quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Mês de Março de 2013 - Que Haja Saúde,Paz na Humanidade


"O melancólico fim do papado de Bento XVI "

 



Às 8 horas da noite deste 28 de fevereiro, Ratzinger deixará de ser papa e abandonará o Vaticano. Regressará dentro de dois meses para viver no convento de monjas que está dentro da cidade papal. Neste período, será nomeado o próximo sumo pontífice e no Vaticano conviverão dois papas: o demissionário e o novo. Os vaticanistas acreditam que ele não vai embora de verdade, que exercerá sua influência para seguir depurando as águas de uma igreja que só vive pela pureza de seus fieis que ainda acreditam na sagrada providência, enquanto a igreja dos homens afunda nas vilanias terrestres.

Roma - Há um momento na vida de um ser humano em que tudo o que ele tem que fazer é a última vez de algo. Desde o papa Bento XVI anunciou, dia 11 de fevereiro, que renunciaria a seu pontificado, tudo o que ele faz a caminho de voltar a ser Joseph Ratzinger, é o último: o último Ângelus no domingo e, na quarta-feira, a última audiência pública das quartas, a número 348, sob um generoso sol matinal e com uma Praça São Pedro lotada de gente. Essas audiências são realizadas no interior do Vaticano e são de acesso livre, mas nesta quarta havia tantos pedidos que ela foi feita na praça, com toda a pompa com que o Vaticano cerca essas cerimônias. Outra vez estavam eles ali para sustentar a estrutura terrestre com a qual a Igreja Católica maculou seus atos: o apetite pelo poder, a pedofilia, os negócios confusos do Banco do Vaticano, a guerra entre grupos e congregações. Eles são os fieis, cerca de cem mil.

Emocionados, com lágrimas nos olhos ou com olhar beato, seguem crendo com fé nesse Deus tão mal representado por muitos dos cardeais sentados na estrada do Vaticano. Momento estranho, surrealista, embebido de emoção e desencanto. Com uma voz às vezes rasgada e gutural, o papa evocou a dúvida, o poder da fé, sua missão e o cansaço que, disse, o levou a uma renúncia cuja “gravidade” assumia plenamente.

Talvez por ter sido o último encontro, bento XVI pareceu mais humano, mais simples, mais compreensível, mais transparente em sua complexidade. “Nos últimos meses senti que minhas forças tinham diminuído e, com insistência e na oração, pediu a Deus que me iluminasse para que eu tomasse a decisão mais justa, não para o meu bem, mas sim pelo bem da igreja. Dei esse passo com a plena consciência de sua gravidade, e também de sua novidade, mas com uma profunda serenidade”. Muitos séculos o separam do papa Celestino. Eleito papa em julho de 1294, Celestino renunciou ao papado no mesmo mês. Celestino não falava latim, desconhecia o direito canônico e era um péssimo teólogo. Tudo ao contrário de Ratzinger, que é um grande teólogo, fala seis idiomas, conhece outros cinco, toca Mozart ao piano e deixou, apesar das reservas dos anti-vaticanistas, uma obra escrita de considerável interesse.

O homem que se despediu nesta quarta-feira está marcado por uma complexidade mutante: reacionário e, em alguns períodos da história, nem tanto; membro do aparato mais denso da igreja, mas também capaz de provocar a abertura de segredos e atingir a proteção dos intocáveis, expondo os casos de pedofilia, condenando os culpados, depurando as contas sujas da igreja e rompendo o cerco que protegia o fundador dos Legionários de Cristo, o padre mexicano Marcial Maciel, pedófilo, alcoólatra e ladrão. Seu último movimento nesta direção foi a destituição do cardeal primaz da Escócia, Keith O’Brien, envolvido igualmente em abusos sexuais.

Ratzinger é um personagem com muitos rostos e deixa um legado a partir do qual a igreja não poderá mais ser a mesma. Seu pontificado é uma mancha de escândalos. Sua saída de cena é igualmente paradoxal. Os papas não se despedem em vida, como aconteceu na quarta. Ratzinger, sim. Ele falou de seu mandato, desses anos nos quais “houve dias de sol e de brisa suave, mas também dias nos quais as águas estiveram agitadas, o vento soprava contra e Deus parecia estar adormecido”.

Às 8 horas da noite deste 28 de fevereiro, Ratzinger deixará de ser papa e abandonará o Vaticano. Regressará dentro de dois meses para viver no convento de monjas que está dentro da cidade papal. Neste período, será nomeado o próximo sumo pontífice e no Vaticano conviverão dois papas: o demissionário e o novo. “Não abandono a cruz, sigo ao lado do senhor crucificado, mas de uma nova maneira”, disse Razinger. Os vaticanistas acreditam que ele não vai embora de verdade, que exercerá sua influência para seguir depurando as águas de uma igreja que só vive pela pureza de seus fieis que ainda acreditam na sagrada providência, enquanto a igreja dos homens afunda nas vilanias terrestres.
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O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Roma.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/28/02/2013

Nossa vã filosofia , por Carlos Heitor Cony *

 

Para nós, ocidentais, o livro-base continua sendo a Bíblia, em seus dois Testamentos. A ela devemos o relato da criação, escrito não se sabe por quem, apesar de os judeus atribuírem os cinco primeiros livros a Moisés.

Nela está escrito que o espírito de Deus pairava sobre as águas, até que ele deu uma ordem ou expressou um pedido: "Fiat lux". E a luz foi feita. Primeira pergunta: a quem ele deu essa ordem ou expressou esse desejo? A ele mesmo, ou havia alguém ou alguma coisa capaz de atendê-lo?

Ainda no processo da criação, Ele teria dito: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança". Usou o plural. Haveria alguém ao lado ou acima dele? Bem, a linguagem --qualquer linguagem-- é metafórica ou simbólica, traduzindo em letras aleatórias uma realidade espiritual ou física para a transmissão de um conhecimento.

Será que o Deus cultuado no Ocidente é um Deus menor, um demiurgo como queria Platão, com jurisdição limitada ao que nós chamamos de Universo? A mesma pergunta transcende ao Deus criado por judeus, árabes e cristãos em oposição aos deuses do paganismo, responsáveis por civilizações antigas, como a dos persas, a dos egípcios, a dos gregos e a dos romanos. Paganismo que fez Abraão abandonar sua cidade natal --qualquer entendido em palavras cruzadas sabe que ele saiu de Ur, na Mesopotâmia, porque acreditava e fez seus descendentes acreditarem num único Deus.

Ele teria usado o plural para fazer o homem à sua imagem e semelhança. Seria Ele o responsável pelo antropomorfismo, dando à sua criatura as características ontológicas de seu Ser, sendo Ele "ens ut ens"? Daí o nome de Deus em hebraico ser plural: Elohim.
São perguntas que não sei responder, como não sei se Lula tinha ou não domínio do fato que resultou no mensalão.
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* É membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no jornalismo começou em 1952 no "Jornal do Brasil". É autor de 15 romances e diversas adaptações de clássicos. Cronista da Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/26/02/2013

" Slogans " por Luis Fernando Veríssimo *





Durante 15 anos, trabalhei como redator na MPM Propaganda. No fim dos 15 anos, sabia tanto sobre como funciona ou deixa de funcionar a publicidade quanto no meu primeiro dia. Amiúde (sempre quis usar a palavra “amiúde”!), me surpreendia com o resultado de uma campanha publicitária ou de marquetchim. Não entendia como, muitas vezes, boas campanhas não davam resultado enquanto outras, medíocres, tinham efeito imediato. Mas mesmo sem, literalmente, saber o que eu estava fazendo durante os 15 anos, foram 15 anos, alguma coisa eu aprendi.

Aprendi, por exemplo, que o bom slogan publicitário é o que com poucas palavras tem mais de um sentido. Quando eu estava lá, a MPM ganhou a conta da Riocell, uma empresa de celulose que, do outro lado do Guaíba, o rio que não é rio, mandava maus odores sobre Porto Alegre, revoltava a população e provocava críticas ferozes da imprensa. Dependendo da direção do vento, o cheiro de ovo podre era mesmo insuportável. Para se defender, a Riocell começou a instalar um sistema antifedor – filtros, ou coisa parecida – e contratou a MPM. Para melhorar a sua imagem. Bolamos uma campanha convidando os porto-alegrenses a visitarem a fábrica e descobrirem o que estava sendo feito para acabar com o mau cheiro e ouvir as explicações dos seus técnicos. O slogan da campanha era “Conheça o outro lado”. O outro lado do Guaíba e os argumentos contra os ataques que a Riocell sofria, o outro lado da questão. Hein? Hein? Está bem, não era genial. Mas funcionou.

Se alguém me pedisse (ninguém pediu) um exemplo perfeito do duplo sentido que vende, eu responderia sem hesitar: o nome do xampu anticaspa Head and Shoulders, ou “cabeça e ombros”. Como sabe quem tem, a caspa não é um problema só dos cabelos, é também dos ombros, quando se está vestindo roupa escura. E em inglês, quando se quer dizer que alguma coisa é muito superior a outras, se diz que está cabeça e ombros acima das outras, “head and shoulders”. O xampu vende sua eficiência contra a caspa nos cabelos e nos ombros e ao mesmo tempo a sua superioridade sobre as outras marcas, com um sutil autoelogio.

Isto tudo é para comentar o slogan – se é que é um slogan para durar e não uma frase de ocasião – do PT, “O fim da miséria é apenas um começo”. Não sei se o slogan acabará como exemplo de propaganda enganosa ou se a realidade vai confirmá-lo, mas de um ponto de vista puramente publicitário é ótimo.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 28/02/2013

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

As finanças secretas e caóticas da Igreja Católica

 



A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis e doações são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Em entrevista à Carta Maior, o jornalista Jason Berry, fala sobre as finanças secretas da Igreja Católica, tema que foi objeto de sua investigação nos últimos 25 anos. Essa história, segundo ele, remonta à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano.


Londres - O Papa Bento XVI abandona o barco em meio a sérios problemas financeiros. A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis e doações são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Ninguém sabe exatamente quanto gasta a Igreja Católica em nível mundial, mas segundo uma investigação da revista inglesa The Economist, publicada no ano passado com base em dados de 2010, a cifra rondaria os 170 bilhões de dólares. Em um livro sobre as finanças secretas da Igreja Católica, o jornalista Jason Berry, que investigou o tema nos últimos 25 anos, afirma que a estrutura financeira da igreja é “caótica” e “opaca”.

Em entrevista à Carta Maior, Berry falou das dificuldades econômicas do Vaticano que, para ele, remetem à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano, então o mais poderoso da Europa ocidental.


Carta Maior: Como é a estrutura financeira da Igreja Católica em nível mundial?

Jason Berry: A Igreja Católica é muito hierárquica, monárquica eu diria, com o Papa como líder e dioceses dirigidas por arcebispos e bispos em todo o globo. Mas, em virtude de seu próprio tamanho, é internamente caótica e ingovernável. Cada bispo trabalha em sua diocese como se estivesse comandando um principado.

CM: O que sabemos de concreto sobre a riqueza do Vaticano?

JB: Há uma absoluta opacidade nas contas. Quando o vaticano declara suas rendas e gastos anuais não inclui o Instituto para as Obras de Religião, o IOR, mais popularmente conhecido como o Banco do Vaticano, cujos fundos são estimados em cerca de 2 bilhões de dólares. O IOR tem sido administrado em um clima de absoluta falta de transparência, o que o converteu em um veículo perfeito para o trânsito de todo tipo de fundos. Mas agora, com a investigação do Banco Central da Itália sobre lavagem de dinheiro, isso está mudando.

CM: Segundo algumas informações, o Vaticano tem interesses em uma empresa de espaguete, no setor financeiro, aviação, propriedades e uma companhia cinematográfica. Diz-se, inclusive, que controla entre 7 e 10% da economia italiana. Mas, dada a opacidade de suas contas, até onde é possível confirmar essas informações?

JB: Há informação disponível a instituições que nos permite saber onde está o dinheiro do Vaticano. Na Itália, o Vaticano investiu muito no Banco de Roma, que foi fundamental na reconstrução da Itália depois do “Risorgimento” no século XIX. Também tem negócios na área dos transportes públicos. A isso deve-se somar propriedades na própria Itália, na Europa e nos Estados Unidos. O Vaticano chegou a ser um dos proprietários do edifício Watergate, do famoso escândalo que provocou a renúncia de Richard Nixon. O grande tema hoje em dia é averiguar até onde prestou serviços a clientes que o utilizam como um banco “off shore”.

CM: Que impacto econômico os escândalos sexuais tiveram nas finanças da igreja?

JB: Nos Estados Unidos esse impacto foi muito forte. As dioceses e ordens religiosas pagaram mais de dois bilhões de dólares. Em muitas cidades tiveram que fechar igrejas. Los Angeles, Chicago e Boston, três das mais importantes arquidioceses, tiveram um rombo médio de 90 milhões de dólares em seus fundos de pensão.

CM: Em seu livro “Vows of Silence” você fala do fundador dos Legionários de Cristo, o mexicano Marcial Maciel que chegou a controlar um império de 650 milhões de dólares e contou com a proteção do Papa João Paulo II, apesar das denúncias de abusos sexuais. Maciel teve fortes vínculos com o governo de Pinochet no Chile e com os governos da América Central. Há alguma figura equivalente na igreja de hoje?

JB: Maciel foi o mais bem sucedido coletor que a igreja teve. Começou no final dos anos 40 buscando apoio de milionários católicos no México, Venezuela e Espanha durante a perseguição dos padres no México e pouco depois da guerra civil espanhola. Com este dinheiro, Maciel formou sua própria base de poder em Roma e se converteu no porta-voz do setor mais conservador e militante da igreja. Assim como fez com Franco, se vinculou muito com Pinochet no Chile. Nos Estados Unidos o próprio diretor da CIA durante os anos Reagan, William Casey, fez uma doação de centenas de milhares de dólares aos legionários. Maciel comportava-se como um político que viajava pelo mundo arrecadando fundos para fazer avançar a causa do catolicismo conservador e a agenda política conservadora. Mas a verdade era que toda sua ideologia encobria um delinquente sexual com poderosos contatos.

Apesar de ter sido acusado de abusar de seminaristas, o Vaticano não o investigou até 2004, a pedido do cardeal Ratzinger, quando João Paulo II estava morrendo. Graças a isso sabemos que teve filhos com duas mulheres no México e que manteve ambos os lares com dinheiro da Legião de Cristo. O escândalo é que o Vaticano demorou tanto para investigá-lo e deixou que ele se transformasse em um Frankenstein. Não há hoje uma figura equivalente no que diz respeito à arrecadação de fundos.


CM: Há uma longa história de escândalos nas finanças do Vaticano. Nos anos 80 houve o escândalo do Banco Ambrosiano e seu presidente, Roberto Calvi, que apareceu enforcado debaixo da ponte de Blackfriars em Londres. Calvi tinha fortes vínculos com o então presidente do Banco do Vaticano, o arcebispo estadunidense Paul Marcinkus. Há uma continuidade entre esses escândalos e os atuais problemas do banco?

JB: Creio que na realidade é preciso retroagir à Segunda Guerra Mundial quando a CIA começou a transferir grandes somas para o Banco do Vaticano. Em 1948, foi a primeira eleição na qual o Partido Comunista italiano, convertido no mais importante da Europa, buscava o poder. Neste momento houve uma grande campanha nos Estados Unidos, patrocinada pelo governo, da qual participou Frank Sinatra, para financiar a democracia cristã. Este foi o começo da história do dinheiro que círculos dos serviços de inteligência estadunidenses para o Vaticano. Uma geração depois, com Roberto Calvi e Marcinkus, o banco havia se convertido em uma via muito lucrativa para a passagem de dinheiro. No final dos anos 80, o banco teve que pagar uma multa de 250 milhões de dólares. Já ali o banco funcionava como uma “off shore” para seus clientes privilegiados. Mas ainda falta muito por documentar sobre essa história.
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A reportagem é de Marcelo Justo.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21667&boletim_id=1550&componente_id=26523
Imagem da Internet

" Buscando A Excelência "

Todos têm direito de receber a educação que os coloque no mundo sabendo ler; escrever , pensar,calcular,tendo ideia do que são e onde se encontram, e podendo aspirar a crescer mais.Isso é dever de todos os governos " .Lya Luft



Lya Luft
Lya Luft
Quando falo em excelência, não me refiro a ser o melhor de todos, ideia que me parece arrogante e tola. Nada pior do que um arrogante bobo, o tipo que chega a uma reunião, seja festa, seja trabalho, e já começa achando todos os demais idiotas. Nada mais patético do que aquele que se pensa ou se deseja sempre o primeirão da classe, da turma, do trabalho, do bairro, do mundo, quem sabe? Talento e discrição fazem uma combinação ótima.
Então, excelência para mim significa tentar ser bom no que se faz, e no que se é. Um ser humano decente, solidário, afetuoso, respeitoso, digno, esperançoso sem ser tolo, idealista sem ser alienado, produtivo sem ser viciado em trabalho. E, no trabalho, dar o melhor de si sem sacrificar a vida, a família, a alegria, de que andamos tão carentes, embora os trios elétricos desfilem e as baladas varem a madrugada.
Estamos carentes de excelência. A mediocridade reina, assustadora, implacável e persistente. Autoridades, altos cargos, líderes, em boa parte desinformados, desinteressados, incultos, lamentáveis. Alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos — refiro-me às públicas — vão se tornando reduto de pobreza intelectual.
As infelizes cotas, contra as quais tenho escrito e às quais me oponho desde sempre, servem magnificamente para alcançarmos este objetivo: a mediocrizaçâo também do ensino superior. Alunos que não conseguem raciocinar porque não lhes foi ensinado, numa educação de brincadeirinha.
E, porque não sabem ler nem escrever direito e com naturalidade, não conseguem expor em letra ou fala seu pensamento truncado e pobre. Professores que, mal pagos, mal estimulados, são mal preparados, desanimados e exaustos ou desinteressados. Atenção: há para tudo isso grandes e animadoras exceções, mas são exceções, tanto escolas quanto alunos e mestres. O quadro geral é entristecedor.
E as cotas roubam a dignidade daqueles que deveriam ter acesso ao ensino superior por mérito, porque o governo lhes tivesse dado uma ótima escola pública e bolsas excelentes: não porque, sendo incapazes e despreparados, precisassem desse empurrão. Meu conceito serve para cotas raciais também: não é pela raça ou cor, sobretudo autodeclarada, que um jovem deve conseguir diploma superior, mas por seu esforço e capacidade, porque teve ótimos 1º e 2° graus em escola pública e ou bolsas que o ampararam.
Além do mais, as bolsas por raça ou cor são altamente discriminatórias: ou teriam de ser dadas a filhos de imigrantes japoneses, alemães, italianos, que todos sofreram grandemente chegando aqui, e muitos continuam precisando de esforços inauditos para mandar um filho à universidade.
Em suma, parece que trabalhamos para facilitar as coisas aos jovens, em lugar de educá-los com e para o trabalho, zelo, esforço, busca de mérito, uso de sua própria capacidade e talento, já entre as crianças. O ensino nas últimas décadas aprimorou-se em fazer os pequenos aprender brincando.
Cotas, ainda mais por raça ou cor, "são altamente discriminatórias: ou teriam de ser dadas a filhos de imigrantes japoneses, alemães, italianos, que todos sofreram grandemente chegando aqui, e muitos continuam precisando de esforços inauditos para mandar um filho à universidade: (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / ABr)
Cotas, ainda mais por raça ou cor, "são altamente discriminatórias: ou teriam de ser dadas a filhos de imigrantes japoneses, alemães, italianos, que todos sofreram grandemente chegando aqui, e muitos continuam precisando de esforços inauditos para mandar um filho à universidade" (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / ABr)
Isso pode ser bom para os bem pequenos, mas já na escola elementar, em seus primeiros anos, é bom alertar, com afeto e alegria, para o fato de que a vida não é só brincadeira, que lazer e divertimento são necessários até à saúde, mas que escola é também preparação para uma vida profissional futura, na qual haverá disciplina e limites — que aliás deveriam existir em casa, ainda que amorosos.
Muitos dirão que não estou sendo simpática.
Não escrevo para ser agradável, mas para partilhar com meus leitores preocupações sobre este país com suas maravilhas e suas mazelas, num momento fundamental em que, em meio a greves, justas ou desatinadas, projetos grandiosos e seguidamente vãos — do improviso e da incompetência ou ingenuidade, ou desinformação —, se delineia com grande inteligência e precisão a possibilidade de serem punidos aqueles que não apenas prejudicaram monetariamente o país, mas corroeram sua moral, e a dignidade de milhões de brasileiros.
Está sendo um momento de excelência que nos devolve ânimo e esperança.
 
 

" A Boa Escola " por Lya Luft



O texto a seguir, que trata do excessivo número de faculdades sem a necessária qualidade, e da importância do Exame de Ordem para qualificar os profissionais, é de autoria da escritora Lya Luft em sua coluna da revista Veja desta semana.
A boa escola
Meu brilhante colega Gustavo Ioschpe, uma das mais lúcidas vozes no que diz respeito à educação, escreveu sobre o que é um bom professor. Eu já começava este artigo sobre o que acho que deva ser uma boa escola, então aqui vai.
Primeiro, a escola tem de existir. No Brasil há incrivelmente poucas escolas em relação à necessidade real. Têm de existir escolas para todas as crianças, em todas as comunidades, as mais remotas, com qualidades básicas: não ultrapassar o número de alunos bem acomodados, e que eles não tenham de se locomover para muito longe; instalações dignas, que vão das mesas as paredes, telhado, pátio para diversão e recreio, lugar para exercício físico e esportes; instalações sanitárias decentes, cozinha para alimentar os que não comem suficientemente em casa; alguém com experiência médica ou de enfermagem para atender os que precisarem. Em cada sala de aula, naturalmente, uma boa prateleira com livros sem dúvida doados pelos governos federal, estadual, municipal. E que ali se ensine bem o essencial: aritmética, bom uso da linguagem, noções de história e geografia para que saibam quem são e onde no mundo se situam. Falei até aqui apenas de ensino elementar em escolas menos privilegiadas economicamente. Em comunidades mais resolvidas nesse sentido, tudo isso não será apenas bom, mas excelente, desde aparte material até professores muito bem preparados que sejam bem exigidos e bem pagos.
No chamado 2º grau, além de livros, quem sabe computadores, mas - ainda que escandalizando alguns - creio que esses objetos maravilhosos, que eu mesma uso constantemente, não substituem um bom professor. E que, nesse degrau da vida, todos sejam preparados para a universidade, desde que queiram e possam. Pois nem todos querem uma carreira universitária, nem todos têm capacidade para isso: para eles, excelentes escolas técnicas, depois das quais podem ter mais ganho financeiro do que a maioria dos profissionais liberais. Professores com mestrado e se possível doutorado, diretores que conheçam administração, psicólogos que conheçam psicologia, todos com saber e postura que os alunos respeitem a fim de que possam aprender.
 
Finalmente a universidade, que enganosamente se julga ser o único destino digno de todo mundo (já mencionei acima os cursos técnicos cada dia melhores e mais especializados). Universidade precisa existir, mas não na abundância das escolas elementares. É incompreensível e desastrosa a multiplicação de faculdades de medicina, por exemplo, cujas falhas terão efeitos dramáticos sobre vidas humanas. Temos pelo país muitas onde alunos não estudam anatomia, pois não há biotério, não têm aulas práticas, pois não há hospital-escola. Essa é uma realidade assustadora, mas bastante comum, que, parece, se tenta corrigir.
Dessas pseudofaculdades sairão alunos reprovados nas essenciais provas do CRM, mas que eventualmente vão trabalhar sem condição de atender pacientes. Faculdades de direito pululam pelo país, sem professores habilitados, sem boas bibliotecas, formando advogados que nem escrever razoavelmente conseguem, além de desconhecer as leis - e reprovados aos magotes nas importantíssimas provas da OAB.
Coisa semelhante aconteceria com faculdades de engenharia mal preparadas, se existirem, de onde precisam sair profissionais que garantam segurança em obras diversas, de edifícios, casas, estradas, pontes. Vejam que aqui comentei apenas alguns dos inúmeros cursos existentes, muitos com excelente nível, mas não se ignorem os que não têm condições de funcionar, e mesmo assim... existem. Em todas essas fases, segundo cada nível, incluam-se professores bem preparados, muito dedicados, e decentemente pagos - professor não é sacerdote nem faquir.
O que aqui escrevo é mero, simples, bom-senso. Todos têm direito de receber a educação que os coloque no mundo sabendo ler, escrever, pensar, calcular, tendo ideia do que são e onde se encontram, e podendo aspirar a crescer mais. Isso é dever de todos os governos. E é nosso dever esperar isso deles.

" Infiltrações" por Martha Medeiros




                    “Aqui tudo parece que é ainda construção, e já é ruína”.

Conversava com um amigo sobre o vexame que foi a abertura daquele buraco no conduto Álvares Chaves na semana passada, durante um dos temporais mais enérgicos ocorridos em Porto Alegre, e nos veio à lembrança essa parte da letra da música Fora da Ordem, do Caetano Veloso.

Não é o caso de tratar desse assunto isoladamente (por mais absurdo que seja o fato de um investimento tão alto numa obra de drenagem resistir apenas quatro anos), mas de analisarmos o contexto todo: vivemos num país maquiado, em que se as coisas “parecerem” benfeitas, já está ótimo.

A Arena também serviria como exemplo de uma obra entregue às pressas para cumprir calendário, mesmo sem condições básicas de uso. Mas também não pode ser visto como um caso isolado. Há outras tantas em andamento, todas com prazo máximo de 15 meses para serem concluídas (até o início da Copa), e me pergunto: o corre-corre não comprometerá o bom acabamento de viadutos, pontes, prédios e estradas?

Com a intenção de viabilizar orçamentos, não se estará sacrificando a qualidade do material empregado? Os funcionários em atividade estão bem preparados ou fazem um serviço matado, a toque de caixa? Dá pra confiar na espinha dorsal do Brasil?


Há que se ter cuidado com infiltrações. De todos os tipos, aliás. Com a infiltração de inconsequentes em meio a uma torcida, capazes de disparar um artefato com poder destrutivo em direção a outras pessoas, sem levar em conta que o gesto poderá ferir gravemente alguém ou até mesmo matar – como matou o garoto boliviano de 14 anos.

Com a infiltração de médicos e enfermeiros sem ética dentro de hospitais, que desligam aparelhos que mantêm vivos os pacientes, a fim de “desentulhar a UTI”. Com a infiltração de políticos desonestos nas entranhas do poder, que mesmo acusados por crimes diversos assumem cargos de presidência de instituições.

Por fora, bela viola. O Brasil hoje é visto como um país moderno e estável. É uma aposta mundial considerada certeira, um candidato VIP a juntar-se às superpotências. Mas como andará o esqueleto desse país que se declara tão sólido? Na verdade, o Brasil é um jovem com osteoporose precoce, um país descalcificado, que fica em pé à custa de aparências, comprometido com sua imagem pública, mas que segue com uma infraestrutura em frangalhos.

Aqui pouco se investe seriamente em educação, em treinamento de pessoal, em qualificação de mão de obra, em fiscalização, em responsabilidade social, tudo o que alicerça de fato uma nação. Nossa mentalidade “espertinha” faz com que não gastemos muito dinheiro com o que fica oculto, com o que não dá para exibir. O resultado? Por dentro, pão bolorento.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Este é um momento muito delicado para a Igreja,Católica Apostólica & Romana


Entrevista especial com Massimo Faggioli

"Essa mudança de pontificado em 2013 – que é a primeira nos tempos modernos após uma renúncia papal – poderia modificar muitas coisas, e poderia até pôr a Igreja em um estado de preparação para um novo concílio ecumênico", avalia especialista
em assuntos do Vaticano.

“A decisão de renunciar é surpreendente, mas não está em contradição com a identidade teológica de Ratzinger. Pode-se classificar Bento XVI como “teologicamente conservador”, mas ele está consciente da eclesialidade do ministério papal – na tradição e no Vaticano II”, afirma Massimo Faggioli, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Em sua opinião, ser papa no catolicismo global se tornou uma “tarefa muito moderna e desafiante, e é provável que um teólogo conservador a sinta como um fardo insuportável (além das razões relacionadas à sua saúde)”. Faggioli pontua que em certos aspectos o Concílio Vaticano II veio “cedo demais”, e questões silenciadas pela Santa Sé, como o papel das mulheres na Igreja, o casamento dos sacerdotes e a ordenação de homossexuais, devem ser revistas.
Massimo Faggioli (foto) é doutor em História da Religião e professor de História do Cristianismo no Departamento de Teologia da University of St. Thomas, de Minnesota, Estados Unidos. Seus livros mais recentes são Vaticano II: A luta pelo sentido (Paulinas, 2013) e True Reform: Liturgy and Ecclesiology in Sacrosanctum Concilium (Liturgical Press, 2012) e, em espanhol, Historia y evolución de los movimientos católicos. De León XIII a Benedicto XVI, (Madrid: PPC Editorial), 2011.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Sob quais aspectos deve ser compreendida a renúncia de Bento XVI?
Massimo Faggioli – O papa pode renunciar, e certamente esse ato não é ilegal. Mas ele também deve ser entendido como um ato de governo e como uma decisão pessoal do papa, que tem a ver com seu estado de saúde, mas também com o caos existente no Vaticano e em algumas áreas do catolicismo. Chama a atenção que Bento XVI tenha dito que tomou essa decisão sozinho, sem consultar ninguém. Esse é um elemento muito interessante. Uma decisão tomada pelo papa após uma consulta com alguém outro teria levantado questões canônicas, mas também teria sido um sinal de colegialidade na Igreja – e a colegialidade é algo que foi aprovado pelo Vaticano II, mas jamais chegou a fazer parte do governo da Igreja, com exceção de alguns poucos casos.
IHU On-Line – Quais foram suas principais motivações?

Massimo Faggioli – Paulo VI foi o papa que concluiu o Vaticano II; João Paulo II foi o último papa que também foi padre conciliar no Vaticano II; Bento XVI é o último papa que esteve no Vaticano II (como teólogo, não como bispo). Essa mudança de pontificado em 2013 – que é a primeira nos tempos modernos após uma renúncia papal – poderia modificar muitas coisas, e poderia até pôr a Igreja em um estado de preparação para um novo concílio ecumênico ou colocar em pauta muitas questões que, durante demasiado tempo, foram consideradas “resolvidas”.

IHU On-Line – Em que sentido a renúncia do papa e a escolha de um novo pontífice podem representar uma mudança nos rumos da Igreja Católica?

Massimo Faggioli – A renúncia é o acontecimento principal, porque nas leis da Igreja havia um cânone que permitia isso ao papa, mas não dispunha o que aconteceria depois da renúncia. Nesse sentido, trata-se de uma decisão que cria um precedente, mas ainda há muitas coisas que não sabemos como irão se desdobrar, e este é um momento muito delicado. Trata-se de um conclave excepcional, e não normal. Também é uma situação perigosa, porque o papa disse que a “Sede vacante” começa em 28 de fevereiro, mas, em certo sentido, desde seu anúncio em 11 de fevereiro a Sé de Pedro já está vacante na prática.

IHU On-Line – A renúncia de Bento XVI ocorre 50 anos depois do Concílio Vaticano II e 600 anos depois da última renúncia papal. Podemos dizer que se trata do principal acontecimento no Vaticano nas últimas décadas? Por quê?

Massimo Faggioli – A decisão de renunciar é surpreendente, mas não está em contradição com a identidade teológica de Ratzinger. Pode-se classificar o papa Bento XVI como “teologicamente conservador”, mas ele está consciente da eclesialidade do ministério papal – na tradição e no Vaticano II. Suas concepções conservadoras são coerentes com a renúncia, já que o papa Bento XVI provavelmente sabia que o ministério papal tinha se tornado algo diferente do que ele achava que devia ser: exposição excessiva à mídia, excesso de responsabilidades para com o mundo e a política, excesso de tarefas administrativas. Ser papa no catolicismo global se tornou uma tarefa muito moderna e desafiante, e é provável que um teólogo conservador a sinta como um fardo insuportável (além das razões relacionadas à sua saúde).

IHU On-Line – Como explicar que um papa, reconhecidamente conservador, tenha tomado uma atitude tão moderna?

Massimo Faggioli – A tentativa de Bento XVI não foi exatamente restaurar o poder da Igreja na sociedade moderna, e sim restaurar o ensinamento coerente (segundo sua concepção) da Igreja sobre questões centrais. Nesse aspecto, Joseph Ratzinger nunca foi ingênuo a ponto de acreditar que pudesse recristianizar um mundo secular. João Paulo II era mais confiante nesse sentido; o papa Bento sempre foi menos “romântico” e mais realista.

"Só há liberdade na verdade, e,
para o papa Bento, o que é típico
da modernidade é a tentativa de “decidir”
o que é a verdade. Na concepção dele,
a verdade é revelada por Deus,
e você tem de entendê-la e aceitá-la,
e não decidir a respeito dela.
Isso é típico de suas concepções
de modernidade, democracia
e mudanças sociais."

IHU On-Line – O senhor considera que o desafio para o novo pontífice é, de alguma forma, restaurar a autoridade da Igreja em um mundo contemporâneo? Como fazer isso em uma sociedade pós-moderna e, em grande parte, secularizada?

Massimo Faggioli – Para essas questões a Igreja necessita de um momento de debate conciliar – um concílio ou sínodo que tenha real liberdade para falar. Esse é um dos pontos da pauta do conclave de 2013. Quanto a essas questões, há um aspecto de conteúdo do ensino da Igreja, e há um aspecto de estilo do ensino. Ambos são muito urgentes. Os primeiros assuntos que são teologicamente menos desafiadores do que outros são a ordenação de viri probati e o diaconato para mulheres.

IHU On-Line – A igreja tem ouvido aos sinais dos tempos? Como essa instituição pode dialogar sobre temáticas como casamento homoafetivo, métodos contraceptivos, fim do celibato, aborto e ordenação de mulheres, por exemplo?

Massimo Faggioli – Em muitos aspectos, o Vaticano II ainda não foi implementado, por exemplo no que diz respeito à colegialidade na Igreja. No tocante a outras questões, o Vaticano II veio cedo demais, de modo que temos de explorar soluções para novas questões sobre as quais o Vaticano II silencia, tais como o papel das mulheres na Igreja, sacerdotes casados. Uma abordagem hermenêutica correta do Vaticano II consiste em fazer a ele perguntas que o Concílio de 1962-1965 pode responder, e não perguntas que o Vaticano II não pode responder.

IHU On-Line – Qual é a atualidade do Concílio Vaticano II na Igreja Católica frente aos problemas contemporâneos?

Massimo Faggioli – Na alocução de 22 de dezembro de 2005, o papa fez uma distinção entre “hermenêutica da continuidade e reforma” e “hermenêutica da descontinuidade e ruptura”. Essa alocução foi também uma reação às novas contribuições para o debate teológico acadêmico, particularmente uma reação à historicização do Concílio empreendida pela obra em cinco volumes intitulada História do Vaticano II, editada por Alberigo e pela “Escola de Bolonha” (concluída em 2001 e publicada em sete línguas), e ao Comentário teológico do Vaticano II, em cinco volumes, que teve origem em Tübingen e foi editado por Peter Hünermann (que tinha presenteado ao papa exemplares dele poucas semanas antes da alocução à Cúria Romana). A reputação do Vaticano II foi profundamente afetada pelo papa Bento e pela alocução de 2005, em especial pelas interpretações simplistas e ideológicas do Concílio. Um primeiro elemento visível é a mudança da linguagem usada para falar do Vaticano II nos últimos oito anos. A partir de fins de 2005, um papa, Bento VI, sentiu-se no direito de questionar o que tinha sido alcançado pelos estudos históricos e teológicos sobre o Vaticano II publicados pela comunidade científica internacional desde a década de 1980, ao menos. Por um lado, Bento XVI pôs fim ao “nominalismo do Vaticano II” típico de João Paulo II – o Vaticano II usado como cobertura ou manto para dar legitimidade a muitas coisas que não provinham dele. Por outro lado, Bento XVI também começou a remover programaticamente da mensagem proveniente do Vaticano aquelas “improvisações” feitas por João Paulo II (judaísmo, islã, inculturação) que tinham permitido aos teólogos católicos não falar de um repúdio completo do Vaticano II por parte dos papas pós-conciliares. Por fim, é difícil negar que o movimento contra a reforma litúrgica do concílio é produto do pontificado de Bento XVI (veja o motu proprio intitulado Summorum Pontificum de 7 de julho de 2007 e a nova tradução do missal para o inglês): a “reforma da reforma litúrgica” nunca foi um problema sob Paulo VI e João Paulo II, mas se tornou um problema sob Bento XVI.

IHU On-Line – Como analisa os discursos de Bento XVI quando assumiu, em 2005, e quando anunciou sua renúncia? Tomando em consideração o Concílio Vaticano II, que leituras podem ser feitas dessas duas falas?

Massimo Faggioli – O pontificado foi muito influenciado por esse legado. O papa Bento é um teólogo neoagostiniano, com uma profunda percepção da diferença entre a Igreja e o “mundo” numa compreensão metafísica. Ele não acredita que a Igreja possa e deva ser um agente de transformação social, e essa ideia é típica de suas concepções sobre a relação entre a Igreja e a política e a Igreja e a cultura. Nesse aspecto, temos uma diferença profunda entre ele e seus predecessores Paulo VI e João Paulo II.

IHU On-Line – Como a formação agostiniana do papa se revelou à frente de seu pontificado?

Massimo Faggioli – Essa análise é típica de um teólogo neoagostiniano, especialmente de um teólogo neoagostiniano que se criou na Alemanha nazista e viu o lado muito perigoso da modernidade. Dito isso, Joseph Ratzinger tem uma compreensão profunda das contradições da modernidade, especialmente entre a ideia de modernidade e o acesso à verdade. Só há liberdade na verdade, e, para o papa Bento, o que é típico da modernidade é a tentativa de “decidir” o que é a verdade. Na concepção dele, a verdade é revelada por Deus, e você tem de entendê-la e aceitá-la, e não decidir a respeito dela. Isso é típico de suas concepções de modernidade, democracia e mudanças sociais.
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Fonte: IHU on line, 25/02/2013

O tempo e nós: " a parábola da despedida "

 

Gianfranco Ravasi*

O Deus do Saltério é o Senhor da história, a qual,
portanto, deixa de ser apenas uma nomenclatura de
datas e de dados, mas se transforma em história santa.

Publicamos aqui uma das intervenções do cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, nos Exercícios Espirituais da Cúria Romana, com a presença de Bento XVI, encerrados no último sábado.

                                                           Eis o Texto

Uma parábola judaica imagina que, quando Deus criou o mundo, os anjos se aproximaram dele para servi-lo. Um deles trazia em uma bandeja dez porções de beleza: o Senhor entregou nove delas a Jerusalém e uma apenas a todo o resto do mundo. Outro se aproximou com a bandeja da sabedoria e as suas dez quantidades: também neste caso, o Criador atribuiu nove à cidade santa nove, e apenas uma para o resto da terra. Assim ocorreu com muitos outros dons criaturais. Chegou, no fim, também o anjo que trazia a grande bacia da dor. E aqui o leitor pensa que as proporções devem se inverter, mas, em vez disso, Deus jogou igualmente sobre Jerusalém nove porções de sofrimento e deu uma só para o resto da humanidade.

Evocamos esse relato porque ele nos introduz ao quarto lugar onde podemos encontrar o rosto de Deus e a sua revelação, depois da Palavra, da criação, do templo com a liturgia.

Trata-se do horizonte em que se desenvolve a história humana, isto é, o rio do tempo: lá vivem-se a alegria, a festa, o bem-estar, os sorrisos, a beleza, a luz, mas também estão à espreita o mal, o luto, a tristeza, a desgraça, as lágrimas, a fealdade e as feiuras, as trevas.

Todas essas realidades estão igualmente distribuídas em todas as vicissitudes pessoais e sociais, entre crentes e incrédulos, entre homens e mulheres, permeando os séculos e os eventos.

Pois bem, a Bíblia – de modo bastante original em todas as culturas – privilegia o tempo como categoria religiosa: você não deve procurar Deus em primeiro lugar no espaço onde, como se viu, ele também se mostra, mas deve descobri-lo sobretudo enquanto ele entra na história humana, tornando-se verdadeiramente o Emanuel, o Deus-conosco.

Ele escolhe, portanto, a realidade que mais adere a nós, que é intrínseca ao nosso existir. Nascendo, saímos do útero da nossa mãe para sermos acolhidos por dois imensos ventres, o do espaço e o do tempo. Mas este último se apega mais intimamente a nós, principalmente na sua forma – como diziam os gregos – de kairós, isto é, de tempo pessoal vivido, e não tanto de chrónos, ou seja, de passagem temporal objetiva marcada atualmente pelos relógios atômicos.

Deus, o Eterno por excelência, se comprime no tempo humano, que é desenvolvimento sucessivo, e se apresenta nas encruzilhada da história, além dos cruzamentos do espaço, um pouco como acontece nos quadros bíblicos de Chagall, que introduzem anjos e presenças divinas na cotidianidade modesta do shtetl, o vilarejo judaico da Europa Central (imagem acima).

Gandhi, de maneira feliz, chamava a oração de "a chave da manhã e o cadeado da noite". Ela busca e encontra Deus justamente na existência do orante. Ela o encontra nos grandes eventos da história da salvação, onde até mesmo Deus caminha com a sua criatura. Com o cristianismo, ela o descobre em um homem que também é Deus, Jesus Cristo, cuja história é, por isso, irradiada de eterno. Por fim, ela o intui no próximo e nos simples fatos da cotidianidade.

O Deus do Saltério é o Senhor da história, a qual, portanto, deixa de ser apenas uma nomenclatura de datas e de dados, mas se transforma em história santa. E isso acontece na linha da tradição bíblica que professa o chamado "Credo histórico". Ele é proclamado, por exemplo, pelo judeu fiel na primavera, ao apresentar ao templo o cesto da oferta das primícias (Dt 26, 5-9), é proposto solenemente por Josué a todo o Israel, recém-entrado na Terra Prometida com a assembleia de Siquém (Js 24, 1-13), e é cantado também na liturgia do Templo de Sião. Análogo também será o Credo cristão, fundamentado na encarnação do Filho de Deus na história.

Nós, agora, nos confiaremos a um Credo cantado no culto do templo, lendo o Salmo 136, que o judaísmo chamou de "o Grande Hallel", um hino de louvor pascal para solista e coro. Entra em cena justamente um solista levita que, após o convite ao louvor ao "Deus dos deuses, ao Senhor dos senhores, porque ele é bom", entoa com asserções lapidares os eventos da história da salvação em 22 dísticos, tantos quantos as letras do alfabeto hebraico: é quase uma síntese alegre de todas as ações divinas e de todas as nossas palavras de agradecimento.

A assembleia responde constantemente, a cada asserção, com uma antífona fixa: kî le‘olam hasdô, "porque o seu amor é para sempre". Aflora o vocábulo hesed, "fidelidade, amor, graça", particularmente caro ao Saltério, que o usa 127 vezes. É difícil tornar a trama alusiva aos significados desse termo com uma única palavra nossa.
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Fonte: IHU on line, 25/02/2013. - O texto foi publicado no jornal Corriere della Sera, 24-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Porque é que o inútil é importante ?

 



José Tolentino Mendonça*
Sei os riscos que corro ao propor um tema como este: o elogio da inutilidade. Por um lado, estamos claramente perante um termo ambíguo. A inutilidade parece à primeira vista um valor negativo ou um contravalor. Quando é que a inutilidade é boa e libertadora? Por outro lado, a nossa cultura, que idolatra a produção e o consumo, assumiu o útil como um dos critérios máximos para avaliar as nossas vidas. Se é útil, é bom. Quando nos sabemos úteis, sentimo-nos compensados. A vida tornou-se uma espécie de grande maratona da utilidade. Contudo, o termómetro que assinala a nossa vitalidade interior não pode dispensar a pergunta pelo lugar que saudavelmente damos ao inútil.

Porque é que o inútil é importante? Porque o inútil subtrai-nos à ditadura das finalidades que acabam por ser desviantes em relação a um viver autêntico. Condicionados por esta finalidade, e aquela, e aquela acabamos simplesmente por não viver, por perder o sentido da gratuidade, a disponibilidade para o espanto e para a fruição. Recorrendo a uma expressão do teólogo Dietrich Bonhoeffer, a inutilidade é que nos dá o acesso à “polifonia da vida”, na sua variedade, nos seus contrastes, e na sua realidade escondida e densa. E a polifonia da vida outra coisa não é que a sua inteireza, tantas vezes sacrificada à prevalência contínua do que nos é vendido por útil.

Neste sentido, Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Mestre do inútil! Quando lemos os Evangelhos a partir desta chave, encontramos esta preocupação contínua nas palavras de Jesus: a recondução de cada um, não àquelas finalidades subjetivas que se interpõem como obstáculos, mesmo que a gente as veja como grandes oportunidades, mas à abertura fundamental a uma vida segundo o próprio ser. A isso Jesus desafia os discípulos: “Não vos preocupeis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem quanto ao vosso corpo como que haveis de vestir, pois a vida é mais que o alimento, e o corpo é mais que o vestuário. Reparai nos corvos… Reparai nos lírios, como crescem. Não trabalham nem fiam… Pois eu digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles” (Lc 12, 22).

Num tempo de aperto, em que o útil nos constringe ao máximo empenho, é importante não esquecer o lugar que, precisamente nestes dias difíceis, temos de conceder ao inútil.
* Teólogo português. Escritor. Poeta.
Fonte: http://www.snpcultura.org/paisagens_porque_e_que_o_inutil_e_importante

 

Uma Nova Idiotia, por Paulo Ghiraldelli Jr*

 

Machado de Assis
Há um novo tipo de idiotia na praça. Ela atinge muita gente, mas nascidos mais recentemente, principalmente no Brasil, estão mais sujeitos a tal deterioração do entendimento. Trata-se de uma disfunção cerebral que eu chamaria de “ILGLD”: Inabilidade para a Leitura de Gêneros Literários Distintos.

O indivíduo atingido por esse tipo de idiotia não necessariamente é desinformado. Pode ser, inclusive, que em algumas atividades humanas ele se mostre até inteligente. Todavia, ele é dono de uma burrice muito específica: ele é aquele garoto que por ter ouvido do professor de cursinho que “Machado de Assis fez uma crítica ao positivismo com o seu conto O Alienista”, lê o conto e então, citando (citar é fácil!) Deleuze e outros filósofos de modinha carioca, conclui do alto de seus 28 ou 38 ou 42 anos: “Machado não detectou os problemas todos do positivismo”. Desse modo, o grande Machado de Assis, nosso maior escritor, é posto de lado. Faltou a Machado muita coisa, diz o nosso garoto.

Essa idiotia aparece em graus variados, mas a característica principal do comportamento de quem está sob tal patologia é este aí: ele não consegue entender o gênero literário “conto” ou “romance” uma vez que ele aprendeu já um outro gênero literário, no caso, o da (má) “sociologia da literatura” ou coisa parecida. Mutatis mutandis trata-se do mesmo caso daquele indivíduo que se tornou ateu aprendendo a criticar a Bíblia porque nela há inverdades factuais ou “incoerência lógica” (ele se acha diferente do leitor fundamentalista!). Também nesse rol aparecem os que não conseguem compreender que a filosofia e a ciência são, em certo sentido, gêneros literários e, enfim, compõem uma tradição de leitura e escrita. A filosofia é uma tradição literária inventada por Platão e a ciência moderna uma outra que deve muito a Galileu.

Nesse mesmo rol de vítimas dessa idiotia específica, estão os que se defrontam com o cinema e não conseguem perceber que o cinema, ele próprio, é um gênero literário e que nele há subgêneros. Nesse campo de vítimas da nova patologia estão os que dizem “nossa, Tarantino é muito sanguinolento!”, mas também estão os que, vendo “Django Livre”, disseram: “ah, se é para ver Western Spaguetti, um filme B, eu veria os próprios”. Assim, a idiotia é uma doença que pode pegar os que se acham sofisticados e que, por profissão, deveriam ser mesmo.

A filosofia que faço tem uma preocupação, ainda que lateral, com essa doença. A ideia que tenho, de sair da filosofia crítica para abraçar o pragmatismo e, com ele, vir construindo esse meu modo próprio de filosofar, que é resumido na frase “desbanalização do banal”, tem de se preocupar com tal idiotia. É que o meu modo de filosofar implica em ampliar narrativas sobre questões que se tornaram banais. A ampliação de narrativas e perspectivas exige que se possa transitar entre gêneros literários, e aí entra uma necessidade de fazer esse trânsito reconhecendo as especificidades de cada campo.

Dou alguns outros exemplos. Vamos ao leitor de Nelson Rodrigues que o lê acreditando literalmente na frase “a vida como ela é”. Ou então aquele leitor que escuta o professor de filosofia política dizer que Hobbes e Maquiavel, diferentemente de Rousseau, são autores “realistas”, e então passa a acreditar que os dois primeiros nos contam o real e Rousseau, “tadinho”, era ingênuo. Ou pior ainda, quando a patologia já está em estado avançado: “Ao dizer que o homem é o lobo do homem”, Hobbes nos mostrou verdadeiramente quem é o homem, o que é o homem, enquanto que Rousseau nos quis enganar ao dizer que “o homem nasce bom”.

O próprio não entendimento da palavra “utopia” já mostra, também, mais uma característica da idiotia. O rapaz diz: “isso é meio utópico”, e com tal frase quer dizer que o descrito não se ligou ao que teria de se ligar, ou seja, ao Nelson Rodrigues, que ao mostrar que um homem pode dar umas boas bolachas na mulher que ama estaria representando muito mais fidedignamente o homem que aquele que descreve uma sociedade em que nenhum homem daria uma bolacha em uma mulher.

Richard Rorty, um filósofo amigo e por quem tenho apreço não só como um renovador da filosofia pragmatista, culpou o platonismo por muito desse tipo de idiotia. Ele não teve a pretensão, é claro, de por nas costas de Platão os casos patológicos. Mas, em certo sentido, ele acabou fazendo isso. Nisso, foi justo com o platonismo e injusto com Platão. O criador da filosofia, ele próprio, foi um brigador contra si mesmo. Ele criou tudo que se podia criar em termos de idolatria de um mundo substancial perene. Com ele nasceram perguntas que fomentam a idiotia, essas que pedem que encontremos a essência da sociedade, do homem, da natureza etc. Mas, também com ele – e isso é o esquecido – nasceram as revisões dessa posição, e isso sempre que uma tal assunção fazia água. Uma boa parte da crítica aristotélica a Platão já está nas obras de Platão, às vezes até mais desenvolvidas que aquilo que Aristóteles nos apresenta.

Platão perguntou por essências imutáveis e acreditou nelas, ou seja, no chamado “mundo das formas”. Nisso, ele forçou a filosofia a ser uma narrativa que viria cobrir todas as outras, uma narrativa que seria a base de todas as outras, pois esta sim falaria do imutável em um mundo mutável. A filosofia seria uma maneira de vencer as cosmologias de Heráclito e Parmênides. Não raro, alguns estudantes de filosofia se tornam professores de filosofia e, por conta de um platonismo meio que esquisito, caem vítimas dessa idiotia, a ILGLD. Mas já tenho visto gente que nunca leu filosofia com essa doença. É uma doença que talvez tenha a ver com a fisiologia de cada um. Há alguns que são predispostos mesmo a pular de gênero em gênero e não perceber que se está viajando de país em país, e que o idioma está mudando, e que não há um idioma básico que unifique todos.
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* Prof. Universitário. Filósofo.
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2013/02/uma-nova-idiotia/

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

" Blogueira vinda do Céu "



Blogueira

Paulo Ghiraldelli Jr. *

Uma pessoa inteligente e bem informada sabe que o socialismo ou, digamos, os regimes que se colocaram como comunistas, nunca conseguiram resolver um problema crucial da “sociedade sem mercado”: a circulação e distribuição dos bens de consumo e, por isso mesmo, o atraso tecnológico. Além desse defeito, o socialismo nunca conseguiu devolver as liberdades individuais tomadas de todos no período revolucionário. Onde e quando fez essa devolução, as pessoas se organizaram para voltar a viver sem o socialismo. Ora, se é assim, o que faz uma pessoa inteligente e bem informada, tendo consciência disso tudo, ainda poder dizer que é socialista, no sentido do que defendiam os partidos comunistas, mesmo aqueles que se dispuseram a “romper com Moscou”?

A resposta a essa pergunta é uma só: as pessoas inteligentes e bem informadas não querem de modo algum o comunismo, mas se ainda sobrou gente bem informado e inteligente que o deseja, é muito provável que sejam leitores de livros de filosofia. Trata-se daquela pessoa que acredita realmente que o objetivo que todo homem tem na vida, que é o de ser feliz, só faz sentido se o homem puder ver tudo sem qualquer tipo de véu. O homem feliz seria o homem não enganado, aquele que tivesse só um Deus, Nelson Rodrigues, e apenas um mandamento, ver “a vida como ela é”.

Esse homem seria aquele que saiu da Caverna e nunca mais viu sombras, só realidade. Estaria livre de ser ludibriado por qualquer traço de ideologia. Isso não por um dom especial dele próprio, ou seja, por capacidade crítica ou por uma vocação à autoiluminação, mas pelas condições sociais novas: uma sociedade sem mercado seria uma sociedade incapaz de produzir ideologia, uma vez que a ideologia, por definição do marxismo, são os resultados da reificação e fetichismo (no mercado, a mercadoria assume o papel de sujeito e submete o homem, que vira objeto – o morto toma o lugar do vivo), próprios do mundo organizado nas regras da vida da mercadoria. O homem autenticamente fora da Caverna seria aquele que andaria pela cidade sem se defrontar com o que chamamos de rua de comércio ou shoppings. A liberdade em relação a esse panorama material do capitalismo seria o correlato material da liberdade diante dos fenômenos sociais, mas de cunho metafísico, produtores de ideologia. Nada tomaria o lugar do homem como sujeito. Nada morto se poria no lugar do vivo. As relações entre o homem e a natureza e entre o homem e o homem se apresentariam em um grau de realismo de tal ordem que os processos de conhecimento se dariam de maneira muito facilitada. A “vida como ela é” se apresentaria a qualquer um, mesmo ao mais tolo dos homens.

Conhecer o mundo “como ele é” é tão importante para aquele comunista que se tornou comunista lendo filosofia que ele admite trocar a vida facilitada por bens de consumo e por liberdade individual pela vida que não se esconde como vida. Para esse homem, conhecer é tudo. Conhecer sem barreiras, sem enganos, sem que sombras na parede possam ser tomadas pelo real é, para esse homem, a felicidade. Esse ideal intelectualista e cognitivista é o ideal de felicidade do comunista leitor de filosofia. Por tal coisa, ele sacrifica tudo aquilo que durante milênios se colocou como passo para a felicidade. Diante desse ideal, ele fica revoltado com o pobre que desiste do comunismo porque a sociedade de mercado lhe deu uma vida um pouco melhor.

Pessoas assim são obcecadas pela verdade. Não passa pela cabeça delas que o erro não seja a ilusão. Não passa pela cabeça delas que a ilusão possa ser uma falsa ilusão. Elas realmente estão convencidas do dogma metafísico marxista de que a sociedade de mercado envolve todos nós na inversão que é o fetichismo-reificação, a ideologia, porque desde sempre elas acreditaram que não há como não estarmos em uma Caverna platônica, vendo sombras ao invés do real.

É difícil para um leitor do manual Convite à filosofia, da Marilena Chauí, se ele gosta do livro e acha que a filosofia é aquilo mesmo definido pela professora, não se envolver com a diretriz que diz que cabe à filosofia nos tirar da Caverna. Ele se torna parecido com aquele professor de filosofia que toma sua disciplina como coadjuvante da redenção social, que no limite deve antes de trazer bem estar deixar as pessoas sem véus nos olhos. A Caverna moderna é a sociedade de mercado e então a redenção social deverá nos tirar de tal sociedade. Desse modo, o comunismo se tornaria ele próprio o realizador do ideal da filosofia. Não estou dizendo que Marilena Chauí reduz seu manual a isso, mas sua definição de filosofia implica nesse tipo de crença. Uma pessoa assim, seguidora do manual da professora Chauí, não dá a mínima para a social democracia, pois qualquer benefício social, uma vez dentro do capitalismo, não nos tirará do capitalismo, nos manterá ainda mais presos à “sociedade de mercado”. A filosofia é, então, para tal pessoa, um apetrecho de coadjuvante da revolução. A filosofia assim tomada clareia parte da vida, mas “a vida como ela é”, sem ideologia, virá quando organizarmos a produção e a circulação de mercadorias de outro modo, de um modo que nunca mais tenhamos shoppings porque eles são o modo material de clímax do modo espiritual chamado capitalismo.

Uma pessoa que toma a filosofia como sendo o elemento de detecção da equação Caverna = Mercado + Burguesia, e que deverá então, agir em favor da sociedade sem mercado, não pode nem ouvir falar em social democracia. Esta, produzindo bem estar, não seria o socialismo, mas o anti-socialismo. Pessoas assim terminam por se tornar dogmáticas, pois não têm coragem de admitir que a “sociedade sem mercado” fracassou. Seria como admitir que o Céu fracassou. Já imaginaram esse cristão? Um cristão que, em uma manhã, recebe a notícia de que Jesus não está à direita do Pai e não virá julgar os vivos e os mortos. Essa pessoa envolvida com o Céu, está inebriada com a ideologia do desaparecimento da ideologia. E ela seguirá achando que a felicidade é conseguir viver no comunismo e que filosofia é o que a Marilena Chauí diz que é. Esse tipo de pessoa poderá então aparecer no aeroporto de chegada da blogueira cubana, para protestar. Pois o temor dela é que uma tal garota lhe diga o que todos disseram e vem dizendo há tempo: o Céu fracassou. Mesmo sendo inteligente e bem informada, essa pessoa, por tudo isso que eu disse até aqui, pode mostrar traços de senilidade e esclerose.

Por um azar você está no aeroporto de chegada da blogueira cubana e vê alguns protestando. Você os reconhece, eles são leitores de filosofia, de uma específica forma de divulgação da filosofia. Você abaixa a cabeça e sai de fininho, com vergonha, pois alguns deles podem reconhecer você como um amigo de juventude.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
PS: se a blogueira cubana for uma agente da CIA eu ficarei feliz, pois saberei que a CIA começou a falar coisas corretas sobre Cuba.
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2013/02/a-blogueira-vinda-do-ceu/

" A Igreja-Instituição como " casta meretriz"

Leonardo Boff*
Quem acompanhou o noticiário dos últimos dias acerca dos escândalos dentro do Vaticano, trazidos ao conhecimento pelos jornais italianos “La Repubblica” e o “La Stampa”, referindo um relatório com trezentas páginas, elaborado por três Cardeais provectos sobre o estado da cúria vaticana deve, naturalmente, ter ficado estarrecido. Posso imaginar nossos irmãos e irmãs piedosos que, fruto de um tipo de catequese exaltatória do Papa como “o doce Cristo na Terra” devam estar sofrendo muito, pois amam o justo, o verdadeiro e o transparente e jamais quereriam ligar sua figura a notórios malfeitos de seus assistentes e cooperadores.

O conteúdo gravíssimo destes relatórios reforçaram, no meu entender, a vontade do Papa de renunciar. Ai se comprovava uma atmosfera de promiscuidade, de luta de poder entre “monsignori”, de uma rede de homossexualismo gay dentro do Vaticano e desvio de dinheiro do Banco do Vaticano. Como se não bastassem os crimes de pedofilia em tantas dioceses que desmoralizaram profundamente a instituição-Igreja.

Quem conhece um pouco a história da Igreja – e nós profissionais da área temos que estuda-la detalhadamente- não se escandaliza. Houve épocas de verdadeiro descalabro do Pontificado com Papas adúlteros, assassinos e vendilhões. A partir do Papa Formoso (891-896) até o Papa Silvestre (999-1003) se instaurou segundo o grande historiador Card. Barônio a “era pornocrática” da alta hierarquia da Igreja. Poucos Papas escapavam de serem depostos ou assassinados. Sergio III (904-911) assassinou seus dois predecessores, o Papa Cristóvão e Leão V.

A grande reviravolta na Igreja como um todo, aconteceu, com consequências para toda a história ulterior, com o Papa Gregório VII em 1077. Para defender seus direitos e a liberdade da instituição-Igreja contra reis e príncipes que a manipulavam, publicou um documento que leva este significativo título “Dictatus Papae” que literalmente traduzido significa “a Ditadura do Papa”. Por este documento, ele assumia todos os poderes, podendo julgar a todos sem ser julgado por ninguém. O grande historiador das idéias eclesiológicas Jean-Yves Congar, dominicano, considera a maior revolução acontecida na Igreja. De uma Igreja-comunidade passou a ser uma instituição-sociedade monárquica e absolutista, organizada de forma piramidal e que vem até os dias atuais

Efetivamente, o cânon 331 do atual Direito Canônico se liga a esta compreensão, atribuindo ao Papa poderes que, na verdade, não caberiam a nenhum mortal, senão somente a Deus: ”Em virtude de seu ofício, o Papa tem o poder ordinário, supremo, pleno, imediato, universal” e em alguns casos precisos, “infalível”.

Esse eminente teólogo, tomando a minha defesa face ao processo doutrinário movido pelo Card. Joseph Ratzinger em razão do livro “Igreja:carisma e poder” escreveu um artigo no “La Croix”(8/9/1984) sobre o “O carisma do poder central”. Ai escreve:”O carisma do poder central é não ter nenhuma dúvida. Ora, não ter nenhuma dúvida sobre si mesmo é, a um tempo, magnífico e terrível. É magnífico porque o carisma do centro consiste precisamente em permanecer firme quando tudo ao redor vacila. E é terrível porque em Roma estão homens que tem limites, limites em sua inteligência, limites em seu vocabulário, limites em suas referencias, limites no seu ângulo de visão”. E eu acrescentaria ainda limites em sua ética e moral.

Sempre se diz que a Igreja é “santa e pecadora” e deve ser “sempre reformada”. Mas não é o que ocorreu durante séculos nem após o explícito desejo do Concílio Vaticano II e do atual Papa Bento XVI. A instituição mais velha do Ocidente incorporou privilégios, hábitos, costumes políticos palacianos e principescos, de resistência e de oposição que praticamente impediu ou distorceu todas as tentativas de reforma.

Só que desta vez se chegou a um ponto de altíssima desmoralização, com práticas até criminosa que não podem mais ser negadas e que demandam mudanças fundamentais no aparelho de governo da Igreja. Caso contrário, este tipo de institucionalidade tristemente envelhecida e crepuscular definhará até entrar em ocaso. Os atuais escândalos sempre houveram na cúria vaticana apenas que não havia um providencial Vatileaks para trazê-los a público e indignar o Papa e a maioria dos cristãos.

Meu sentimento do mundo me diz que estas perversidades no espaço do sagrado e no centro de referencia para toda a cristandade – o Papado – (onde deveria primar a virtude e até a santidade) são consequência desta centralização absolutista do poder papal. Ele faz de todos vassalos, submissos e ávidos por estarem fisicamente perto do portador do supremo poder, o Papa. Um poder absoluto, por sua natureza, limita e até nega a liberdade dos outros, favorece a criação de grupos de anti-poder, capelinhas de burocratas do sagrado contra outras, pratica largamente a simonía que é compra e venda de vantagens, promove adulações e destrói os mecanismos da transparência. No fundo, todos desconfiam de todos. E cada qual procura a satisfação pessoal da forma que melhor pode. Por isso, sempre foi problemática a observância do celibato dentro da cúria vaticana, como se está revelando agora com a existência de uma verdadeira rede de prostituição gay.

Enquanto esse poder não se descentralizar e não outorgar mais participação de todos os estratos do povo de Deus, homens e mulheres, na condução dos caminhos da Igreja o tumor causador desta enfermidade perdurará. Diz-se que Bento XVI passará a todos os Cardeais o referido relatório para cada um saber que problemas irá enfrentar caso seja eleito Papa. E a urgência que terá de introduzir radicais transformações. Desde o tempo da Reforma que se ouve o grito: ”reforma na Cabeça e nos membros”. Porque nunca aconteceu, surgiu a Reforma como gesto desesperado dos reformadores de fazerem por própria conta tal empreendimento.

Para ilustração dos cristãos e dos interessados em assuntos eclesiásticos, voltemos à questão dos escândalos. A intenção é desdramatizá-los, permitir que se tenha uma noção menos idealista e, por vezes, idolátrica da hierarquia e da figura do Papa e libertar a liberdade para a qual Cristo nos chamou (Galatas 5,1). Nisso não vai nenhum gosto pelo Negativo nem vontade de acrescentar desmoralização sobre desmoralização. O cristão tem que ser adulto, não pode se deixar infantilizar nem permitir que lhe neguem conhecimentos em teologia e em história para dar-se conta de quão humana e demasiadamente humana pode ser a instituição que nos vem dos Apóstolos.

Há uma longa tradição teológica que se refere à Igreja como casta meretriz, tema abordado detalhadamente por um grande teólogo, amigo do atual Papa, Hans Urs von Balthasar (ver em Sponsa Verbi, Einsiedeln 1971, 203-305). Em várias ocasiões o teólogo J. Ratzinger se reportou a esta denominação.

A Igreja é uma meretriz que toda noite se entrega à prostituição; é casta porque Cristo, cada manhã se compadece dela, a lava e a ama.

O habitus meretrius da instituição, o vício do meretrício, foi duramente criticado pelos Santos Padres da Igreja como Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e outros. São Pedro Damião chega a chamar o referido Gregório VII de “Santo Satanás” (D. Romag, Compêndio da história da Igreja, vol 2, Petrópolis 1950,p.112). Essa denominação dura nos remete àquela de Cristo dirigida a Pedro. Por causa de sua profissão de fé o chama “de pedra”mas por causa de sua pouca fé e de não entender os desígnios de Deus o qualificou de “Satanás”(Evangelho de Mateus 16,23). São Paulo parece um moderno falando quando diz a seus opositores com fúria: ”oxalá sejam castrados todos os que vos perturbam”(Gálatas 5.12).

Há portanto, lugar para a profecia na Igreja e para a denúncias dos malfeitos que podem ocorrer no meio eclesiástico e também no meio dos fiéis.

Vou referir outro exemplo tirado de um santo querido da maioria dos católicos brasileiros, por sua candura e bondade: Santo Antônio de Pádua. Em seus sermões, famosos na época, não se mostra nada doce e gentil. Fez vigorosa crítica aos prelados devassos de seu tempo. Diz ele: “os bispos são cachorros sem nenhuma vergonha, porque sua frente tem cara de meretriz e por isso mesmo não querem criar vergonha”(uso a edição crítica em latim publicada em Lisboa em 2 vol em 1895). Isto foi proferido no sermão do quarto domingo depois de Pentecostes ( p. 278). De outra vez, chama os prelados de “macacos no telhado, presidindo dai o povo de Deus”(op cit p. 348). E continua:” o bispo da Igreja é um escravo que pretende reinar, príncipe iniquo, leão que ruge, urso faminto de rapina que espolia o povo pobre”(p.348). Por fim na festa de São Pedro ergue a voz e denuncia:”Veja que Cristo disse três vezes: apascenta e nenhuma vez tosquia e ordenha… Ai daquele que não apascenta nenhuma vez e tosquia e ordena três ou mais vezes…ele é um dragão ao lado da arca do Senhor que não possui mais que aparência e não a verdade”(vol. 2, 918).

O teólogo Joseph Ratzinger explica o sentido deste tipo de denúncias proféticas:” O sentido da profecia reside, na verdade, menos em algumas predições do que no protesto profético: protesto contra a auto-satisfação das instituições, auto-satisfação que substitui a moral pelo rito e a conversão pelas cerimônias” (Das neue Volk Gottes, Düsseldorf 1969, p. 250, existe tradução português).

Ratzinger critica com ênfase a separação que fizemos com referencia à figura de Pedro: antes da Páscoa, o traidor; depois de Pentecostes, o fiel. “Pedro continua vivendo esta tensão do antes e do depois; ele continua sendo as duas coisas: a pedra e o escândalo… Não aconteceu, ao largo de toda a história da Igreja, que o Papa, simultaneamente, foi o sucessor de Pedro, a “pedra” e o “escândalo”(p. 259)?

Aonde queremos chegar com tudo isso? Queremos chegar ao reconhecimento de que a igreja- instituição de papas, bispos e padres, é feita de homens que podem trair, negar e fazer do poder religioso negócio e instrumento de autosatisfação. Tal reconhecimento é terapêutico, pois nos cura de toda uma ideologia idolátrica ao redor da figura do Papa, tido como praticamente infalível. Isso é visível em setores conservadores e fundamentalista de movimentos católicos leigos e também de grupos de padres. Em alguns vigora uma verdadeira papolatria que Bento XVI procurou sempre evitar.

A crise atual da Igreja provocou a renúncia de um Papa que se deu conta de que não tinha mais o vigor necessário para sanar escândalos de tal gravidade. “Jogou a toalha” com humildade. Que outro mais jovem venha a assuma a tarefa árdua e dura de limpar a corrupção da cúria romana e do universo dos pedófilos, eventualmente puna, deponha e envie alguns mais renitentes para algum convento para fazer penitência e se emendar de vida.
Só quem ama a Igreja pode fazer-lhe as críticas que lhe fizemos, citando textos de autoridade clássicas do passado. Quem deixou de amar a pessoa um dia amada, se torna indiferente à sua vida e destino. Nós nos interessamos à semelhança do amigo e de irmão de tribulação Hans Küng, (foi condenado pela ex-Inquisição) talvez um dos teólogos que mais ama a Igreja e por isso a critica.

Não queremos que cristãos cultivem este sentimento de de descaso e de indiferença. Por piores que tenham sido seus erros e equívocos históricos, a instituição-Igreja guarda a memória sagrada de Jesus e a gramática dos evangelhos. Ela prega libertação, sabendo que geralmente são outros que libertam e não ela.

Mesmo assim vale estar dentro dela, como estavam São Francisco, Dom Helder Câmara, João XXIII e os notáveis teólogos que ajudaram a fazer o Concílio Vaticano II e que antes haviam sido todos condenados pela ex-Inquisição, como De Lubac, Chenu, Congar, Rahner e outros. Cumpre ajuda-la a sair deste embaraço, alimentando-nos mais do sonho de Jesus de um Reino de justiça, de paz e de reconciliação com Deu e do seguimento de sua causa e destino do que de simples e justificada indignação que pode cair facilmente no farisaísmo e no moralismo.
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*Leonardo Boff. Teólogo. Escritor.
Mais reflexões desta ordem se encontram no meu Igreja: carisma e poder (Record 2005) especialmente no Apêndice com todas a atas do processo havido no interior da ex-Inquisição em 1984.