser que o Gilmar Mendes queira liberar o Sérgio Cabral no dia 31 pra passar o ano novo em casa, mas fora isso, só os adventos da mãe-natureza, como chuvas ou tsunamis, desprezam o calendário vigente. Não há casamentos, nem separações, nem admissões, nem demissões, nem grandes cadernos nos jornais. Tem um pessoal que nasce e outro pessoal que morre, mas também é mais raro. De modo que, em nada disso ocorrendo, e você querendo chegar logo e sem dor ao dia primeiro do ano que vem, o segredo é escolher uma praia no litoral baiano e pegar a BR 116.

Parece que a estrada é péssima, mas que a vista é linda; que tem algum trânsito na saída do Rio mas que Vitória do Espírito Santo é uma beleza e vale o pernoite; que o tempo vai demorando mais a passar conforme a viagem avança, mas que as relações na estrada se estreitam de forma comovente, e que, a tudo isso se soma o calor típico do nosso verão, tornando a viagem uma aventura tão grande que certamente o réveillon se tornará menos importante no departamento “sentido da vida” e “pensar sobre o ano”.

Eu sei que a culpa também é minha. Que se eu fizesse esportes pensaria menos. Que se eu tomasse sol dormiria mais. Que de alguma forma me apeguei a essa necessidade de entendimento insuportável, um olhar de fora que me leva na coleira desde pequena, como se eu nunca tivesse sido menina, como se eu nunca pudesse apertar o stop. Mas quer saber? Sou feliz assim. Minhas comemorações são independentes e muitas vezes silenciosas, e todos os dias acordo querendo fazer tudo diferente. O ano que passou foi lindo, e continuará sendo por mais quatro dias inteiros. A eles e aos próximos, minha gratidão.
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 * Atriz. Colunista da Globo

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

" Sabemos disso "

Há juízes pintados para a guerra 


- ELIO GASPARI

FOLHA DE SP/O GLOBO - 27/12

Numa entrevista ao repórter Fausto Macedo, o presidente da Associação de Juízes Federais, Roberto Veloso, defendeu o auxílio-moradia de R$ 4.300 mensais livres de impostos pago aos seus pares e aos procuradores.

Uma parte de sua argumentação é sólida, pois, se o magistrado ou o procurador é transferido para outra cidade, faz sentido que receba algum auxílio. Quando Macedo levantou o tema do servidor que recebe o auxílio tendo casa própria na cidade em que vive há anos, Veloso respondeu que "não há uma ilegalidade no pagamento".

"Eu me referia a uma preocupação de caráter moral", esclareceu Macedo.

"Não estamos com essa preocupação. Não é uma pauta nossa", respondeu o presidente da Ajufe.

Alô, alô, Brasil, quando um juiz tem um pleito em nome de sua classe e diz que não se preocupa com a sua moralidade, a coisa está feia.

Segundo a Advocacia-Geral da União, o auxílio-moradia custa R$ 1 bilhão por ano. Dentro da lei, somando-se todos os penduricalhos dos servidores do Judiciário da União e dos Estados, chega-se a cifras assustadoras.

Um relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em janeiro passado estimou que em 2015 eles custaram R$ 7,2 bilhões. (As 30 toneladas de ouro tiradas de Serra Pelada valeriam R$ 4,6 bilhões em dinheiro de hoje.)

O problema dos penduricalhos volta para a pauta quando se sabe que 7 em 10 juízes ganham acima do teto constitucional de R$ 33 mil.

Na ponta do realismo fantástico, um juiz paulista que foi aposentado e cumpre pena de prisão em regime semiaberto por crime de extorsão recebeu em agosto passado um contracheque de R$ 52 mil. Tudo dentro da lei.

Os penduricalhos e os salários que produzem estão corroendo a imagem do Judiciário, logo a dele, onde uma centena de magistrados e procuradores fazem a grande faxina iniciada pela Lava Jato.

Essa questão pecuniária caiu no meio de um pagode, no qual ministros do Supremo se insultam, Gilmar Mendes descascou a Procuradoria-Geral de Rodrigo Janot e foi por ele acusado de "decrepitude moral".

Desde maio está no gavetão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, um pedido de Janot para que o ministro seja impedido de julgar casos envolvendo o empresário Eike Batista.

Nas razões que apresentou para desqualificar o pedido de Janot, Gilmar Mendes incluiu um provérbio português como epígrafe: "Ninguém se livra de pedrada de doido nem de coice de burro". Não deu outra.

Caiu na rede um áudio atribuído ao juiz Glaucenir Oliveira, titular da Vara Eleitoral de Campos (RJ), que mandara prender o ex-governador Anthony Garotinho, solto por Gilmar.

Em inédita baixaria, o juiz disse que "eu não quero aqui ser leviano, estou vendendo peixe conforme eu comprei, de comentários ouvidos aqui em Campos hoje. [...] O que se cita aqui dentro do próprio grupo dele [Garotinho] é que a quantia foi alta. [...] A mala foi grande."

Esse é o preço cobrado ao espírito de corpo do Judiciário. Em 2011 o juiz Glaucenir dirigia sem cinto e viu que estava sendo multado por uma guarda municipal. Deu ré, carteirou-a e insultou-a.

Quando ela disse que o levaria à delegacia, o magistrado informou: "Quem vai te conduzir sou eu". Se ele não pagou a multa, a conta ficou para Gilmar Mendes. Ninguém se preocupa quando uma guarda municipal leva uma pedrada.

A expulsão do embaixador 

- EDITORIAL O ESTADÃO

   ESTADÃO - 27/12

Com a decisão de declarar 'persona non grata' o embaixador brasileiro na Venezuela, o governo de Maduro tenta fechar deliberadamente mais uma porta para o diálogo com seus vizinho

Com a decisão de declarar “persona non grata” o embaixador brasileiro na Venezuela, Ruy Pereira – o que significa a expulsão do representante, que se encontra no Brasil para as festas de fim de ano –, o governo do presidente Nicolás Maduro tenta fechar deliberadamente mais uma porta para o diálogo com seus vizinhos e, ao mesmo tempo, volta a usar a velha técnica de criar inimigo externo para desviar a atenção da grave crise em que o regime chavista mergulhou o país. Depois do imperialismo americano, chegou a vez de o Brasil e o Canadá – cujo encarregado de negócios foi também expulso – encarnarem aquele inimigo fictício.

O anúncio foi feito no sábado passado pela ex-chanceler Delcy Rodríguez, que agora preside a Assembleia Nacional Constituinte, controlada pelo chavismo e inventada por Maduro para usurpar os poderes da Assembleia Nacional na qual a oposição tem maioria. Em nova demonstração da desfaçatez que se tornou uma das marcas da ditadura que impera em seu país, Rodríguez declarou que aquela medida deve durar “até que se reconstitua o fio constitucional nesse país irmão”, retomando a velha cantilena chavista de que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi um “golpe”.

Maduro e seus acólitos não se conformam com a perda da cumplicidade de Lula da Silva, de Dilma Rousseff e do PT com seus desmandos autoritários. Eles estão entre os últimos que ainda insistem em não ver, ou em fingir que não veem, o desastre político, social e econômico em que o chavismo afundou a Venezuela. Com o governo do presidente Michel Temer, o Brasil abandonou essa aventura irresponsável. Não por acaso, dias antes da expulsão do embaixador brasileiro em Caracas, durante reunião de cúpula do Mercosul, Temer afirmou que a suspensão da Venezuela do bloco, com base na cláusula democrática, foi “uma medida que se impunha”.

E expressou o desejo de que esse país volte à democracia, quando então será recebido de braços abertos no Mercosul. No mesmo dia, o Itamaraty condenou em nota oficial a decisão de Maduro de dissolver os governos municipais da Grande Caracas e Alto Apure, qualificando-a de exemplo do “continuado assédio” contra a oposição. Foi-se o tempo dos afagos dos governos petistas ao autoritarismo chavista.

Embora tratando de forma dura os desmandos do chavismo, o governo brasileiro tem agido de forma serena e responsável. Declarou esperar a confirmação da decisão de considerar Ruy Pereira “persona non grata” – o que “demonstra, uma vez mais, o caráter autoritário da administração Nicolás Maduro e sua falta de disposição para qualquer tipo de diálogo” – para aplicar as medidas de reciprocidade que se impõem em casos como esse. Entre elas estará certamente dar o mesmo tratamento ao mais graduado representante da Venezuela em Brasília.

Mas tudo indica que, pelo menos no ponto em que a situação está, o Brasil insistirá em manter aberta a possibilidade de diálogo. Esse tem sido o comportamento do atual governo. O Brasil ficou sem embaixador em Caracas de agosto de 2016 – por causa da crise diplomática provocada pelo governo Maduro, com suas críticas ao processo de impeachment de Dilma Rousseff – até maio de 2017, quando enviou à Venezuela o diplomata Ruy Pereira. 

Esse foi um gesto de boa vontade, não só pelo fato de o Brasil ter novamente um embaixador em Caracas, como também porque Pereira tinha diálogo fácil com os principais líderes chavistas e poderia se entender da mesma forma com os partidos de oposição. É esse canal de entendimento que Maduro tenta fechar e que o governo brasileiro parece disposto a manter aberto, enquanto isso for possível.

É um esforço feito certamente pensando no futuro, quando a Venezuela se livrar do chavismo. E também no presente, porque a crise humanitária, que se agrava a cada dia naquele país, exige que se pense em encontrar formas de ajudar o seu povo, apesar do regime que o oprime e infelicita.