sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Bolsonaro e a imprensa 


- EDITORIAL O ESTADÃO



As “opiniões” desse candidato sobre ditadura, mulheres, homossexuais e bandidos já são conhecidas. É preciso questioná-lo sobre Previdência, dívida pública e outros temas cruciais

O Estado de S.Paulo - 22 Agosto 201

O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) tem sido um desafio para a imprensa. Diante do ex-capitão, jornalistas parecem impelidos a levantar questões sobre ditadura militar, mulheres, homossexuais e segurança pública. Quase invariavelmente, Bolsonaro é confrontado a respeito de suas opiniões pregressas e correntes a respeito de tortura ou é instado a comentar a conquista de direitos por minorias, ocasiões em que exercita seu já conhecido deboche – para grande excitação de seus ardorosos seguidores nas redes sociais.

Compreende-se o afã dos jornalistas de expor a truculência de Bolsonaro, perfeita antítese do que se idealiza para a democracia no País. No entanto, ao lhe dar espaço para reafirmar opiniões que nada acrescentam ao debate nacional e se prestam somente a mobilizar sua claque, a mídia em geral acaba por consolidar o capital eleitoral de Bolsonaro – que, além de tudo, posa de vítima de campanha da imprensa e dos militantes do “politicamente correto”, um grande trunfo para quem se apresenta como o candidato “antissistema”.

Não é apenas no Brasil que a imprensa tem encontrado dificuldades para lidar com a ascensão desses brucutus políticos. Nos Estados Unidos, recentemente, mais de 300 jornais publicaram editoriais, de maneira coordenada, contra a estratégia do presidente Donald Trump de desmoralizar a imprensa. Foi mais um round do embate que mobiliza os jornalistas americanos desde que Trump conquistou a presidência com um discurso hostil a vários dos mais caros valores democráticos.

O mesmo se dá na Alemanha, onde a ascensão do Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) confundiu o establishment – contra o qual, não à toa, esse partido populista de direita diz lutar. Com 13% dos votos na eleição de 2017 e 94 cadeiras no Parlamento, o AfD, primeiro partido com esse perfil a ter relevância política na Alemanha desde a derrota do nazismo na 2.ª Guerra, seria naturalmente considerado importante; sendo o partido que é – visceralmente contra a União Europeia e contra a imigração, especialmente de muçulmanos –, o AfD obviamente suscita a mais viva polêmica, que amiúde estampa manchetes. É um círculo vicioso: os líderes e militantes do AfD imprecam violentamente contra imigrantes e contra o euro e ganham destaque, atraindo ainda mais eleitores insatisfeitos com a política em geral e dispostos a dar mais votos a esses populistas.

No dia 12 passado, contudo, um jornalista alemão, Thomas Walde, experimentou algo diferente: ao entrevistar para a TV ZDF um dos principais líderes do AfD, Alexander Gauland, tratou-o como um político qualquer, e não como porta-voz estridente de xenófobos, racistas e eurocéticos. Gauland foi questionado sobre temas a respeito dos quais todos os partidos têm de lidar, e que são muito caros aos alemães, como mudanças climáticas, aposentadoria e avanços da vida digital. Nenhuma pergunta foi feita a respeito de imigração, pois sobre isso todos já sabem qual é a posição do AfD. Com alguma ironia, o jornalista Walde queria saber qual era afinal a “alternativa” defendida pelo AfD para essas questões, uma vez que o partido se apresenta, já em seu nome, como “alternativa”. Resultado: Gauland não soube responder, demonstrando publicamente o imenso despreparo de seu partido – que se limita a propor a implosão do establishment sem conseguir dizer o que pretende colocar no lugar.

Ao destacar esse caso, a revista americana The Atlantic ressaltou que se tratava de uma lição a ser aprendida pelos jornalistas dos Estados Unidos a respeito de como tratar o presidente Trump e a extrema direita.

O mesmo talvez se possa dizer da imprensa brasileira no caso de Bolsonaro. As “opiniões” desse candidato sobre a ditadura, mulheres, homossexuais e bandidos já são bastante conhecidas; é preciso, a partir de agora, questioná-lo sobre Previdência, dívida pública, responsabilidade fiscal, planos para educação, saúde e saneamento básico, entre outros temas cruciais para o País. Ou seja, é preciso tratar Bolsonaro, afinal, como um candidato como outro qualquer.

O preço da procrastinação 

- EDITORIAL O ESTADÃO



Há reformas cuja oportunidade está passando e que, mais tarde, serão feitas provavelmente em circunstâncias piores. É o caso da reforma da Previdência




Em 12 de maio de 1870, 18 anos antes da Abolição da Escravatura, Joaquim Nabuco, um dos mais brilhantes abolicionistas, fez um duro discurso em que censurou a omissão da Coroa em relação à escravidão. Àquela altura, como lembrou Nabuco, o Brasil era, “no mundo cristão, a única nação que tem escravos”, a despeito de uma opinião pública cada vez mais crítica a essa situação. A oportunidade para a Coroa resolver o que Nabuco reputou ser “a questão mais importante da sociedade brasileira” estava, portanto, plenamente dada – mas eis que o governo vacilou. Considerou que uma eventual emancipação do “elemento servil” poderia causar abalos econômicos e na ordem pública. Ao rebater esse argumento a favor da procrastinação, Nabuco ofereceu reflexões que transcendiam aquela importante discussão – e que deveriam servir para iluminar os governantes do Brasil hoje.

Para Nabuco, “o pouco serve hoje, o muito amanhã não basta”. Ou seja, o bom governante é aquele que não hesita diante dos grandes desafios e não deixa passar a oportunidade de fazer o que tem de ser feito, mesmo que a perspectiva, num primeiro momento, seja de muitas dificuldades e de eventuais desentendimentos; do contrário, segue o raciocínio, a mesma resolução, se tomada tardiamente, terá de ser muito mais grave e abrangente, com resultados todavia incertos. “As coisas políticas têm por principal condição a oportunidade; as reformas, por pouco que sejam, valem muito na ocasião; não satisfazem ao depois, ainda que sejam amplas”, discursou Nabuco, como se estivesse a falar com a classe política atual.

Pois é óbvio que há reformas absolutamente inadiáveis cuja oportunidade já está passando e que, mais tarde, terão de ser feitas provavelmente em circunstâncias muito piores, sobre as quais nenhum administrador ou líder político, por melhor que seja, terá qualquer controle. É o caso da reforma da Previdência.

Não fossem as irresponsáveis denúncias ineptas da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer, que saiu enfraquecido desse lamentável episódio, muito provavelmente a reforma da Previdência já teria sido aprovada, disso resultando um cenário bem menos tormentoso para a economia. Com isso, o próximo presidente, munido da força política que a eleição costuma conferir a seu vencedor, poderia concentrar seus esforços em outras medidas necessárias, mas bem menos desgastantes do que a reforma da Previdência.

A despeito das dificuldades, isso ainda é possível. Restam pouco mais de quatro meses para o final deste mandato, e tanto o presidente Temer como o atual Congresso poderiam se mobilizar para aprovar a reforma da Previdência, ainda que numa versão enxuta – com o estabelecimento de idade mínima e equiparação entre o regime de servidores públicos e o regime geral. O presidente Temer já mencionou, em mais de uma oportunidade, sua disposição de combinar com seu sucessor eleito uma forma de encaminhar a votação no Congresso.

Muitos dirão que se trata de uma quimera – sensação reforçada pelo fato de que poucos candidatos à Presidência demonstraram sólido compromisso com a reforma da Previdência. A maioria prefere, pelo contrário, defender a revogação do teto dos gastos – já que, sem a reforma da Previdência, é praticamente impossível cumprir aquele limite constitucional e manter a máquina do Estado em funcionamento.

No entanto, é justamente em momentos como este, em que a razão perde terreno para a empulhação populista, que é preciso resgatar os ensinamentos de Joaquim Nabuco – que esperava falar a verdadeiros estadistas. Se eles existem, é preciso que se apresentem, afinal, e tomem a iniciativa, mesmo ao custo de um eventual desgaste momentâneo, para defender o que Nabuco chamou de “grandes interesses coletivos do Estado”. Para aquele tribuno, o governo deve dirigir a maioria, e não estar a reboque dela – isto é, deve ser capaz de convencer a opinião pública da urgência de medidas amargas, e não vacilar diante da gritaria dos irresponsáveis que oferecem ao eleitor soluções fáceis para procrastinar a tomada de decisões difíceis, porém incontornáveis.

O custo da ignorância - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O custo da ignorância - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Tributar empréstimos em que o spread bancário é mais alto é ideia cretina

FOLHA DE SP - 22/08


Se há alguma inovação vinda do "pensamento" econômico do PT, a probabilidade de que seja uma péssima ideia tende a 100%.

É o caso do projeto de tributar as operações de crédito em que o spread bancário é mais alto. Os idealizadores da proposta acreditam que isso desestimularia a prática. O resultado, porém, deverá ser exatamente o oposto.

Peço, contudo, um pouco de paciência, porque a compreensão desse problema requer um tanto de matemática, disciplina que, como se sabe, causa urticárias aos "economistas" do partido.

Para entender a questão, considere um banco que capte R$ 100 pagando a taxa Selic, isto é, 6,5% ao ano. Suponha também que, no fim da operação de crédito, o banco espere receber um spread de 1,5%, ou seja, 8,00% ao ano.

Por fim, vamos imaginar que o banco tenha que deixar 20% do volume captado depositado no Banco Central (para manter as contas simples, na medida do possível, presume-se que o BC nada paga sobre esse depósito).

Caso não haja nenhum risco de calote, o banco terá que cobrar 10% ao ano de seu cliente. Como os 10% incidem sobre R$ 80, o rendimento do empréstimo é de R$ 8 para cada R$ 100 captados, ou seja, 8%. O spread observado nesse caso é 3,5% (10%-6,5%), embora o spread recebido de fato pelo banco seja 1,5% (recebe R$ 8,00 e paga R$ 6,50 de juros).

O que ocorreria se o banco fosse emprestar para tomadores cuja chance de calote seja, digamos, 20%?

De cada R$ 100 captados, R$ 80 seriam emprestados, mas apenas R$ 64 retornariam ao banco. Nesse caso, a taxa cobrada teria que ser 12,5% ao ano, pois o rendimento de 12,5% sobre R$ 64 geraria R$ 8,00, mantendo o retorno do banco em 8%, como almejado.

No caso, o risco de calote faria o spread observado saltar para 6% (12,5%-6,5%), embora o spread final permaneça em 1,5% (8%-6,5%).

Digamos que no primeiro caso, em que o spread observado era 3,5%, não coubesse imposto, mas que, no segundo caso, em que o spread observado é mais alto (6%, como vimos), incidisse um imposto de 10%. Assim, se o banco cobrasse os mesmos 12,5% receberia R$ 8 sobre os R$ 64, mas pagaria R$ 0,8 de impostos, ou seja, no fim do processo receberia R$ 7,20 para cada R$ 100 captados, retorno de 7,2%.

Para manter o retorno de R$ 8,00 para cada R$ 100 captados, teria que cobrar cerca de 13,9% ao ano, que geraria R$ 8,88 antes de impostos (e, claro, R$ 8,00 para cada R$ 100 captados depois do imposto).

Em outras palavras, a proposta de tributar os spreads observados mais altos faria com que o custo para o tomador final subisse de 12,5% para 13,9% ao ano, isto é, o spread se elevaria de 6% para 7,4%, precisamente o oposto do objetivo da proposta.

Há, obviamente, que considerar a reação dos tomadores. É possível que alguns não possam arcar com o empréstimo caso o custo chegue a quase 14% ao ano.

Outros, provavelmente mais necessitados, seguiriam com seus planos, mesmo com juros mais altos. Nessa linha, quanto menor for a sensibilidade do tomador de empréstimos à taxa de juros (ou seja, quanto maior for sua necessidade de recursos), tanto maior será o repasse do imposto ao custo do crédito.

Em bom português, trata-se de uma ideia cretina: vende a ilusão de que o imposto mais alto punirá os bancos, mas que acabará encarecendo o custo dos empréstimos precisamente para quem mais necessita deles.

Alexandre Schwartsman

Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

Macaco não olha seu rabo

 - ROSÂNGELA BITTAR


Valor Econômico - 22/08/2018


Agora é oficial: o PT avisa, por meio de seu candidato Fernando Haddad, que vai aumentar a ofensiva internacional para garantir a presença de Lula nas eleições. Portanto, acabou o segredo de polichinelo, trata-se realmente de uma campanha, forte, inescrupulosa, liderada pelo partido na mobilização de jornais de esquerda, cientistas políticos, ONGs, governos e Parlamentos desinformados, ou que não querem se informar, sobre as leis, a Justiça e a democracia brasileira.

Segundo Haddad, a estratégia será colocar em questionamento o regime democrático caso Lula seja, de fato, barrado pela Lei da Ficha Limpa. O democrático é o descumprimento da lei, da Constituição, das decisões da Justiça, teria escorregado o candidato se deixassem..

Por que não se faz uma campanha semelhante a essa para mostrar os crimes cometidos, a legislação em que se baseou a prisão, as decisões unânimes da Justiça, em lugar de considerar suficientes os instrumentos diplomáticos, telegramas, cartas e notas? Essa linguagem tem sido tão inútil quanto as 100 embaixadas criadas no governo do PT exatamente para, agora, manipular a propaganda contra o país, servindo a interesses pessoais. A cada ação externa, reagem os agentes internos do partido para corroborar o acerto dos aliados internacionais.

Ao ataque, à ação. Jogo de palavras é luta desigual

É urgente organizar a contraofensiva, no mesmo tom, com os mesmos instrumentos e as chantagens e ameaças de que o Brasil está sendo vítima.

"A simulacro de processo" e "encarceramento arbitrário" devem corresponder informações e divulgação dos fatos que deram origem às prisões não só de Lula, como de empresários e políticos em geral metidos em crime de corrupção. Se assim não for, a propaganda engole a realidade.

Uma reação à altura está fazendo falta, e não é de agora. Por que pegou no exterior a tese de que o impeachment de Dilma Rousseff foi golpe? Por que pegou a mentira de que eleição sem Lula é fraude? Porque o Brasil está reagindo com conversa mole enquanto está evidente a onda de falsidades espalhadas mundo afora. Quem conhece os fatos não quer se dar ao trabalho. Diante de uma boa propaganda, de que vale uma verdade?

É de impactar que os agentes internacionais da campanha contra a Justiça brasileira fechem os olhos às suas mazelas, à relação de seus governos com refugiados, à diáspora venezuelana, aos muros do Trump, à separação de pais e filhos na fronteira. Parecem querer nos dizer que acham mais divertido tratar da fuzarca no país do Carnaval, distante do mundo. Povo de índole pacífica, que prefere a esperança de que em algum momento irão todos perceber a verdade.. Isso se estiverem de boa-fé. Se estiverem em campanha político-ideológica, vão rir dos bobos até o fim.

O ex-presidente Fernando Henrique escreveu um artigo publicado ontem pelo "Financial Times" exigindo da pessoa certa, Lula, respeito com o Brasil e os brasileiros. Outras vozes, também conhecidas internacionalmente, devem se juntar a ele. No entanto, é urgente uma reação mais forte, em outra linguagem, pois está a cada dia mais difícil ao país contrapor-se à propaganda.

As respostas da diplomacia têm sido insuficientes e foi isso que, dito aqui na semana passada, desagradou ao governo brasileiro que acredita estar tendo pulso forte. Sabe-se que na campanha estão engajados inclusive alguns diplomatas que serviram em escalões de poder nos governos petistas.

Muito antes do impeachment de Dilma Rousseff esses redutos da esquerda internacional já estavam sendo mobilizados, a partir do mensalão. Com Dilma, iniciou-se a bem sucedida campanha " impeachment é golpe"; em seguida emendando-se com o petrolão que começou exatamente no seu governo, a partir de uma decisão sua sobre a compra do mico Pasadena.

De lá para cá, foram inúmeras viagens ao exterior, visitas de jornais e jornalistas ao Brasil e ao governo brasileiro, périplos da diplomacia petista para reforçar a ideia de que combater a corrupção é perseguição ideológica.

A manipulação política da realidade não teve limite.

O partido, Lula e seus braços na operação foram plenamente bem sucedidos, mais até do que imaginavam. Lula é inelegível e não será candidato, sua prisão não é produto de perseguição política, os processos legais cumpriram todos os seus ritos. Mas o que prevaleceu foi a política, a campanha ideológica,, o ataque ao país.

A nota mais contundente da diplomacia não vale um bordão do PT. Foi do chanceler Aloysio Nunes Ferreira: "Recebi com incredulidade as declarações de personalidades europeias que, tendo perdido audiência em casa, arrogam-se o direito de dar lições sobre o funcionamento do sistema judiciário brasileiro. Qualquer cidadão brasileiro que tenha sido condenado em órgão colegiado fica inabilitado a disputar eleições. Ao sugerir que seja feita exceção ao ex-presidente Lula, esses senhores pregam a violação do estado de direito".

Em carta, o embaixador do Brasil no Chile, Carlos Duarte, cita opiniões publicadas em meios de comunicação e declarações de líderes políticos locais sobre o Judiciário brasileiro e suas decisões. Ele pondera que tais declarações podem fazer parte do jogo político, mas destaca que algumas são desrespeitosas em relação às instituições democráticas brasileiras. Para que pisar tanto em ovos?

Em mensagem enviada ao Senado americano, o embaixador Sergio Amaral fez longo relato sobre a democracia e a legislação do Brasil para atos de corrupção, considerou a manifestação do Congresso americano baseada em argumentos politicamente motivados que tentam manchar antecipadamente as eleições presidenciais de outubro. Mas ele dispersa a reação numa linguagem desproporcional à violência dos ataques.

"Em nome da liberdade de imprensa, cujo objetivo é jogar luz na verdade dos fatos, em nome do governo brasileiro, eu me permito expressas minhas reservas sobre o conteúdo do texto assinado por alguns políticos franceses e europeus, sobre "a situação alarmante do Brasil". Esse é um trecho da reação do embaixador do Brasil na França, Paulo Cesar de Oliveira Campos (POC), um dos dois diplomatas mais próximos a Lula que ganhou o cobiçado posto.

Contraponto de palavras mostra a desigualdade da luta. Simulacro de processo e encarceramento arbitrário exigem resposta à altura, não platitudes de almanaque. Uma boa saída seria uma campanha em defesa da Constituição, da democracia e das instituições brasileiras, no exterior, com explicações claras sobre quem roubou o quê, o enriquecimento pessoal e as ações que só visavam manter o poder. Com as correspondentes ações na Justiça Nacional e Internacional.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O Brasil tem tudo para não dar certo tão cedo 


- JOSÉ NÊUMANNE



As chances de o Brasil continuar a não dar certo são de 77% e as necessárias reformas e modernização para o País crescer e prosperar não são inviáveis, mas dependem de a maioria do eleitorado ser convencido de que a melhor saída seria essa

O Estado de S.Paulo - 22 Agosto 2018

O ano começou com uma expectativa generalizada de que teria início nele algo que um romancista inspirado chamaria de “o verão de nossas esperanças”. Antes de setembro chegar, trazendo a primavera, ninguém precisará ser muito pessimista para lembrar, neste “inverno de nossas desilusões”, que agosto é, de fato, um mês de muito desgosto e que o verão de 2019 em nada corresponderá aos sonhos de renovação de oito meses atrás. Por quê?

Em 2005 teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento da Ação Penal 470, que ficou popular com o apelido de mensalão e radiografou a podridão das vísceras do primeiro governo soit-disant socialista da História, sob a égide do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Nos debates do plenário da Corte, acompanhados com interesse antes só despertado pelos festivais da canção e pela Copa do Mundo, foi revelado ao povo um esquema de compra de apoio parlamentar com o erário sendo tratado como quirera.

Os “supremos” magistrados condenaram à prisão políticos de alto coturno, que trataram os partidos que dirigiam como se fossem organizações criminosas: José Dirceu e José Genoino, que tinham presidido o Partido dos Trabalhadores (PT), Roberto Jefferson, suserano do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Valdemar Costa Neto, rei do Partido Liberal (PL), que viraria Partido da República (PR), Pedro Corrêa, dirigente do Partido Progressista (PP), e outros.

Reza o folclore político que, instado a participar de um movimento para depor o então presidente Lula, o ex-chefão do Partido da Frente Liberal (PFL), hoje o Democratas (DEM), Antônio Carlos Magalhães, disse que preferia derrotá-lo nas urnas. Como a História, implacável, registra, Lula bateu o tucano Geraldo Alckmin na eleição de 2006. Os chefões das quadrilhas partidárias seriam, depois, indultados pela companheira Dilma Rousseff, que Lula elegeria sua sucessora, e, afinal, perdoados pelos companheiros nomeados para o fiel e desleal STF.

Mas, ah, ora, direis, ouvindo estrelas, o povo foi às ruas para reclamar daquilo que, antes de comandar a rapina nos cofres públicos, o PT chamava de “tudo o que está aí”. A rebelião das ruas, que apoiou o combate à corrupção por uma geração de jovens policiais, procuradores e juízes federais, porém, passou ao largo de alguma mudança de fato no Brasil que Machado de Assis chamava de “oficial”, em contraponto ao nobre, pobre e probo “País real”. No ano seguinte às espetaculares manifestações de rua em nossas cidades, 2014, Dilma foi reeleita com Temer e o PMDB na chapa em campanha de que, como depois revelaria outra devassa, nem os vencidos sairiam inocentes. Tudo como dantes no cartel de Abrantes.

Para cúmulo da ironia, levado a julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o triunfo da chapa que juntou a fome com a vontade de comer passou a ser dado como absolvida “por excesso de provas”. Mas a decisão, tomada numa sessão presidida pelo ministro do STF Gilmar Mendes, manteve Temer na Presidência, depois do impeachment da titular da chapa vencedora. E Dilma sem cargo, mas liberada para ocupar posto público por uma canetada praticada pelas mãos esquerdas do senador peemedebista Renan Calheiros e do então presidente do STF, Ricardo Lewandowski.

Isso ocorreu apesar do enorme entusiasmo popular com novo feito da Justiça em primeira instância, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014 e responsável pela sequência da AP 470, levando às barras dos tribunais e às celas os maiores empreiteiros do Brasil, Marcelo Odebrecht à frente, e o ex-presidente Lula. Este havia saído incólume do mensalão por obra e graça da omissão do relator, tido como implacável, Joaquim Barbosa, e a atenta proteção do sucessor deste na presidência do STF, Lewandowski. O que não impediu que depois fosse condenado e preso como “chefe da quadrilha”.

No verão, esperava-se que se elegessem um presidente para limpar a máquina pública e um Congresso para apoiá-lo na guerra à corrupção. No inverno, 90% dos deputados e 65% dos senadores candidatos sepultam o devaneio do “não reeleja ninguém”. Dos seis pretendentes à Presidência com chance, nenhum se compromete com o que de fato importa: o combate a privilégios, política econômica para pôr fim à crise e ao desemprego e o basta à impunidade de criminosos armados ou de colarinho branco. Quem está em primeiro lugar nas pesquisas de preferência de voto é um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão.

O economista Cláudio Porto, da Macroplan, acaba de divulgar a pesquisa Cinco cenários para o governo do Brasil 2019-2023, que conclui que qualquer governo terá de conviver com cinco condicionantes imediatos: renda per capita 9% abaixo da de 2014 e desemprego de 14 milhões de pessoas; contexto externo menos favorável do que o dos últimos anos; tensão permanente entre a população impaciente e a maioria fisiológica dos políticos; demandas da sociedade por mais e melhores serviços públicos, em confronto com a manutenção e a conquista de mais benesses pelo baronato de políticos; e combate à corrupção menos intenso.

Para enfrentar esses problemas o eleitorado, segundo Porto, divide-se pela metade, não entre esquerda e direita, mas entre a sedução do populismo e a saída não populista. A pesquisa, feita para a Macroplan pelo economista Flávio Tadashi entre 6 e 8 de agosto, situa em 16,1% a adesão ao populismo de esquerda; 17,4% ao de direita e 16,5% ao “de ocasião”. A saída não populista divide-se em 27% para a conservação do status quo e 23% para o “reformismo modernizante”.

As chances de o Brasil continuar a não dar certo são de 77% e as necessárias reformas e modernização para o País crescer e prosperar não são inviáveis, mas dependem de a maioria do eleitorado ser convencido de que a melhor saída seria essa.

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
O BRASIL DO GENERAL 

 J osé de Souza Martins*


   Na opinião do general Mourão, candidato a vice-presidente da República na chapa do capitão Bolsonaro, em discurso num almoço na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul (RS), o Brasil herdou a "indolência" dos indígenas, a "malandragem" dos africanos e o afã de "privilégios" dos ibéricos. Um negro e brancos ouviram essa fala em silêncio. Na atual composição do povo brasileiro, isso nos diz que um eventual governo do capitão e do general minimizará uns 75% desse povo, pois no ver do general estamos aquém do que deveríamos ser.


 Sobram-lhe só 25% para governar, aqueles que o candidato não estigmatiza com os defeitos que nos atribui.. O general se reconhece pardo. Mas a "antropologia" do general é pobre e nada antropológica. Ele repete os estereótipos estigmatizantes que nos vêm desde o período colonial, o que era uma técnica de degradação para dominação da pessoa do cativo. Já desmentidos por nossa realidade histórica. Questionado, disse que sua concepção dos brasileiros não é preconceituosa. Mas não disse que é desconhecimento da história social do Brasil. Muita coisa ficou fora do elenco de suas concepções sobre o nosso povo. Para não parecer preconceituoso, ele poderia ter dito que no rol dos denunciados e processados no escândalo do mensalão não há pardos nem negros. E que foi um culto magistrado negro que levou o processo até o fim, o ministro do STF, Joaquim Barbosa. Como não há nem pardos nem negros entre investigados, processados e condenados da Lava-Jato. É uma pena que ele não lembre que numerosos negros lutaram pelo Brasil na Guerra do Paraguai. 

Oferecidos pelos brancos senhores de escravos no lugar de seus filhos brancos, convocados. Escravos não podiam ser soldados. Eram, então, alforriados para lutar pela pátria no lugar de sinhozinhos privilegiados. Nessa iniquidade, a Guerra do Paraguai criou no Brasil a equivalência de branco e negro: um negro valia um branco. A única malandragem do negro, nessa guerra, foi a de lutar e até a de morrer em lugar de filhos de senhores de escravos. O general tampouco disse qual era a malandragem nos canaviais e no eito dos cafezais em que o tronco e a chibata misturavam suor e sangue para produzir a doçura do açúcar e o ouro do café. Só chegamos à agricultura e à indústria modernas graças ao legado do ranger de dentes de seres humanos transformados em coisas e em semoventes, arrolados nas listas de população como equivalentes de animais de trabalho. Ainda nos restam senzalas, em exíguos quartos de empregadas domésticas negras e mulatas que dormem o sono cansado de vítimas históricas da cruel malandragem do escravismo. Durante dois séculos e meio, milhares de índios capturados no sertão foram reduzidos ao cativeiro. Pagaram em servidão vitalícia o preço de sua conversão forçada ao cristianismo. Qual preguiça, cara-pálida? Nossa literatura do século XIX reconheceu-lhes a paternidade simbólica da pátria. Durante esse longo tempo, nossos índios carregaram nas costas o pesado Brasil da preguiça branca. Um dos maiores nomes do Exército brasileiro, o marechal Candido Mariano da Silva Rondon, era de ascendência bororo. Um dos nossos maiores jogadores de futebol, Garrincha, era um índio fulniô. 

O xavante Juruna foi a consciência étnica da nação na Câmara dos Deputados. O general não falou no legado dos mulatos do barroco mineiro, na música, na pintura, na arquitetura. Não falou no padre José Maurício, mulato, compositor erudito que fora professor de música de dom Pedro I. Nem nos escritores Machado de Assis, Lima Barreto, Luís Gama e Ruth Guimarães. O general não poderia fazer política sem falar o português mestiço de língua nheengatu. A língua portuguesa que o general fala e eu falo tornou-se mestiça preguiçosa com o enxerto de palavras tupi no seu vocabulário. Mas sobretudo pela abundante invasão de vogais que a tornaram lenta e brandas as consoantes. Os índios forçados a falar português só o conseguiram dulcificando-o com vogais de abrandamento.

 Nem pipoca o general poderia comer se não falasse o preguiçoso nheengatu dessa palavra. Minimizar o índio como pessoa e como autor de cultura, reduzirá o Brasil a uma ilhota desfigurada e sem brasilidade, a uma pátria impatriótica. Quem recortar o negro da história, dos costumes e da identidade do brasileiro, que é antes de tudo um mestiço, também de mestiçagem cultural, nunca se encontrará com o Brasil. 

A pena de morte ideológica, a do preconceito, mata a pátria, não as iniquidades que a crucificam. Pátria não é delegacia de polícia nem é quartel. Pátria é sociologicamente o nós das nossas diferenças e do nosso encontro. Sem esse nós, pode haver governo, mas não haverá a quem governar.


-------------------------------- * José de Souza Martins é sociólogo e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Política do Brasil Lúmpen e Místico” (Contexto). Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/5742761/o-brasil-do-general Acesso 22/08/2018criar um blog

domingo, 19 de agosto de 2018

Raiva ou moderação: a bifurcação política do País


 - BOLÍVAR LAMOUNIER



A eleição deste ano transcorrerá num clima antipolítico como há muito não víamos
O Estado de S.Paulo -18 Agosto 2018


Um fato que chama a atenção na presente conjuntura eleitoral é o grande número de eleitores indecisos ou que falam em anular o voto ou se abster, simplesmente. Estamos em meados de agosto e a proporção dos que se encontram em tal situação é de cerca de 60%, segundo as pesquisas. É razoável admitir que pelo menos 30% manterão tal opção, com o que o porcentual de votos válidos não irá além de 70%. E mais: em todas as camadas sociais, esse amplo contingente de eleitores está permeado por uma atitude de hostilidade às instituições e aos políticos de uma maneira geral. Ou seja, a eleição deste ano transcorrerá num clima antipolítico como há muito não víamos.

As causas principais desse clima são facilmente identificáveis. De um lado, o País vive ainda as sequelas da pior recessão de nossa história; 13 milhões de trabalhadores amargam o desemprego e no mínimo outro tanto já desistiu de procurar trabalho ou se acomodou a ocupações de baixa qualidade e baixa remuneração. Ou seja, o legado do governo Dilma continua forte, projetando sua sombra na esfera político-eleitoral. Do outro lado, a trama finalmente desvendada da corrupção arquitetada por Lula e pelos partidos que a ele se associaram mais estreitamente atingiu uma amplitude inédita, um conluio que nem os mais pessimistas com o Brasil poderiam ter imaginado, envolvendo entre setores do empresariado e a maior parte do espectro partidário. A esses dois fatores é necessário acrescentar o patético comportamento dos dirigentes institucionais do País, que não chegaria a surpreender se estivesse ocorrendo só no Legislativo, mas que se manifesta com a mesma intensidade entre os integrantes dos tribunais superiores. No próprio Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros se desentendem com frequência e violam pontos cristalinamente definidos na Constituição e na jurisprudência, deixando a sociedade na iminência de uma grave insegurança jurídica. Mais ainda, enquanto a área econômica do governo faz das tripas coração para manter um mínimo de ordem nas contas públicas, o próprio tribunal, ápice da pirâmide judiciária, dá as costas ao País e aumenta seus vencimentos em 16%, decisão temerária, fadada a provocar um efeito-cascata noutras instituições.

Não há como avaliar o processo eleitoral sem levar em conta o pano de fundo acima esboçado.

A questão central é se a atitude antipolítica a que me referi desembocará num pleito radicalizado, raivoso, irracional, ou, ao contrário, se em algum momento os cidadãos sentirão raiva da própria raiva, encaminhando suas opções individuais para um desfecho mais convergente que divergente. Pelo menos por enquanto, parece inútil tentar responder tal indagação com base no discurso dos candidatos, dados a qualidade apenas mediana dos postulantes e o escasso conteúdo programático dos debates realizados.

A hipótese da convergência requer, portanto, algum otimismo sobre o desenrolar da própria campanha eleitoral. Em condições razoavelmente normais, é plausível supor que mesmo uma situação de tensão, depressão e indiferença possa ser em parte atenuada pelo ciclo eleitoral. Esse é o milagre que o processo democrático às vezes produz. A expectativa de um novo governo e uma nova composição no Legislativo pode, em tese, instilar um novo ânimo na sociedade. Até o momento, não há indícios de que isso esteja acontecendo. É certo que a campanha ainda não começou de verdade e que nenhum dos candidatos possui o que se poderia chamar de carisma (seja qual for o real significado desse termo) positivo, quero dizer, uma capacidade de empolgar os eleitores na justa medida em que lhes aponte um futuro melhor. Jair Bolsonaro, tido como o mais carismático deles, é mais um reflexo das condições de insegurança e raiva disseminadas na sociedade que um líder capaz de as reverter. Lula, na remota hipótese de se tornar elegível, provavelmente produziria o efeito oposto, acirrando ainda mais os ânimos. Se o candidato petista for, como parece, o ex-prefeito Fernando Haddad, sim, teríamos um personagem de perfil moderado - moderado até demais, para o gosto do petismo. Não me arrisco a tentar prever o montante de votos que Lula será capaz de lhe transferir, mas por ora não creio que seja o suficiente para levá-lo ao segundo turno. Ficará, provavelmente, num patamar próximo ao de Marina Silva, com ela compartilhando uma condição minoritária no Congresso, talvez tendo sobre ela melhores condições de conviver com o chamado “presidencialismo de coalizão”. Os demais - Ciro Gomes, Álvaro Dias, João Amoêdo e Guilherme Boulos - por certo terão uma função importante como partícipes do debate democrático, mas nada sugere que atinjam índices eleitorais robustos. Se as conjecturas acima estiverem certas, o mais provável, então, é que o segundo turno contraporá Alckmin a Bolsonaro.

Resumindo, fato é que o Brasil, quando mais precisa de candidatos à altura dos desafios já postos sobre a mesa, vive uma entressafra de líderes. A geração que conduziu a luta pela redemocratização em sua maioria já se foi, e uma nova ainda não se delineou, prestes a entrar em cena.

Do que acima se expôs, o que podemos extrair é, portanto, o imperativo de uma metódica sobriedade. Com os dados de que ora dispomos, a única previsão possível é a de que o próximo governo enfrentará difíceis problemas de governabilidade. Com a possível exceção do ex-governador Alckmin, os demais candidatos terão de se virar com uma base congressual exígua, insuficiente até em termos nominais; ou seja, serão governos de minoria. E nada, rigorosamente nada - salvo um súbito estalo de altruísmo -, nos autoriza a imaginar que um Congresso escassamente renovado possa oferecer ao Executivo o nível de colaboração de que ele necessitará para levar avante uma agenda de reformas modernizadoras.

BOLÍVAR LAMOUNIER É SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E AUTOR DO LIVRO ‘LIBERAIS E ANTILIBERAIS’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)

Calando a história

 - J.R. GUZZO



              REVISTA VEJA 

A extrema esquerda quer proibir que Hugo Studart fale sobre o Araguaia

O jornalista e historiador Hugo Studart, de Brasília, escritor premiado em seus livros sobre o regime militar e merecedor do apreço de organizações que agem em defesa dos direitos humanos, é um exemplo admirável do tipo de perseguido político que haveria num Brasil governado pelas forças de esquerda que estão hoje por aí. Em seu último livro, “Borboletas e Lobisomens”, que está sendo lançado neste momento, Studart faz uma reconstituição altamente minuciosa da chamada “Guerrilha do Araguaia” ─ na qual um pequeno grupo armado de extrema esquerda, centrado no PCdoB, tentou derrotar em combate as Forças Armadas do Brasil, nas décadas de 60 e 70, em confins perdidos na região central do país. Hoje, mais de 50 anos depois, organizações que se definem como “progressistas” ou de “ultra-esquerda”, entraram em guerra contra o livro de Studart. Se estivessem no poder, proibiriam a publicação de “Borboletas e Lobisomens” e aplicariam uma punição exemplar ao autor ─ alguma pena prevista, possivelmente, nos mecanismos de “controle social dos meios de comunicação” que prometem adotar em seu futuro governo. Como não podem fazer isso, colocaram em ação o sistema de difamação, sabotagem e notícias falsas que mantém na mídia e nas redes sociais para tumultuar o lançamento. Ao mesmo tempo, sua tropa foi posta na frente da livraria escolhida para a noite de autógrafos, no Rio de Janeiro, com a missão de intimidar os presentes e perturbar seu acesso ao local.

O delito de Studart foi mencionar em seu livro algumas realidades incontestáveis e incômodas para os interessados em manter de pé lendas e mitos sobre o que entendem ser o heroísmo dos “combatentes” da aventura do Araguaia. Basicamente, o jornalista escreve que diversos membros da guerrilha trocaram rapidamente de lado, assim que foram acossados pela tropa do governo ─ e fizeram acordos com os militares para delatar os companheiros e ajudar os militares na sua captura e destruição. Refere-se, também, à uma lista de “guerrilheiros” que, em troca da delação, receberam identidades falsas e se beneficiaram de programas de proteção a testemunhas operados pelos serviços de repressão; encontram-se, até hoje, entre os “desaparecidos” do Araguaia. Studart cita ainda uma das líderes do movimento que, na verdade, era amante de um agente das Forças Armadas e agia a seu serviço na guerra contra os companheiros. Registra assassinatos cometidos entre eles ─ as chamadas “execuções” ou “justiçamentos”. Enfim, no que talvez seja o ponto no qual mais irrita os inimigos do seu livro, o autor demonstra que o longo culto ao Araguaia pela esquerda é, em boa parte, uma questão de dinheiro. Tem a ver com a operação do sistema de indenizações e benefícios que o contribuinte brasileiro paga até hoje, e continuará pagando pelo resto da vida, para pessoas que conseguiram se certificar como “vítimas do regime militar”.

“Borboletas e Lobisomens” é um livro de 658 páginas, com uma lista de 101 obras consultadas pelo autor, tanto sobre o episódio do Araguaia em si como sobre História em geral; entra na relação até a “Metafísica” de Aristóteles. Studart ouviu depoimentos de 72 participantes e familiares, consultou 29 documentos de militantes da operação e teve acesso a cinco documentos militares, inclusive de classificação confidencial e secreta.

 Ao logo de todo o livro, trata os envolvidos, respeitosamente, como “guerrilheiros” ou “camponeses”. O relato de delações, homicídios e colaboração com os militares ocupa apenas uma porção modesta do vasto conjunto da obra. Mas a Polícia do Pensamento que opera na esquerda brasileira não admite a publicação de nenhum fato que possa contrariar sua visão oficial de que houve no Araguaia um conflito entre heróis do PCdoB e carrascos das Forças Armadas ─ principalmente se esse fato é verdadeiro. Este é o único tipo de liberdade de expressão que entendem.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

                 A revolta contra a ciência


                                           Rodrigo Constantino* 

O iluminismo racionalista deixou a “Idade das Trevas” e seu obscurantismo para trás. Ao menos é nesse progresso que muitos acreditam.



 O problema é que, com a “morte de Deus”, colocaram qualquer coisa em seu lugar. E uma dessas coisas foi justamente a ciência — ou melhor: o cientificismo, que é sua deturpação. É curioso que os “progressistas” tratem muitos conservadores como supersticiosos tacanhos que creem no criacionismo, ao mesmo tempo em que negam a ciência em diversas áreas do saber. 

Por falta de espaço, não teremos como aprofundar o tema. Mas alguns exemplos ajudam na reflexão. O mais destacado talvez seja o ambientalismo radical. A esquerda jura falar em nome da ciência quando alerta para os iminentes riscos catastróficos do “aquecimento global”, desqualificando qualquer um mais cético com tanto alarde. Não importa que já tenha virado “mudanças climáticas”, expressão mais vaga que permite incluir tudo que ocorre no clima — sempre em mutação. Seguir o dinheiro e compreender os interesses políticos por trás de tanta histeria tampouco interessa. Em nome da ciência, os ecoterroristas desprezam os princípios mais básicos da ciência, como a importância de refutar em vez de comprovar uma tese, e acabam substituindo-a por uma ideologia. 

O mesmo acontece com outras questões. A paranoia com os “agrotóxicos” (defensivos agrícolas) e a seita que se criou em torno dos alimentos orgânicos só podem ser entendidas como uma revolta contra a ciência. Em “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, Nicholas Vital mostra como é preciso fechar os olhos para os fatos para continuar nessa cruzada contra os defensivos agrícolas. Ainda no mesmo setor, os ataques aos alimentos transgênicos é puro obscurantismo “natureba”. A seita dos veganos também declara guerra à proteína animal e, com isso, atenta contra a ciência. Tem gente que condena vacinas ou remédios das gigantes farmacêuticas, pois acha que o “natural” é sempre melhor. O que dizer da ideologia de gênero, que ignora toda a teoria da seleção natural darwinista e sua influência no comportamento distinto dos sexos? É pura revolta contra a biologia negar as diferenças entre macho e fêmea, inclusive em nossa espécie. Por outro lado, há os que se agarram à “ciência” para manter a esperança na vida eterna, e acreditam na imortalidade com base em algoritmos e inteligência artificial. São os fãs de Yuval Noah Harari, por exemplo, que abraçam a missão prometeica do “Homo Deus”. Ciência? Ou cientificismo? São diversos casos, mas o leitor pegou o ponto central.


 Na arrogância cientificista, muitos acham que abandonaram as superstições obscurantistas, apenas para mergulhar de cabeça em outras. Será que é a direita mesmo que virou as costas ao progresso científico? 


------------ * Rodrigo Constantino é economista, escritor e um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”ideias para ganhar dinheiro
     Como será a cidade do futuro?
Stadtleben

 Uma especialista em desenvolvimento urbano esclarece como as cidades em crescimento podem permanecer agradáveis e como a moradia e a mobilidade precisam transformar-se.  Ulrike Gerhard é professora de Geografia Urbana na Universidade de Heidelberg. 


Ela é diretora do Reallabor Urban Office Heidelberg. Isso é pesquisa em tempo real: em quatro projetos urbanísticos, os cientistas acompanham, entre outros, a transformação de sociedade industrial para sociedade do conhecimento, novos conceitos de moradia e formas da participação dos cidadãos, por exemplo, na configuração local da virada energética.  Professora de Geografia Ulrike Gerhard privat   Professora Gerhard, todos querem mudar-se para a cidade? A população urbana cresce. Que desafios são enfrentados por esse desenvolvimento nas cidades da Alemanha? Nem todas as cidades crescem. 


Algumas até mesmo encolhem. Isso confronta os urbanistas com desafios variados. A pergunta central é: como devemos configurar a cidade do futuro? Os temas são mobilidade, poluição do meio ambiente e o mercado imobiliário. Mas, antes disso, devemos debater sobre o que desejamos realmente das nossas cidades. A população é tão heterogênea, que não se pode fazer jus a todos, sendo necessário encontrar um consenso.  Como se logra isso? Muitos atores precisam reunir-se em uma mesa: políticos, planejadores, investidores e – é claro – os habitantes da cidade. Há muitas possibilidades de participação, por exemplo em assembleias de cidadãos e exposições de projetos de construção, nas votações on-line, através de aplicativos e de “crowdsourcing”. O importante é que o desenvolvimento urbano seja transparente. 

Professora de Geografia Ulrike Gerhard

 Os interesses econômicos bloqueiam um desenvolvimento urbano sustentável? Não, não necessariamente. De que adianta um projeto altamente rentável, se ele levar à segregação e a novas disparidades? Economia, ecologia e aspectos sociais são os três pilares do desenvolvimento urbano. A sustentabilidade não pode assim ser apenas uma declaração vazia. 

Por exemplo, na construção de moradias. Os municípios poderiam comprometer os investidores a alugar um terço dos apartamentos a preços realmente módicos e outorgar as concessões de acordo com critérios sociais.  A escassez de moradias nas cidades alemãs é muito problemática? Eu considero que a chamada “crise de moradias” é, em parte, superestimada. A maioria das pessoas dispõe de moradia – só que nem sempre são as que se deseja. Em decorrência da transformação demográfica, nós necessitamos de novos modelos de moradias, que sejam apropriados por exemplo para os estudantes ou para as pessoas mais velhas: moradias conjuntas para várias gerações, miniapartamentos ou apartamentos que possam ser adaptados, de maneira flexível, às necessidades de cada fase da vida. Nós temos de reduzir drasticamente o trânsito de carros nas cidades. E o que ocorre com o planejamento do trânsito? Neste caso é necessário repensar tudo radicalmente. Precisamos reduzir drasticamente o trânsito de carros, pois todos pagam o preço da poluição sonora e ambiental. Deveria ser muito mais caro mover-se na cidade com automóvel do que utilizar os transportes públicos. Por isso, eu sou favorável ao transporte público gratuito. Outras possibilidades são a redução dos estacionamentos e um novo fomento do trânsito de bicicletas. Certas cidades pensam até mesmo em teleféricos.  A que conclusões a senhora chegou até agora no Reallabor Urban Office? A cidade sustentável é uma cidade em aprendizagem. Os planejadores urbanos deveriam ter mais coragem para novidades e ser persistentes, mesmo quando há resistências ou críticas, seja quanto aos bairros de “casas passivas” ou no que se refere ao transporte público gratuito. 


 ------------ Fonte: https://www.deutschland.de/pt-br/topic/cultura/cidades-alemas-assim-se-logra-o-desenvolvimento-urbano-sustentavelideias para ganhar dinheiro

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Floquinhos de neve no metrô 


- LUIZ FELIPE PONDÉ



FOLHA DE SP - 13/08

Não esperem nada da linha verde, a salvação virá da azul e da vermelha

Outro dia eu conversava com um amigo meu, médico homeopata, e ele, num arroubo sociológico, afirmou: “Não esperemos nada do pessoal da linha verde, a salvação virá das linhas azul e vermelha!”

Para quem não conhece o metrô de São Paulo, as linhas estão divididas por cores, como é comum se fazer pelo mundo afora. Quando meu amigo fez esse comentário, me chamou a atenção o caráter absolutamente científico da sua empreitada: havia algo de um espírito sociológico selvagem na sua fala. 

Eu sei que a linha amarela ficou de fora dessa sociologia. Vou ser fiel à minha fonte e nada direi acerca da linha amarela, mas suspeito que pelo menos parte dela cairia na classificação da linha verde.

Devo esclarecer o contexto da conversa em que surgiu essa observação fundamental acerca de nosso futuro. Falávamos de um certo sentimento de falta de esperança, não só para com o Brasil, mas para com nosso mundo ocidental –tema já banal. O resumo era o termo “snowflake”. Você conhece?

O termo é muito comum na Inglaterra. A tradução é floquinho de neve. A expressão é usada para designar pessoas que se ofendem facilmente. Como caráter epidêmico, é usado para descrever gente que, a partir de 2010, virou adulto jovem. Qual a relação entre a linha verde do metrô e a personalidade “snowflake”?

A linha verde corre, em grande parte, pela zona oeste e avenida Paulista –que, por sua vez, corre da zona oeste em direção à zona sul (e vice-versa, claro, não quero ofender ninguém!). Atende, portanto, em grande parte, a uma população floquinho de neve. 

Sei que há nessa afirmação muito de uma generalização selvagem. Mas o que seria da sociologia sem uma razoável dose de generalizações selvagens? Nem o velho Marx ficaria de pé.

A linha verde do metrô (pelas regiões que percorre) serve como metáfora de gente que perdeu um pouco a noção de como a vida é, devido às garantias materiais com as quais vive. Tipo: você nasceu com suíte para você desde bebê, logo, você acha que suítes deveriam ser um direito de todo cidadão.

A linha verde aqui, e sua “zona oeste paulistana”, representaria, em grande parte, o pessoal que acha possível salvar o mundo com alimento orgânico produzido na sua varanda. Ou gente que sofre de “síndrome traumática Trump” (nova síndrome descrita entre pessoas que nunca lavaram um tanque de roupa suja ou um banheiro na vida). Essa síndrome, de fato descrita nos EUA, é apenas um exemplo da condição floquinho de neve.

Gente assim se ofende se você a convida para jantar e oferece frango. “Seu frango me ofende”, diria um floquinho de neve.

Já as linhas azul e vermelha representam, nessa generalização sociológica selvagem, a moçada que cresceu com um banheiro para dez pessoas em casa. 

Suspeito que uma situação como essa educa mais do que dez anos de aulas de felicidade, autoestima e empatia nas escolas. Uma fila no banheiro, de manhã, em casa, é mais poderosa, no sentido civilizador, do que escolas que ensinam respeito às diferenças. À medida que o mundo vai ficando confortável, vamos perdendo a forma.

Pelas regiões geográficas que essas linhas percorrem (zonas norte, leste e sul profunda), elas seriam a metáfora de gente que não perdeu (ainda) a noção da realidade. Sabe o quanto as coisas custam, e que, normalmente, você sangra até morrer sem conseguir a maior parte delas. Acho que o “horror ao sangue” que marca a moçada na linha verde representa a perda dessa noção.

Uma das razões que me leva a suspeitar da chamada “esquerda” é que, em vez de enxergar os danos inexoráveis que a riqueza instalada está causando às pessoas, ela (à semelhança de seu profeta maior) acha que a solução é universalizar essa riqueza instalada, declarando que suítes devem ser um direito de todo cidadão. E mais: que as suítes devem cair do céu.

Portanto, voltando ao meu sábio amigo, não esperemos nada da linha verde. Quem salvará o mundo é o pessoal das linhas azul e vermelha porque, sangrando todo dia, eles ainda mantêm uma mínima lucidez em meio a esse parque temático que o mundo virou.

Eis um dos maiores paradoxos da condição humana: devemos fugir do sofrimento, mas, quando conseguimos, viramos floquinhos de neve. 

Eis um dos maiores erros dos utilitaristas ao determinarem que gerar felicidade em larga escala seria nossa “salvação”. Pelo contrário, a lucidez parece continuar habitando o território da dor. Esse fato essencial nenhum autor de autoajuda ousa enfrentar.

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.