Deve
ser coisa da idade. Não consigo me lembrar do nome dele, o
menino. Pois o Natal, se a minha memória está boa, tem a ver com o nascimento de
um menino filho de pais pobres, numa estrebaria, no meio de bois, vacas, ovelhas
e jumentos. Ligo a televisão na esperança de que o nome dele seja dito. Mas
nada. Os nomes celebrados no Natal são os nomes de tabletes, câmaras
fotográficas, telefones celulares… Mas ninguém fala o nome dele, do menino. É
possível que eu esteja procurando no lugar errado. O jornal contou de uma mulher
que, não tendo onde morar com sua filha, foi morar com as galinhas, num
galinheiro. Quem sabe o nome que procuro é o nome dessa menina que vive com as
galinhas…
“Nos, julgamentos por crimes de guerra em
Nurenberg compareceu uma testemunha que havia vivido por um tempo num túmulo num
cemitério judaico. Naqueles dias sinistros as casas dos mortos eram lugares onde
os vivos se escondiam para se livrar das câmaras de gás. Durante esse tempo ele
escreveu poesia – podem imaginar isso, escrever poesia num túmulo? – e um dos
seus poemas era a descrição de um nascimento. Numa sepultura próxima uma jovem
mulher deu à luz um menino. O coveiro, um ancião de oitenta anos, envolto num
lençol de linho, foi o parteiro. Quando o menininho recém nascido deu o seu
primeiro grito, o velho homem orou: “Grande Deus, será que Tu finalmente nos
enviaste o Messias? Pois quem, além do Messias, poderia nascer numa
sepultura?”
Na tradição judaica o Messias era o símbolo da
esperança. Ele seria o herói que haveria de sarar as feridas do mundo.
A literatura profética está cheia de poemas que
descrevem a esperança que se realizaria quando o Messias chegasse:
“As botas com que andam os guerreiros no
tumulto da batalha e toda veste machada de sangue serão queimadas… As nações
converterão suas espadas em relhas de arados e as suas lanças em tesouras de
podar… A vaca e a ursa pastarão juntas e o leão comera palha como o boi. E no
deserto arrebentarão águas e nos lugares desolados ribeiros correrão. A areia
esbraseada se transformará em lagos e a terra sedenta em mananciais de
águas.”
Diferente dos heróis comuns, líderes políticos
e revolucionários que prometiam a justiça através da força, o Messias era o
herói que não usava a espada. Era pequeno demais para segurar uma. Era uma
criança recém-nascida. O que ele tinha na mão era um brinquedo. O Messias é uma
criança que brinca…
A renovação do mundo se faz através de uma
criança. O mundo se salvará quando os adultos voltarem a ser criança. Porque
essa é a mensagem do Natal: Deus é criança.
Os adultos são doentes. Compreendeu bem isso a
Adélia Prado que rezou: “Oh Deus, me cura de ser grande…”
Os adultos não entendem. Eles se julgam muito
importantes e inteligentes, superiores às crianças que um dia, se a educação for
bem-sucedida, serão como eles.
Somente os sábios e os poetas percebem que os
adultos são tolos…
Bernardo Soares se referia à “diferença
hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos…” E
Groddeck, precursor da psicanálise afirmava que “o objetivo da vida é ser
criança”. E Nietzsche chegou a dizer que “a maturidade de um homem consiste em
achar de novo a seriedade que se tinha, ao brincar.”
Janucz Korcak, educador que recolhia crianças
abandonadas no seu orfanato em Varsóvia (ele e suas crianças morreram numa
câmara de gás) assim se dirigiu aos professores:
“Vocês dizem: Cansa-nos de conviver com as
crianças. Cansa-nos porque precisamos descer ao seu nível de compreensão. Estão
equivocados. Não é isso que cansa. O que nos cansa é o fato de termos de nos
elevar até alcançar o nível dos sentimentos das crianças. Elevar-nos, subir,
ficar na ponta dos pés, estender a mão para não ferir…”
É Natal! Só nos resta uma coisa a fazer:
brincar como crianças! Fiquemos divinos por um momento.
Lembrei-me, de repente, do nome dele. É
“Jesus”! Juntos cantemos: “Noite da paz, noite do amor…
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* Educador. Escritor. Teólogo.
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