Como pessoas inteligentes creem numa besteira dessas, após
centenas de profecias apocalípticas na história?
SEGUNDO AS profecias que andam
aterrorizando uma boa fração da população mundial, esta será minha última
coluna. Sexta-feira, dia 21, o mundo acaba. Venho recebendo dezenas de mensagens
de pessoas visivelmente preocupadas, achando que desta vez é pra valer, que não
temos como escapar.
Leitores, podem se acalmar. Garanto que
sexta-feira, dia 21, será apenas mais um solstício de verão, o dia mais longo do
ano. No sábado de manhã, você estará tomando seu café tranquilamente, com um
sorriso nos lábios, convencido de que essa história de profecia de fim de mundo
é mesmo uma bobagem. Tudo será devidamente esquecido e a vida continuará como
antes. Pelo menos, até a próxima profecia.
No caso dessa, o calendário maia recomeça a
cada 13 "baktuns", e cada ciclo tem 5.126 anos. O calendário maia foi iniciado
no dia 13 de agosto de 3114 a.C. É apenas o fim de um ciclo e o começo de outro,
típico de culturas que acreditam num tempo circular, ao oposto da nossa, na qual
o tempo é linear, com apenas um começo e um fim.
Nenhum tablete de barro ou papiro misterioso
prevê o fim do mundo. Ao contrário, os pouquíssimos documentos que sobreviveram
à dilapidação tropical e ao fanatismo dos padres espanhóis, que queimaram tudo o
que encontraram, não oferecem qualquer indicação de fim de mundo.
O mesmo ocorre com a ciência. Várias causas
foram oferecidas para provocar o fim: a reversão dos polos magnéticos da Terra,
a colisão com um asteroide, instabilidade solar, o planeta Nibiru, alinhamento
galáctico etc. A Nasa preparou respostas para todas essas "ameaças" em seu
portal e em um vídeo. (Se você entende inglês, eis o link do video: http://www.youtube.com/watch?v=QY_Gc1bF8ds) A história
do planeta Nibiru, por exemplo, foi inventada pela médium americana Nancy
Lieder, que diz ter um implante na cabeça que permite a ela se comunicar com
alienígenas do sistema planetário Zeta Reticuli, a 39 anos-luz de
distância.
Como milhões de pessoas inteligentes acreditam
numa besteira dessas e se esquecem de que o mundo ainda não acabou, mesmo após
centenas de profecias apocalípticas no decorrer da história?
Entre outras coisas, o medo do fim do mundo
reflete nosso medo de perder o controle da vida, do nosso destino. Reflete o
medo ancestral, encravado em nossa memória coletiva e reconfirmado todos os anos
em dezenas de desastres cataclísmicos, de que a natureza é muito mais poderosa
do que nós e tem o poder de nos aniquilar a qualquer instante.
Se nos séculos passados o fim do mundo refletia
a ira divina ou a chegada da ressurreição, hoje, com os avanços da ciência, as
causas são fenômenos cósmicos devastadores. Mas, como explico em meu livro "O
Fim da Terra e do Céu", a simbologia é sempre a mesma: o fim vindo dos céus, sem
que possamos nos defender, vítimas de nossos pecados ou de nossa
fragilidade.
Mas não precisa ser assim. Temos um poder
enorme para nos defender de medos ancestrais e infundados: a razão. Nossa
compreensão da natureza não nos traz apenas celulares e DVDs mas também a
certeza de que o conhecimento é a melhor forma de liberdade.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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