Pensando em
Uma pergunta difícil antes que 2013 comece
Adoro finais de ano. Presentes, planos,
festas, tudo me cai bem. Mesmo a correria e as aglomerações que incomodam tanta
gente, a mim agradam. Fico com a sensação de estar vivendo um período
extraordinário. É como se o ano todo se condensasse em meia dúzia de dias,
carregados de urgência e de expectativa. Uma parte de mim volta a viver
sentimentos de criança. Talvez seja isso, na verdade, que explique o meu
contentamento: ele deve ser uma manifestação secreta de nostalgia.
Ao lado desse sentimento familiar, tem
aparecido, nos últimos finais de ano, uma sensação inteiramente nova – a de que
é preciso fazer planos. Com a corrida final para o Ano Novo, começo a ser
invadido pelo sentimento de que é imperativo, de alguma forma, planejar o ano
seguinte, mesmo que seja em linhas gerais. Uma pergunta complexa – o que eu
quero para mim? – se esgueira sob a porta nesses dias e se instala no meio da
minha sala. Exige que eu lide com ela.
Até recentemente eu não sentia isso. Sempre
tive a sensação de que a vida era um grande improviso e que planejar era uma
forma de trapaça. Não gostava, e ainda tendo a não gostar, de artificialidades,
e o planejamento me parecia uma delas. Meu lema no amor e na vida era que as
coisas tinham de acontecer com naturalidade. Olhava com uma ponta de desdém para
as pessoas minuciosas que se obstinavam em arquitetar a conquista de coisas,
posições e pessoas. Sentia que elas não tinham entendido a essência espontânea
da vida, que eu já captara.
Como eu disse, essa sensação
mudou.
Embora eu continue acreditando que as coisas que nos dizem respeito acontecem com naturalidade – não por uma questão de destino, mas sim por afinidade e talento – fui obrigado a admitir que a vida às vezes requer um empurrãozinho. Mesmo as coisas que nos cabem requerem esforço e planejamento.
Embora eu continue acreditando que as coisas que nos dizem respeito acontecem com naturalidade – não por uma questão de destino, mas sim por afinidade e talento – fui obrigado a admitir que a vida às vezes requer um empurrãozinho. Mesmo as coisas que nos cabem requerem esforço e planejamento.
Antes de fazer planos, porém, é preciso
responder àquela pergunta difícil: o que eu desejo para mim? Quando a gente tem
20 anos não sente que precisa respondê-la. Há tanta coisa acontecendo, são
tantas as novidades que escolher parece quase uma estupidez. A gente quer tudo e
pronto. Aos 40 anos não é mais assim. Aos 50, escolher torna-se inevitável, mas,
ainda então, muitos não conseguiram responder à pergunta essencial: o que eu
desejo para mim?
Outro dia eu fui ver um show de fado, o
primeiro da minha vida. A cantora era uma jovem portuguesa chamada Carminho. Ela
era linda, cantava com tamanha intensidade, eu me emocionei como não acontecia
há muito tempo. Fiquei lá, sentado no escuro, cheio de sentimentos exaltados,
enquanto ela falava de saudades, lágrimas, amor. Saí do espetáculo amolecido e
feliz. Por alguns momentos, enquanto eu guiava de volta para casa, tive a
sensação de que quase tudo estava em seu lugar – e que eu sabia, perfeitamente,
o que era necessário mudar, e como fazê-lo.
Com essa historieta pessoal, tento dizer que as emoções fazem parte do nosso processo de escolha. Descobrir o que fazer da vida, ou o que se deseja dela, não é o mesmo que resolver um problema matemático. Precisamos da luz dos nossos sentimentos para nos guiar. Vendo e ouvindo a cantora de fado eu consegui, por momentos fugazes, mas essenciais, refazer a ligação com o adolescente que eu era. Ele decidiu quem o homem adulto seria. Essa trilha de emoção que voltou para trás é a mesma que levará para frente. No meu caso, uma trilha essencial de identidade que tem a ver com personalidade, família, geração, classe, bairro... Para descobrir o que eu desejo, foi preciso me lembrar do que eu queria quando tudo começou. A cantora de fado me pôs no caminho.
Quando 2013 começar, portanto, pretendo estar pronto, ou quase. Com alguns planos, pelo menos. Sabendo mais ou menos em que direção eu quero ir. Feliz pela possibilidade de começar de novo. Contente com o fato de que o caminho à frente responde aos anseios do garoto que eu já fui. Disposto a fazer força e empurrar para que as coisas aconteçam. Sabendo que não é mais possível fazer tudo. Tendo a certeza, sobretudo, de que não adianta ficar parado, esperando. A vida não nos espera.
Com essa historieta pessoal, tento dizer que as emoções fazem parte do nosso processo de escolha. Descobrir o que fazer da vida, ou o que se deseja dela, não é o mesmo que resolver um problema matemático. Precisamos da luz dos nossos sentimentos para nos guiar. Vendo e ouvindo a cantora de fado eu consegui, por momentos fugazes, mas essenciais, refazer a ligação com o adolescente que eu era. Ele decidiu quem o homem adulto seria. Essa trilha de emoção que voltou para trás é a mesma que levará para frente. No meu caso, uma trilha essencial de identidade que tem a ver com personalidade, família, geração, classe, bairro... Para descobrir o que eu desejo, foi preciso me lembrar do que eu queria quando tudo começou. A cantora de fado me pôs no caminho.
Quando 2013 começar, portanto, pretendo estar pronto, ou quase. Com alguns planos, pelo menos. Sabendo mais ou menos em que direção eu quero ir. Feliz pela possibilidade de começar de novo. Contente com o fato de que o caminho à frente responde aos anseios do garoto que eu já fui. Disposto a fazer força e empurrar para que as coisas aconteçam. Sabendo que não é mais possível fazer tudo. Tendo a certeza, sobretudo, de que não adianta ficar parado, esperando. A vida não nos espera.
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* IVAN
MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
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