Durante o ano, em meio a mil
atividades, a gente, volta e meia, sente aquela vontade de parar, de tirar o pé,
de aliviar, de diminuir o ritmo, essas coisas. A vida parece resumida ao
trabalho e tudo o que se quer é uma válvula de escape, um passatempo, não fazer
nada, deixar o tempo passar na manha do ganso, deitar na rede, ouvir música e
fantasiar. Sonha-se com o final de ano e com o recuo estratégico proporcionado
pelas festas e pelas férias. Fala-se mal das novelas e do baixo nível dos jogos
de futebol. O ser humano é complexo. No inverno, só pensa no verão. No auge do
calor, louva as qualidades do frio, bom para um vinhozinho e um final de semana
em Gramado. Sente saudades dos jogos de domingo à tarde e anseia pelo começo, ao
menos, do nosso campeonato gaúcho.
Trabalhei muito ao longo de 2011. Desejei
muitas vezes que dezembro chegasse mais depressa. Sentia-me cansado, esgotado,
saturado. Dezembro chegou de repente. Confesso que na tarde sombria de 25 de
dezembro eu me senti meio perdido. Fiquei inquieto. Ataquei os restos do peru,
fomos ao Barranco, li revistas de literatura, escrevi, folheei livros, pensei no
passado, pensei no futuro, pensei no presente, fiz balanços disso e daquilo,
recontei o número de ministros defenestrados, lembrei de algumas polêmicas,
arrependi-me de algumas respostas e arroubos, lamentei não ter dado outras
respostas e ter tido outros arroubos, desculpei os que me insultaram, insultei
os que não me desculparam, tomei água com a porta da geladeira aberta, liguei
para meio mundo (como dá vontade de ligar para meio mundo no final do ano) e
planejei mudar radicalmente de vida. Tudo em duas horas.
No meio da tarde, a angústia aumentou. Comecei
a sentir saudades de alguma coisa que não conseguia identificar. Abri as
gavetas, mexi em papéis antigos, deparei-me com uma fotografia de quando eu
tinha 25 anos e ouvia Belchior e Janis Joplin, tentei reler um texto escrito por
mim quando andava pelos 19 anos e enfrentava os podres poderes. Nada entendi. A
sensação de falta só aumentava. Um grande vazio, a boca seca, uma inquietude, se
a palavra não for pomposa demais, metafísica, bom, convenhamos, quase
metafísica, abissal, sim, isso mesmo, abissal é um termo adequado para tardes de
Natal. Detalhe: nada tenho contra o Natal e costumo agarrar o peru com a mão sem
o menor pudor ou constrangimento. Ainda assim, a angústia estava lá, espessa
como uma picanha gaúcha. Aí eu me sentei e refleti demoradamente.
Tive uma iluminação. Já estava com saudades de
me sentir cansado, esgotado, saturado. Tirei do fundo das pastinhas do
computador alguns projetos guardados por falta de tempo e só de olhar para eles
fiquei esbaforido. Um trabalho insano, descomunal, gigantesco. Estudei como
enfrentá-los, por onde começar, de que jeito avançar. Aos poucos, quando mais me
afundava neles, mais me sentia sereno, cansado, saturado, esgotado, feliz. Só
uma pergunta não me deixou dormir tranquilo: serei um obcecado por trabalho, um
escravo da labuta, um workaholic? Não gosto de ser nada definido em
inglês.
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Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Escritor. Colunista do Correio do
Povo
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