As fotos desta
reportagem foram manipuladas por Herman Tacasey e Edson Sales. A
inspiração
foi otrabalho
desenvolvido pelos fotopintores brasileiros. Comum no início do século
20,
a fotopintura erausada
para tornar mais "reais" os retratos em preto e
branco
dos álbuns de família:
imperfeições eram corrigos e roupas,
inventadas
Relatório global prevê o fim da família e a escalada do
individualismo; brasileiros discordam
O "Admirável Mundo Novo" imaginado por Aldous
Huxley está perto de virar realidade para o demógrafo americano Joel Kotkin,
autor do relatório internacional "A Ascenção do Pós-Familismo".
Publicado em 1932, o livro de Huxley pintava
uma era na qual laços de parentesco eram desencorajados e as palavras "pai" e
"mãe", ditas com constrangimento.
Para Kotkin, as mudanças demográficas das
últimas décadas não deixam dúvidas: "Já vejo semelhanças com a ficção: a
paternidade está desaparecendo e as pessoas se identificam mais com a classe a
que pertencem do que com a família", disse o demógrafo à Folha. Ele
define pós-familismo como uma sociedade centrada no indivíduo.
Países ricos estão na dianteira desse fenômeno
mundial de múltiplas causas: econômicas (o custo de ter filhos subiu), culturais
(a mulher quer ter uma carreira antes de ser mãe) e políticas (falta de
incentivos à maternidade). "O pós-familismo é crítico por resultar de muitas
tendências. No Japão, o custo de vida é alto. No Irã, os filhos são um luxo",
ilustra Kotkin.
A maior parte do levantamento, que envolveu
cinco pesquisadores, três centros de estudo e dados de todos os continentes, foi
feita no leste asiático, região de culturas centradas na família. É bem lá que o
pós-familismo cresce rápido. Segundo o relatório, um quarto das mulheres do
leste asiático ficarão solteiras até os 50 anos e um terço delas não terão
filhos.
A queda na fecundidade é uma tendência sem
volta inclusive no Brasil. Hoje, as brasileiras têm, em média, 1,9 filho; em
1980, a média era 4,4.
Mas, para especialistas brasileiros, o termo
"pós-familismo" é apocalíptico demais. Se a família margarina (aquela com apenas
pai, mãe e filhos) já não é mais dominante, novos arranjos proliferam.
"Aumentaram as famílias monoparentais, com
apenas pai ou mãe, e os casais sem filhos", diz José Eustáquio Alves, da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
A demógrafa Simone Wajnman, da UFMG, analisou
dados do Censo 2010 recém-publicados e descobriu que a família estendida, a que
inclui parentes além do núcleo principal, já corresponde a 26% dos
domicílios.
A família está longe de morrer, diz a socióloga
Maria Coleta de Oliveira, da Unicamp. O que há é mais chance de escolha. "Não há
um nome para esse momento. A diversidade será cada vez maior."
VÍNCULO DE SANGUE
A futuróloga Rosa Alegria, pesquisadora de
tendências da PUC-SP, acredita que se está no meio do caminho. "Ainda não há
retrato revelado. Mas é certo que a família tradicional é passado", diz,
arriscando sua definição: "Família foi vínculo sanguíneo; hoje é um grupo com
interesses comuns. No futuro, pode ser um grupo de amigos".
Para o IBGE, família ainda designa pessoas sob
o mesmo teto. A classificação não contabiliza casos de guarda compartilhada ou
de casais que moram separados. "Já há uma recomendação da ONU para que os
critérios de contagem mudem. Pensamos nisso, mas talvez para os próximos cinco
anos", diz Gilson Matos, estatístico do IBGE.
Se o pós-familismo não é consenso, o
crescimento do individualismo é. "As pessoas preenchem suas vidas com bens de
luxo e alta escolarização. Há uma pressão social pelo investimento pessoal", diz
Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea.
Esse individualismo é resultado do próprio
modelo de família tradicional, segundo o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte.
"A família moderna tem a função de criar 'indivíduos' autônomos", diz. "Todos
esses fenômenos atestam não a superação da família, mas a individualização. A
família, no sentido amplo de rede de parentesco, está forte e ativa como
sempre."
Segundo a psicóloga Belinda Mandelbaum,
professora da USP, as novas famílias são pressionadas a reproduzir práticas
individualistas e ainda sofrem por não se encaixarem no modelo
tradicional.
"Há no imaginário social a ideia de que a
família tradicional seria melhor. Não há melhor ou pior, o que importa é a
qualidade dos laços."
Para ela, muitas das novas famílias não têm
nada de novo. "Diferem na composição, mas repetem o funcionamento tradicional.
Em casais homossexuais pode haver violência como nos héteros. Nas famílias sem
pai, um avô ou tio assume a função paterna."
Não sem consequências, analisa Nilde Parada
Franch, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise-SP. "O pai ausente
pode deixar o registro de uma falta importante." Ela diz que o desafio, nesse
quadro de diferentes agrupamentos, é tolerar as novidades, mas sem banalizá-las
e sem ignorar traumas e perdas resultantes da revolução.
Análise
Da família do futuro ao futuro da família
Novos estudos colocam uma interrogação sobre o
futuro da família. As tendências demográficas são inegáveis. Não é a primeira
vez que ocorre nem será a última.
No cerne das mudanças está a mulher e a
evolução de seus papeis. Ficou difícil equilibrar tantos pratos, ainda mais
diante das dificuldades econômicas. Do lado masculino, o discurso nos últimos
anos foi o de que ser homem não é mais prover e procriar. Ao homem moderno cabem
os cuidados de si, as experiências na urbe sensorial etc. Some-se o
individualismo galopante de vertente hedonista-narcisista e o juvenismo, que nos
vendeu a ideia de que é possível e desejável viver em sempiterna
adolescência.
Embora o retrato atual seja esse, há um excesso
de pessimismo nas previsões sobre o fim da família.
Multiplicam-se sinais de sua renovação. Os
jovens seguem expressando o desejo de união (não necessariamente de casamento,
mas que importa?) e a maioria das mulheres, se a condição permite, quer
filhos.
O anseio por família e casamento dos casais
homoafetivos é especialmente relevante, já que essa é uma fatia da população
cujo comportamento é tido como precursor.
E se a preservação da espécie continua sendo a
pedra de toque do comportamento evolutivo, resta-nos perguntar: o futuro será
pós-familiar, como pretendem alguns, ou moderno mesmo será conjugar a família em
novos tempos e modos?
Reportagem por JULIANA VINESDE SÃO PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário