quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Um ano está partindo ,outro ano está chegando...

Chegadas e Partidas
de Martha Medeiros





Quem se queixa de que não há mais afeto no mundo precisa dar uma espiada no programa Chegadas e Partidas, que vai ao ar às quartas (hoje!), pelo canal GNT. Mais que merecido o prêmio que levou de Melhor Programa de Televisão em 2011, dado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

A apresentadora Astrid Fontenelle grava o programa dentro de um aeroporto, onde colhe depoimentos de pessoas que estão esperando alguém ou se despedindo de alguém. As histórias são simples e comoventes, provando que nossos dramas e alegrias particulares ainda são o que há de mais rico e raro por aí (sem falar que a trilha sonora é de primeira).

Na quarta passada, Astrid mostrou duas irmãs se despedindo de uma senhora de 80 anos que estava embarcando para Rondônia, sua terra natal. As duas irmãs conheciam essa senhora havia apenas três meses, quando se ofereceram em uma instituição de idosos para cuidar dela por um dia, como voluntárias.

Porém, se apegaram à senhora e a levaram para casa até que ficasse curada. A hóspede tinha um aneurisma e sofrera um AVC, apenas isso. Essas garotas são filhas de um motorista de ônibus, que também estava no aeroporto para acompanhar pessoalmente o retorno da senhora ao lar. Seria o primeiro voo de ambos – passagem paga através de uma cotização de vizinhos.

Esse pai e suas duas filhas se mobilizaram por uma senhora que não conheciam e choraram sua partida como se fosse alguém com quem tivessem convivido desde a infância. Como disse Astrid, tem gente que não cuida de uma mãe ou de um irmão doente, e no entanto essa família humilde assumiu a responsabilidade de cuidar de uma estranha, dando-lhe remédios e algo ainda mais terapêutico: amor.

Credo, escrever essa palavra – amor – me fez sentir um Tiranossauro rex. Constranger-se em falar de amor é um mau sintoma.

Chegadas e partidas. Um filho que nasce, um filho que morre. Uma paixão que brota na quinta-feira, uma paixão que termina no domingo. Desconhecidos que viram amigos de uma hora para outra, e amigos que somem no mundo sem dar mais notícias. Nossa vida é uma espécie de rodoviária – ou aeroporto, hoje dá no mesmo.

Todos esperando alguém que virá matar a saudade, que irá preencher um vazio, ou então se despedindo de alguém que buscará a felicidade em outro lugar, que irá trabalhar longe de casa.

Pouco temos nos comovido no dia a dia, atucanados em ganhar tempo e em cumprir metas, então nosso afeto só tem transbordado, pra valer, no momento crucial de uma separação ou de um reencontro.

Um ano está partindo, outro ano está chegando. Eu, dentro da minha “rodoviária”, fico com os olhos marejados tanto pelo que deixo para trás quanto pelo que aguardo. Ou virei um merengue, ou estou ficando velha. Que seja. A boa notícia é que ainda me emociono.






terça-feira, 27 de dezembro de 2011





Moscas, tigres e dinossauros
David Coimbra

Para que existem moscas? Francamente.

Uma amiga minha, depois de três anos vivendo entre Escócia e Inglaterra, teve de voltar ao Brasil. Quando pisou em solo pátrio, o primeiro ser vivo que a tocou foi uma mosca. Desatou a chorar. A mosca, para ela, era um símbolo do nosso atraso tropical e católico.

Moscas. Os ecologistas dizem que tudo na Natureza tem a sua lógica e a sua função, que tudo está encadeado. Assim, as aranhas serviriam para comer as moscas. Não fossem as aranhas, haveria superpopulações de moscas, as moscas tomariam conta da Terra.

Mas e se não existissem moscas? Se elas simplesmente desaparecessem, como desapareceram as mulheres que sabem fazer nhoque? Neste caso, não precisaríamos de aranhas, que amiúde são peçonhentas. Estaríamos livres de dois inconvenientes ao mesmo tempo: as chatíssimas moscas e as ameaçadoras aranhas. Perfeito.

Esse negócio de que a Natureza é sábia e deve ser preservada eternamente como está é uma balela. Milhares, milhões de espécies foram extintas e não fazem a menor falta. A minha curiosidade em conhecer um pássaro dodô é a mesma de conhecer um chester: nenhuma. Agora, se há 65 milhões de anos existissem ecologistas, eles estariam tentando preservar os dinossauros e os pterodátilos.

Imagine os gastos de uma reserva para dinossauros. Rondônia já é quase toda dos índios, teríamos de deixar uns dois Matos Grossos para os dinossauros. E vez em quando eles escapariam para as cidades e fariam estragos de um Godzilla em Tóquio, amassando carros, derrubando prédios, mastigando pessoas. Não. Muito melhor os dinossauros estarem bem extintos.

Além do mais, quem garante que não foi melhor para os dinossauros aquele fim nobre, um meteoro caindo sobre o México, fazendo o eixo do planeta se deslocar e abatendo-os todos rapidamente num grande cataclismo? Talvez tenha sido mais digno do que a decrepitude inevitável por que passam os seres longevos.

Schopenhauer defendia a extinção da espécie humana como a única forma de escapar ao sofrimento existencial. A extinção como salvamento. O ideal, para ele, era que cessássemos com nossa ilógica ânsia reprodutiva. Parássemos de ter filhos.

Em pouco tempo, a Humanidade atingiria um fim suave e, com o fim da Humanidade, findaria a dor. Um ótimo plano. Mas, enquanto não é levado a cabo, por que continuar a conviver com moscas? Vamos acabar com elas! Danem-se os ecologistas.

Que herdem o planeta apenas os que o merecem, aqueles que são elegantes, como os felinos em geral, e em especial os tigres, com sua independência feroz e altaneira; os tipos alegres, que não se levam a sério, como os macacos de quaisquer tamanhos, sobretudo os chimpanzés; os emotivos cachorros, principalmente os de grande porte; os cavalos e sua fidalguia orgulhosa; os passarinhos chilreantes; os peixes silenciosos, com destaque para o saboroso bacalhau; e até uma ou outra baleia, desde que não se aproxime muito da costa.

Quanto aos insetos, míseros bichos de seis pernas, livremo-nos deles.

“Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”, proclamava Saint-Hilaire no século retrasado. Hoje seria vilipendiado pelas redes sociais. Sabia, Saint-Hilaire, que alguns não merecem sobreviver. A saúva. A mosca. E os técnicos mal-educados.

Não servem para nada, os técnicos de futebol grosseiros, que mal sabem se expressar na última flor do Lácio inculta e bela, que estão sempre emburrados e que ganham centenas de milhares de reais por mês. Que sejam extintos todos, junto com as moscas, até que enfim realizemos o plano de Schopenhauer.

Solidão cósmica é bela como uma ópera!

Saudades de Deus
De:Luis Felipe Pondé





O ateísmo me parece, entre todas as hipóteses sobre o universo, a mais fácil e simples

Tem coisa mais monótona do que discutir sobre a existência ou não de Deus? Ninguém crê em Deus "por razões lógicas". Isso é papo furado. Ninguém "decide" ter fé.

Tentar provar que Deus existe porque ele seria "uma necessidade da razão" me parece um engodo.

Primeiro porque a razão é risível em suas necessidades, como diria o cético Michel de Montaigne (século 16). A pergunta pela origem de tudo que existe (como numa espécie de aristotelismo aguado) não prova nada. Temos inúmeras necessidades que não são autoevidentes -por exemplo, que o bem deva vencer ao final das coisas.

Muitas vezes o mal vence e pronto. Quase sempre. Por outro lado, é interessante se pensar de onde veio a matéria que explodiu um dia e o lugar onde ela explodiu.

Mas isso nada prova acerca do Deus ocidental. O princípio pode ser uma mecânica estúpida.

Aliás, o chamado "argument from evil" (argumento a partir do mal) do ateísmo é famoso. Autores grandes como Dostoiévski e Kafka, entre outros, já o frequentaram de forma brilhante.

O argumento basicamente é o seguinte: se Deus é bom, por que o mundo é mau? Alguns já chegaram a supor que Deus seria mesmo mau, como o próprio Kafka.

Duas questões são importantes apontar nesse debate, uma com relação aos crentes, outra aos ateus.

Primeiro os crentes. Uma falácia comum por parte dos crentes é supor que seria impossível você ser uma pessoa razoavelmente moral sem alguma forma de religião. A história prova que ateus e crentes dividem o mesmo lote de miséria moral. Pouco importa ser ou não crente.

Pessoalmente, acho que o acaso decide: o temperamento (o acaso de você ter nascido "assim ou assado") é quase sempre o juiz do comportamento humano e não "valores" religiosos ou éticos seculares (não religiosos).

Portanto, a tentativa de afirmar que, se você é ateu você necessariamente não é "bom", é pura falácia. Tampouco penso que uma religião faça falta para todas as pessoas. Muita gente vive sem crise sem acreditar em coisa nenhuma "do outro mundo". Isso não significa que ela seja sempre feliz (tampouco os religiosos o são), a (in)felicidade depende de inúmeros fatores.

E mais: "crer ou não crer" não é algo que você escolhe, "acontece". Grandes teólogos como Santo Agostinho, Lutero e Calvino diziam que a "fé é uma graça" (simplificando a coisa), alguns receberam o dom e outros não (portanto, ela "acontece", como eu dizia acima, não é você quem escolhe ter ou não). Acho essa ideia bem mais elegante do que esse papo furado acerca das necessidades racionais, sociais, morais ou psíquicas da crença.

Quanto aos ateus, acho risível a ideia de que o ateísmo seja uma "conquista" da razão ou de alguma forma de rigor moral ou "coragem cosmológica".

Nada disso, como já disse antes, e repito, até golfinhos conseguem ser ateus em sua maravilhosa vida aquática. Fiquei ateu quando tinha oito anos.

O ateísmo me parece, entre todas as hipóteses sobre o universo, a mais fácil, simples, rápida e quase "fast food theory" (teoria fast food).

Não precisamos nos esforçar muito para perceber que podemos talvez um dia descobrir a causa

"natural" do universo, ou acabarmos como espécie antes de descobrir qualquer coisa. E "who cares" se sumirmos um dia?

E mais: é quase evidente que somos uma raça abandonada na face da Terra e a indiferença dos elementos naturais para conosco (sejam eles externos ou internos ao nosso corpo) salta aos olhos.

E mais: a possibilidade de estarmos sozinhos é sempre mais fácil do que acompanhados por um ser maravilhoso, dono do universo e que sabe cada fio do cabelo que você tem na cabeça.

Não há nenhuma evidencia definitiva de que Deus ou que qualquer outra entidade divina exista. O ônus da prova é de quem crê. Além do fato de que os japoneses, caras bem inteligentes, não creem em Jesus na maioria das vezes.

Acho Deus uma hipótese acerca da origem das coisas mais elegante do que a dos golfinhos. Mas, por outro lado, a ideia de que um dia o pó tomou consciência de si mesmo e constatou sua dolorosa solidão cósmica é bela como uma ópera.

ponde.folha@uol.com.br ;







Aglomerados subnormais...

Onze Milhões , Em FAVELAS
11 milhões





Submoradias não são sinônimo de miséria, mas sua perpetuação expõe incapacidade do país de resolver seus problemas

O Censo Demográfico do IBGE contou cerca de 11,4 milhões de pessoas vivendo em "aglomerados subnormais", o termo técnico que designa favelas, mocambos, palafitas, grotas e outros conjuntos de ao menos 51 moradias estabelecidas em assentamentos irregulares e carentes de serviços públicos. Trata-se de 6% da população.

Embora as condições socioeconômicas médias nos "aglomerados subnormais" sejam inferiores às das áreas urbanas regulares, observe-se que a "favelização" em si mesma não diz muito sobre o nível de renda, escolaridade ou saúde.

Cerca de 8,5% da população brasileira vive em extrema pobreza, com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais.

Quase metade dessas pessoas vive em áreas rurais. Mas 88% das casas dos "aglomerados subnormais" estão em regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. Cerca de metade dos brasileiros "favelizados" vive em São Paulo, no Rio e em Belém.

Assim, a permanência das favelas diz mais a respeito de perversões do desenvolvimento brasileiro do que sobre níveis de pobreza.

O inchaço das favelas ocorreu na grande migração do final dos anos 1960 e 1970. O crescimento econômico rápido atraiu brasileiros de zonas rurais e de pequenas cidades, desamparados no que diz respeito a posse de terra, emprego, educação e outros serviços sociais.

As atuais cidades repletas de favelas são resultado do descaso com a brutal desigualdade do Brasil "antigo" e do crescimento econômico desigual do Brasil "novo".

A falta de instrução, de acesso a trabalho e de reforma agrária no passado provocou a migração em massa. O crescimento inflacionário e a ausência de reforma urbana concentraram os migrantes nas favelas e assemelhados.

A quase inexistência de políticas de regularização das propriedades urbanas, o descaso com o planejamento das cidades, seu inchaço e a degradação dos antigos centros, a falta de transporte adequado, tudo isso contribui para a perenização desse tipo de ajuntamento, a favela -algo tão característico do Brasil que o termo em português é conhecido de cidadãos mais informados de outros países.

É preciso acelerar a regularização dos imóveis urbanos e instalar infraestrutura de serviços sociais e de segurança nesses bairros marginalizados. Criar programas habitacionais que transformem a vida do ajuntamento "subnormal" em parte comum da cidade, sem que seus moradores sejam expulsos para bairros distantes.

Os "aglomerados subnormais" decerto degradam a vida e as perspectivas dos brasileiros aí residentes, embora não caracterizem por si só a pobreza. Dão conta, isso sim, da incapacidade do país de planejar e executar a tardia integração de todos os seus habitantes à vida civilizada.

IBGE
BRASIL

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Cristo e Noel coexistem,cada um seu espaço...





Cláudio Brito*

Um dia depois

O Natal já passou, hoje é segunda-feira e uma pergunta gostaria de ver respondida, com clareza e sinceridade: quem foi o personagem principal, Cristo ou o Papai Noel?

Não vale dizer que seu protagonista reuniu um pouco de cada um. Dizer nenhum também não vale. Não creio que exista alguém tão refratário ou insensível que seja neutro ou frio ante as comemorações de fim de ano. Aceito até que se diga não gostar dessa época, por tristeza, solidão ou mau humor, mas não é verdade que o Natal seja apenas mais um dia no calendário.

Um padre me disse que a Páscoa é maior, mexe mais com os sentimentos dos cristãos. O Natal teria a marca da esperança, a Páscoa tem o timbre da vitória sobre a morte.

Um psiquiatra afirmou que o período é de fantasia e euforia, faz voltarmos à infância e isso pode trazer alguma frustração posterior.

Um jornalista indagou-me sobre o rumo a seguir neste escrito e a meta pretendida com minha reflexão. Um sociólogo abordou o tema pelo viés dos fenômenos de massa e construiu a tese de que muita gente embarca no turbilhão natalino sem muito pensar, vai de roldão.

O querer bem, sem olhar a quem e o bem pensar, sem maldade ou reticências, eis as recomendações de um psicólogo para um bom e produtivo Natal.

Um senhor já avançado na idade me disse que o Natal deste ano foi o maior e melhor de sua vida. Maior, porque durou quase uma semana. Melhor, porque foi o que lhe trouxe mais alegria. Contou-me que, carregando bolas de futebol e bonecas em seu carro, percorreu a Avenida Ipiranga três dias e duas noites.

Onde encontrou crianças, nos cruzamentos, calçadas e perto de outros cantos usados como abrigo, deu bolas para os guris e bonecas para as gurias. Jura que viu os sorrisos mais lindos de sua vida.

E chorou ao lembrar da menina que abraçou a boneca sem expressar qualquer emoção. Apenas olhou para aquele homem bondoso, apertou junto ao peito o presente e retirou-se. Meu amigo ainda pensa a respeito e me ajuda na conclusão. Não importa quem tenha sido o destaque do Natal de cada um. Cristo ou Papai Noel?

Há lugar para os dois em seu coração e em seu comportamento?

Já disse que não vale combiná-los para uma resposta em fuga, mas é claro que Cristo e Noel coexistem, tem cada um seu espaço e momento. O que vale é percebermos quanto um gesto e um olhar representam e nos bastam.

Então saberemos que Cristo e o bispo São Nicolau, que inspirou a criação da figura de Noel, foram homens como nós. A dimensão humana do divino, ou a divindade do homem? O que importa? Um dia depois é mesmo possível dizer que foi um grande Natal, de pensamento e de atitude.

*Jornalista

tomara que as previsões estejam erradas...

2012 – O fim do mundo
Kledir Ramil









Segundo as leituras que andam fazendo do calendário Maia, em 2012 estaremos chegando ao fim do mundo. Gostaria de aproveitar a oportunidade e me despedir de todos. Foi um prazer ter vocês como companheiros de viagem durante esses anos em que estivemos nos equilibrando sobre essa bola simpática, que gira pelo céu a uma velocidade espantosa de 1.674 km/h.

Isso mesmo, é mais que a velocidade do som. Nunca consegui entender como é que a gente não cai e nem perde o equilíbrio, o que, a essas alturas, já não importa mais.

Eu achava que iria acabar antes do mundo e já estava me preparando para receber a recompensa que me foi prometida. Todas as religiões afirmam que a gente vai sair dessa pra outra melhor, desde que se comporte direito.

Fiz meu dever como um aluno aplicado e abri mão de tudo que era proibido. Me dediquei à prática das virtudes e, com enorme esforço, evitei os pecados. Alguns bem interessantes. Levei uma vida de santo, com o objetivo claro de alcançar a vida eterna, num quarto com vista pro infinito, um mínimo de conforto e regalias, sem ter que me preocupar com contas para pagar.

Agora, comecei a ficar preocupado. Caso se confirmem essas previsões de uma grande catástrofe definitiva, não sei se as promessas das igrejas serão cumpridas. Sim, porque uma coisa é morrer sozinho e ser recebido no céu com carinho e atenção.

Outra coisa é chegar um bando de 7 bilhões de almas querendo entrar no portão. Quem vai organizar isso? Será que tem lugar pra todo mundo? Será que o pessoal está preparado? Se em um teatro com lotação esgotada já é difícil segurar o público que ficou sem ingresso, imagina uma situação dessas.

Estou começando a me sentir como aquele cara que apostou na bolsa tudo o que tinha e saiu lesado. Tenho um patrimônio de vida que me daria direito a uma série de privilégios para todo o sempre. Mas se a coisa sair do controle, quem me garante? Mesmo que consigam organizar o engarrafamento do registro de entrada, periga eu ficar numa fila interminável com gente exaltada gritando “Isso é o fim do mundo!”. O que não deixaria de ser verdade.

Era só o que me faltava. Acho uma maldade com um cara que teve uma vida exemplar. Não era isso que eu esperava da vida eterna.

Tomara que as previsões estejam erradas.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Corações puros.Crianças Alegre,É noite de Natal.





A LIÇÃO DA INOCÊNCIA

A leitura de uma graciosa carta de criança sobre Papai Noel e da resposta que lhe foi dirigida, constitui salutar refrigério para nosso século tão materializado

Numa manhã de setembro do ano de 1897, o redator-chefe do jornal nova-iorquino “The Sun” encontrou sobre sua mesa de trabalho a seguinte carta de uma menina de oito anos:

Prezado Sr. Redator:

Tenho oito anos de idade. Algumas de minhas amigas sempre me dizem que não existe o Papai Noel. Porém, meu pai afirma que se essa existência o “The Sun” confirmar, então é certo que existe o Papai Noel. Por favor, diga-me a verdade: existe mesmo o Papai Noel?

Virginia O'Hanlon

Francis Church, redator do “The Sun”, com relutância e hesitação tomou a si a tarefa de responder à carta de Virginia. Contudo, tendo começado a escrever, as palavras saltaram rápidas sobre o papel, e assim surgiu a seguinte carta:

“Virginia:

Tuas amigas não têm razão. Elas sofrem de uma doença péssima e que mais tarde trar-lhes-á ainda muitas dores. Toma cuidado para que essa doença não te pegue. Trata-se de uma doença de alma. Nós, os adultos, chamamo-la de incredulidade, espírito de crítica, falta de inocência. Tuas amigas e outras pessoas que tentaram te convencer pensam que são sábias e espertas, porque só admitem como real aquilo que podem ver com os olhos e tocar com as mãos. Contudo, elas não sabem quão pouco é isso!

Ora, pequena Virginia, imagina todo este imenso Globo terrestre com seus lagos e montanhas, com seus rios e mares, e, pairando sobre nossas cabeças, o céu infinito com suas miríades e miríades de estrelas. Imagine quantas espécies de seres existem no mar, nos ares e sobre a terra.

O homem é apenas um entre milhares de seres, e ademais quão pequeno! Diante das imensidões do universo, ele é pouco mais do que um besouro ou uma formiga. Como então pode o homem ver tudo o que existe e com seu pequeno entendimento querer explicar todas as coisas?

Sim, Virginia, existe o Papai Noel! Tão certamente quanto existem o carinho e a alegria, o amor e a bondade, os quais, porém, não podemos ver com nossos olhos e apalpar com nossas mãos. Mas tudo isso existe. Tu mesmo já os experimentaste. E não trazem eles beleza e alegria em tua vida?

Ah, como seria triste o mundo sem o Papai Noel! Tão triste como se não houvesse mais Virginias, como se não houvesse mais os contos de fadas, os anjos, as canções, as histórias infantis escritas pelos poetas. Ou, pelo contrário, só houvesse gente que jamais se encanta com nada, que jamais sorri! Então estaríamos todos perdidos. E aquela luz eterna, que jamais se apaga, com a qual as crianças iluminam o mundo e que acompanha toda criancinha que nasce, esta apagar-se-ia para sempre.

Não acreditar no Papai Noel?! Então ninguém mais precisaria crer em fadas e anjos. Tu poderias convencer teu pai a colocar vigias diante de cada chaminé, na noite de Natal, para que eles pudessem agarrar o Papai Noel. O que ficaria então provado se eles não o vissem descer pela chaminé?

Ora, ninguém vê o Papai Noel! Isso porém não prova que ele não existe. As coisas que neste mundo são verdadeiramente reais, não as podem ver nem crianças nem adultos. Já viste alguma vez uma fada dançar sobre os prados floridos? O fato de não a teres visto não prova que a fada não dance na pradaria. Ninguém pode compreender todas as maravilhas invisíveis do universo.

Tu podes bem desmontar um chocalho de bebê, a fim de ver como se produz propriamente o ruído das pedrinhas que se chocam umas contra as outras. Porém, sobre o mundo invisível há um véu estendido, o qual não pode ser rasgado nem mesmo pelo homem mais forte da terra, e nem sequer pela força conjunta de todos os homens fortes de todas as épocas.

Somente a fé e a caridade podem levantar um pouquinho a ponta deste véu e assim contemplar a beleza e o esplendor sobrenaturais que se escondem atrás dele.

Será tudo isso realidade? Ó, Virginia, sobre a Terra não há nada de mais real, de mais verdadeiro do que isso! Graças a Deus que o Papai Noel vive e viverá eternamente! Nos próximos mil anos – oh! que digo, pequena Virginia --, nos próximos 10 mil anos multiplicados por outros tantos mil anos, o Papai Noel continuará a fazer com que os corações puros das crianças se alegrem e batam com mais força na abençoada noite de Natal

..nenhum natal tangível sobrevive à comparação daquelas manhãs da infância...

De Cláudia Laitano
Véspera






O cheiro que vem da cozinha é de uma alquimia imprecisa. Pêssegos e passas se confundem no ar com os aromas da carne sendo assada no forno, enquanto a nota suave das fatias de abacaxi dispostas na travessa enfeitada com cerejas e fios de ovos – estes fadados a permanecerem intocados, não importa quantas vezes a travessa vá e volte ao refrigerador nos dias e noites seguintes – espalha pela casa um inconfundível perfume festivo.

Algo sendo preparado na batedeira compõe uma sinfonia concreta com o laborioso liquidificador e com a enceradeira girando célere rumo ao anacronismo irrevogável que condena certos eletrodomésticos a se acumularem no ferro-velho da memória junto a brinquedos quebrados e vestidos que já não servem mais.

O movimento da casa sendo arrumada para as visitas da noite, a cozinha em ação continuada e diligente, brinquedos escondidos em algum canto do armário já revirado muitas vezes nos dias anteriores. O ritmo singular de um dia que não é de trabalho ou de estudo, mas tampouco lembra a modorra de um feriado ou a pausa rotineira de um fim de semana. É uma manhã de véspera de Natal, e para uma criança (esta criança) não existe maior espetáculo na Terra.

Haverá, com sorte, muitos outros Natais antes e depois daqueles em que você é o adulto com a chave do armário dos brinquedos escondidos. Natais burocráticos, Natais alegres, Natais em que novos membros da família fazem sua estreia no álbum de retratos, Natais sob o impacto de perdas recentes que, saberemos mais tarde, nunca perderão seu lugar permanente à mesa de todas as ceias.

Não importa se você adora ou se sente mortalmente deprimido durante as festas de fim de ano, se teve Natais de novela das oito ou de romances do Charles Dickens: o Natal do presente será sempre medido conforme alguma nostalgia da infância.

E não há ocasião mais pródiga em lições duradouras sobre expectativa e realidade. Ainda crianças, aprendemos que é preciso modular nossos sonhos para que eles caibam na realidade, material e afetiva, da família que temos. Mais tarde, aprendemos a aceitar nossa família para que ela continue cabendo nos sonhos de harmonia que o Natal, como nenhuma outra ocasião, parece cobrar indistintamente, como se fosse um imposto.

Mas nenhum Natal tangível sobrevive à comparação com aquelas manhãs de pura antecipação da infância. Essas horas em que a expectativa pelas surpresas da noite dava solenidade e significado a cada gesto banal dos adultos, e todos os presentes um dia desejados – um foguete que vai à Lua, uma boneca de pano que fala, um buggy que anda na rua de verdade – ainda são uma possibilidade tão concreta e factível quanto podem ser concretos e factíveis todos os desejos de quem ainda não aprendeu a sonhar apenas com o que é possível.

Fica decretado que todos tenham uma noite maravilhosa.



NILSON SOUZA

Decreto de Natal

Fica decretado, nesta noite encantada, que nenhuma criança passará fome, nem será maltratada ou negligenciada. E que todos os meninos e meninas do planeta dormirão sob um teto, receberão carinho, presentes e afeto.

Fica decretado, nesta noite de festas e serestas, que todos os homens e mulheres da Terra rejeitarão a guerra, andarão de braços e trocarão abraços. Todos, sem exceção, tratarão o próximo como irmão e não haverá mais qualquer distinção entre empregado e patrão.

Fica decretado, nesta noite em que a estrela-guia namora fogos de artifício, que o suplício, o sacrifício e o desperdício serão substituídos por vias lácteas de alegria.

Fica decretado, nesta noite de luzes, que carpinteiros, marceneiros e guerreiros estão impedidos de construir cruzes e de lançar obuses. E que, em contrapartida, todas as forças do universo serão usadas para preservar a vida.

Fica decretado, nesta noite tão especial, que o ser humano jamais renegará sua origem animal e tratará as demais espécies com respeito reverencial. Protegerá bichos, florestas, rios e as demais dádivas da natureza, e cuidará com carinho da limpeza desta casa única que nos serve de fortaleza.

Fica decretado, nesta noite de inspiração divina, que está extinta a rotina, que a emoção é a melhor adrenalina e que, talvez, um grande amor esteja nos esperando na primeira esquina.

Fica decretado, finalmente e em definitivo, que este aditivo aparentemente autoritário pretende ser apenas um estímulo afetivo a quem sonha com um Natal mais solidário. E que este comentário singelo, que mistura desejo e presságio, não será confundido com um plágio do inimitável Thiago de Mello.

Fica decretado, nesta noite de sonhos misturados, que passa a valer como preceito o direito, o respeito e o escorreito, mas os erros, gafes e planos malfeitos serão tolerados, até mesmo porque ninguém é perfeito.

Fica decretado, sobretudo, que o leitor paciente e a leitora generosa, mesmo não concordando com tudo, acatarão as sugestões deste estudo, abrirão seus corações, unirão seus pensamentos e suas orações, para que todos tenhamos uma noite maravilhosa.





quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A Casa Azul



A Casa Azul

de :
LETICIA WIERZCHOWSKI









Certas coisas não acabam dentro da gente. A minha casa de verão, por exemplo. Passaram os anos e há muito ela se foi – antes que a derrubassem, foi vendida, outros viveram sob o seu teto os dias de um fevereiro qualquer, sem que eu nunca ousasse voltar até lá...

A casa, os donos novos botaram abaixo um belo dia: carpinteiros derrubaram as paredes que acolheram a minha infância, o quarto com os beliches, a varanda onde tantas vezes esperei passar o primeiro menino dos meus olhos, o porão onde guardava-se a manteiga no tempo da avó e onde eu acreditei que vivia uma bruxa – o fim de cada uma dessas coisas foi planejado e executado sem dó, já faz bastante tempo.

No entanto, essa casa azul continua em mim. Com ela sonho por noites seguidas, anos a fio – como sonhei ainda ontem, acordando dentro dela hoje pela manhã... Nessa casa azul penso quando recordo a minha infância; se fecho os olhos, reencontro em mim o toque, o som e o cheiro de cada coisa: o áspero da madeira das paredes, o odor de mofo dos armários quando chegávamos para o verão, o barulhinho das janelas se abrindo para a manhã...





Eu posso pegar a louça entre as minhas mãos, os copos, as xícaras, os pratos, eu sinto o cheiro da uva espremida para o suco e o gosto da limonada que a mãe servia na grande jarra azul dos almoços; eu posso sentar à mesa e entrar no quarto dos hóspedes; sob meus pés, ainda sinto o toque aveludado da madeira da varanda (era uma casa sobre pilotis, talvez porque naquelas paragens a areia vinha e tomava conta de tudo num único inverno).

Vive em mim, essa casa – e vive na minha ficção. Meu avô segurou nas suas mãos os tijolos daquelas paredes, e o seu riso forte ainda ecoa naquelas sala, nesse país imaginário, nessa praiazinha ventosa de sonhos que a casa habita até hoje.

Passado o Natal, íamos para lá. Era uma regra adorada: arrumar as malas, os presentes recém-recebidos, e tomar a estrada para o Litoral. Foi a casa da minha infância, a casa eleita pelos meus sonhos. E hoje, ao acordar pensando nela, abri um livro da Sophia de Mello Breyner e meus olhos leram, assim de chofre:

“A antiga casa que os ventos rodearam, com suas noites de espanto e de prodígio, onde os anjos vermelhos batalharam (...), permanece presente como um reino, e atravessa meus sonhos como um rio”. Ah, casa azul... Aqueles dezembros há muito se perderam, mas eu ainda te navego.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

No Bairro da Minha Infância

De: Fabrício Carpinejar



No bairro de minha infância, era obrigatória uma casa mal-assombrada. Com heras cobrindo os muros, portão enferrujado e som envenenado de vento e vidro partindo do quintal.

Se não havia uma candidata, a gente criava. Bastava uma residência estar abandonada, gemendo, fechada, ou para vender.

Assim que a imobiliária colocava a placa do negócio, o ponto passava a servir nossa especulação sobrenatural.

A construção tinha que atender alguns pré-requisitos. O maior deles: ser caminho da escola. Para facilitar o registro dos mínimos movimentos e gerar fofocas: vultos nos arbustos, janelas batendo e papéis voando. E também necessitava de gatos selvagens ou vira-latas raivosos em seu território, que avisariam da presença dos demônios com as pupilas mercúrio cromo. E alguém deveria ter morrido nela recentemente, por velhice ou fatalidade, para justificar a dívida com o além.

Nem sabe o que eu vi' costumava ser a senha de nossa chegada na escola. A curiosidade tomava a maior parte das conversas do recreio e provocava uma enxurrada de bilhetinhos por debaixo das mesas.

O coração acelerava só de passar perto do endereço, ou de tocar no assunto. Montávamos planos para a invasão. Durante a merenda, traçávamos rotas de entrada e de fuga usando pão, colheres e bolacha recheada. Havia uma coragem receosa, misto de excitação e dúvida.

Hoje a turma seria confundida com um bando de assaltantes, terminaria com a cabeça raspada na Fase, fichada na Polícia. Mas na época existia uma tolerância dos vizinhos; perdoavam nossa pouca idade: “ah, são apenas meninos!”. Pisávamos em território alheio com lanternas e mochilas. Invadíamos quartos e salas. Não foi uma casa que entrei sem permissão, mas várias, incontáveis. Ou pelas janelas ou pelos telhados. Com meu batimento na garganta, comum colega me dando cobertura do lado de fora.

Desse tempo, compreendi que adulto não soluciona o medo de criança, por querer terminar logo com o susto, dizer que não é nada, que é uma bobagem, que não vale sofrer à toa. Pai e mãe apenas aumentam o terror desprezando as perguntas e a cumplicidade.

As crianças pretendem curtir o medo primeiro, desenvolver o suspense. O medo não é uma ameaça, é um modo de fazer amizades.

Elas resolvem os pânicos falando deles. A terapia consiste em tão-somente partilhar medos. A gratuidade dos medos. O prazer dos medos. A delícia dos medos.

Um medo coletivo é melhor do que os medos individuais, castrados e reprimidos.

Exercitávamos a ansiedade com minúcia e fantasia. Às vezes contávamos histórias de terror à luz de velas somente para sair gritando. Às vezes alucinávamos em equipe.

Meu pavor sempre teve companhia para amadurecer.

Lenço de Pano,e branco.

Lenço de Pano,

Fabrício CARPINEJAR









Minha infância já foi inteiramente de pano: as fraldas, os cueiros, os guardanapos, tudo se sujava e se lavava. Nada era descartável.

O uniforme escolar incluía um lenço branco, guardado no bolso do abrigo.

Mesmo quando a merendeira se transformou numa mochila de três quilos de cadernos e livros, permanecia transportando o paninho branco para prevenir espirros e coriza (o Kleenex custava caro, e seu uso se restringia a consultórios médicos).

O lenço representava um item obrigatório durante o dia. Formava um sinal de educação assim como repartir os cabelos ao meio com brilhantina e nunca cansar de dizer “por favor”, “com licença” e “obrigado”.

Antes de sair, a mãe me lembrava de levar o lenço mais do que o casaco. O objeto dividia a gaveta com as cuecas e as meias. Sem ele, ficaria nu socialmente.

Dobrei muita gripe em seus quadrados, livrei-me de vários constrangimentos em seus vincos.

Lenço não se emprestava a irmão ou ao colega. Poderia ser oferecido num ato de gentileza e socorro, mas nunca emprestado. Havia nele uma exclusividade de escova de dente. Participava do enxoval de amadurecimento, ao lado da toalha de banho e de rosto. Para não ser extraviado, trazia as iniciais do dono.

O simpático adereço com rendas nas bordas atravessava todas as idades. Atendia, ao mesmo tempo, à higiene das crianças e à aparência dos adultos. Dos fundilhos da calça subia o andar da roupa e se instalava no bolso do paletó como sinônimo de elegância.

Um autêntico cavalheiro não andaria na rua sem o buquê de linho na lapela. Ajudava a secar o suor do rosto, e consistia numa potente arma de sedução: sacado na hora H para conter as lágrimas das mulheres e evitar o borrão da pintura. Bastava ceder o lenço, que a dama suspirava. Em contrapartida, a mulher conservava um lenço de reserva na bolsa para limpar o sangramento masculino da boca, quando o sujeito se engalfinhava com concorrentes por amor a uma musa.

Fui procurar um lenço movido por nostalgia, para dar aos meus filhos. Devassei as lojas e feiras de artesanato e não achei o produto. Tinha que explicar ainda. Explicar nos envelhece.

– Tem lenço?

– Lenço?

– De pano, de nariz, de enxugar a testa?

– Ah, sim, isso é muito antigo, não tem não.

Não se vendem mais lenços em Porto Alegre.

Não verei de novo aquela cena portuária das pessoas se despedindo com as pequenas bandeiras brancas.

Lenço nos ensinava a acenar. Era o professor da despedida. O professor de nossa saudade.

Adeus, lenço!

Temos muito que trilhar.

LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Um passo à frente

De vez em quando surge uma ideia luminosa no campo da educação. É o que acontece agora, com o projeto que planeja enviar 100 mil estudantes brasileiros para estudar em centros de excelência no Exterior.

O programa do governo federal pretende enviar, em escala nunca vista, turmas de alunos de boletim impecável e pendor para as ciências. Os estudantes, de graduação ao pós-doutorado, segundo leio na excelente reportagem de Renata Betti na Veja, estudarão com as maiores cabeças pensantes de centros de excelência acadêmica lá fora.

Algo similar já se tentou no país na década de 1930. Quando foi fundada a Universidade de São Paulo, importaram-se cérebros da Europa para lecionar entre nós.

Agora ocorre o oposto. Somos nós que enviamos alunos para se qualificarem nos melhores centros de pesquisa do universo.

Não foi diverso o que sucedeu em nações como a China, a Índia e a Coreia do Sul, que aprenderam que não havia outro caminho para se equiparar com as economias de ponta do que aprender com elas. Por isso, incentivam os seus mais promissores alunos a se aperfeiçoar no Exterior e oferecem atrativos para que regressem.

Conta Renata Betti que o programa brasileiro vai na mesma linha, projetando garantir aos retornados boas condições de pesquisa e remuneração acima da média.

Temos muito que andar. O Brasil conta com apenas um pesquisador para cada mil pessoas ativas, um sétimo da média dos países mais industrializados.

Essa desproporção ajuda a entender o abismo que nos divorcia das economias mais prósperas.

Resta esperar duas coisas: que as pesquisas produzidas atendam às verdadeiras demandas do desenvolvimento nacional e que as bolsas não se limitem ao território das ciências exatas, mas abranjam igualmente o riquíssimo domínio das ciências humanas.

Aspectos


"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada"


[Clarice Lispector]





Você lê e sofre. Você lê e ri. Você lê e engasga. Você lê e tem arrepios. Você lê , e sua vida vai se misturando no que está sendo lido”.

.[ Caio Fernando Abreu] .

Amar com coragem não é viver com coragem. É bem mais do que estar aí. Amar com coragem não é questão de estilo, de gosto, de opinião. Não se adquire com a família, surge de uma decisão solitária. Amar com coragem é caráter. Vem de uma obstinação que supera a lealdade. Vem de uma incompetência de ser diferente. Amar para valer, para dar torcicolo. Não encontrar uma desculpa ou um pretexto para se adaptar, para fugir, para não nadar até o começo do corpo. Não usar atenuantes como “estou confuso”. Não se diminuir com a insegurança, mas se aumentar com a insegurança. Não se retrair perante os pais. Não desmarcar um amor pela amizade. Não esquecer de comentar pelo receio de ser incompreendido. Não esquecer de repetir pela ânsia da claridade. Amar como se não houvesse tempo de amar. Amar esquisito, de lado, ainda amar. Amar atrasado, com a respiração antecipando o beijo. Amar com fúria, com o recalque de não ter sido assim antes. Amar decidido, obcecado, como quem troca de identidade e parte a um longo exílio. Amar como quem volta de um longo exílio.
(…) Amar com coragem, só isso.[Fabricio Carpinejar]

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

De Lya Luft," pós modernos de tacape "







PÓS-MODERNOS DE TACAPE

Que somos homens das cavernas fantasiados de pós-moderninhos, isso todo mundo sabe (poucos sabem o que seria esse “pós-moderno”). Estamos em forma, visitamos os melhores resorts, temos vários cartões de crédito e dívidas que se acumulam, mas quem liga? Marido um gatão, mulher uma gatinha, os filhos olhando. Ai o cara das cavernas desperta, grunhe, ou ruge, e ataca. Pega a clave, o tacape – que pode ser de material sólido mesmo ou matafórico, feito de palavras, ou de atitudes -, e pau no outro.

A hostilidade deve andar de mão dadas com o stress, que hoje desculpa quase tudo.
No trânsito, o número de loucos à solta cresce assustadoramente: costuras bizarras, pára-choque do carro ameaçando uma trombada sem motivo, gestos obscenos pela janela ou atrás do vidro. No estacionamento, alguém te amassa o pára-lama ou risca a porta claramente com a chave do seu carro: maldade, divertimento boçal, retardados cidadãos.

Nos condomínios, nem sempre as coisas são pacíficas: onde tem gente reunida floresce vizinhança boa e amizade, mas também muita insensatez, falta de compostura, de consideração. Nas ruas, cotoveladas para abri caminho, nos ônibus senhoras em pé e mangolões atirados nos bancos. No cinema comilança, conversa e arrotos, nas salas de aula celulares e outros a pleno vapor.

Greves trancam a educação já tão por baixo. Agora deram para protestar queimando livros, (ouvi falar de alguém que fazia isso em outros tempos, chamava-se Adolf...) Transportes, aeroportos, hotéis, precários, tudo parando, vivam as férias. Viva a Copa e semelhantes. E nós, cada vez mais irritados, quer dizer, também agressivos. Viver e conviver é difícil. Tem de sublimar para continuar curtindo o seu canto abrindo seu caminho sem pisar no outro.

Vai ver a gente pede demais, espera demais, quer demais, quer compostura e paz, onde já viu? Confesso que eu queria, sim, que a gente fosse um pouco mais manos (trouxa, nunca), mais construtivo, mais aberto às possibilidades boas pois as ruins não são as únicas.

Queria que em vez de hostis e agressivos fôssemos mais gentis mais civilizados. E que, em lugar desta sociedade fascista do “tem de”, a gente se permitisse uma atitude mais bondosa consigo mesmo, perguntando, afinal, o que é que eu quero, O que é que eu posso, o que me deixa mais realizado, mais contente, mais produtivo, mais feliz – ou o que me faz assim ansioso e hostil?

Deixando de transformar o ressentimento em insulto, ou stress em pedradas, usando esterco para sujar o que existe de positivo, e ainda cuspir em cima, assim, gratuitamente, sem fundamento que não a nosso errática agressividade. Eu ando sem paciência e pouco simpática. Fora da realidade, me disse alguém. Pode ser. A idade tem suas chatices, mas pode nos fazer mais tolerantes (ou mais implicantes), o que nos torna mais alertas – porque, como diz o dito popular, o diabo não é esperto por ser diabo, mas por ser velho.

A gente entende que basta um momento só nosso, parar pensar, contemplar o outro, curtir a natureza, a vida, indagar dentro da gente mesmo, para diminuir essa irritação dos estressados. Pois, hostil, o agressivo, não se manifesta a toda hora nem em toda parte: talvez sem seja a maioria sempre pronta a rosnar e atacar. Muito jovem estuda e trabalha com grande dificuldade e é amoroso com a família. Muito velho ainda curte afetos. Muito trabalhador, do gari ao intelectual, dá o melhor de si para um mundo mais habitável.

Qualquer um pode escapar, de graça para uma beira da estrada com borboletas de um espantoso azul; descobrir as nuvens por cima dos telhados, num jogo de cores que pincel nenhum pode criar. Curtir a algazarra de crianças no pátio do edifício, mesmo entre altos muros; ou ter alguma visão de beleza dentro da mais modesta casa.

E vai se reconciliar com este atrapalhado, sedutor e hostil mundo nosso, da corrupção, da impunidade, do endividamento, da miséria, da grandeza e da iniqüidade: não se consegue por todo o sempre, mas por algum tempinho. E já será bom.

e a evolução ainda não terminou







L.F.Veríssimo

Bons e maus darwinistas

Darwinistas bem pensantes se vêm frequentemente obrigados a explicar que aceitar tudo que Darwin disse a respeito de seleção natural, sobrevivência dos mais fortes etc. não significa acreditar que o que se aplica aos animais também se aplica aos homens. Ou seja, darwinismo social, não.

O próprio Richard Dawkins, o darwinista mais conhecido em atividade hoje, já disse em mais de um dos seus textos ser possível viver num universo amoral, o universo darwiniano em que a única regra é a vitória do que ele mesmo chama de “gene egoísta” na competição pela vida, e cobrar da sociedade humana um comportamento moral.

Darwinistas mal pensantes, claro, não precisam explicar nada. Para eles o darwinismo social justifica mercados desregulados, empreendedores aéticos e todas as manifestações do gene egoísta que tornam o capitalismo selvagem parecido com o mundo natural. Darwin só não ganhou seu lugar na galeria dos heróis da livre empresa, ao lado do Adam Smith, porque são raros os poderosos e endinheirados que não atribuem sua boa fortuna a Deus, em vez da evolução.

Mesmo antes de Darwin nos dar a incômoda notícia de que todos descendíamos de macacos (menos os meus antepassados, que foram adotados) e que pertencíamos a uma espécie tão sem caráter quanto qualquer outra, essa divisão entre o que éramos e o que pretendíamos ser já existia.

O capitalismo moderno e a moral burguesa nasceram juntos e desde então vêm coexistindo nem sempre pacificamente. Há muito tempo vivemos em dois universos simultaneamente, um em que o poder do dinheiro tudo determina, da nossa vida política à nossa digestão – com picos de ganância sem controle do capital financeiro como o que originou a crise atual – e outro em que ignoramos esta omnipotência e nos imaginamos seres racionais e até altruístas, ou em nada parecidos com um macaco egoísta.

Uma forma do bom darwinista conciliar sua crença na evolução amoral das espécies e sua crença de que o Homem é diferente é cultivar a ideia de que o desenvolvimento da consciência humana foi, mais do que uma evolução natural, uma mudança radical na história dos habitantes deste planeta.

Como nenhum outro bicho, somos conscientes de nós mesmos, do nosso passado e dos nossos possíveis futuros. Consciência não muda o poder do dinheiro nem assegura um comportamento moral da nossa espécie – ainda. Mas nos próximos milhões de anos, quem sabe?

A evolução ainda não terminou.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Positivar... humorizar







" Humanizar e "Humorizar"


Nós, seres humanos, somos mesmo criaturas interessantes. Inventamos máquinas para que elas fizessem o trabalho pesado e repetitivo – assim, poderíamos ficar livres para nos ocupar de coisas mais humanas como criar, descobrir, nos desenvolver e desfrutar a vida. Curiosamente, em vez de focar o que nos humaniza, acabamos nos maquinizando. Em nossa sociedade moderna e altamente tecnológica, nos obrigamos a ter elevado desempenho, ser altamente produtivos, não falhar nunca e não parar jamais. Levamos tudo isso tão a sério que mal deixamos espaço para a espontaneidade e o bom humor em nossa vida, tornando-a sisuda e dramática.

A realidade que criamos nos desumaniza e "desumoriza". A todo instante estamos dizendo a nós mesmos coisas como: "A vida é dura. Preciso ser competitivo. Poucos conseguem chegar lá. É preciso lutar para ser feliz”. São pensamentos desse tipo que povoam o inconsciente coletivo, passando de pessoa para pessoa e de geração em geração, e se estabelecem como verdades imutáveis. Ah, lembrei de mais um: "É preciso sofrer na Terra para merecer o Paraíso".

Mas será mesmo isso que desejamos para nós? Não! O que queremos verdadeiramente é liberdade, satisfação, criatividade, prosperidade e prazer. Queremos ser felizes, e não só em uns poucos momentos da vida, mas a vida toda! Só que não acreditamos que isso seja possível. Seria “bom demais para ser verdade", certo?

O fato é que precisamos aprender a usar o poder do pensamento a nosso favor e a sermos capazes de criar a realidade que desejamos. Precisamos nos re-humanizar e re-humorizar. Para isso, são necessárias três coisas. A primeira é tomar consciência de nossas crenças, começando a escutar o que dizemos a nós mesmos. Além das crenças coletivas mais comuns como as que já citei (por falar nisso, lembrei de outra, "pau que nasce torto morre torto"), existem também as pessoais, que surgem da comparação com os modelos de sucesso que a sociedade impõe. Vêm dessa comparação auto-sugestões limitantes como "não tenho tanta competência como fulano", "meu carma é ser pobre" ou "não mereço ser bem-sucedido".

A segunda é começar a substituir crenças negativas por positivas como "mereço ser feliz", "a sorte está do meu lado", "sempre há uma solução para os problemas" ou "sou capaz disso". Como já comprovaram a Neurociência e a Programação Neurolingüística, nosso cérebro assimila tudo o que repetimos sistematicamente, seja certo ou errado, positivo ou negativo. Temos de fazer com que as auto-sugestões positivas entrem de uma vez em nossa cabeça, e um bom método para isso é escrevê-las em pedaços de papel e colocá-las em locais que vemos freqüentemente – como a agenda do trabalho, o painel do carro, a tela do computador, até mesmo o espelho do banheiro. Vale também reservar alguns minutos diários para repetir e repetir a sugestão que desejamos incorporar, até que ela seja definitivamente gravada no cérebro e torne-se parte do nosso comportamento.

Ao dizer coisas positivas, criamos um posicionamento e uma conduta positivos ao longo do tempo, e aí entra a terceira coisa: nos tornar capazes de interpretar os acontecimentos da vida de modo positivo. Como dizem os físicos quânticos, não há uma única realidade, mas múltiplas – tudo depende do ponto de vista de quem a observa. Uma demissão, o fim de um casamento, a falência de uma empresa, até mesmo a morte de alguém, tudo isso pode representar uma tragédia ou uma libertação. Sendo assim, podemos começar a olhar nossas dificuldades, perdas e problemas como eventos que podem nos trazer algo de bom, quem sabe uma mudança, a oportunidade de recomeçar ou a chance de tomar um rumo completamente diferente. Quando adotamos pensamentos e uma conduta positivos, somos capazes de olhar para nossos dramas e, em vez de nos desesperar, questionar: "O que eu tenho a aprender com isso?”

A substituição de crenças negativas por positivas pode muito mais do que mudar nossa realidade. Pode também nos humanizar, na medida em que saímos das crenças herdadas e comportamentos automáticos do inconsciente coletivo e assumimos, plenamente, o nosso poder criativo. E pode também nos "humorizar", pois uma pessoa capaz de criar a realidade que deseja viver tem motivos de sobra para viver bem-humorada.

Por: Leila Navarro










O uróboro e a Vida

O que a serpente que come o próprio rabo nos ensina sobre sustentabilidade ?

A serpente é um dos animais mais invocados como símbolo pelo homem. Aparece em Gênesis entre Adão e Eva, representa a fertilidade em Canaã, a força política do Egito, a renovação da vida no Caduceu de Mercúrio – o estandarte da ciência medica. A serpente é ambígua, representa, simultaneamente, o medo e a admiração, o respeito e a inveja, o belo e o horrível. Ao mesmo tempo em que a detestamos pelo perigo de seu veneno e por sua capacidade de aparecer e desaparecer de repente, admiramos a elegância de seus movimentos e a liberdade que sua frieza lhe confere – mesmo presa em um aquário, parece livre, pois aquieta-se, ocupa todos os espaços disponíveis e apodera-se da segurança que o cativeiro lhe fornece.




Do Egito também recebemos o símbolo da serpente que come a própria cauda – o uróboro. Ela quer representar o eterno recomeço da vida, mas permite outras interpretações. Por exemplo, ao formar um circulo, o uróboro cria um espaço interno e outro externo.o lado de dentro simboliza o mundo percebido, a vida como a conhecemos, a matéria,o concreto, a natureza, a ciência.e, no lado de fora, de dimensão não sabida, certamente infinita, caberiam todos os mistérios da vida, de sua origem e de seu fim – os grandes dilemas humanos.



Fora do uróboro está Deus, e nele estamos contidos, pois o circulo criado pela serpente delimita um espaço do todo e fragmenta o infragmentável criando um fractal do infinito.






Nossa esperança infantil e nossa arrogância ingênua desejam que o uróboro abra a boca e nos coloque em contato com o todo, com o divino, para então domina-lo, sem percebemos que provavelmente seriamos absorvidos pelo infinito e pelo eterno, tornando-nos nada.
Lançando um olhar mais atento, percebemos que o uróboro é uma fonte inesgotável de simbolismos.



Ao mesmo tempo, desejamos, e também tememos, que ele abra a boca. Se ele continuar a se comer, pensamos, terminara por consumir-se e desaparecerá,, deixando-nos ao mesmo tempo sem o interno e sem o externo; mas se parar de se alimentar desaparecerá por inanição, e a humanidade permanecerá junto com ele. Desde que foi criado, o uróboro, como a serpente em si, desperta admiração e ódio, aversão e curiosidade.




Mas o uróboro, ele mesmo, não teme por sua sorte, pois descobriu o segredo da vida eterna, da sustentabilidade infinita. Ao alimentar-se de si mesmo, mantém-se vivo, cresce e providencia a substancia que irá alimenta-lo eternamente e, nesse moto-perpétuo, absorve energia do externo, do todo, e mantém o interior aquecido. A sabedoria do uróboro reside em não parar de alimentar-se, porém, se extrair, de si mesmo, mais do que necessita para manter-se capaz de continuar produzindo a substancia que lhe garante a vida. Pode parecer misterioso, mas é simples, pois o uróboro sinaliza para a humanidade o segredo da sustentabilidade: não consuma mais do que você precisa para manter-se vivo e use o resultado de sua produção para recompor o substrato que lhe permite produzir . Simples. Mas não fácil.




Por um lado, há pessoas, empresas e paises que ainda não perceberam que os recursos de nosso planeta não são inesgotáveis, têm fim; e, portanto não podem tender a um crescimento econômico que não tem fim. Por outro, há também pessoas, instituições e ate nações, que já acordaram para a realidade dos fatos e estão buscando contribuir, assumindo sua parcela de responsabilidade.
Em 1983 ( há quase duas décadas e meia), a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que teve como primeira presidente a ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Em 1987, a Comissão apresentou ao plenário uma Declaração Universal sobre a Proteção Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável, que recebeu o nome de Relatório Brundtland. Nele encontramos propostas de novas formas de providenciar o progresso humano, sem comprometer a fonte da riqueza, o que equivale a inteligência humana em aliada do planeta, levando o homem a renunciar a seu instinto predador. No relatório também encontramos o melhor conceito já emitido sobre sustentabilidade: “Satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras garantirem suas próprias necessidades.”. Nada mais claro.

Por Eugenio Mussak

igualmente,nos países avançados as relações humanas se pautam por regras complexas.




O desafio da complexidade

"O grande diferencial, para pior, da América Latina é haver sido colonizada por sociedades tecnologicamente muito atrasadas"

Na Nova Inglaterra, as coleções de ferramentas antigas exibem muitas dezenas de machados diferentes. Há um para cada tarefa. É espantosa sua variedade. No Brasil, os primeiros colonizadores portugueses trouxeram um só machado.

É o mesmo e único que persiste até hoje. Aos nossos velhos carapinas e marceneiros não faltavam habilidades e criatividade de fato, nosso mobiliário colonial é mais belo do que o correspondente americano. Mas suas caixas de ferramentas eram pobres. Havia pouca variedade e pouca especialização.

Para garantir seu suprimento de vitamina C, os colonos da Nova Inglaterra cultivavam acima de 1.000 variedades de maçãs que amadureciam em momentos diferentes. Algumas se conservavam no inverno.

Outras eram melhores para doce ou sidra. Em contraste, nossos caboclos cultivavam menos espécies de milho e mandioca do que os índios locais. Ou seja, nesse particular, dominavam uma tecnologia encolhida.


Um carpinteiro de ascendência alemã, no Vale do Itajaí, construía suas casas com uma estrutura de peças sólidas de madeira, depois preenchida com tijolos ou barro.

Aliás, era a mesma técnica construtiva (enxaimel) da tradição portuguesa. Mas havia uma diferença. O carpinteiro alemão lavrava (e marcava) no solo todas as peças e todos os encaixes.

Ao estarem todas as peças prontas, a casa era erguida. Na tradição portuguesa, as peças iam sendo lavradas e ajustadas uma a uma, no lugar em que entravam. O método alemão é mais eficiente, pois todo o trabalho é feito no plano.

Contudo, requer uma concepção prévia de toda a casa. Ou seja, ela está pronta na idéia antes de se iniciar a construção. O outro método é mais simples, mas ineficiente.

Perguntarão os leitores, já impacientes, aonde quero chegar com essa conversa. Desde Adam Smith, centenas de economistas tentam explicar o progresso, o crescimento ou sua ausência. Permito-me, imodestamente, propor minha própria teoria apresentada aqui de forma excessivamente lacônica.

Nos seus termos mais singelos, ela diz o seguinte: tem maiores chances de se desenvolver economicamente quem lida melhor com a complexidade. Terão poucas chances aquelas sociedades em que cada um lida com poucos elementos. O desenvolvimento requer abraçar a complexidade, principalmente nas dimensões que afetam direta ou indiretamente o processo produtivo.

Vai mais longe quem usa maior variedade de meios de produção (ferramentas, máquinas). Igualmente, quem produz maior variedade de produtos. Nas sociedades desenvolvidas, o tempo é organizado de forma mais complexa. Mais ainda, tais sociedades estão sempre preocupadas com problemas e obstáculos que estão mais à frente no tempo. Em vez de resolver as crises do presente, resolvem-se as do futuro, para que não cheguem a ocorrer.

Em uma recepção de hotel, em sociedades avançadas, muitos problemas foram antecipados e evitados ou sua solução foi codificada em procedimentos-padrão. Ademais, a cabeça do funcionário foi preparada para lidar simultaneamente com um número grande de problemas. Já em hotel de lugar pobre, o funcionário se confunde, se esquece, se afoba e os problemas não resolvidos vão se multiplicando.





Igualmente, nos países avançados as relações humanas se pautam por regras complexas, impessoais e estruturadas. Além disso, são regras diferentes para regular momentos e funções diferentes da vida, com claras distinções entre família, organizações e Estado.

No fundo, a mensagem é que o desenvolvimento virá mais espontaneamente para aquelas sociedades que melhor lidam com os aspectos da complexidade que afetam a produção, pois o processo é cada vez mais complexo.

O grande diferencial, para pior, da América Latina é haver sido colonizada por sociedades tecnologicamente muito atrasadas apesar de terem complexidade e vantagens em outras áreas.

Não sei bem aonde levará minha teoria. Mas, se herdamos uma cultura incapaz de lidar com a complexidade, temos de mudar, sobretudo, aprendendo com quem sabe. E certamente o ponto de partida é uma educação de qualidade.

Claudio de Moura Castro é economista

Amanhã , eu faço...

Por Rafael Tonon,

Amanhã eu Faço!





Faz uns 40 minutos que eu liguei o computador e abri um novo documento no Word na tentativa de começar a escrever este texto. Mas, antes de sentar aqui, na minha mesa, enfrentar a temida página em branco e começar a digitar estas letras, fui à cozinha preparar um café para ficar mais concentrado. Aproveitei para roubar uma bolacha do pote de vidro de cima da pia e puxei um assunto qualquer com a Cris, a moça que trabalha em casa. Na volta para o meu quarto, já com a xícara de café na mão, passei pela sala e espiei as manchetes do jornal que estava em cima da mesa. Não hesitei: puxei a cadeira e fiquei ali, lendo as notícias do dia. Quando voltei ao computador, abri logo meu correio eletrônico, dei um “enviar e receber” nos meus e-mails e acabei me distraindo ao responder às mensagens que chegaram. Depois que eu terminei, fui lembrar do arquivo à espera do meu texto... “Chega de protelar”, pensei. “É hora de trabalhar.”
Aposto que você, quando pegou a revista para ler, também deixou algumas tarefas para segundo plano: lavar a louça acumulada na pia (sempre ela), dar um telefonema, guardar no armário a roupa passada (ou colocar para lavar a roupa suja)... Enfim, algo deve ter ficado para mais tarde – ou para amanhã, dependendo da intensidade da sua falta de vontade de realizar determinadas coisas. Toda hora, temos que decidir o que fazer. E, para cada coisa que fazemos, há uma relação de coisas não feitas. E isso é bem comum, principalmente nos dias atuais, em que as tarefas parecem se multiplicar nas nossas agendas. Tão comum, aliás, que existe até um termo criado para explicar esse comportamento demasiado humano: procrastinação, que, do latim, significa “postergar, atrasar, demorar, adiar, delongar”.
A psicologia moderna já descobriu que 80% das pessoas procrastinam com certa frequência (se computarmos as que procrastinam de vez em quando, o número certamente sobe para 99,9%). O que nos leva a concluir que o nível de popularidade dessa tendência comportamental está mais em alta que a de muitos políticos por aí. Isso porque a procrastinação está presente em todas as áreas da nossa vida, do trabalho às questões pessoais. Procrastinamos a dieta, a arrumação dos armários, o check-up médico, o envio daquela cotação a um cliente, a entrega da declaração do Imposto de Renda. (Esse último item, aliás, vale um parêntese: este ano, a Receita Federal deu dois meses para receber as declarações dos contribuintes. A dez dias do prazo final, nem metade dos brasileiros que precisam declarar seus bens tinha enviado o documento ao governo. Sim, nós deixamos mesmo as coisas para a última hora.)
Estamos nessa
Ou seja, postergar nossos afazeres é bem mais normal do que poderíamos supor. Quem garante é o psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade De Paul, do estado americano de Illinois, e um especialista no assunto. Ele estudou esse comportamento em países tão distintos como Austrália, Estados Unidos e Venezuela para comprovar que não se trata de algo cultural, mas de conduta intrínseca ao ser humano. “É um comportamento que é considerado tão natural na nossa sociedade que a maioria de nós começa o dia procrastinando, ao apertar aquele botão do despertador que permite que fiquemos na cama por mais cinco minutinhos”, diz. “Procrastinamos o tempo todo sem nem mesmo perceber que o fazemos.”
Em pequena escala, empurrar com a barriga pode ser plausível. Afinal, há mais coisas a serem feitas do que qualquer um poderia dar conta em um único dia. Lembrar-se disso já é uma boa forma de ver a procrastinação com bons olhos, sem nos culparmos por não conseguirmos resolver todas as tarefas que a vida nos impõe. Não há mal nenhum em deixar para amanhã a renovação da carteira de motorista, o banho do cachorro ou a ida à costureira para pegar as roupas que ficaram prontas. O problema é quando se preterem muitas das tarefas. Ou então quando se adiam algumas delas por tempo demais.
O publicitário Sérgio Katz só se deu conta de que precisava parar de postergar os seus compromissos quando isso passou a lhe causar uma série de prejuízos – inclusive financeiros. Num curto intervalo de tempo, ele perdeu voos e a revisão gratuita do carro, pagou a academia de ginástica por meses sem nem ir sequer uma única vez e adiou incontáveis consultas e exames médicos. “Mas, de todas, a penalidade mais significativa era a tensão gerada e a energia que eu desperdiçava ao conviver permanentemente com uma preocupação sem resolvê-la de fato”, diz. Quem procrastina sempre tem a ilusão de que adiar o problema é uma forma de solucioná- lo por enquanto. É como se o escondesse debaixo do tapete para, na próxima faxina, lidar novamente com ele. Mas a questão é que os problemas não deixam de existir na mente de quem os adia. E, o que é pior, alguns deles tomam proporções maiores com o passar do tempo. Se você deixar para cortar a grama no mês que vem, pode ter um esforço maior do que teria se a aparasse hoje. Esta é a percepção que o procrastinador não consegue enxergar: deixar para depois é quase sempre mais custoso.
O adiamento de algumas tarefas acaba virando uma bola de neve. Sem conseguir controlar o próprio tempo e as próprias ações, a pessoa percebe que os dias passam sem que ela tenha conseguido lidar de fato com as situações, causando uma angústia enorme. Sérgio diz que sempre foi de deixar as coisas para depois, como estudar de última hora nas vésperas das provas, quando ainda era um aluno do Ensino Médio. Mas, com a chegada da vida adulta e o acúmulo de responsabilidades que ela trouxe, ele tem que aprender a se refrear a cada dia. “Hoje, cada vez mais, concordo com uma música da Legião Urbana que fala que ‘disciplina é liberdade’”, conta.
A tal prioridade
Mas, se a procrastinação pode causar tantos danos, por quê, afinal, nós deixamos para amanhã o que devemos ou podemos fazer hoje?

Segundo Ferrari, temos a tendência de postergar tudo o que parece ser tedioso, demanda muito trabalho, não é para hoje. Ou o que não nos dê prazer imediato. A procrastinação é um embate entre o tempo psicológico, estabelecido pelos nossos desejos, e o tempo social, que é o marcado pelo do tique-taque constante do relógio. E ela pode estar relacionada a diferentes razões. Uma é a falta de autocontrole, que faz com que as pessoas acabem adiando atividades para as quais deveriam dar prioridade, justamente por agir de forma impulsiva e perder o senso crítico e racional da situação.
São pessoas que dizem gostar de trabalhar sob pressão ou resolver as coisas no limite do tempo. E afirmam ter um desempenho melhor dessa forma. Está certo que, enquanto o jogo está valendo, é possível fazer um gol até os 45 minutos do segundo tempo. Mas a chance de vencer uma partida com um gol de última hora é muito mais uma questão de sorte do que de bom desempenho. Nesse minuto final tão decisivo para o placar, é possível perder o passe, ter a bola roubada, errar o chute. Aí não há mais tempo hábil para reverter o jogo. “Essas pessoas nem sempre gostam de trabalhar assim, mas por ter dificuldade de estimar o próprio tempo e, por isso, deixar as coisas para a última hora, têm que entregar tudo sob pressão e fingem gostar disso”, diz Ferrari. Na maioria das vezes, elas não conseguem calcular racionalmente o período necessário para a realização de uma tarefa, deixando-a, então, para os momentos finais.
No ambiente de trabalho, é comum agirmos pautados pelas prioridades. Ainda mais hoje, em que tudo parece ser ainda mais urgente. “O senso de urgência teve sua referência alterada. Tudo é muito rápido, tudo é para ontem, tudo tem que ser agora. Do contrário, podemos perder clientes, dinheiro, posição ou até status”, diz o consultor de recursos humanos Marcos Nascimento. Mas essa mudança no parâmetro de urgência afetou todos nós de forma negativa. Tanto que não podemos conviver com a ideia de deixar para amanhã a resposta a um email que não é tão importante assim. Na ânsia de fazer tudo e mostrar para o chefe que dão conta de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, as pessoas acabam postergando as tarefas que deveriam ser fundamentais. “A tendência que temos em glamourizar o estresse influencia muito nossas decisões. Daí, como temos muitas coisas consideradas urgentes, é bem provável que coisas cruciais, realmente importantes, fiquem negligenciadas”, afirma.
Ou seja, esse novo senso de urgência está fazendo com que nos tornemos mais procrastinadores ao adotarmos a ideia de que tudo é impreterível. Não é: há coisas mais urgentes do que outras. E estabelecer essa hierarquia de prioridades, apesar de difícil, é primordial para que as tarefas importantes sejam feitas com a dedicação que elas exigem. Estudos indicam que, quanto mais detalhada e objetiva for uma tarefa, mais chances temos de realizá-la. Se, ao contrário, percebemos uma atividade como distante do aqui e agora, tendemos a deixá-la para ser resolvida em um futuro vago, para quando sobrar um tempo – se é que vai sobrar. Por isso, é mais fácil procrastinarmos uma intenção (como começar a estudar italiano) do que uma tarefa (entregar um orçamento). Criar prazos e termos concretos é uma forma de nos impulsionarmos a pôr a mão no batente e seguir em frente – seja no que for. Se os editores desta revista não me dessem um prazo, dificilmente eu estaria contando o que eu apurei nesta reportagem para você neste momento. Provavelmente, ia continuar a me distrair com o jornal ou até com outros afazeres acumulados. Porque os prazos nos ajudam a vislumbrar o que tem que ser feito. E fazer!
Tomar decisões
Mas nem todo mundo consegue ter essa visão prática da vida. Tenho uma amiga que vive uma grande dificuldade nesse sentido. Não que ela não saiba o que é preciso fazer. Ela sabe – e faz muitas delas, principalmente no trabalho, onde todos nós costumamos ser mais responsáveis. Mas muitas vezes ela procrastina por não conseguir tomar uma decisão acertada das coisas. Desde que eu conheço a Carla (como ela pediu para chamá-la aqui), ela sempre foi assim: atrasada para todos os encontros e compromissos, ela tem um verdadeiro guarda-roupa no carro justamente por nunca conseguir ir para casa se trocar. Em aniversários e comemorações, ela não compra o presente de última hora: compra no outro dia, quando o aniversário já passou. Há duas semanas, a vi online no MSN e perguntei se ela permitia que eu contasse a história dela aqui, já que não conhecia uma pessoa mais procrastinadora. Ela gostou da ideia, mas precisaríamos conversar outra hora porque ela tinha que pagar uma conta pela internet ainda naquele dia. Detalhe: eram 23h40 da noite. “Sou enrolada mesmo,. Fico adiando e quando vejo passou da hora. Se eu sei que tenho 15 minutos para fazer alguma coisa, eu uso os 15 minutos cheios e ainda aproveito mais uns dez minutos que usaria para outra coisa”, admite.
Não pense que a Carla se vangloria por ser assim, não. Se pudesse, ela seria bem mais organizada e decidida. “Quando consigo me organizar e antecipar as coisas, sinto uma satisfação muito grande. Mas quase nunca consigo”, diz. E essa impossibilidade não está ligada somente aos afazeres e compromissos, mas à vida pessoal. Em um relacionamento há cerca de oito anos, ela já não se sente tão envolvida, mas não consegue dar um ponto final à relação. “Nos últimos dois anos, o problema só se agravou. Eu continuo adiando, adiando e adiando. Mas eu simplesmente não enxergo o dia em que essa decisão terá que ser tomada. Fico buscando caminhos, saídas, soluções. Tudo para evitar cada vez mais algo que é inevitável”, conta.
Carla faz parte de um grupo de pessoas que procrastinam por não conseguir tomar decisões porque não decidir, na cabeça delas, as absolve das responsabilidades que viriam com tais decisões. E, para não sofrer as consequências, preferem ficar estacionadas. A maioria de nós também é assim: temos a necessidade imperiosa de evitar ou desprazer a qualquer custo. Preferimos, muitas vezes, a agonia da espera, em lugar de fazer de uma vez o que precisamos, principalmente se for para nos causar qualquer tipo de sofrimento. Não conseguimos ter o distanciamento necessário para estabelecer uma relação entre esforços e resultados e perceber que o sofrimento, muitas vezes, vem em decorrência de uma mudança mais positiva. E que causaria muito mais prazer para nós mesmos.

juntando leltrinhas vivendo na prosa...








"...ensinem-me a maneira de dar leis ao coração!"

[Florbela Espanca]


E sou o que sou. Daria para ser diferente? Poderia ter escolhido outros caminhos? Mas, se diferente fosse, seria Eu? Credo! Tudo parece ser tão complicado. São tantas perguntas que me faço sem encontrar as respostas.


...


O que sei é que em mim, a respiração rege a orquestra: quanto mais consciência tenho do meu Eu, mais equilíbrio, harmonia e beleza para a melodia tocada por todos os eus que fui e que, hoje, compõem o que Sou. Então, sendo o que sou, sigo


juntando as letrinhas,
vivendo na prosa,
proseando na vida,
e


tentando dizer alguma coisa.


[Jacinta Dantas]

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

...e a gente vai chegar lá...







CLAUDIA TAJES

Muita calma com os velhinhos

Natal é tempo de fraternidade, desde que não haja um velhinho pagando tranquilamente as suas compras no caixa do supermercado. Quando isso acontece, homens e mulheres de boa-vontade, e menos idade, esquecem a máxima aquela de respeitar os mais velhos. E a fila vira um festival de reclamações.

Admiro os velhinhos e as velhinhas com disposição para ir ao supermercado, eu que só me animo a abastecer a casa quando a geladeira já virou um deserto. Velhinho no supermercado pode tudo, apertar os pãezinhos até achar o mais crocante, fazer o rapaz da fiambreria tirar e recolocar as fatias até completar exatas cem gramas de queijo, pedir bis nas mesas de degustação.

É um prazer ver as senhoras de cabelos brancos escolhendo tomates com os critérios que só as muito experimentadas em molhos têm. E os senhores que estacionam os carrinhos para uma conversa no meio do corredor, coisa boa de se ver.

Para a minha mãe, passada rápida no supermercado foi algo que jamais existiu. Qualquer produto com remota cara de novo merecia um certo assombro e nunca faltou o trololó com a moça do caixa. A senha do cartão de débito era digitada com concentração máxima e zero de pressa. Se fosse o caso de procurar moedas na carteira, aí quem estava atrás na fila já começava a bufar. Eu, esperando para carregar as sacolinhas dela, bufava.

Quando não se tem mais um velhinho por perto, olhar para os outros velhinhos dá uma saudade danada. Fora a culpa de não ter encarado com paciência as idas ao súper em busca de um amaciante alguns centavos mais barato.

Por isso, se um velhinho trancar a fila do caixa porque não pesou as maçãs ou porque não se afoba para pagar, o jeito é encarar a situação com bom humor e, principalmente, com a tal da fraternidade. E não só no Natal.

Sem esquecer que, se tudo der certo, um dia a gente também vai chegar lá.