"A bença, mãe! A bença, pai! A bença, vó!" E ia
por aí a ladainha de saudação das crianças aos mais velhos no meu tempo de
menino. Mesmo os adultos pediam a bênção aos pais, avós, padrinhos e madrinhas,
que com sorridente alegria abençoavam os descendentes carnais e simbólicos. O
pedido de bênção era o mais significativo ato litúrgico do que, então,
apropriadamente, se chamava de laços de família. Já septuagenário, eu pedia a
bênção à última pessoa de minha família a ter direito a esse tributo ritual:
minha tia Sebastiana, quase centenária, quando a visitava no Pinhá, lá para os
lados de Socorro. E isso fazia um bem enorme a ela e a mim. Dava-lhe, e dava-me,
a certeza de que o abismo do tempo que nos separava - ela, quase do tempo da
escravidão e do trabalho do eito, e eu, do tempo do computador - continuávamos
unidos pelo mesmo afeto de quando eu era criança.
Para mim foi um susto quando, já bem adulto,
pedi a bênção ao abençoado dom Antonio Fragoso, que mais de uma vez me acolheu
em sua hospitaleira casa de Crateús, no Ceará, e ele, sorrindo, disse-me que eu
já não precisava disso. "Que é isso, dom Fragoso? Se alguém precisa de bênção,
sou eu!"
O costume da bênção parental se foi pelo ralo
da secularização e da modernidade, nesta sociedade de seres tão cheios de
certezas e de seguranças e tão inseguros em relação a tudo. As crianças já
nascem na moldura educativa do super-homem. Num certo sentido, condenadas à
privação da poesia que há nos prosaicos gestos rituais que em outros tempos
diziam aos imaturos que estavam sob o abrigo do manto diáfano e invisível, mas
eficaz, do acalanto de mãos protetoras estendidas sobre a cabeça.
A bênção entre nós é antiga e sagrada. Sua
forma ritual varia segundo a região. No subúrbio, eu pedia a bênção a quem devia
esse gesto de respeito, beijando-lhe a mão direita. Pedia "a bênção!", mas
agarrava-lhe logo a mão, por sim ou por não, para assegurar-me a bênção
carecida. Na roça, lá no Pinhalzinho, na Bragantina, meus primos pediam a bênção
juntando as mãos em gesto de louvado em direção à pessoa que, esperavam, os
abençoasse. "A bença!" rogavam. "Deus abençoe!" vinha a confirmação sacramental
do parentesco que se renovava ao menos uma vez por dia. Ou duas! Pedia-se a
bênção, também, na hora de dormir. No Arriá, havia quem, juntando as mãos,
dissesse "São Cristo!" Tudo indica, fora o modo como os índios administrados,
antecessores dos escravos negros, confirmavam cotidianamente a dimensão
patriarcal de seu cativeiro.
Num povoado da Amazônia, em que estava fazendo
pesquisa sobre violência fundiária, várias crianças vieram visitar-me no rancho
em que armara minha rede para pedir-me "a bença", de mãos juntas. Da resposta,
ficavam sabendo se eu era amigo ou inimigo, do bem ou do mal, de dentro ou de
fora.
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Colunista do Estadão
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