A
liberdade na internet está em risco. Na Conferência Mundial de Telecomunicações,
que acontece até sexta-feira em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, são
discutidas propostas para ampliar os poderes dos governos sobre a rede mundial.
A própria União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da Organização
das Nações Unidas que promove o encontro, quer tomar para si a responsabilidade
sobre a internet. O objetivo da reunião, com representantes de 193 países, é
atualizar a Regulamentação Internacional de Telecomunicações, de 1988.
Na semana passada, o blog Boing Boing divulgou
um documento da UIT com recomendações sobre "deep packet inspection", inspeção
profunda de pacotes, uma tecnologia que permite a provedores de acesso e
operadoras de telecomunicações monitorar o conteúdo das mensagens que trafegam
pela internet. A Rússia e alguns países do Oriente Médio propõem, na reunião que
está em curso, que essas recomendações se tornem obrigatórias.
A UIT tem sido acusada de tomar decisões a
portas fechadas. As recomendações sobre "deep packet inspection" não foram
publicadas pela UIT e, sem o vazamento do relatório, somente seus integrantes
teriam acesso a ele. Uma das principais críticas ao documento é que a UIT trata
o monitoramento da internet como uma questão estritamente técnica, sem levar em
conta o impacto sobre o direito à privacidade e às liberdades individuais.
A tecnologia de inspeção de pacotes torna
possível, por exemplo, que governos tenham acesso ao conteúdo de mensagens de
correio eletrônico e de conversas em serviços como o Skype. Ou que operadoras
identifiquem que tipo de vídeo, áudio ou software as pessoas estão baixando em
sistemas de troca de arquivos, como o BitTorrent.
O monitoramento da internet é essencial para
outra proposta discutida em Dubai: a cobrança de uma taxa de empresas que geram
muito tráfego na rede, como Google e Netflix. Os Estados Unidos e a União
Europeia são contra essas mudanças, mas a Associação Europeia de Operadoras de
Telecomunicações (Etno, na sigla em inglês) defende a criação da chamada "taxa
Google". As operadoras têm enfrentado dificuldade de investir o necessário para
fazer frente ao crescimento exponencial do tráfego de internet, principalmente
de vídeo.
Antes do início da reunião de Dubai, o Google
lançou uma campanha internacional, chamada Take Action, em que critica o
encontro: "A União Internacional de Telecomunicações está reunindo reguladores
de todo o mundo para renegociar um tratado que existe há décadas.
Algumas propostas poderiam permitir que
governos censurem formas legítimas de expressão - ou mesmo autorizá-los a cortar
o acesso à internet. Outras propostas exigiriam que serviços como YouTube,
Facebook e Skype pagassem novas taxas para atingir pessoas através de
fronteiras. Isso poderia limitar o acesso à informação - particularmente em
mercados emergentes.
É claro que o Google não é parte desinteressada
nesse debate. A criação de um pedágio para serviços de internet nas fronteiras
internacionais pesaria no seu próprio bolso. Mas a instituição da "taxa Google"
criaria um precedente perigoso na quebra do conceito de "neutralidade de rede",
que determina que os conteúdos que trafegam na internet têm de ser tratados de
forma não discriminatória.
Se os grandes geradores de tráfego se
recusassem a pagar o pedágio, poderiam ter até seus serviços bloqueados, o que
acabaria com o tratamento isonômico. Se concordassem em pagar o pedágio, teriam
garantia de qualidade de serviço, o que poderia prejudicar o surgimento de
concorrentes sem musculatura econômica para fazer frente às empresas
consolidadas de internet.
A neutralidade de rede é o ponto mais polêmico
do Marco Civil da Internet, em discussão aqui no Brasil. Na semana passada, foi
adiada, mais uma vez, a votação na Câmara do projeto, que define direitos e
deveres dos cidadãos na rede. As operadoras brasileiras de telecomunicações não
concordam com uma definição de neutralidade irrestrita, insistem que a rede
precisa ser gerenciada e esperam que a reunião de Dubai, de alguma forma, venha
validar sua posição.
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Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela USP, também é autor de livros
relacionados ao tema. O último deles, O desafio da Inovação, foi
premiado com o Troféu Cultura Econômica 2012.
Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso 09/12/2012
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