sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

" Veraneio no Litoral Norte "


Entra veraneio, sai veraneio, escrevo uma crônica mais ou menos como a que estou escrevendo agora. Mesmo com engarrafamentos amazônicos, problemas de fornecimento de água e luz e outros de infraestrutura, mesmo com problemas de criminalidade, abastecimento etc., os gaúchos seguem para o litoral em busca de um ar fresco, dos amigos , de descanso e lazer.
Capão da Canoa RS Jan 2013, e as vendas na beira mar


A queixa de que as prefeituras cobram IPTU e não fazem muito pelos veranistas continua. Os proprietários de imóveis em condomínios horizontais, especialmente, pagam IPTU alto e resolvem praticamente tudo, com seus recursos. Os ambientalistas e a legislação seguem rígidos talvez demais e não se pode plantar nada na orla, quando, no Rio de Janeiro, por exemplo, o poder público investe em recuperação de flora marinha.

As prefeituras poderiam construir deques de madeira nas avenidas beira-mar. Não custa muito caro e todos aproveitariam. Enfim, veranistas e moradores do litoral deveriam, a meu ver, conversar mais entre si e buscar soluções e melhorias. Seria bom para todos. Boa parte dos veranistas passa só os oito ou nove fins de semana na praia.

Uma parte fica durante a semana. As férias escolares por vezes terminam antes de fevereiro acabar e aí o veraneio fica reduzido. Por que não férias nas duas primeiras semanas de março, melhor mês? Todos aproveitariam mais as casas, apartamentos, colônias de férias, hotéis e pousadas. Pessoas de baixa renda teriam mais acesso. Acho que todos nós estamos nos contentando com pouco e que as coisas poderiam ser bem diferentes, para o benefício dos moradores e veranistas.

Nem vou falar de preços, condições higiênicas, até na beira da praia e outros detalhes. Eu sei, eu sei, o quente da praia é a turma, o contato com a família e os amigos, churrasquinho, camarãozinho, chopinho, ótimo isso tudo, estou dentro, mas, mesmo repetitivo, escrevo sobre o tema, por que tenho esperança de que o samba não morra e que a gente consiga dar um upgrade no veraneio. Acho que precisávamos também criar opções para aproveitar o litoral durante o resto do ano. Sei que é difícil, que é cultural e que no inverno ninguém está a fim do vento e do frio.
Pois é, vamos nos reunir, conversar, ver alternativas. Férias escolares mais longas no verão, maior diálogo entre veranistas e moradores, prefeituras mais atentas com os veranistas, deques na beira, mais vegetação e árvores na orla, melhor infraestrutura, esgoto, luz etc. Acho que é possível. Você pode dizer que sou um sonhador. Tomara que eu não seja o único.

 

" Por que as pessoas gritam ? "

 

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Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta a seus discípulos:

- Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?

- Gritamos porque perdemos a calma, disse um deles.

- Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado? – Questionou novamente o pensador.

- Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça, retrucou outro discípulo.

E o mestre volta a perguntar:

- Então não é possível falar-lhe em voz baixa?

Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador.

Então ele esclareceu: – Vocês sabem porque se grita com uma pessoa quando se está aborrecida?

Quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância.

Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão apaixonadas?

Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê?

Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram.

E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem.

É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas.

Por fim, o pensador conclui, dizendo:

- Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.

" Nosso Eterno Vagabundo "

Rodrigo Suzuki Cintra*
Divulgação / Divulgação

A vestimenta foi escolhida de última hora, apenas alguns momentos antes de entrar pela primeira vez em cena. Deveria passar uma impressão contraditória, desproporcional. As calças, grandes e largas demais, o paletó, muito apertado e descosturado, o chapéu-coco pequeno e as botas exageradamente grandes e desgastadas. Mas o figurino somente estaria completo com a incorporação de uma bengala de bambu e um bigodinho característico, em forma de trapézio.

Esses elementos, adereços que fundam toda uma simbologia, no entanto, não podem exercer sua função cômica e de estranhamento sem um ator que atribua significado a eles. Mesmo o jeito de andar peculiar, com as pernas muito abertas, a mania de tirar o chapéu para cumprimentar todos, inclusive objetos inanimados, os trejeitos com que sorri e faz pose para a câmera não são suficientes para completar a equação que explique um pouco de como Carlitos foi idealizado como um personagem absolutamente desconcertante e único.

Trata-se de um vagabundo, não há dúvida, mas o mesmo sistema que o põe à margem, que inviabiliza seu sucesso enquanto um homem bem posicionado no universo do capital, tem que se curvar perante sua ética pessoal, o que verdadeiramente o caracteriza. É o lado humano desse maltrapilho que nos conquista, acostumados que estamos com uma ética que pulveriza o social e estabelece um individualismo cruel. Carlitos não é apenas um palhaço - o mais perfeito que o cinema pôde inventar. É, para além da graça, o personagem mais crítico ao sistema de poder e dominação que o século das imagens retratou.

Sua primeira aparição nas telas se deu logo no segundo filme de Charlie Chaplin, "Corrida de Automóveis para Meninos", em 7 de fevereiro de 1914. Chaplin, no entanto, ao recordar os momentos iniciais de sua longa carreira, alega que a estreia do vagabundo se deu no terceiro filme rodado pela Keystone Studios, "Carlitos no Hotel". Controvérsias à parte, a verdade é que Chaplin, há cem anos, talvez tenha construído o personagem ficcional mais famoso de todo o século XX.

Artista múltiplo, Charlie Chaplin não era, é preciso ressaltar, apenas ator. Foi diretor, roteirista e produtor da maioria de seus filmes. Pode-se acrescentar que foi um dançarino e músico formidável, também. Um verdadeiro gênio, que dominava a sua arte, o cinema, como nenhum outro.

Chaplin, com o seu Carlitos, foi completamente insuperável e idolatrado na era do cinema mudo e seus trejeitos, como o seu famoso pontapé para trás, foram reconhecidos e imitados pelo mundo afora. Muitos, principalmente os críticos de cinema, se perguntaram se Chaplin sobreviveria na era do cinema falado. Hoje, com o distanciamento que só o tempo pode impor às grandes obras, pode-se perceber que a arte de Chaplin não morreu com a introdução do som, mas impôs ao diretor novos desafios para contar uma história. Chaplin, obviamente, venceu a parada. Se por um lado, o personagem desaparece propositalmente das telas, com a revolução que a fala representou, pode-se encontrar a lógica de Carlitos em filmes como "O Grande Ditador" e "Luzes da Ribalta" (ambos filmes essenciais).

O vagabundo é um tipo e tanto: balança uma bengala e faz pose de cavalheiro, porém, não se furta a pegar e fumar bitucas de cigarro que encontra pelo chão ou roubar docinhos de criança. Satiriza o poder estabelecido e tem um jeito peculiar, às vezes meio de lado, às vezes de frente, quase uma espécie de empurrão, de chutar o traseiro das pessoas, principalmente os representantes da ordem e os poderosos. Ninguém realmente se machuca com esses pontapés inofensivos, é bom que se diga, mas em algum lugar o poder sofre um pouquinho. Pegos de surpresa, os personagens que recebem os pontapés no traseiro não se enganam: foram desrespeitados, não foi reconhecida a sua autoridade.

Ironia ou não, esse personagem marginal ao sistema não tem voz. Falar não era o modo de expressão mais apropriado ao vagabundo. Então, Carlitos tem que testar, a todo momento, os limites da linguagem. A expressão corporal magistral possibilita o "timing" da piada. Mas a maior de todas as subversões desse personagem é a maneira como o vagabundo ressignifica os objetos de consumo, como revoluciona a sua utilidade. Carlitos não faz aquisição nem destruição dos objetos do desejo. Ele opera uma disfunção, uma perda do significado do objeto, que, sendo feito para certo propósito, serve a outro completamente diferente.

A bengala de bambu é um exemplo. Carlitos a balança da mesma maneira que os policiais balançam cassetetes. Porém, se esses cassetetes simbolizam a ordem, o sistema, a bengala de Carlitos, ao contrário, vem ao mundo só para confundir e pregar peças. A bengala, que deveria servir para se apoiar, para o vagabundo tem utilidades que ultrapassam - e muito - o objetivo de impedir a queda. Ela torna as coisas distantes mais próximas, por meio de um movimento peculiar com o qual Carlitos puxa outros objetos se utilizando do gancho da bengala. Ela também serve para dar arrastões em policiais, cutucar as pessoas - principalmente no traseiro, local predileto do vagabundo para tirar sarro - e impedir que indesejados cheguem muito perto. Varinha mágica?

"Em Busca do Ouro", obra-prima de Chaplin, mostra como a ressignificação dos objetos operada pelo vagabundo, ao ser levada às últimas consequências, imprime uma poética da imagem que ajudou a tornar possível a compreensão do cinema como arte, nos primórdios do cinema, ainda mudo.
Passando fome, confinado em uma cabana por causa da neve e do frio, Carlitos resolve fazer uma refeição inusitada, quase um banquete, apesar da ausência total de alimento. Come seu sapato, que cozinhou com dedicação. Seriam os cravos espinhos de um suculento peixe? Os cadarços, espaguetes?

No mesmo filme, uma cena banal, aparentemente simples, vai dar o tom da beleza e registrar um dos momentos máximos da história do cinema. Carlitos adormece e sonha que está conduzindo uma dança realizada por dois pãezinhos presos por garfos (pernas). A dancinha dos pães lembra o próprio andar do vagabundo - passos de dança harmoniosos, que flertam com o balé, mas, ao mesmo tempo, desconcertantes, quase impossíveis. Uma coreografia imaginária desse mestre, para quem o improviso também era uma forma de técnica.

"Tempos Modernos" (1936) é o último filme em que se pode encontrar a figura de Carlitos. Ali, é possível identificar uma série de questões que tornam a produção o que o crítico francês André Bazin chamou de um verdadeiro "filme de tese". A maquinização do cotidiano elevada à potência da mecanização dos gestos, a questão social e política (Carlitos é preso numerosas vezes nesse filme, sem ter feito mal algum...), o universo do trabalho retratado pela lógica dos excluídos - tudo é explosivo.

De caso pensado, Chaplin, que negou ao vagabundo a possibilidade da fala durante toda a carreira, resolve, ao fim do filme, fazer o personagem cantar. Carlitos, no entanto, vai cantar uma música em que as letras não fazem sentido. Ele simplesmente inventa palavras, que, apesar de parecer familiares, não existem. E conta uma história completa apenas com os artifícios e manhas que adquiriu ao longo da construção do mítico personagem burlesco. O espectador entende perfeitamente bem a história inventada e cantada por Carlitos, apesar de faltarem as palavras. Golpe na crítica, Chaplin provava que a arte mímica ainda fazia todo sentido, ao mesmo tempo em que dava o primeiro passo para o cinema falado. Seu filme seguinte foi "O Grande Ditador" (1940), uma sátira aberta e ultracrítica de Hitler.

Curiosamente, Chaplin não precisou, nesse filme, alterar muito seu figurino habitual. De fato, Hitler usava um bigodinho em forma de trapézio muito parecido com o de Carlitos. O golpe ao ditador não poderia ser, então, mais certeiro. Perante a tragédia máxima da ascensão do nazismo e a manutenção do poder de Hitler, Chaplin apresentou uma comédia mordaz. Entre o choro e o riso, em 1940, um bigode dividia o mundo.
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* Rodrigo Suzuki Cintra é filósofo e doutor em direito pela USP, leciona na Universidade Mackenzie
Foto: Chaplin como Carlitos em "Corrida de Automóveis para Meninos": esse artista múltiplo talvez tenha criado, em 1914, o personagem ficcional mais famoso do cinema do século XX
Fonte: Valor Econômico online, 31/01/2014

" Super Papa "

Grafito
Maupal, criador do grafito do "SuperPapa": Não vou à igreja mas gosto de Francisco; é o único a usar o poder para o bem

Na segunda-feira, com a escuridão a seu favor («em teoria é uma ação ilegal, faz-se sempre de noite»), Mauro Pallota, pintor de profissão, artista de rua por paixão, desenhou na parede de uma das ruas de Roma, a dois passos do Vaticano, o "SuperPapa".

«É um grafito ecológico e removível» que retrata o papa Francisco nas vestes de um super-herói», diz Mauro, nascido em 1972, que esta quarta-feira não teve descanso, com o telefone a tocar todo o dia.
«Disseram-me para ir à Via Plauto [onde o grafito foi desenhado] e encontrei câmaras de filmar, fotógrafos, jornalistas», recordou o artista, que esperava uma apreciação favorável mas nunca imaginou que desse a volta ao mundo.

«Os meus trabalhos de rua tiveram sempre reações positivas; pensava que este iria fazer um pouco mais de rumor, mas não que chegasse a todo o lado», disse sobre o grafito que o Pontifício Conselho das Comunicações Sociais publicou no seu perfil na rede social Twitter.

«Levei mais tempo a encontrar a parede certa sobre o qual o fixar do que a desenhá-lo», conta "Maupal", como assina. «Quanto à zona - prosseguiu - nunca tive dúvidas: em Borgo Pio, o bairro papal por excelência, onde nasci e cresci, e aqui hoje todos adoram Francisco.»

Foto
Mauro Pallota junto do grafito

«Precisamente pela empatia que consegue criar à sua volta, o papa é muito pop, e quis desenhá-lo pop, como numa banda desenhada. Os superpoderes de que o dotei representam o enorme poder de que dispõe, que ele usa, o único líder no mundo, para fazer o bem. É o único que faz aquilo que diz e diz aquilo que faz.»

«Os heróis das bandas desenhadas americanos descendem dos da mitologia grega, e eu quis interpretá-lo nessa chave, mas com toques de humanidade, como o cachecol da equipa argentina do San Lorenzo, por quem ele torce, os sapatos velhos e aquela mala preta de que nunca se separa.»
«A ideia chegou-me numa tarde, há algumas semanas: estava a folhear um pequeno jornal de super-heróis quando na televisão começaram a falar do papa. Na minha cabeça foi como um curto-circuito: o papa é um super-herói.

Pallota teve uma educação católica, mas hoje «não frequenta». Por isso, parece-lhe que a sua homenagem a Francisco faz ainda mais sentido: «Gosto precisamente dele como homem, não porque acredite».
Grafito
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Piero Negri
In Vatican Insider
Trad./redação: rjm

" O Consumimo da elite é " de-ses-pe-ro " !!!

9 mil pacientes atendidos, 1 milhão de livros vendidos e programa na cbn (Foto: João Mantovani)

O psiquiatra Flávio Gikovate fala sobre as angústias da elite que frequenta seu consultório e o estresse do mundo moderno

 
Flávio Gikovate não tem um divã. Quando um paciente chega ao consultório dele, num dos endereços mais caros de São Paulo (a Rua Estados Unidos, nos Jardins), encontra primeiro uma fachada de cimento queimado com portas altas de correr.
 Depois, pode tomar café na recepção térrea, entre um jardim interno envidraçado e telas coloridas de Claudio Tozzi. Na hora da consulta, sobe por uma escada sem paredes laterais até a sala do psiquiatra e se senta: ou num sofá, ou numa poltrona bem confortável de couro preto. Mas divã, como no nome de seu programa semanal na rádio CBN (No Divã do Gikovate), não tem. “Sempre trabalhei assim, prefiro olho no olho”, diz. Talvez seja o olho no olho, talvez seja o método da “psicoterapia breve” e a promessa de alta em seis meses – que faz com que ele atenda 200 pacientes por ano. Fato é que Gikovate se tornou o confidente de alguns dos empresários e executivos mais bem-sucedidos do país. Nesta conversa, ele fala sobre a gastança dos brasileiros ricos, a cabeça do bom líder e outros temas atuais, mas de um ponto de vista diferente. Ou você já tinha ouvido que a culpa do consumismo é da pílula anticoncepcional?

Dinheiro anda comprando mais felicidade ou infelicidade? Esses dias uma moça me perguntou se era possível ser feliz sendo pobre. Estudos de Harvard mostram que se faltar dinheiro para o básico – saúde, comida – provavelmente o indivíduo não consegue ser feliz. Algum para o supérfluo também é importante. Agora, de um ponto para cima, ele pode atrapalhar bastante. O consumismo é muito mais fonte de infelicidade do que de felicidade. O prazer trazido é efêmero, uma bolha de sabão – e em seguida vem outro desejo. Ele gera vaidade, inveja, uma série de emoções que estão longe de qualquer tipo de felicidade. E tudo vira comparação. Outro estudo diz que um indivíduo que ganha US$ 40 mil numa comunidade em que a média é de US$ 30 mil é mais feliz do que se ganhar US$ 100 mil e a média for de US$ 120 mil.

A elite brasileira é consumista demais? Comecei a trabalhar em 1967, vi a chegada da pílula [anticoncepcional] e a emancipação sexual dos anos 60. Na época, achava-se que essa liberdade iria ‘adoçar’ as pessoas. ‘Faça amor, não faça guerra.’ Mas sexo e amor são coisas diferentes. É triste ver que os ideólogos daquela revolução estavam totalmente errados, porque a emancipação sexual aumentou a rivalidade entre os homens e entre as mulheres, foi criado um clima de competição, atiçou tudo que tinha de ruim no ser humano. Foi um agravador terrível do consumismo. Em países de Terceiro Mundo – e, intelectualmente, aqui é quase Quarto Mundo –, a elite só piorou nesse tempo. É uma elite medíocre, ignorante, esnobe. Na Europa e nos EUA, o exibicionismo da riqueza é muito menor. Na Europa, as pessoas consomem qualidade, não quantidade. Elas têm uma bolsa cara, mas não mil bolsas, para fazer disputa. Aqui há um comportamento subdesenvolvido e medíocre. E totalmente competitivo. As festas de casamento e de 15 anos são patéticas. A próxima festa tem de ser maior. Isso é sem fim. É sofrimento, é infelicidade. A quantidade e o volume com que as pessoas correm atrás dessas coisas é desespero.

"Mas a maior felicidade das pessoas ainda
é quando conseguem estabelecer
vínculos amorosos de qualidade."

Então o sexo é culpado pelo consumismo? Desde o início, o erótico está acoplado ao consumismo. Nos anos 20, foi preciso introduzir novos produtos que não tinham a ver com necessidades, como o xampu. A ideia que tiveram foi acoplar um desejo natural a um desejo que se queria criar. Então botavam uma mulher gostosa para vender xampu. O consumismo sempre esteve relacionado ao erótico, não ao romântico. O romântico é o anticonsumismo. As boas relações amorosas levam as pessoas a uma tendência brutal ao menor consumismo. A verdadeira revolução, se vier, vai estar mais ligada ao amor do que ao sexo.

PAPO CABEÇA
Ele elogiou o livro O Amor nos Tempos do Capitalismo, de Eva
Illouz, e os filmes Rush, sobre Niki Lauda, e Blue Jasmine, de Woody Allen

Quais são outras fontes de angústia dessa elite que você atende? Só para explicar: sempre fui bem [na carreira], faz pelo menos 30 anos que atendo algumas das pessoas mais bem-postas do país. Outro trabalho que sempre fiz foi por meio da mídia, em jornais, revistas e, há seis anos e meio, na CBN. É outra forma de ajudar as pessoas. Então tem dois mundos que eu atendo, o dos ricos e o do povo. E as diferenças são pequenas. São conflitos sentimentais, mais do que sexuais. Problema de família, briga de irmãos. Empresários têm muitos problemas de sucessão. O pai tem dificuldade de soltar a rédea e o filho tem a frustração de estar com 40 anos e não ter assumido os negócios. Outras vezes são problemas de ordem financeira, mesmo. O cara está indo mal, fica angustiado, tem os problemas familiares que derivam disso. Tem as tensões societárias... Empresa é complicado, quando vai bem tem problema, quando vai mal tem problema.

Por que trabalhar, no mundo moderno, é quase sempre tão estressante? Estresse significa uma reação física para enfrentar situações de ameaça, portanto, quando o ser humano vivia na selva também tinha estresse. O estresse vem da ameaça, então numa empresa em que você é cobrado o tempo todo, vive com medo de ser demitido, você cria um clima muito mais grave de ameaça que o necessário. Estresse é ameaça. Sobrecarga cansa, mas não estressa.

Você às vezes se sente estressado? Cansado. É diferente. Mas às vezes fico um pouco acelerado no pensamento, o que eu não gosto, porque empobrece a reflexão. Tenho a sensação de que o tempo ficou curto, de estar sempre devendo alguma coisa. Você se sente sempre em falta com um livro que não leu, um filme que não viu. Quando eu era moço, tinha cinco ou seis filmes importantes por ano para ver. Hoje, tem cinco filmes por mês. E bons!
Flávio Gikovate (Foto: João Mantovani)
Qual é uma boa válvula de escape desse mundo acelerado? Um pouco mais de folga de horários, mais tempo para algum tipo de relaxamento. As prescrições passam por exercício físico, ioga e meditação – porque esvaziar a cabeça é certamente um grande redutor de ansiedade. Passam também pelo uso de medicação. Mas tudo isso são atenuadores. Se o trabalho fosse um pouco menos competitivo, seria possível abrir mão desses remédios.

Como um bom líder pode ajudar a reduzir as tensões no trabalho? O bom líder é respeitado naturalmente, não por meio do medo. As pessoas reconhecem que ele está apto para o cargo e o exerce da forma mais democrática possível. Ou seja, antes de tomar uma decisão, consulta quem trabalha com ele, o que não significa terceirizar a decisão. O voto final é do líder, mas não sem ouvir todo mundo. A governança não pode se dar por atos irracionais, pelo humor do patrão. Deve se dar por normas que todo mundo conhece. Uma das maiores causas de estresse é ter um patrão cujo humor vai influir na forma como ele gere a empresa. Por isso a governança corporativa é importante, porque é um conjunto de normas que vai valer todo dia.

Você costuma ouvir: “meu chefe não me escuta”?Todo mundo tem esse defeito [de não escutar]. O pai com o filho, o chefe com o subordinado... No caso do chefe, é mais comum porque chefe acha que sabe mais por definição, o que é uma grande bobagem. Um filósofo disse: humildade é a capacidade de aprender com quem sabe menos do que você. Ouvir alguém de verdade é estar disposto a abrir mão da sua ideia em favor da outra, se a outra for melhor que a sua. Boa ideia não tem dono. Toda boa ideia que eu ouço vira minha – e eu jogo fora minha velha ideia.

"Uma grande causa de estresse é ter um patrão
cujo humor vai influir na gestão"
Que mudanças devemos ver daqui para a frente, em termos de comportamento? As grandes transformações estão ligadas à mudança no papel da mulher. Na minha turma de faculdade, havia 78 homens e duas mulheres. Hoje, as faculdades têm em média 60% de mulheres. É porque os homens estão mais folgados e as mulheres, mais guerreiras. Mas isso vai dar numa série de desequilíbrios. Não sei se as mulheres vão gostar de sustentar os homens, nem se os homens vão gostar de ser sustentados. No ambiente de trabalho não tem problema nenhum, ao contrário, muitos empresários acham que as mulheres trabalham melhor. Mas em casa vai dar problema. Como faz para ter filho? Quem vai cuidar? Como vai terminar isso, ninguém sabe. A verificar. Mas não pense que é uma variável desprezível. A independência econômica da mulher desequilibra pra caramba o mundo.

Além do consultório, o senhor também foi bem-sucedido para vender livros? Não tenho do que reclamar. Desde 1975, publiquei 32 livros e vendi mais de 1 milhão de cópias.

Qual o melhor? Não sei. Minha mulher diz que é O Mal, o Bem e mais Além. É difícil falar. Gosto sempre dos mais recentes, mas no fundo são a reescritura daquilo que fiz nos anos 70 e 80.

E quando as pessoas muito ricas são felizes, o que costuma levar a isso? Os executivos que se sentem realizados são aqueles que gostam do que fazem. Às vezes, ficam até viciados. Mas a maior felicidade das pessoas ainda é quando conseguem estabelecer vínculos amorosos de qualidade. Tanto faz ser executivo ou não. É o que tem de mais importante. Gostar do que se faz e ter uma boa parceria sentimental talvez sejam as duas principais fontes de felicidade nesse nosso mundo.
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Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2014/01/o-consumismo-da-elite-e-desespero.html

" O que há de novo na " direita " ?°??

 

Joel Pinheiro*

algo novo no ar; nos artigos de opinião, nas discussões políticas, no comentário econômico. Os observadores mais atentos, olhando de longe a movimentação que veio de fora dos meios esperados - a academia, a grande imprensa, a política, o meio artístico -, já têm um nome na ponta da língua: "nova direita" - nome dado, evidentemente, pela velha esquerda.

De perto ela é mais complexa. A tal "nova direita" é no mínimo duas coisas bem distintas. E, dessas duas, uma nem é direita, embora seja nova. Nesse mesmo balaio estão dois grupos: conservadores e libertários. Eles têm algo em comum: a insatisfação com o estado do Brasil e a descrença nas opções políticas disponíveis ou mesmo na política como um todo. Não pertencem à direita tradicional e, obviamente, se opõem ao governo do PT. O que não quer dizer que aceitem de bom grado o rótulo de direita.

Bem, os conservadores aceitam. Sua marca distintiva é justamente o ódio a tudo o que vem da esquerda. Consideram-se desprovidos de ideologia. Não querem grandes revoluções ou mudanças bruscas e populistas. Veem no PT não apenas um partido de esquerda e, sim, a peça de um movimento político corrupto, revolucionário e destrutivo que põe o país em risco.

Nesse ódio ao esquerdismo entram articulistas como Reinaldo Azevedo no campo da política e, no da cultura, o filósofo Luiz Felipe Pondé. Para além deles, aparece aqui e ali uma série de jornalistas, comentadores sociais e mesmo artistas, cada um com seu público fiel: Rachel Sheherazade (SBT Brasil), Paulo Eduardo Martins, Lobão.

Por trás de todos está um mentor em comum: Olavo de Carvalho, jornalista e filósofo que vive nos Estados Unidos, de onde escreve artigos e dá cursos on-line. Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade, Lobão e Reinaldo Azevedo são leitores seus. Felipe Moura Brasil, novo blogueiro da "Veja", é o organizador de seu livro mais popular - "O Mínimo Que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota", coletânea de artigos que resume seu pensamento.

De acordo com Olavo de Carvalho, o esquerdismo vai muito além da política. Toda a cultura está tomada pelo marxismo cultural e a inversão de valores por ele efetuada. O pensamento e os slogans da esquerda são hegemônicos e constituem, assim como o PT, parte de um processo para implantar o comunismo na América Latina via o Foro de São Paulo, organização que reúne os principais partidos e movimentos de esquerda no continente.

O conservador vê sua luta antes de tudo como uma guerra cultural. Por isso, a preocupação especificamente política, quando vai além da mera oposição ao PT, se foca em questões pontuais: aborto, casamento gay, drogas, armas, defesa da família e da religião. Isso acaba dando ao movimento o aspecto de reacionarismo ideológico que ele tanto quer evitar.

A outra metade da "nova direita", a ala liberal ou libertária, também luta contra uma imagem negativa. O pouco de liberalismo que o Brasil conheceu foi sempre visto como uma agenda tecnocrática de economistas, gente que transita entre a teoria econômica pura e o mercado financeiro. Justa ou injustamente, é tachado de pensamento da elite. Além disso, sempre conviveu com o conservadorismo cultural. Essa associação ainda é comum, como no caso de Rodrigo Constantino, que iniciou sua carreira como liberal radical e vem cada vez mais adotando o discurso conservador. O liberalismo brasileiro clássico é, assim, facilmente classificável como direita.

Os libertários, ala mais radical do liberalismo, querem enterrar essa associação. Parte dos membros se coloca mesmo como "esquerda libertária", posição até então desconhecida no Brasil. Seu foco é na erradicação da pobreza, nos custos que as regulamentações estatais impõem às camadas mais baixas e aos microempreendedores e em causas progressistas como casamento gay e liberação das drogas. Uma boa leitura nesse sentido é o blog Capitalismo para os Pobres, de Diogo Costa, professor do Ibmec-MG. É um liberalismo que não se opõe ao Bolsa Família, mas combate veementemente o BNDES, grande concentrador de capital e poder nas mãos de políticos e megaempresários.

Outra iniciativa que chama a atenção é o Estudantes Pela Liberdade, com membros em universidades de todas as regiões do Brasil, que organizam grupos de estudo, palestras, promovem debates, militância, etc. Tudo isso num tom de diálogo com a esquerda universitária.

Se os conservadores têm conquistado mais espaços nas mídias tradicionais (TV, jornais e revistas), os libertários têm crescido principalmente na internet. O Instituto Mises Brasil tem o site de economia mais acessado do país, com análises pautadas pela escola austríaca de economia, conhecida pelo radicalismo de seus membros. Já o site do Instituto Ordem Livre, que adota uma abordagem mais plural, hospeda colunas sobre combate à pobreza, urbanismo, ética e política.

Falando em política, tem outra novidade na área. O Partido Novo, que está em processo de formalização, tem algo que ninguém mais tem: dinheiro. Talvez por isso encarne a esperança de todos. Inicialmente, parece defender uma agenda liberal mais tradicional, que pede privatizações, eficiência na gestão e corte de impostos. Mas pode também dar uma guinada libertária, defendendo desregulamentações e fim de transferências de renda regressivas.

Conservadores olham para o passado: querem conservar os valores da civilização ocidental e as instituições vistas como suas principais representantes - a igreja, a família, o Estado democrático de direito, os direitos naturais. Podem ser até liberais em economia, mas seu coração não está na liberdade enquanto tal. Já libertários olham para o futuro sem medo de criar utopias e apostar nas mudanças revolucionárias que sua proposta trará. O Estado é visto ou como uma barreira à criação do novo ou como um definidor de caminhos fixos para a mudança, proibindo e barrando caminhos alternativos.

De princípios humildes, a "nova direita" vem causando desconfortos e sendo bem recebida por muitos. De direita ou não, o fato é que ela traz novidades.
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*Joel Pinheiro, mestrando em filosofia, é editor da revista "Dicta&Contradicta"
FONTE: Valor Econômico online, 31/01/2014

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

" O lobo de Wall Street "


Paulo Ghiraldelli*
A ideia de que o mercado de ações é uma loucura é alguma coisa bem conhecida. A visão de que as pessoas ficam não só pobres e ricas, mas principalmente loucas quando aderem à vida do mundo da compra e venda de papéis, faz tempo que é amplamente divulgada. Todavia, com o filme The Wolf of Wall Street, surge o que há de mais verdadeiro naquilo que se transformou no coração falso do capitalismo: addiction.

Martin Scorsese criou o The Wolf of Walt Street e acertou em todas as alegorias. Lobo e cão: o primeiro é o sofista, só o segundo é filósofo, na velha divisão de Platão. Porque o filósofo não pode enganar e o lobo, queira ou não, só pode enganar. Parecidos por fora, diferentes por dentro. A alma do cão é exemplo do que sempre se põe verdadeiramente, enquanto que o lobo não pode fazer isso de modo algum, pois perderia sua própria natureza. “Um lobo em Wall Street” é um nome apropriado porque no jogo da retórica da linha telefônica, onde se há de vender um saber que nada sabe a não ser que é falso, é necessário ser o eterno sofista.

O segundo acerto de Scorsese é o vício. Todos no filme se drogam e fazem sexo adoidado. É preciso muito dinheiro para uma vida assim. Ser um funcionário de vendas do que é quase um roubo é ganhar muito para gastar muito. Todas as drogas químicas que se pode tomar para relaxar, “dar barato” e dar potência, que aparecem no filme, e que de fato tem a ver com o mundo empresarial do capitalismo, na verdade são metáforas para o mundo do vício verdadeiro. No que se está viciado? No trabalho. Na capacidade de ser lobo, de enganar, de poder ganhar mais e mais para gastar mais e mais, mas isso se e somente se ganhar significa jogar, ludibriar, fazer parte de uma promessa da América: falar, conversar, vencer.

Falar, conversar, convencer e vencer. Isso era a democracia americana. O capitalismo e a venda de ações é quase isso, mas a palavra convencer não aparece. Ninguém do outro lado da linha é convencido a comprar, mas é, sim, vencido ao comprar. Do lado de cá os lobos não estão comemorando um feito de convencimento, mas um feito de vitória, ou seja, o do lado de lá da linha não foi propriamente persuadido, ele foi derrotado. Capitalismo e democracia – Marx nunca achou que esses primos se davam bem, ainda que estivessem, quase sempre, juntos.

The Wolf of Wall Street é um filme que conta a história de um rapaz com talento enorme para ensinar seu próprio primeiro talento: o de vender alguma coisa para outro, principalmente se o que é vendido seja o que é visivelmente falso: ações de companhias que são um lixo – vendidas para quem é um zero social, mas que acredita no sonho americano que sendo acionário de alguma coisa, vai ficar rico. Esse personagem interpretado pelo agora já consagrado Leonardo Di Caprio é realmente sedutor. Tão sedutor que seduz a si mesmo. Quando já aprontou todas e está para ser agarrado pelo FBI, mas ainda tem sua chance de sair livre, ele volta à ativa na companhia que ele mesmo criou, para continuar a orgia literal com drogas e mulheres, e a orgia metafórica, que é a orgia dos papeis que andam por si mesmos, as ações. Leva às últimas consequências tudo. Cumpre o verdadeiro destino do empresário americano: risco máximo, adrenalina máxima, ir até o fim. Levar a sério o capitalismo é isso: toma-lo como o único modo de se viver na terra. O capitalismo ou é universal ou não se chama capitalismo.

Peter Sloterdijk está certo ao dizer que vício em droga não é algo de químico ou psicológico, mas de falta de sentido para o uso de alguma coisa. Quando há sentido em uma prática, ela não se torna um elemento de vício, mas quando ela gira em torno de si mesma, em uma roda frenética que não tem o que fazer senão rodar e rodar, eis aí o perigo do vício. Nenhuma droga viciou alguém em sociedades em que a droga estava inserida em um horizonte de sentido válido, por exemplo, a religião. As mesmas drogas, em sociedades nas quais elas apareceram despidas, elas viciaram a todos.

O capitalismo de vendas de ações é isso: ele não produz riqueza para um hedonismo sábio, mas dinheiro para gerar dinheiro de modo que se possa gerar mais dinheiro, na traição de todo e qualquer hedonismo, até do mais imbecil. Há tanto dinheiro! Mas, para se conseguir o que senão o mesmo de sempre: mulheres e droga – no contexto, a mesma coisa portanto. Tudo o que se podia comprar com o pouco dinheiro. Não há sentido algum nesse consumo da droga de venda das ações, nesse vício do trabalho nesse mercado específico. Por isso ele é um vício ou se torna algo que é um vício.

Scorcese parece ter lido Sloterdijk. Mas os artistas criam de suas vivências, não são filósofos que sofrem para poder contar uma narrativa como esta, e que não conseguiríamos contar exatamente porque ela é simples e diz tudo. Ela diz um dos segredos da América: ainda que nela uma parte do sonho tenha virado pesadelo, que disse que pesadelo não é sonho?
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* Filósofo
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/o-lobo-de-wall-street/

" Ingratos "


ROBERTO ROMANO*

"Ainda hoje, na mente de muitos líderes nominalmente de esquerda e modernizadores, a massa popular tem apenas o direito de ser tangida pelos iluminados que, em seu nome, a conduzem rumo ao melhor dos mundos possíveis"

Ao falar sobre defeitos e virtudes humanos, Spinoza afirma que "só os homens livres têm reciprocamente, uns para com os outros, o mais alto reconhecimento" (Ética). Quando, sob pressão oficial, a um povo é subtraída a escolha efetiva, torna-se uma perigosa crueldade dele exigir gratidão pelos feitos dos governantes. A lição foi dada a Spinoza por Maquiavel.

Os palácios brasileiros, movidos pela propaganda, tentam coibir a oposição e a crítica usando a chantagem orçamentária ou abusando da força física. Acostumada à demagogia que, desde Vargas, lhe rende uma legitimidade de encomenda, a cortesania não aceita que o povo, presumidamente beneficiado por suas administrações, recuse praticar as zumbaias e os rapapés tão comuns nos gabinetes. Com muitos eleitores ainda funciona o "é dando que se recebe". Mas graças às formas de comunicação como a internet, tal prática se atenua a olhos vistos. O controle face a face, tradicional no Brasil, perde terreno para formas coletivas de trato entre mandatários e cidadania. Exigir gratidão pelo favor recebido mostra pleno anacronismo e sinaliza uma tendência reacionária dos governantes.

Segundo entoam os atuais ocupantes do poder federal, imitados por seus bajuladores, vivemos sob um governo de esquerda.
 
 Toda crítica aos dirigentes é vista como atentado ao processo revolucionário que habita a alma dos líderes e militantes, mas é invisível aos seres humanos comuns. Quem está a par da teoria leninista conhece a distinção lógica entre o bom proletário e a massa apegada às reivindicações "puramente econômicas" (aumento de salário, condições de consumo, etc).
 O primeiro sacrifica tudo, até a vida, em favor do socialismo.
 A segunda só chegaria à lucidez sob o guante dos intelectuais (a consciência vinda de fora...) e do partido. Sem tal obediência o trabalhador é visto como inimigo pelos apparatchiks. Se for grato e adiar suas reclamações financeiras ou políticas, ele é reconhecido pelo Estado, recebe medalhas como digno êmulo de Alexei Stakhanov. Com semelhante domesticação se construiu o poder estatal na pátria do socialismo.

Ainda hoje, na mente de muitos líderes nominalmente de esquerda e modernizadores, a massa popular tem apenas o direito de ser tangida pelos iluminados que, em seu nome, a conduzem rumo ao melhor dos mundos possíveis. Josef Stalin, num retrocesso histórico à guisa de realismo político, retomou com mão de ferro os ritos czaristas para impor os seus planos à plebe ignara (leia-se O Homem, o Capital Mais Precioso). Nos governantes brasileiros de agora se afirma o mesmo sestro contrário à soberania popular.

Em comícios, Luiz Inácio da Silva repreende a massa e define quem deve ser por ela enaltecido ou excomungado.
 
Na faina de controlar os adeptos e com abuso do cajado no pastoreio, chegou ao ponto sublime no enunciado (com sotaque do Antigo Regime) de que José Sarney não é um cidadão comum. A populaça levanta-se contra o patrimonialismo maranhense porque, imagina o Grande Líder, ignora o saber político. Ela precisa aprender históricas lições de realismo tendo em vista a governabilidade, ou seja, a grata obediência ao oligarca. Outra cena caricata e trágica de retorno ao passado ocorreu nos jardins da casa de Paulo Maluf num abraço que apunhalou a própria elite esquerdista.

O dono do partido considera a política pública que, desde o Plano Real, incluiu no mercado milhões de brasileiros um favor devido à sua pessoa. Stalin regrediu ao período monárquico, unindo a honraria de ser "pai do povo" (título comum aos reis europeus antes da Revolução Francesa) ao populismo sem peias.

Herdeiro da cultura política imposta pelo absolutismo português, o Brasil jamais aniquilou a prática do favor, da clientela, da suposta gratidão dos pobres diante dos "benfeitores". Tais costumes vêm da República Romana, que jamais foi democrata. Nela a fé pública dependia do rico que mantinha a plebe na abjeta dependência. O favor prestado pelo patrão era retribuído agradecidamente pelo favor do voto. Como a soberania popular era um mito a ser respeitado, embora desobedecido, mesmo o aristocrata que concorria aos cargos era obrigado a pedir o voto dos clientes como se fosse um beneficium.

O eufemismo ainda encobre o controle político. Poucos (fora os ditadores que se atribuíram o título de Benefactor, como Anastasio Somoza) ousam exigir "gratidão" das massas por suas benfeitorias, reais ou imaginárias. Gilberto Carvalho, secretário da Presidência, rompeu a barreira das formas decorosas ao evidenciar o seu estado de espírito em face das manifestações populares (que ameaçam retornar em ano eleitoral). Em junho de 2013, confessa ele, "houve quase que um sentimento de ingratidão, de dizer: 'fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós'". O lapso revela muito da alma governista.

Temos, ademais, notícias de preparo das Forças Armadas e da polícia para a próxima Copa do Mundo. No manual repressivo com normas para o uso da força física pelos agentes oficiais (o Ministério da Defesa prepara uma edição mais branda, para inglês ler) o inimigo é o povo ingrato. Este não amadureceu o bastante para reconhecer os benefícios trazidos pelos patrões do Planalto. A fala do ministro evidencia: se houve ideal modernizante em sua grei, ele foi sepultado na vala do realismo político.

De tanto se unir aos oligarcas que forçam seus eleitores a ver como "um favor" as obras públicas e os recursos arrancados do campo federal, os governistas os mimetizam. Nunca antes neste país os nhonhôs foram tão gratos aos que habitam os palácios. A palavra "esquerda" é folha de parreira que encobre uma prática que deveria, se exibida na TV, ser proibida aos menores de idade. "Ah, sai daí", senhor ministro!
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* Escreve Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas e autor de 'O Caldeirão de Medeia', em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-01-2014.
Fonte: IHU online, 30/01/2014

" Prêmio Nobel de Medicina "

 'curiosidade, persistência e sorte são fundamentais para descobertas científicas'



Palestra do biofísico alemão Erwin Neher atraiu centenas de estudantes, acadêmicos e cientistas para exposição em São Paulo

Em passagem pelo Brasil, o biofísico alemão Erwin Neher afirmou ontem que a curiosidade, a persistência e a sorte estão entre os principais responsáveis pelas suas descobertas científicas que lhe renderam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1991. A declaração foi durante sua palestra "Creating Knowledge: Research for Upcoming Generations (Criação de Conhecimento: pesquisaparaas gerações futuras)", proferida ontem (29) em São Paulo, no Teatro Shopping Frei Caneca, que reuniu centenas de estudantes, acadêmicos e cientistas, interessados em conhecer a trajetória de Neher na área científica.

No Shopping Frei Caneca, foi aberta ontem a exposição científica multimídia "Túnel da Ciência Max Planck", de responsabilidade da Sociedade Max Planck, da qual Neher é pesquisador. Como parte da temporada "Alemanha+Brasil", a mostra itinerante vai até 21 de fevereiro com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e de outros órgãos.

Ao discorrer sobre sua experiência e os desafios enfrentados na ciência, Neher declarou que em qualquer descoberta científica é preciso acreditar na importância do trabalho para solucionar os problemas da sociedade. Segundo o biofísico alemão, a "curiosidade e o interesse de saber mais" na área científicas são relevantes para obter êxito no resultado final de suas descobertas.

"Não pode esperar ganhar o Prêmio Nobel imediatamente. Se acreditar em sua descoberta haverá reconhecimento. A sorte também tem seu papel", disse ele atribuindo à sorte o fato de ter encontrado bons mestres como orientadores.

Na tentativa de estimular os jovens brasileiros, disse que "não há receita pronta" para as conquistas em descobertas científicas. Reforçando que o Prêmio Nobel é outorgado às descobertas das ciências da natureza, citou como exemplo o sucesso dos antibióticos, o que, segundo ele, beneficiará a sociedade para sempre. "A maior parte dos que recebem o Prêmio Nobel é movida pela curiosidade de que as descobertas podem resolver problemas da sociedade", disse.

Eletrofisiologia

Formado em física pela Universidade Técnica de Munique, Neher foi apresentado à plateia pela presidente da SBPC, Helena Nader, moderadora do debate. Ela contou que o biofísico alemão e seu parceiro Bert Sakmann fizeram relevantes descobertas sobre a função dos canais iônicos nas células e decifraram a comunicação celular.

Eles desenvolveram, em 1976, a técnica denominada patch-clamp que revolucionou o estudo da eletrofisiologia (ciência que explica, diagnostica e trata as atividades elétricas do coração) por permitir o isolamento da corrente de um tipo específico de canal iônico em diversos tipos celulares e em uma grande variedade de espécies.

Neher considera que foi graças ao progresso científico que a sociedade atual melhorou o padrão de vida em relação a décadas passadas. Ressaltou, portanto, a importância do financiamento à ciência para melhorar as condições de vida da sociedade. "O cerne do progresso científico está nas descobertas", afirmou.

Juventude

Ao relatar sobre suas experiências e desafios científicos, Neher disse que, desde jovem, tinha interesse pela eletricidade do corpo humano. "Por volta de 17 anos, descobri, nas aulas de biofísica, que a eletricidade de nosso corpo era algo fascinante. Depois quis saber mais sobre a bioeletricidade", lembrou.

Ao progredir nos estudos na Alemanha, o cientista adquiriu uma bolsa para estudar na Universidade do Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, onde fez mestrado em biofísica. Ao voltar à Alemanha, fez doutorado e recebeu, em 1987,o Prêmio Wilhelm Leibniz da Deutsche Forschungsgemeinschaft, a mais alta honraria concedida à área científica na Alemanha.

Questionado pela plateia se era considerado um nerd em sala de aula, fez uma autoavaliação. "Não acho que eu era nerd. Mas também não tinha notas ruins, era um bom aluno. Praticava esporte, atletismo, mesmo não sendo bom no esporte. Mas haviaum equilíbrio na minha vida acadêmica", avaliou.
(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)
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Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/30/01/2014

" A Primeirona "

 

L. F. Veríssimo*
O poeta inglês Rupert Brooke morreu durante a I Guerra Mundial. Era moço, bonito e um poeta passável. Morreu em 1915, um ano depois do começo da guerra. Num dos seus poemas, intitulado O Soldado, ele tinha escrito: “Se eu morrer, pense apenas isto de mim: que há uma cova num campo estrangeiro que será, para sempre, a Inglaterra”.

Brooke ficou como uma espécie de símbolo da juventude inglesa dizimada pela guerra de 14, toda uma geração, incluindo os seus poetas, que não voltou das trincheiras. A única coisa errada nesta história convenientemente romântica é que Brooke morreu durante a I Guerra, mas não na I Guerra. Foi vítima de uma infecção causada por uma picada de mosquito, sem nunca ter estado numa trincheira.

Se Rupert Brooke não serve como herói romântico e representante de uma geração destruída, serve como símbolo de todos os enganos que levaram à carnificina da chamada Grande Guerra, quando milhões morreram sem saber bem por quê.

Visto em retrospecto, o mais impressionante na I Guerra, cujo centenário se comemora neste ano, é o volume de mal-entendidos, mesquinhez e simples burrice que tornou inevitável um conflito, no fim, por nada. Alguns impérios agonizantes ruíram, algumas fronteiras foram redesenhadas, alguns orgulhos nacionais foram servidos – nada que valesse a vida de um só poeta. A Primeirona funcionou como campo de prova de novas tecnologias de guerra (o avião, o tanque, a metralhadora, o gás venenoso) e deixou tantas questões políticas pendentes, que tornou inevitável, também, a Segundona. E deixou o novo material bélico pronto para essa outra carnificina.

Já se disse que guerra é uma coisa importante demais para ser confiada a generais, mas, no caso da I Guerra Mundial, governantes e diplomatas completaram a incompetência mortal dos militares. Foi um mau momento da nossa história como espécie racional, uma apoteose da estupidez humana. Que, com a glorificação literária de sacrifícios como o de Brooke (esquecido o detalhe do mosquito) e outros poetas, também ganhou a bênção de intelectuais, para os quais a guerra, menos do que uma tragédia, foi um ritual de passagem que enriqueceu as letras inglesas e europeias, substituindo o idealismo do século 19 pelo ceticismo moderno. E o mais triste – visto desta distância – é que tudo poderia ter sido evitado.

Brooke, como na previsão do soldado do seu poema, foi enterrado num campo estrangeiro, em Skyros, na Grécia. Mas há uma lápide com seu nome no Westminster Abbey, em Londres. A inscrição na lápide é de outro poeta, Wilfred Owen, este um autêntico sacrificado pela Primeirona: “Eu escrevo sobre a guerra, e o lamento da guerra. A poesia está no lamento”.
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* Luis Fernando Veríssimo é escritor, jornalista, cronista da ZH
Fonte: ZH online, 30/01/2014

" País quer fugir do pior do comunismo, diz filósofo britânico "


Para Roger Scruton, aproximação com UE
é boa para Ucrânia, mas ruim para o bloco
Britânico Roger Scruton comenta a intervenção russa na Ucrânia, o inchaço da UE e a crise de valores na Europa
                       GUILHERME CELESTINODE SÃO PAULO
O filosofo britânico Roger Scruton, 69, é formado em Cambridge, especialista em estética e professor visitante nas universidades de St. Andrews e Oxford. Mas foi no debate político e cultural que surgiu como crítico do multiculturalismo, do comunismo e da União Europeia (UE).

Scruton lecionou em 1990 no Jan Hus Educational Foundation na antiga Tchecoslováquia, instituição criada por professores de Oxford em 1980, que distribuía livros, organizava palestras de pensadores ocidentais e era conhecida pela polícia política tcheca como "Centro de Subversão Ideológica".
Em entrevista à Folha, ele fala sobre a crise na Ucrânia, o surgimento de novos atores políticos na Europa e a comparação entre o Tea Party e a extrema-direita europeia.

Folha - Como o senhor vê os protestos recentes em Kiev?
Roger Scruton - Os protestos são contra a dominação russa e as formas ilegais de governo pós-comunista que perpetuam alguns dos piores aspectos do comunismo. O desejo de aderir à UE é o de ser parte do sistema ocidental de Estados e também o desejo de escapar à última das correntes impostas em 1917 [ano da Revolução Russa].

O que acha de os manifestantes desejarem uma maior aproximação com a UE e o afastamento da Rússia?
É bom para a Ucrânia se aproximar da UE, e ruim para a UE, que já está sobrecarregada de países ex-comunistas e suas populações em fuga. O que é preciso é que a Ucrânia seja nacionalmente independente e possa negociar livremente com seus vizinhos, mas que não seja parte da UE. O bloco europeu vai em breve desmoronar sob a pressão de muitos membros e muita liberdade de trânsito entre eles.

Em artigo recente, a revista britânica "Economist" comparou os partidos europeus de extrema direita e anti-UE ao movimento Tea Party nos EUA. O senhor concorda com tal comparação?
É claro que não. Ninguém sabe o que é ser de "extrema direita". Tem nacionalistas na Europa que querem reafirmar a identidade nacional em oposição à UE. Eles são como o Tea Party na procura por uma ordem anterior frente àquilo que veem como perda de identidade e direção. Mas, diferentemente do Tea Party, o interesse deles não é o Estado de direito, mas sim a identidade nacional.

Na França, 10 mil pessoas se reuniram na semana passada contra a flexibilização da lei do aborto e em apoio a novo projeto de lei na Espanha que restringe o aborto. Como explicar esses atos?
A Espanha é um estado em crise cultural, após ter rejeitado sua herança católica, e sem nenhuma ideia do que pôr em seu lugar. Já a manifestação na França é uma resposta ao governo de esquerda que introduziu o casamento gay e a afirmação de que a família é mais importante do que a sociedade sem raízes, exemplificada em todos os sentidos pelo presidente [François] Hollande.

O senhor diz que a liberdade depende de uma rede delicada de instituições. Isso é possível em países de experiência democrática recente, como Rússia e Ucrânia?
As coisas precisam ser construídas de modo gradual, e pessoas boas devem estar preparadas para fazer sacrifícios a fim de criar instituições que durem. O importante é não ter muitas expectativas, e permitir o máximo de espaço à sociedade civil.
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Fonte: Folha online, 30/01/2014

" Saúde "

                                                              Pedro Gonzaga 


Não poucas vezes, quando os alunos me perguntam o que caracteriza a crônica como gênero, respondo que é sua ligação evidente com o tempo, que está em seu próprio nome, mas com um tipo especial de tempo, não com aquele tempo de caráter mais profundo e filosófico (tema das grandes obras artísticas, está aí A Grande Beleza ainda em cartaz), mas com o tempo em seu caráter mundano, diário, jornalístico. Daí porque – excetuadas as crônicas voltadas para o passado, tantas vezes úmidas de melancólica nostalgia – o tom é sempre coloquial, de bar (crônica leve ou de humor), ou de café (crônica investigativa ou de tese).

Concordo, é uma definição bastante esquálida, mas estamos conversando, acabamos de sair do cinema e fomos tomar um chope para escapar à noite sem vento em Porto Alegre. Pensando bem, eu diria que faltou uma categoria acima, perigosa mistura das duas anteriores, tão em voga hoje em dia: a crônica “tese de botequim”, perigosa justamente pela seriedade de que se reveste o cronista para tratar de um assunto cujo domínio muitas vezes lhe escapa.

Vejamos. Pegássemos agora o que foi dito afoitamente sobre as manifestações do ano passado e já veríamos o quão tolas (e por que não equivocadas) podem ser as conclusões definitivas. O mesmo valeria agora para o rolezinho, não lhes parece? Quantas certezas, quantas frases lapidares, quantas candidaturas a porta-voz das ruas.

A meu ver, quase tudo botequinaço, encoberto pelo tom professoral de supostos entendidos, que não conversam, mas discursam; que não debatem, mas monopolizam. Esse erro de registro, o tempo logo se encarrega de denunciar. Essa arrogância já agora visível na elocução das crônicas amanhã estará obsoleta. Enquanto isso, continuaremos conversando levemente, sem cara feia para quem interromper a seriedade de um assunto para discutir se o colarinho deve ter um ou dois dedos de espessura. A democracia, se de fato é possível experimentá-la, existe em torno de uma grande mesa, cercada de amigos.

A eternidade seria um lugar tolerável somente em torno dessas mesas animadas. Livres associações, divergências, argumentos passionais, pilhérias, xingamentos, amor. Porque o resto é a burocracia do cotidiano, a malfadada missão civil e a alienação de que seremos acusados. Saúde.