sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Os Cartões de Natal da Dometila , Jaime Cimenti




Nos primeiros dias de dezembro, pontuais como a Feira do Livro, a chegada das flores da primavera nas ruas de Porto Alegre e as decorações de fim de ano dos shoppings, entregues pelos carteiros, há décadas, chegam as dezenas de cartões de natal da Dometila.

Os endereçamentos e as mensagens nos cartões são manuscritos com caligrafia caprichada, letras desenhadas, como convém a uma professora jubilada. Viúva há 40 anos, Dometila tem 93 anos, filhos, netos e bisnetos, mas, independente e saudável, mora sozinha, caminha, faz exercícios, toca piano, canta, viaja, faz trabalho voluntário e procura não ter tempo para se queixar das pessoas ou da vida.
Num mundo onde a pressa, a impessoalidade, a descortesia e os meios eletrônicos imperam, o recado impresso, educado e calmo de Dometila é sempre uma inspiração, uma esperança, uma delicadeza e mostra que o tempo não acaba com hábitos simpáticos, como os de enviar cartões impressos, dar bom dia, boa tarde, boa noite, pedir licença, desculpas, chegar na hora e dizer muito obrigado.


Outras pessoas, no lugar dela, talvez desistissem de enviar as mensagens e, provavelmente, se queixariam que a maioria dos destinatários não responde, não liga, não tem tempo e tal e tal. Mas a baixinha Dometila é determinada, tem consciência da sua missão e gosta de fazer a sua parte, sem ficar esperando pela dos outros. Ela sente e sabe que não se trata apenas de enviar para os parentes e amigos um recado impresso nas festas de fim de ano. É muito além disso. Um enorme sim para a vida, um desejo de que os humanos não deixem de trocar energias boas.

É muito. É o principal e o imprescindível. Os cartões de Dometila parecem um pouco mensagens que náufragos colocam nas garrafas, esperando que alguém leia o S.O.S. e responda. Parecem um pouco, só. Dometila não é náufraga, nem pretende ser. Não gosta nem de pensar em naufrágios. O negócio dela é seguir navegando, tocando seu barquinho, mesmo contra ventos e marés
.


Se, por acaso, um dia ela naufragar, ficarão as mensagens, o exemplo e o recado de que nem tudo neste mundo barulhento, caótico e doido está perdido. Os cartões da Dometila mostram que a elegância e o afeto devem continuar e que o ser humano tem esperança e jeito. Jaime Cimenti

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