Muita gente me pergunta: "E aí?" "E aí, o
quê?" - respondo, já trêmulo diante do inquisidor. "E aí, cara? Que vai
acontecer com o mundo?" Como eu falo na TV, rádio e escrevo em jornais, acham
que eu sei de respostas que o mundo não tem. Aí, faço uma cara de profunda
reflexão, demoro um pouco para o suspense e deixo cair, com um muxoxo: "Sei
lá!..."
Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo
atual são cheios de lamentos pelo passado ideológico e de pavores noturnos sobre
o que vem a caminho, tipo "something wicked this way comes" ("vem merda por
aí...", como diziam as bruxas de Shakespeare). O nosso futuro sonhado, que ia
ser a vitória do Ocidente e da genialidade técnica do capitalismo, virou uma
rede de impasses sem solução.
Antigamente, a ficção científica dava conta de
nossas profecias. Agora, o presente já é de ficção. Aí, a 'contemporaneidade',
esse "faz-tudo" do novo vocabulário, inventou a 'utopia da distopia'. Nada como
uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. Vá em qualquer exposição de
arte e veja o 'conceito' (outra palavra de mil utilidades) das obras: "O futuro
vai ser uma bosta". E os artistas vibram de orgulho, radiantes como profetas do
nada.
Por isso, vou meter aqui minha colher nessa
onda 'distópica', que gera tantas celebridades literárias do desespero do não
sentido. Faço aqui uma comédia da ficção científica; vamos a isso.
Bem, no século 21, por causa da aceleração do
espaço-tempo, da virtualidade da vida, já temos a angústia da "instantaneidade",
porque o 'aqui e agora' não nos satisfaz; precisamos de algum futuro. Por isso,
teremos nostalgia de um presente que não sentimos e saudades de um futuro que
não para de "não" chegar. O passado será chamado de "depreciação".
Será o fim do fim. Qualquer esperança de
síntese será ridícula. O mundo será fragmentário, um fluxo sem nexo, e nossa
infinita insignificância no universo ficará nua. Teremos saudades da
linearidade, do princípio, do meio e do fim; teremos saudades do inútil e da
lentidão. A indústria sentirá esse mercado potencial e, além de nos vender
celulares e iPads, inventará drogas da câmera lenta, do vazio, do descanso pelo
tédio. Hoje em dia, já vemos o início do fim do 'sujeito', em meio a esta
ridícula euforia de 'liberdade'; no século 21, seremos todos 'objetos
livres'.
Nenhuma Razão nos restará a não ser as regras
de ouro dos mercados, esses, sim, definitivamente organizados. As corporações
serão proprietárias exclusivas das "grandes narrativas".
Um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de
transcendência. Haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando
grandes 'Woodstocks' de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e
nos rituais fundamentalistas. O iluminismo será definitivamente enterrado. Deus,
que tinha morrido, renasceu e cresce dia a dia, como um produto útil - as
igrejas já são supermercados de esperança e vão virar partidos políticos.
Como a História será incompreensível, talvez
floresçam Parques Temáticos de Sentido (os PTS), onde poderemos viver epopeias
que acabam bem ou grandiosas apoteoses de pessoas ou nações. Teremos
Hiper-Hollywoods, com excitantes filmes que podem nos matar dentro das salas - o
supremo efeito especial, como o Batman já nos mostrou.
Haverá uma grande fome de servidão. Voltarão os
líderes carismáticos, profetas e evangelistas, financiados com escárnio pelas
grandes corporações. Não haverá a democratização das teocracias do Oriente, como
querem os USA, mas a orientalização dos países ocidentais. O terrorismo será um
hábito cotidiano. Claro que teremos algum show nuclear, pois as armas atômicas
desejam explodir.
A liberdade ficará insuportável. As prisões e
jaulas dos jardins zoológicos serão invadidas.
Haverá campos de concentração "cinco estrelas",
caríssimos, luxuosos, onde bilionários vão pagar para abolir os sentidos, em
busca de um silêncio sensorial aterrador, como no clássico de sciencefiction
Tiger! Tiger!, de Alfred Bester.
Haverá uma "involução da espécie". Por falta de
interação com a natureza, os corpos vão degenerar e, ociosos e molengas, vão
aspirar à condição de "coisas". As orelhas vão tender para celulares; os braços,
para tentáculos vorazes; os olhos, para telas de cristal líquido; os paus e
vaginas, para eixos e encaixes. Os primeiros sinais já estão nos narizes
decepados, nas clonagens, nas transmutações genéticas.
Acabará o amor romântico. Só tesões
instantâneas e fugazes. A fome de mais prazer esgotará a sexualidade e buscará
complementos eletrônicos e virtuais. Haverá hiperorgasmos tão fortes que
esbarrarão nos limites do corpo e viverão mais além, sozinhos - orgasmos sem
corpo, orgasmos gemendo no ar.
A arte acabará, destruída pelos efeitos
especiais. Dela, só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o
sublime, o lírico, o trágico - bastará a programação de algum êxtase estético,
mas sem obra por trás.
A política será um espetáculo. O mundo será uma
grande "economia sem sociedade", menos no Brasil, onde só haverá o Estado, com o
PT no poder há 50 anos, ainda aliado a Sarney, vivo, dentro de sua urna
criogênica. A fome vai controlar a explosão demográfica, sob os protestos
ridículos de meia dúzia de velhos humanistas; assim, as massas desempregadas se
exterminarão naturalmente. A democracia será mostrada em museus.
Com a América Latina dominada definitivamente
pelo 'peronismo bolivariano', as guerrilhas vão virar parques temáticos também,
como viraram os "zapatistas" de Chiapas, visitados pelos intelectuais franceses.
Teremos perímetros fechados de revoluções virtuais, estimulados pelas
corporações, para dar vazão aos ódios e desesperos, à maneira dos antigos
sacrifícios astecas ou como as "horas de Ódio", de Orwell, a única profecia que
rolou do 1984.
Haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. A
vida social será um inferno, sem dúvida, mas o mercado é sábio e precisará da
vida, pois, afinal, sem vida não há lucro. Assim, as corporações vão programar a
sobrevivência da esperança. Talvez sejamos mais felizes como coisas.
-------------------
*
Cineasta. Jornalista. Escritor.
E-mail:
arnaldo.jabor@estadao.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário