Esther Vivas**
São as festas de Natal, o momento de nos
juntarmos, comer, celebrar e, sobretudo, comprar. O Natal é, também, a “festa”
do consumo, já que em nenhum outro momento do ano, para beneplácito dos
mercadores do capital, compramos tanto como agora. Comprar para presentear, para
vestir, para esquecer ou, simplesmente, comprar por comprar.
O sistema capitalista precisa da sociedade de
consumo para sobreviver, que alguém compre em massa e compulsivamente aquilo que
se produz e, assim, o círculo “virtuoso”, ou “vicioso” conforme se olhe, do
capital continue em movimento. Que o que compras seja útil ou necessário pouco
importa. A questão é gastar, quanto mais melhor, para que uns poucos ganhem. E,
assim, nos prometem que consumir nos vai fazer mais felizes, mas a felicidade
nunca chega por aí.
Vendem-nos o trivial como imprescindível, o
fútil como indispensável e criam-nos necessidades artificiais em permanência.
Poderiam vocês viver sem um telefone móvel de última geração ou sem um televisor
de plasma? E, sem mudar-se de roupa a cada temporada? Seguramente já não. A
sociedade de consumo assim o impôs. Aliás, pouco importa a qualidade daquilo que
compramos. Vendem-nos marcas, sonhos, sensações da mão de desportistas famosos
ou estrelas de Hollywood. E por alguns euros compramos fiticiamente a fama, o
glamour ou a atração sexual que a publicidade se encarrega de nos servir
diariamente em bandeja.
E se resisto a comprar, o que acontece? Os
produtos fabricam-se para morrer sempre antes do tempo, para se estragarem,
deixarem de funcionar, o que se conhece como obsolescência programada, para que
assim tenhas que adquirir outros novo. De que serviriam umas meias sem buracos,
umas lâmpadas que nunca se fundissem ou uma impressora que não se avariasse?
Para nós e para o meio ambiente seria bom; para as empresas do capital, seria
mau, muito mau. E é que a sociedade de consumo está pensada, como magnificamente
retrata Cosima Dannoritzer no seu documentário, para ‘Comprar, deitar fora,
comprar’, o título de seu último trabalho. Aqui só ganha quem vende.
Pouco importam as milhares de toneladas de
resíduos que gera a cultura do “usar e deitar fora”, desperdícios tecnológicos,
roupa, alimentos que desaparecem depois da nossa porta, no lixo, ou que passam a
engrossar as pilhas de lixo que se acumulam nos países do Sul, contaminando
águas, terra e ameaçando a saúde de suas comunidades, enquanto nós assobiamos
para o lado. Acostumamo-nos a viver sem ter em conta que habitamos um planeta
finito, e o capitalismo se encarregou muito bem de nos habituar assim.
Associa-se progresso a sociedade de consumo,
mas temos de nos perguntar para quê e para quem é este progresso, e às custas de
quem. Se todo mundo consumisse como um/a cidadão/ã médio/a do Estado espanhol,
precisaríamos de três planetas Terra para colmar a nossa voracidade, mas só
temos um, enquanto noutros muitos países africanos apenas se consome o
necessário para sobreviver. É também necessário recordar que, também, existe um
Sul no Norte e um Norte no Sul.
Alguém dirá: “Se deixamos de comprar, a
economia estancar-se-à e gerar-se-à mais desemprego”. A realidade é muito
diferente da que nos contam. E é, precisamente, este sistema o que fomenta o
desemprego, a pobreza e a precariedade, o que deslocaliza a indústria e a
agricultura, o que explora a mão de obra, o que contamina o ecossistema e o que
nos mergulhou numa crise econômica, social e climática com enormes proporções.
Se queremos trabalhar com dignidade, cuidar do nosso planeta, e garantir um
bem-estar faz falta outra economia, social e solidária. Satisfazer as nossas
necessidades, tendo em conta que vivemos num mundo cheio, saturado, a ponto de
explodir. Apostar na agricultura ecológica, nos serviços públicos, nas tarefas
de cuidados
Trabalhar para viver e não viver para
trabalhar. Porque ou mudamos, ou não sairemos desta crise “consumindo”, como nos
querem fazer crer, muito pelo contrário, continuarão “nos consumindo”.
Outros também dirão “Há sociedade de consumo
porque a gente quer consumir”. Mas, para além de nossa responsabilidade
individual, ninguém, que eu saiba, tem escolhido neste tipo de sociedade onde
nos calhou viver, pelo a mim não me perguntaram. É assim que nos têm educado na
sociedade do “quanto mais melhor”. E não só nos têm impingido valores e práticas
de um sistema que antepõe interesses particulares a necessidades colectivas,
como o individualismo e a concorrência e competição que nos impõem desde muito
pequenos/as, em determinados papeis em função de nosso gênero, na reprodução não
só de uma estrutura capitalista mas também patriarcal.
Querem que compremos até morrer, como no filme
‘Dancem, dancem, malditos’ (1969) de Sidney Pollack, onde os participantes a um
concurso de dança dançavam sem parar até a exaustão para o beneplácito de uns
poucos abastados. Como dizia o apresentador da competição em frente aos últimos
concorrentes a ponto de desfalecerem no final do filme:
Viva o circo.
“Estes rapazes maravilhosos, estupendos que
continuam resistindo,
continuam esperando, enquanto o relógio fatal
continua o seu tic tac.
Continua a dança do destino, a alucinante
maratona segue e segue e segue.
Até quando aguentarão? Vamos, um
aplauso.
Há que os animar. Aplaudam, aplaudam,
aplaudam”.
Viva o circo.
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*Artigo
enviado pela Autora e originalmente publicado, em 24/12/12, em
blogs.publico.es
**Esther Vivas, Colaboradora Internacional
do Portal EcoDebate, é ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas
agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais “Planeta
Indignado”. Esther Vivas é licenciada em jornalismo e mestre em Sociologia. Seus
principais campos de pesquisa passam por analisar as alternativas apresentadas
por movimentos sociais (globalização, fóruns sociais, revolta), os impactos da
agricultura industrial e as alternativas que surgem a partir da soberania
alimentar e do consumo crítico.
+info: http://esthervivas.com/portugues/
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