sábado, 30 de novembro de 2013

" Porto - Alegrismo "








Porto-alegrismo

Toda vez que consigo escapar do regime semiaberto da insegurança urbana, gosto de ir a Florianópolis. Tenho parentes e amigos lá, adoro as praias, o centro histórico, o visual da ponte Hercílio Luz, o perfume açoriano de Santo Antônio de Lisboa, o falar cantado dos manezinhos. Tudo é encantador na bela capital catarinense. Os gaúchos, se pudessem, trariam Florianópolis para este lado do Mampituba. Mas não a trocaríamos por Porto Alegre, de jeito nenhum.

Dona Dilma brincou certo com palavras erradas ao dizer que “a maior tristeza do Rio Grande do Sul é que Porto Alegre não é Florianópolis”.
 
Ela queria fazer um agrado aos florianopolitanos, mas acabou pisando no pala dos gaudérios mais sensíveis. Talvez fosse mais adequado dizer que “a maior alegria da gauchada é poder ir a Florianópolis de vez em quando”. Mas disse e está dito, não me senti ofendido e nem creio que devamos fazer uma revolução por tão pouco. Quando fizemos, é bom lembrar, chegamos a pensar em tomar conta da Ilha do Desterro, mas a turma de Garibaldi – como acontece agora com quem vai pela BR-101 – não conseguiu passar de Laguna.

Voltemos a Porto Alegre, portanto. Dona Dilma, que tem filha e neto gaúchos, que já viveu neste chão e que talvez retorne para cá quando cansar de Brasília, sabe muito bem que nós, nativos e adotivos, devotamos um amor incondicional a nossa cidade. O porto-alegretense Mario Quintana foi magistral na interpretação deste sentimento: “Ó céus de Porto Alegre, como farei para levar-vos para o Céu?”.

É o que gostaríamos todos de fazer. Vale aquele manjado jogo de palavras: a gente até pode sair de Porto Alegre, mas Porto Alegre não sai de dentro da gente. Não é só o pôr do sol do Guaíba, nem apenas essa primavera que floresce a partir da Feira do Livro, nem mesmo o mate domingueiro da Redenção.

O que nos amarra a esta cidade é uma paixão atávica, gravada no nosso código genético. Uma coisa contagiante. Mesmo quem não nasceu aqui acaba pegando esse porto-alegrismo.
 
Veja-se a mineira Dilma. É só ter uma folguinha nos seus afazeres presidenciais e já desembarca por aqui. E não esquece da Leal e Valerosa nem na hora de fazer gracinha. Tudo bem, não vamos nos importar. Nem ficaremos tristes. Até porque a presidente disse a verdade: Porto Alegre não é mesmo Florianópolis. Nem deseja ser.
Porto Alegre - Capital do Rio Grande do Sul


Por que quereríamos trocar o céu pelo mar se podemos ter os dois?

" A década petista é a década da falácia "


                   JOSÉ FUCS



Autor de um livro sobre os dez anos do PT no poder, o historiador diz que os êxitos do partido são menores que a propaganda faz crer e que o Brasil é um país de miseráveis

O historiador Marco Antonio Villa, na sua casa, em São Paulo. “Classe média não mora em favela” (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
O historiador Marco Antonio Villa, de 58 anos, é uma exceção na academia. Ao contrário da maioria de seus pares nas ciências humanas, Villa é um crítico duro das práticas do PT e dos governos petistas. Em seu novo livro, Década perdida – 10 anos de PT no poder (Editora Record), ele resgata os principais acontecimentos do período e traça um retrato impiedoso dos governos Lula e Dilma.

Nesta entrevista a ÉPOCA, Villa critica a gestão econômica do PT e analisa as prisões dos mensaleiros. Ele também critica o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por ter sido contra a abertura de um processo de impeachment contra Lula, em 2005. “Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro”, afirma.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor chama os primeiros dez anos do PT no poder, entre 2003 e 2012, de “década perdida”. Por quê?

Marco Antonio Villa – Nesses dez anos, o Brasil perdeu uma oportunidade histórica de dar um grande salto. Não só em termos de crescimento econômico, que foi muito baixo nos governos petistas, como também para enfrentar os graves problemas sociais do país. Pela primeira vez na história, tivemos a chance de combinar uma alta taxa de crescimento com um regime de liberdades democráticas plenas. Até a explosão da crise financeira, no final de 2008, as condições externas eram muito favoráveis. A China crescia dois dígitos por ano. Puxava o preço das commodities e gerava uma renda extra ao país, um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minérios.

Em vez de aproveitar o momento, a partir da âncora criada nos anos 1990, com a queda da inflação e a estabilidade fiscal e monetária, o governo abriu o baú da história. Desenterrou velhas leituras econômicas, um keynesianismo cheirando a naftalina, e ideias de presença do Estado na economia cheias de teias de aranha, dos tempos do governo Geisel, nos anos 1980, que tiveram um alto custo para o país. Provavelmente, os primeiros três anos do governo Dilma estarão entre os piores da história econômica brasileira, e a perspectiva de melhora no curto prazo é baixa.

ÉPOCA – Nos dez anos do PT no poder, a renda da população subiu, o emprego aumentou, a classe média se tornou maioria, e a economia teve grandes picos de crescimento no governo Lula. Faz sentido falar em década perdida?

Villa – Os êxitos do PT são bem menores do que se propala por aí. Eles são repetidos de forma tão sistemática e tão eficaz, sem nenhuma resistência da oposição, que acabam por adquirir um manto de verdade. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, mas a partir de uma base muito baixa. Em 2009, houve uma recessão. Nos outros anos, o crescimento foi relativamente tímido. Em média, o Brasil cresceu menos que a América Latina e os países emergentes nesse período.

Os argumentos do governo, de que a classe média se tornou maioria no país, são totalmente falaciosos. Classe média não mora em favela nem ganha dois ou três salários mínimos, ou até menos que isso por mês. Aconteceu é que o PT – como se fosse o Ministério da Verdade do livro 1984, de George Orwell – começou a criar novas categorias econômicas para dar êxito a um governo que é um fracasso. Inventou uma nova classe C, que seria uma outra classe média, diferente da classe média tradicional, e construiu a ideia de que o Brasil é um país de classe média. Não é. É um país de miseráveis.

ÉPOCA – O Bolsa Família não é uma saída para reduzir a miséria no país? Esse crédito não deveria ser dado ao governo petista?

Villa – Ninguém discorda de que precisa haver programas assistenciais, mas não só para a população não morrer de fome. É preciso criar meios para enfrentar a miséria e a pobreza. Não meios que as petrifiquem, como os programas do PT. O governo gasta 0,5% do PIB com o Bolsa Família, mas não consegue transformar a vida das pessoas. Enquanto isso, metade do país não tem saneamento básico, a situação da infraestrutura é lamentável, e o analfabetismo funcional e real não para de subir.

"O PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande capital"

ÉPOCA – No livro, o senhor dedica um bom espaço aos casos de corrupção, em especial ao mensalão, e diz que PT não combateu a corrupção como deveria. Só aconteceu coisa ruim nesses dez anos?
Villa – Como historiador, não tenho culpa de que o volume de casos de corrupção tenha sido o maior da história republicana do Brasil. Nunca antes na história deste país houve tanta corrupção quanto na década petista. Gostaria de que não fosse assim, mas a sucessão de problemas nos ministérios, de desvios de recursos, nos dois governos Lula e no governo Dilma, é um recorde. A década petista é a década do discurso, a década da falácia. Não há realização material.

Que grande obra pública foi construída nesses dez anos? Que usina hidrelétrica foi construí­da nesses dez anos? Nenhuma. A transposição do São Francisco, um fracasso. Estradas, fracasso. Ferrovias, fracasso. Portos, fracasso. Aeroportos, fracasso. Há apenas a tentativa de construir alguns estádios de futebol, mas não resolveremos problemas sociais com coliseus do século XXI. O PT é bom no palanque, mas um péssimo gestor da economia.

ÉPOCA – Como o senhor explica, então, os altos índices de popularidade de Dilma nas pesquisas?

Villa – Essas pesquisas não servem para nada. Não permitem a compreensão da realidade, até pela forma como as perguntas são feitas pelos institutos de pesquisa e respondidas pelos entrevistados. As pesquisas dão apenas uma noção de como as pessoas veem o debate político. Mesmo tendo uma parcela considerável dos eleitores, o PT nunca venceu uma eleição presidencial no primeiro turno. Em 2002, quando era oposição, ganhou no segundo turno. Em 2006 e 2010, quando era governo, idem.

Em 2010, até uma semana antes do pleito, diziam que Dilma teria 54% dos votos no primeiro turno. Teve 46%. Sempre há uma superavaliação da popularidade do governo. Se os índices de popularidade fossem tão altos, o PT teria ganhado as eleições no primeiro turno, especialmente em 2006 e em 2010. Em 2010, apesar da derrota, a oposição recebeu 44% dos votos no segundo turno.

ÉPOCA – Em sua opinião, o que levou o PT a ganhar três eleições seguidas?

Villa – Com o Bolsa Família e o “Bolsa Empresário”, bancado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da pirâmide e o grande capital. Levando em conta que o Bolsa Família tem 13,5 milhões de famílias cadastradas, e cada família tem, no mínimo, três eleitores – o pai, a mãe e um filho com mais de 16 anos –, só aí são 50 milhões de pessoas, o equivalente a quase um terço do eleitorado. Ao mesmo tempo, o governo se aliou a grandes proprietários de terra, construtoras e aos setores mineral e industrial.

O BNDES virou um instrumento de enorme eficácia para fortalecer essa aliança entre o PT e o grande capital. Essas alianças, no topo e na base da pirâmide, alcançaram tal solidez que, hoje, é muito difícil rompê-las. A oposição não consegue entender que essa estrutura precisa ser rompida, mas só pode ser rompida fazendo política. A oposição não sabe fazer política. Quer chegar ao poder sem fazer política. Não por acaso, foi derrotada nas eleições de 2002, 2006, 2010. Ao que tudo indica será derrotada em 2014 de novo.

ÉPOCA – A que o senhor atribui essa fragilidade da oposição?

Villa – De um lado, o PSDB, o principal partido de oposição, não é um partido de fato. Está na oposição, mas não é oposição. É curioso. No populismo, o símbolo maior da oposição era a UDN. Nos tempos mais recentes, o PT. Qualquer oposição age diuturnamente criticando o governo e buscando uma aproximação com a sociedade, pensando sempre na próxima eleição, como fazia o PT no governo Fernando Henrique.

O PSDB, não. A impressão é que o PSDB se sente constrangido de ser oposição. Parece que executa essa tarefa com desagrado. A oposição tem de ser agressiva. Quando o governo apresentar seus projetos, a oposição tem de se levantar, falar que tudo aquilo está errado, como a gente vê na Inglaterra, na França, em Portugal, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos.

ÉPOCA – No livro, o senhor diz que o ex-presidente Fernando Henrique cometeu um erro grave, ao ser contra o impeachment de Lula em 2005, para investigar sua participação no mensalão. Por quê?

Villa – Para mim, Lula é o réu oculto do mensalão. Ele tinha ciência de tudo aquilo, chegou a ter até dois encontros com Marcos Valério. Pode não ter participado da organização do esquema, mas era o principal favorecido. Na estrutura do PT, o chefe da quadrilha, José Dirceu, não faria aquilo sem a concordância de Lula. Agora, o que fez Fernando Henrique?

Saiu dizendo que um processo de impeachment de Lula criaria uma crise institucional, afetaria a economia, o crescimento do país. Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro. No momento em que o PT estava nas cordas, em vez de levá-lo a nocaute, como o PT faria se estivesse do outro lado, o que o PSDB fez, por meio de seu principal líder, foi deixar Lula sangrando nas cordas, acreditando que o nocautearia facilmente nas eleições de 2006.

A oposição teve medo, e esse medo é que deu combustível para que o PT virasse o jogo, estabelecesse uma aliança sólida com o PMDB e partidos satélites e criasse o novo Lula, no último ano do primeiro governo. Esse novo Lula é produto de uma leitura de conjuntura equivocada e danosa para o futuro do país. E essa leitura foi feita por Fernando Henrique e pelo PSDB.

" Abaixo Papai Noel "

                                       WALCYR CARRASCO

Papai Noel na Casa de Papai Noel na Lapônia
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Mora, para alguns, no Polo Norte. Para outros, na Lapônia, onde vive cercado de elfos mágicos, que trabalham sem ganhar hora extra, nem ter direito a férias ou décimo terceiro salário. Hoje, fabricam até videogames! Sua imagem atual foi criada por Thomas Nest, numa ilustração da revista Harper’s Weekly, que só se popularizou ao ser usada numa campanha da Coca-Cola, em 1931.

Particularmente, fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”. Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se tornou só uma invenção lucrativa do Natal.

Eu adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério. Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel. Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na chaminé.
Papai Noel planeando sua tournée mundial
Já que a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá, escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim, uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz, com um brinquedo que não poderia ganhar da família.

Talvez esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.

Insisto: abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber simplesmente que nunca existiu.
Por que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”

Acho que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel. Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25, acordava surpreso.


– Mas não vi o Papai Noel.

– Ele passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.

Pacientemente, eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.

– Papai Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele dará um jeito.

Foi decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino quer um cavalo de corrida...

Penso: por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa criancinha insistente.

Sua lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava, anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai Noel também é chamado de São Nicolau.

" Prudência e conhecimento efetivo "


Felipe Charbel*
 
Prudência e conhecimento efetivo
A prudência como qualidade que transforma o estudo das coisas antigas e a experiência das coisas modernas
em conhecimento efetivo da realidade é o tema deste artigo da série comemorativa dos 500 anos de ‘O príncipe’.
(arte: Ampersand)
O príncipe prudente, segundo Maquiavel, é aquele que não apenas tem a habilidade de analisar, interpretar e, quando é o caso, intervir na realidade, mas também o que sabe encontrar os meios adequados de persuasão.
 
 
De Aristóteles até o final do século 18, a prudência foi vista, por muitos filósofos políticos, como uma das qualidades mais importantes que os seres humanos deveriam ter para orientar sua ação e para intervir num mundo dominado pelas contingências. No pensamento político de Maquiavel, a prudência tem um lugar central, embora nem sempre reconhecido pelos intérpretes da obra do florentino. Ela é, ao mesmo tempo, uma qualidade necessária à ação política e à análise da política. Na prudência, ação e análise convergem em um só princípio.
 
Em O príncipe, Maquiavel expõe seu “entendimento das ações dos grandes homens”, ou seja, tudo o que aprendeu na “longa experiência das coisas modernas e no estudo contínuo das antigas”. O que ele apresenta é exatamente sua prudência, ou seja, sua capacidade de analisar e interpretar a realidade. E também de intervir nela, se for o caso.
 
A prudência, para o secretário florentino, é precisamente essa qualidade intelectual que permite transformar o estudo das coisas antigas e a experiência das coisas modernas em conhecimento efetivo da realidade. Ou, para empregar um termo que ele utiliza no capítulo 15 de O príncipe, em “verità effetualle della cosa”, um tipo de saber político muito diferente do conhecimento abstrato, associado ao estudo de “repúblicas e principados que nunca se viram nem se verificaram na realidade”.
 
 

Distância do conceito humanista

Maquiavel distancia-se das formas de examinar a política próprias do pensamento político dos humanistas do seu tempo. É possível notar, em seus escritos, uma mudança de procedimento analítico, embora não haja uma mudança na palavra utilizada para caracterizar esse procedimento: tanto o secretário como os humanistas reconheciam na prudência a qualidade intelectual que alguém deveria ter para o trato correto dos assuntos públicos.
 
Mas o que o secretário entende por prudência distancia-se em grande medida do seu conceito humanista. Ela não está submetida à justiça, por exemplo, ou a preceitos religiosos, especificamente cristãos, o que se pode perceber nas seguintes passagens de O príncipe, assim como em outros momentos de sua obra: “O príncipe, se for prudente, não deverá importar-se com a pecha de miserável”; “um soberano prudente não pode nem deve manter a palavra quando tal observância se reverta contra ele e já não existam motivos que o levaram a empenhá-la”.
 
Em Maquiavel, a efetividade analítica está diretamente associada à capacidade de formular um juízo correto com velocidade, de identificar um problema em seu nascimento, de antever os efeitos das possíveis ações realizadas por reis, príncipes, embaixadores e Repúblicas
 
Mas não se pode entender o alcance do conceito de prudência em Maquiavel apenas pela negativa. O mais importante nesse deslocamento em relação ao quadro tradicional das virtudes são as novas possibilidades que ele abre tanto para o exame da política como para a ação. Como o princípio da efetividade analítica é alçado ao primeiro plano, em detrimento da subordinação abstrata da análise política aos preceitos morais das tradições filosóficas da Antiguidade e do cristianismo, a interpretação da realidade dependerá exclusivamente da habilidade do intérprete, de sua capacidade de discernir nas “coisas do mundo” os princípios adequados para a ação.
 
Em Maquiavel, a efetividade analítica está diretamente associada à capacidade de formular um juízo correto com velocidade, de identificar um problema em seu nascimento, de antever os efeitos das possíveis ações realizadas por reis, príncipes, embaixadores e Repúblicas.
 
Ninguém deve “se concentrar”, escreve em O príncipe, “apenas nos distúrbios presentes, mas também nos futuros, fazendo de tudo para evitá-los, pois com a prevenção é possível remediá-los mais facilmente, ao passo que, quando se espera demasiado, o tratamento não chega a tempo, porque a doença já se tornou incurável; é como a tísica, que, segundo os médicos, a princípio é fácil de tratar e difícil de diagnosticar, mas, com o passar do tempo, não tendo sido diagnosticada nem tratada precocemente, se torna fácil de reconhecer e difícil de curar. É o que acontece com os assuntos de Estado: reconhecendo à distância os males que medram nele — o que só é dado ao homem prudente —, é possível saná-los de pronto; porém, se por imprevidência os deixarem crescer a ponto de se tornarem visíveis aos olhos de todos, não haverá mais remédio”.
Prudência em Maquiavel
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Segundo Maquiavel, o príncipe prudente não pode prescindir do reconhecimento público.
Mas a prudência, em Maquiavel, não possui uma dimensão apenas calculativa, associada ao exame dos modos de intervenção política que podem produzir resultados consistentes. Ela é também performativa, ou seja, é domínio da prudência encontrar os meios adequados de persuasão. O cálculo sem eloquência é inútil.
 
 
É o que diz Maquiavel na seguinte passagem dos Discursos: “Desse tipo de homem”, o prudente, “é fácil que nunca surja nenhum em dada cidade, e, mesmo que surgisse, pode ser que nunca persuadisse os outros daquilo que pretendesse”. A prudência não se reduz à reflexão, ao processo de ajuizamento, mas envolve também a escolha de estratégias adequadas de composição textual e de expressão. A prudência não pode prescindir do reconhecimento público. Sem a unidade entre pensamento e expressão, não há verdades efetivas.
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* Instituto de História Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/11/prudencia-e-conhecimento-efetivo
 
 

" Ordem e Fragilidade "



Carlos Benedito Martins*
Ordem e fragilidade
Goffman analisou os processos da interação entre os indivíduos nas mais diversas situações concretas:
em um elevador, uma conversa informal, uma entrevista para obtenção de trabalho,
uma fábrica, um hospital psiquiátrico etc.
(imagem: Sxc.hu)

No sobreCultura, sociólogo disseca obra de Erving Goffman publicada pela primeira vez em 1959. 'A representação do eu na vida cotidiana', que saiu no Brasil em 1985, concentra-se na análise da interação social.



A representação do eu na vida cotidiana, de Erving Goffman, foi publicado pela primeira vez em 1959 e contribuiu para a celebridade acadêmica de seu autor. Além de ter impactado a sociologia contemporânea, foi lido em várias partes do mundo por vasto e diferenciado público. No Brasil, a primeira edição saiu em 1985, pela Vozes, que, além de reimprimir este livro (na 18ª edição), vem nos últimos anos publicando outros importantes volumes da obra de Goffman.

Não deixa de ser paradoxal que um dos autores mais influentes na sociologia americana do século passado seja de origem canadense. Goffman nasceu em 1922 na pequena cidade de Mannville, em Alberta, descendente de judeus imigrantes da Ucrânia. Sua formação inicial não foi em sociologia, mas em química. No período 1943-44, trabalhou no National Film Board do Canadá, que produzia documentários, experiência que teve impacto posterior em seu refinado senso de observação dos comportamentos dos atores sociais na vida cotidiana.

Em 1944, ingressou na Universidade de Toronto para iniciar seu treinamento em sociologia. No ano seguinte, decidiu prosseguir seus estudos no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, de grande prestígio acadêmico. A passagem por essa universidade marcou de forma profunda sua produção intelectual.

Goffman estava interessado em compreender
a complexa trama que envolve o encontro de
dois ou mais indivíduos

Ao longo de sua vida acadêmica, Goffman privilegiou a análise do problema da interação social, presente já na tese de doutorado e também no discurso como presidente da American Sociological Association, em 1982, que não chegou a ler devido à sua morte prematura em novembro daquele ano. Estava interessado em compreender a complexa trama que envolve o encontro de dois ou mais indivíduos. Suas análises buscavam apreender os mecanismos sociais que sustentam e/ou comprometem os processos da interação entre os indivíduos nas mais diversas situações concretas: em um elevador, uma conversa informal, uma entrevista para obtenção de trabalho, uma fábrica, um hospital psiquiátrico etc.

Face a face

Em sua percepção, a relação face a face que os indivíduos travam entre si em situações sociais concretas constitui um domínio de investigação distinguível – a ordem de interação – que possui suas estruturas, processos e regularidades específicas, não podendo ser reduzida a situações macrossociais e cujo método adequado de investigação repousa na microanálise.

Ao recuperar a contribuição do sociólogo Willian Thomas a respeito do impacto da ‘definição da situação’ sobre o comportamento que os indivíduos desenvolvem entre si, Goffman enfatizou que as condições situacionais afetam, informam e circunscrevem as ações sociais no tempo e no espaço. Nesse sentido, insistiu que a compreensão da trama interacional deve levar em consideração a existência de situações sociais específicas nas quais os indivíduos encontram-se fisicamente presentes, desenvolvem seus comportamentos, interpretam e respondem às ações dos demais envolvidos nesse processo.
Capa do livro A representação do eu na vida cotidiana

Em A representação do eu na vida cotidiana, Goffman usou parte das observações realizadas durante 18 meses nas ilhas Shetland, Escócia, para sua tese de doutorado, defendida em 1953. Utilizou diversas fontes sociológicas e também lançou mão de extenso material literário para ilustrar sua argumentação. Ele empregou a metáfora da dramaturgia da representação teatral para analisar como os indivíduos apresentam-se uns diante dos outros e como regulam as informações e manejam a imagem de si que procuram transmitir durante uma interação social.

Na representação teatral destacam-se três elementos: o ator que se apresenta sob a máscara de um personagem, outros personagens da peça e a plateia. O autor reduz esses elementos a apenas dois: um indivíduo que representa determinado papel social na vida real e a plateia, ou seja, os outros que estão em interação com ele. A plateia pode ser composta por poucos indivíduos ou por uma coletividade.
A partir de um vocabulário dramatúrgico, Goffman descreve vários tipos de encontros que os indivíduos realizam na vida cotidiana, tais como visitar um amigo, comparecer a um funeral, comer em um restaurante etc. Em cada um deles, o indivíduo busca apresentar um comportamento adequado à situação específica na qual ocorre sua ação.

Temas dramatúrgicos

O livro explora seis temas dramatúrgicos. As representações são as performances que os indivíduos realizam para projetar uma determinada imagem de si. Por equipe entende-se qualquer grupo de indivíduos que cooperam entre si como grupo de atores. As regiões se distinguem em ‘fachada’ (onde os atores apresentam suas identidades públicas em função do desempenho de um determinado papel social para uma plateia) e ‘bastidores’ (onde os atores relaxam do papel social que representam). Papéis discrepantes expressam acontecimentos inesperados que podem desacreditar a impressão que um indivíduo ou uma equipe deseja projetar para uma plateia.
A comunicação imprópria refere-se a determinados comportamentos dos membros de uma equipe que desautorizam a impressão que ela desejava passar para um público. E a arte de manipular a impressão a determinadas medidas defensivas usadas pelos atores para evitar incidentes durante o processo interacional que possam colocar em risco a representação e medidas protetoras usadas pela plateia para ajudar a reparar a representação caso tenha ocorrido alguma ruptura durante a interação.
O autor estava particularmente interessado em analisar a performance dos indivíduos diante da presença de outros de modo a influenciar a percepção que tenham dele. Assim, quando uma pessoa chega à presença de outros, empenha-se em transmitir-lhes certa impressão. Pode desejar que pensem muito bem dela. Às vezes, agirá de forma calculada para alcançar esse objetivo; às vezes tem pouca consciência de estar procedendo assim; em outras situações, um determinado papel que exerce na sociedade a conduzirá a passar uma impressão deliberada de um determinado tipo de pessoa que pretende ser. Quando um ator assume um papel social estabelecido, geralmente verifica que uma determinada fachada corresponde a esse papel. Nesse sentido, existem diferenças entre fachadas mantidas por um médico, uma enfermeira e um vendedor de ferros-velhos.

A interação social implica a produção de um consenso operacional construído conjuntamente
pelos participantes envolvidos

Na medida em que os outros que participam de uma interação agem como se o indivíduo tivesse transmitido a eles uma determinada impressão de si, para Goffman o indivíduo projetou uma definição da situação, ou seja, informou-os a respeito do que é na vida social. A performance implica expressões, atitudes e comportamentos que permitem ao indivíduo evocar uma autoimagem para os outros. Ao projetar uma definição da situação, isto é, apresentar-se como uma pessoa de determinada categoria social, automaticamente ele tem a expectativa moral de que os outros o tratem e valorizem de maneira adequada.

A interação social implica a produção de um consenso operacional construído conjuntamente pelos participantes envolvidos – por meio de sensibilidade diplomática, tato e savoirfaire –, no qual tendem a apoiar valores aos quais todos os presentes prestam falsa homenagem e evitam assuntos que poderiam comprometer o modus vivendi em construção naquele momento. Na medida em que a sustentação da situação deriva de um empreendimento coletivo, a análise apropriada não repousa no indivíduo isolado e seu aparato psicológico, mas nas relações mutuamente construídas entre as diferentes pessoas presentes. Nessa perspectiva, Goffman reivindica uma sociologia das ocasiões, capaz de analisar o empreendimento interacional, uma vez que busca analisar não o homem em seus momentos, mas os momentos e seus homens.

A crise na trama interacional surge quando um determinado acontecimento coloca em dúvida ou contradiz a imagem de si que determinado indivíduo tentou transmitir aos demais. Mesmo em interações que se desenrolam de forma razoavelmente pacífica podem ocorrer pequenos eventos involuntários, que podem solapar a impressão que um indivíduo procurava transmitir. Goffman ressaltou que em nenhum momento o ator possui completo domínio do fluxo dos acontecimentos durante uma interação. Com isso, quis destacar que a impressão criada por uma determinada representação constitui uma situação delicada, frágil, que pode ser quebrada a qualquer momento por pequenos contratempos.
Imagem no espelho
A crise na trama interacional, segundo Goffman, surge quando um determinado acontecimento coloca em dúvida ou contradiz a imagem de si que determinado indivíduo tentou transmitir aos demais (imagem: Sxc.hu)
A coerência expressiva exigida nas representações dos indivíduos coloca em evidência uma dissonância entre nosso eu demasiado humano e nosso eu socializado. Como seres humanos, possuímos estados de espírito, humores, impulsos que variam segundo as circunstâncias. No entanto, quando um indivíduo assume um determinado papel social, torna-se inapropriado estar sujeito a altos e baixos em seu comportamento. Existe uma expectativa social de que o desempenho de certo papel implique uma burocratização do espírito a fim de que o indivíduo inspire a confiança de executá-lo de forma constante ao longo do tempo.

Diante da situação de possível descrédito social que pode surgir no processo interacional, o indivíduo pode perder o controle muscular, gaguejar, arrotar, ter uma flatulência, bocejar, tropeçar etc. Ao apresentar dificuldades em manejar seu comportamento emocional, pode expressar preocupação demais ou pouco interesse na representação do outro, ter um comportamento de ansiedade excessiva, explosão de riso ou de raiva que o incapacita momentaneamente a agir de forma adequada etc.

Sentimento de embaraço

Conforme determinados fatos perturbadores ocorrem durante um processo interacional, interrompendo seu desenrolar, cria-se um sentimento de embaraço entre seus participantes. Para Goffman, um indivíduo reconhece um sentimento de embaraço nos outros e em si mesmo quando surgem sinais objetivos de distúrbios corporais e emocionais, como sinais avermelhados no rosto, transpiração em excesso, perda do domínio da comunicação verbal, tremor nas mãos, dificuldade no manejo do olhar, sorriso fixo etc. Nessa circunstância, os participantes descobrem que o acordo tácito que, de forma explícita ou implícita, vinha sustentando suas condutas estava equivocado.
Nesse momento, o sistema da interação entra em colapso, gerando uma situação confusa e de embaraço para o indivíduo cuja representação foi desacreditada e para os demais, que estavam propensos a acreditar em sua representação. Goffman ressalta que, no processo de desmoronamento do processo interacional, o sentimento de embaraço contamina, contagia e infringe sofrimento social a todos os participantes, sendo que o indivíduo que eventualmente contribuiu para desacreditar um outro se sente também envergonhado e culpado, pois, ao destruir a imagem do outro, ele destrói sua própria imagem enquanto ator capaz de se comportar de forma hábil e diplomática em situações interacionais delicadas.


O livro sugere que todo ator que vive em sociedade paga um alto preço emocional ao exercer no dia a dia
um conjunto de papéis sociais

A sociologia de Goffman, ao assumir que o sentimento de embaraço causa um profundo sofrimento social para os indivíduos, concebeu o ator social mais preocupado em minimizar possíveis riscos durante sua performance no processo interacional do que em maximizar ganhos sociais. Na medida em que uma simples nota fora de compasso pode comprometer uma performance social em sua totalidade, para ele, homens e mulheres, de forma consciente ou inconsciente, conduzem suas vidas procurando a todo custo evitar situações que contradigam manifestamente a imagem que o indivíduo e/ou uma equipe projetou de si.

O livro sugere que todo ator que vive em sociedade paga um alto preço emocional ao exercer no dia a dia um conjunto de papéis sociais. Não basta desempenhá-los. Trata-se também de persuadir diariamente os outros atores a respeito da coerência entre as imagens correspondentes a um determinado papel que está executando e exibir comportamentos adequados ao que insinuou que é socialmente. A performance de um ator implica uma autodisciplina do seu eu demasiado humano e um constante cuidado para representar de forma convincente seu eu socializado de maneira a não desacreditar sua representação. O preço pago quando os outros percebem um descompasso entre as aparências alimentadas por um indivíduo e a face incongruente de seu comportamento é a humilhação social, a condenação pelos outros homens, a perda da reputação e do crédito social.

O leitor tem diante de si um livro estimulante intelectualmente, que o levará a compreender de forma mais clara, e talvez com certa ironia, as representações dos indivíduos com os quais convive em diversos contextos da vida cotidiana. E é possível que o conduza a desenvolver uma autoironia a respeito de suas próprias representações no dia a dia.
Você leu o ensaio da seção 'Perdidos & Achados' do sobreCultura 13. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral do suplemento. PDF aberto (gif)
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* Departamento de Sociologia - Universidade de Brasília
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/309/ordem-e-fragilidade/view

" Economia em tempos difíceis "

 


Alberto Carlos Almeida*
Governar é, dentre outras coisas, decidir quem ganhará e quem perderá. Foi-se o tempo em que o principal perdedor das decisões governamentais era a população mais pobre do Brasil. De 1980 a 1994, nada menos do que cinco presidentes ocuparam o Palácio do Planalto, tivemos 15 ministros da Fazenda, 14 presidentes do Banco Central, seis moedas e uma inflação anual de 730%. Com uma inflação nesse nível, quem mais perdia eram aqueles que viviam apenas de seu salário. Todos se recordam do sindicalista Lula e de sua lista de reivindicações com frequência encabeçada pelo combate à carestia e ao aumento de preços. Em 1986, o Plano Cruzado e o congelamento de preços resultaram na repentina redistribuição de renda em favor dos assalariados e dos mais pobres. Naquele ano, o PMDB, responsável pelo que veio a ser uma temporária queda da inflação, venceu as eleições para o governo de todos os Estados do Brasil, com exceção de Sergipe.

De 1995 a 2010, a cadeira de presidente foi ocupada por apenas duas figuras, tivemos três ministros da Fazenda, cinco presidentes do Banco Central, apenas uma moeda e uma inflação anual de 7%. Exatamente por conta de uma inflação tão baixa, Fernando Henrique e Lula foram reeleitos. Adicionalmente, Lula foi capaz de eleger Dilma sua sucessora. O que separa os dois períodos é a volta da eleição presidencial. Com ela, os presidentes foram obrigados, por uma questão de sobrevivência eleitoral, a atender à maioria da população. Vale chamar atenção para o contraste: enquanto não havia eleição direta para presidente, a sobrevivência de quem controlava o Poder Executivo nacional não dependia do controle da inflação, o eleitor não podia se manifestar sobre isso. O grande perdedor da política econômica que vigorou até 1994 foi a população pobre e os grandes ganhadores do que ocorreu depois foram os mesmos pobres.


Na história recente do Brasil, durante o governo Lula, ficamos todos com a impressão de que a política econômica apenas gera ganhadores. Viveu-se um período de grande liquidez internacional, preços de commodities em alta, juros americanos em baixa. O resultado foi que todos os grupos sociais melhoraram de vida. Tratou-se de uma unanimidade. Empresários, trabalhadores, campo, cidade, todos ganharam durante o governo Lula. Os períodos de bonança escondem que, sempre, quando há ganhadores, há também perdedores. Neste caso, quando todos ganham, há aqueles que ganham menos e os que ganham mais. No período Lula, o grupo social que mais ganhou foi a base da pirâmide. Houve um aumento vigoroso da renda real dos mais pobres, enquanto o aumento da renda daqueles que têm curso superior completo não foi tão grande assim. O resultado disso foi a redução da desigualdade de renda no Brasil, fartamente documentada pelas várias medições e estudos produzidos pelo IBGE e pelo Ipea.

A política econômica que resulta na redistribuição de renda tem vários componentes, e um deles é o câmbio. Quando o real fica valorizado frente ao dólar, a indústria perde e a população ganha por meio de seu impacto no controle da inflação. A população não tem conhecimento técnico sobre taxa de câmbio, comércio exterior ou mecanismos de redução de preços domésticos vinculados aos termos de trocas internacionais. Quando se trata de câmbio, o que a população tem de conhecimento, e a maneira como ela expressa esse saber, vem por meio da comparação entre o real e o dólar. O real pode estar mais ou menos forte frente ao dólar.

Foi assim que perguntamos, em uma pesquisa nacional, o que acontecia quando o real ficava mais forte frente ao dólar. Dadas quatro opções de resposta, 25% afirmaram que é bom para a população pobre, é bom para o povo; 19% disseram que os preços dos alimentos ficam mais baratos; 16% responderam que é bom para os empresários; 15% consideraram que fica cada vez mais difícil para os exportadores venderem produtos para outros países. Chama atenção que 23% não tenham respondido a essa questão, mesmo recebendo opções de resposta. Isso mostra quão distante está esse assunto de grande parte da população.

Na sequência, foi perguntado o que era melhor: ter menos empregos na indústria, mais empregos no comércio e preços mais baixos, ou ter mais empregos na indústria, sem que sejam gerados empregos no comércio e preços mantidos. Respostas: 51% preferiram a primeira opção e 29%, a segunda. Mais uma vez, a não-resposta foi elevada: 20%.

A divisão regional dessa resposta é reveladora de quanto a região Sul se sente dependente dos empregos industriais. Foi lá que se obteve a maior proporção daqueles que preferem mais empregos na indústria, mesmo com menos empregos no comércio: 44%. No Nordeste, apenas 19% ficaram com essa escolha. No Sul, a mão-de-obra é mais qualificada e a indústria, comparativamente ao comércio, exige isso. Ao passo que a recente prosperidade da população nordestina tem a ver com a expansão do comércio.

Igualmente interessante é a visão de mundo de quem completou a faculdade, aqueles que têm educação formal mais avançada. Nada menos do que 37% desse grupo afirmam que, quando o real fica mais forte frente ao dólar, é mais difícil para os exportadores venderem produtos para outros países. Uma proporção muito acima da média nacional de 15%. Por outro lado, esse mesmo segmento da população considera que é melhor ter menos empregos na indústria: 61% pensam assim. Isso certamente reflete o fato de as pessoas com grau superior completo estarem em sua grande maioria empregadas no setor de serviços. Sentem-se, portanto, pouco dependentes dos empregos gerados pela indústria.

As nuances e os detalhes da política econômica não podem ser decididos ao sabor do que pensa a população ou do que deseja o eleitorado. A dimensão do Brasil, o tamanho de nossa população, a complexidade de nossa economia e todos os interesses envolvidos na disputa política condicionam inúmeras decisões. Nesse caso, pode não ser recomendável para o Brasil depender economicamente apenas de um determinado segmento da economia. Ainda que haja vantagens comparativas e vocações, como parece ser o caso da exportação de commodities, pode ser desejável que o Brasil seja economicamente diversificado. Tão ou mais importante do que isso são os interesses estabelecidos. As decisões políticas não são tomadas no vácuo. Vários interesses são levados em conta e o peso relativo de cada um varia conforme o tipo da decisão e quando ela é tomada.

A eleição presidencial lida com o interesse da grande maioria da população - e isso pode variar entre países e entre questões. No Brasil, a política externa, por exemplo, não mobiliza o eleitorado como nos Estados Unidos. A diferença é inteiramente compreensível: a inserção internacional daquele país é imensamente maior do que a nossa. Nos debates da eleição presidencial americana, a política externa é um dos temais mais importantes. Mobiliza o eleitorado, divide preferências e influencia o voto. Isso não acontece no Brasil. Resultado: a margem de manobra de nossa elite política, quando se trata de política externa, é muito maior do que a da elite política dos Estados Unidos - nossos políticos não estão tão restritos ou condicionados pela visão do eleitorado.

A economia é importante em qualquer lugar do mundo. No caso do Brasil, ainda em uma comparação com os Estados Unidos, pode até ser que o peso relativo dos resultados da política econômica seja maior. O motivo é simples: a população vive mais próxima da pura e simples sobrevivência do que os americanos. O bem-estar do eleitorado, traduzido em aumento real do poder de compra, é variável-chave para explicar tanto a popularidade presidencial quanto, tem sido assim nos últimos pleitos, o resultado eleitoral.

Diz-se que todos os caminhos levam a Roma. A frase tem a ver com a grande importância que o Império Romano teve para o Ocidente: foi, um dia, o umbigo do nosso mundo. No Brasil, todos os caminhos levam ao controle da inflação. Seja por meio de aumento de juros, como mostrei há um mês nesta coluna, seja por meio de um câmbio que deixe, na linguagem da população, o real forte frente ao dólar.
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* Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
Fonte: Valor Econômico on line

" Tô Cansada "


Marli Gonçalves*
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Verdade que em português a expressão não tem o charme e o elã da mesma coisa dita em francês – “Je suis Fatigué”- que sempre se escuta, especialmente nas ruas de Paris. Um enfado. Quando vivi lá um tempinho fiquei muito impressionada como pode ser aplicada a tantas coisas. Então, veja só,
virou o Manifesto do Tô Cansada
FADIGA
Tô cansada. Física e emocionalmente falando. Mas sabe que me sinto assim justamente por estar cansada, muito cansada, mais ainda de suportar coisas, fatos, versões e etcs externos? E você vai concordar comigo, seja de direita, esquerda ou sei lá; seja branco, preto, amarelo, vermelho. Tédio e cansaço andam juntos.
Tô cansada da pobreza em que anda a política nacional, que consegue até fazer de gente inteligente uns verdadeiros imbecis na defesa do escancarado indefensável, e usando argumentos que ora, ora, ora, faça-me o favor! Tô cansada desse clima de beligerância, de torcida de futebol, de xingação que não leva a nada. Uns querendo que os caras morram; outros querendo que eles sejam incensados, santos, virem mártires. Apontando o dedinho: alguém aí já foi ou tem ideia do que é a vida numa prisão? Já não basta? Não querem também que eles durmam em cama de faquires, cheias de prego?fatiguer
3481db0aTô cansada, e muito, por outro lado, de acharem que somos um tipo de idiotas que têm de aguentar ouvir dizer que os caras são coitadinhos. Que conseguem empregos de 20 mil em hotel porque “empregos regeneram detentos”, como o dono do tal hotel ousou declarar (aliás, já pensou essa informação correndo na Detenção, a fila que se formará?). Enfim, tô cansada dessa política rastaquera que junta trem com fiscal, junta Brasil com Suíça e Alemanha, uma briga para saber quem é ou foi mais corrupto, quando, desde quando, em quais governos. Fora as indiretas: pegaram carregamento de cocaína em helicóptero de deputado mineiro, e a tocha acende no couro do Aécio. Quer acusar, acusa logo formalmente. Achar que ele cheira, cheirou ou cheirará é apenas chato, e também não vai ajudar ninguém a permanecer no poder fazendo campanha suja. Lula bebeu, mas não sei se bebe ainda ou se beberá, tá? Mas é que fotos dele para lá de Bagdá circulam desde os imemoriais tempos do sindicato. E não o impediram de chegar duas vezes à Presidência da República.
pleurer_filletteTô cansada de sentir medo. E de ouvir sobre o medo dos outros, que paralisa os mercados. De andar olhando para tudo quanto é lado, suspeitando de todos. Cansada de viver nessa tensão de cidade. Cansada de invariavelmente abrir o jornal, site, portal, ligar o rádio ou tevê e em poucos minutos saber de mais um sem número de mulheres mortas em violência doméstica, criancinhas sendo usadas como trapinhos, inclusive sexuais. Tô cansada do trânsito. Da perda de tempo. Da violência nas ruas, com gente se matando e brigando por causa de latarias, buzinas. Tô cansada de ouvir os números de recordes de trânsito e de ver as faixas pintadas que inventaram, e que me lembram a história de como hipnotizar uma galinha. Risca o chão e põe o bico dela na faixa.
Tô cansada das deselegâncias. Da falta de educação e de um mínimo de civilidade. Da falta de reconhecimento. Das sacanagens vindas de todos os lados tentando botar a mão no seu bolso para arrancar algum. Tô cansada da indústria de multas. Da leniência da Justiça. Dos juízes que não leem os processos que julgam, e que decidem – claro, quando querem, num tempo considerável que se deram – com uma canetada a vida de quem tenta se defender de abusos.parler_beaucoup
Tô cansada dessa absurda e silenciosa alta de preços que todos nós sentimos e que eles negam porque negam quando reclamamos de nossas sacolas vazias, do que cortamos do orçamento, com mãos de tesoura.
Tô cansada da falta de amizade, e da incompreensão das coisas mais básicas. Tô cansada de ver a miséria e a pobreza real, nas ruas, que desaparece nas propagandas oficiais com figurantes risonhos. Aliás, tô cansada das propagandas oficiais de um tudo que apenas disfarça campanhas ilegais, mais do que antecipadas, com uns cara de pau andando em campos verdes dizendo que vão melhorar coisas que já deviam ter melhorado faz muito tempo, já que estão no poder e me lembram o Cazuza – “meus inimigos estão no poder…”sprizgja
Tô cansada de ver ainda existirem tantas tentativas de censura, e de algumas conseguirem sucesso. De ver triunfar nulidades. De ver o Brasil sempre pensando no futuro, que nunca chega.

“Mas o pior é o súbito cansaço de tudo.
Parece uma fartura,
parece que já se teve tudo e que não
se quer mais nada”
(Clarice Lispector)
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* Do site da autora.
FONTE: http://marligo.wordpress.com/2013/11/29/

" Avalovara " , 40 anos depois


Carlos Felipe Moisés*
O poeta é um lavrador? O sentido primitivo se perdeu,
mas pode ser recuperado.

Osman Lins (1924-1978) deixou um vazio difícil de preencher. Primeiro, o ficcionista admirável de "O Fiel e a Pedra" (1961) ou "Nove Novena" (1966); depois o dramaturgo de "Lisbela e o Prisioneiro" (1964) e outras peças; por fim, o ensaísta combativo, empenhado no engajamento do escritor e na função social da literatura: "Guerra sem Testemunhas - O Escritor, Sua Condição e a Realidade social" (1969).

Para Osman, literatura pode ser entretenimento, mas é também uma das formas mais eficientes e persuasivas de buscar um sentido para a existência, uma razão de ser. "Avalovara", romance publicado 40 anos atrás, cada vez mais atual, é um bom exemplo.

É uma história de amor: os encontros e desencontros de Abel, o protagonista, e suas três mulheres, cada qual a seu tempo, uma em Paris, outra no Recife, a derradeira em São Paulo. As cidades não são meros cenários, fazem parte integrante da trama, espelham as almas das criaturas, que ao mesmo tempo vão sendo formadas no rumo da geografia que percorrem. Para a terceira mulher confluem as experiências anteriores: desembocadouro dos rios que Abel navega, um pouco às cegas, no encalço do amor absoluto.

Mas tal enredo não é oferecido ao leitor na sequência do fio cronológico: a narrativa vai registrando, em capítulos quase sempre breves, retalhos de uma história cujas partes vão-se entrelaçando, como cacos de um vitral, e só aos poucos se dá a conhecer. O leitor, sequioso de saber se eles "se casaram e foram felizes para sempre", precisará refrear um pouco o seu ímpeto e habituar-se às inúmeras digressões às quais Abel e suas amadas se entregam.

E é preciso aceitar também que essa "desordem" narrativa (reflexo do deambular errante dos personagens) não é arbitrária, mas obedece a um plano rigoroso, geométrico. A estrutura do romance segue o itinerário sugerido por um antigo palíndromo inscrito num quadrado e percorrido por uma espiral.

Palíndromo? "Frase ou palavra que se pode ler indiferentemente da esquerda para a direita ou vice-versa" (Houaiss): "radar", "reter", "arara", "Roma é amor" etc. Osman Lins parte de um palíndromo famoso, atribuído a um escravo frígio de Pompeia ("Sator Arepo Tenet Opera Rotas"), as palavras empilhadas uma abaixo da outra, formando um quadrado.

Para completar a figura: uma espiral que, das bordas do quadrado na direção do centro, vai tecendo circunvoluções a cada volta mais cerradas, passando várias vezes pelos miniquadrados onde se alojam as demais letras, oito ao todo. Por isso são oito os "temas" do romance, retomados periodicamente, a cada giro da espiral. Apesar do que o desenho, estático, sugere, a espiral gira ininterruptamente, sem que saibamos de onde parte e para onde caminha - tal como a história de Abel. A simbologia é clara: o fluxo ininterrupto da vida que ao mesmo tempo escoa e milagrosamente permanece - sempre a mesma e sempre outra.

Em tempo: "avalovara" é o nome de um pássaro imaginário - explica o narrador, como explica também a simbologia do quadrado e da espiral. Isso nos permite deter a atenção no sentido da frase latina: "o lavrador mantém com firmeza o arado nos sulcos".

No latim arcaico, o "sulco", ou a "rota" que o arado traça na terra, era também chamado "versus", derivado de "vertere", não no sentido de derramar mas no de voltar, retornar. Só mais tarde é que a mesma palavra, "versus", passa a designar, por analogia, a linha seccionada (ou interrompida, ou "vertida") que forma o poema. O poeta é um lavrador? O sentido primitivo se perdeu, mas pode ser recuperado.

O palíndromo, contido no quadrado e percorrido pela espiral, fornece ao romance não só o seu plano, mas também a ideia essencial que o constitui: a substância poética, a ideia ao mesmo tempo arcaica e atual de que só existe vida em poesia. A analogia não se reduz à origem da palavra "verso".

Assim como o lavrador tira o máximo proveito da terra a ser cultivada, cavando nela sulcos regulares, simétricos e bem medidos, o poeta-escritor mantém o mais estrito controle sobre as trilhas de palavras que vai desenhando no papel. Assim como a terra inculta se beneficia do metódico trabalho do lavrador, podendo então gerar flores e frutos, a terra inexplorada do sonho do escritor-poeta pode ser cultivada com as sementes-palavras criteriosamente escolhidas por ele. Assim como o lavrador não colherá fruto algum, se permitir que o arado saia por aí traçando um caminho qualquer, aleatório, o poeta também não criará poesia caso se limite a exibir sua habilidade com o arado, isto é, caso não seja movido pelo espírito verdadeiramente criador, que lhe permite utilizar a ferramenta para outros fins.

Tal como na ficção, na fábula milenar e no cultivo da terra, ou no quadrado onde se inscrevem o palíndromo e sua espiral, assim também, na realidade cotidiana deste mundo desgovernado em que vivemos, a vida só faz sentido se formos capazes de inventá-lo: ordem e caos, entrelaçados.
Ao escolher o seu palíndromo-matriz - emblema da condição humana -, Osman Lins certamente já o sabia.
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* Carlos Felipe Moisés é poeta ("Noite Nula"), crítico literário ("Tradição & Ruptura") e tradutor ("O Poder do Mito")
Fonte: Jornal Valor Econômico on line, 29/11/2013

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

" Réus poderosos "

                               ARTIGOS - Ibsen Pinheiro*



Tenho lido tanto, nos últimos meses, sobre as festejadas prisões de poderosos, que fico a me perguntar sobre o que mudou em nosso país. Passei a infância, a adolescência e boa parte da maturidade sabendo que por aqui só se prende ladrão de galinha, figura extinta por falta de galinhas no pátio, não de ladrões, que hoje roubam ou furtam coisas mais e menos valiosas, e, incrivelmente, poucos são presos. Ou são pouco presos, já que entram e saem dos presídios com velocidade maior do que a dos visitantes.

Agora é ser poderoso. Ou parecer poderoso. Primeira página, algemas, habeas corpus negado, prisão prolongada e longas entrevistas judiciais (antes, juiz só falava nos autos) sustentando o fim da impunidade são a marca invariável e repetida de todos os poderosos recolhidos, e chego a me perguntar se aconteceu de fato a troca de mão, ser poderoso dá cana, ser fichinha dá piedade diante das injunções sociais que engendram a criminalidade dos miseráveis e adjacentes.

Até que uma dúvida nova me assalta, ato corriqueiro, como se sabe. Assaltado, me rendo, segundo a regra. Quem é poderoso? Será poder efetivo algo que some com a primeira manchete negativa, às vezes com uma simples legenda de página interna, nem sempre verdadeiras?

Primeira e nova conclusão: poderoso não tem fama de poderoso. Tem poder real, não cuida de ostentá-lo, faz o contrário, disfarça. Se não der, por causa do patrimônio, finge que é ladrão de galinha, milhões de galinhas. E se afasta da publicidade, deixando-a para deleite dos falsos poderosos, artistas, boleiros ou políticos, exemplos perfeitos para construir a imagem do fim da impunidade.

Pois não é que agora vem por aí um teste real? O Supremo Tribunal Federal está para julgar faz tempo um processo que deve decidir sobre os créditos dos que perderam com a correção amputada de suas poupanças nos confiscatórios planos econômicos dos anos 1980 e 1990, dos menos votados ao famigerado Plano Collor. De um lado, os poupadores, pequenos poupadores, pequeníssimos na imensa maioria, e, de outro, o sistema financeiro, público ou privado, mas imenso, e que, sonegando a correção real, faturou os tubos e mais alguma coisa.

Números baixos falam em um passivo de R$ 8 bilhões, os altos vão a quase 200 (também bilhões) e delírios chegam a trilhão, já como ameaça de quebra de todo o “sistema”, modo de dizer que nesse caso o prejuízo é de todos. Incrível como dinheiro privado, intocável, se transfigura em público na hora da crise. Talvez por isso Bertolt Brecht não compreendia a lógica de assaltar bancos, quando é tão mais seguro fundar um.

O certo é que a pauta do Supremo – que nesse caso não tem a mesma celeridade tão festejada dos últimos tempos– vai ter a oportunidade, espera-se que ainda em 2014, de condenar poderosos, não à cadeia, o que nem sequer renderia uma nota de pé de página (não são famosos, são só poderosos), mas impor a pena onde mais lhes dói: no bolso.


*JORNALISTA

" Dietas Sempre !! "

Adicionar legenda



Desde o doutor Hipócrates na velha Grécia (460 a.C a 370 a.C) até o doutor Atkins (1930-2003), aquele da “dieta revolucionária”, passando pelo agente funerário William Banting (1796-1878), Lord Byron (1788-1824), Imperatriz Sissi (1837-1898), Lady Diana, Duquesa Kate e as torcidas do Barça, do Flamengo, do Esportivo de Bento Gonçalves e outros bilhões de viventes, esse negócio de comer, emagrecer e dietas é assunto milenar. Pelo visto vai continuar sendo.

Será que algum genial médico-cientista não pode descobrir alguma cura para a obesidade, ganhar o Nobel de Medicina e nos libertar desta eterna tirania das dietas? Esses dias estava caminhando com um amigo no Parcão e, de repente, ele teve que procurar um banheiro com urgência. Tinha tomado o remédio famoso aquele para emagrecer... Deu tempo, ali, ali.

Essa coluna é de utilidade pública. Tem umas poucas verdades sobre o assunto que precisamos enunciar: comida oriental é quase sempre mais saudável que a ocidental; os alimentos de nossas vovós, comida de verdade, arroz, feijão, carne, frutas, verduras, ovos etc são mais saudáveis; pão da padaria é melhor que o da fábrica; comer devagar e mastigar umas duzentas vezes, tipo vovô macróbrio e macrobiótico, funciona;

pegar e largar os talheres umas 50 vezes e ficar olhando um tempão os alimentos, tipo “jogando sério”, é bom; comer dentro do carro, assistindo TV, de pé, caminhando na rua, engorda mais; ingerir alimentos que tenham mais de cinco ou dez componentes, que venham em embalagens com muito sódio e outros bichos é perigoso; ingerir croquetes de botequim pode ser prejudicial à saúde e, por favor, me mande umas verdades, dietético leitor. Sim, sei, esse negócio de comer é muito discutível e as verdades acima não são bem assim, tudo bem.

Só estou querendo ajudar a mim e a você, leitor, porque o verão está pintando e aí os corpichos vão estar à mostra. Bom, se souber dessas novas dietas da moda que funcionam por algumas semanas, me avisa. Tudo ajuda e estou precisando perder uns quilinhos. Como dizia a outra, quando as coisas estão meio assim, melhor cortar o cabelo, mudar o penteado e perder uns gramas. Ah, quando for conversar sobre dietas, melhor falar com alguém do seu peso e tamanho.

Se a pessoa for muito mais magra, vai ficar estranho, e se for muito mais gorda que você, igualmente a conversa pode desandar. Carboidratos, proteínas, dieta da lua, do sol, jejum, dieta da ervilha-de-charneca, eta assunto interminável. Pensando bem, melhor do que falar de política, assunto indigesto. Bom apetite!

" O aumento da crença no criacionismo nos Estados Unidos "


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A busca pela certeza é uma tradição americana
(Reprodução/Economist)
 
 
Aquela antiga religião é forte nos EUA. Para tomar apenas uma medida, por década mais de 40% dos americanos afirmam consistentemente aos pesquisadores da Gallup que Deus criou os humanos mais ou menos como esses são hoje há menos de 10.000 anos. Eles estão adotando um relato das origens do homem promovido por criacionistas da Terra jovem que recorrem a uma leitura dolorosamente literal das Escrituras, deixando de lado os contra-argumentos da ciência (os fósseis são uma relíquia do dilúvio de Noé, argumentam, e a evolução é um mito avançado por ateus). Em uma pesquisa recente 58% dos republicanos e 41% dos democratas afirmaram crer no criacionismo. Os alicerces dessas fés são o princípio da infalibilidade bíblica, isto é, uma certeza de que as Escrituras são necessariamente verdadeiras.

A busca pela certeza é uma tradição americana. Os crentes do Velho Mundo em geral herdam a religião de forma passiva, como um artefato cultural. Os americanos, um povo individualista, tem uma propensão maior a trocar de igrejas ou pastores até encontrar um credo que faça sentido para eles. Eles admiram textos seminais (como por exemplo a constituição), os quais cidadãos prosaicos podem tomar por verdades imutáveis.

Ao mesmo tempo, a fé literal está em crise. Americanos jovens estão se distanciando das denominações rígidas, as quais detêm bastante influência sobre a vida americana no pós-guerra. Ao atingirem os 18 anos de idade, a metade dos evangélicos abandona suas fés, e entrar em uma universidade pública é especialmente perigoso. O aparente paradoxo de uma forte crise na fé é explicado pela rigidez: aquilo que não dobra pode vir a quebrar. O perigo é sentido de forma aguda em círculos cristãos conservadores, nos quais foi iniciado um debate sobre as perspectivas de longo prazo do movimento.
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http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/o-aumento-da-crenca-no-criacionismo-nos-estados-unidos/ 28/11/2013