Martha Medeiros*
O Zé tem 61 anos e casou recentemente pela terceira vez. Possui duas
ex-mulheres, e um filho com cada. Já tem inclusive uma netinha de
dois anos por quem é alucinado.
Além disso, o Zé tem mãe viva. E um pai também, que se divorciou da mãe dele há muitos anos e casou
de novo. E o Zé tem dois irmãos.
O Zé é afetivo e curte a família, que é grande. Inclui as
ex-mulheres, os novos maridos delas, os filhos, as noras, a neta, a mãe, os irmãos, as
cunhadas, os sobrinhos, o pai, a esposa do pai. Cada um no seu endereço.
Então vai chegando o Natal e o Zé fica tenso, sem saber
como dar conta de abraçar todo mundo. A nova mulher do Zé tem
família também: mãe, irmãos, primos, aquela coisa toda. Ela quer passar o
Natal com eles, e quer que o Zé fique em casa.
A mãe do Zé não abre mão de juntar os três filhos. O Zé não vai
fazer essa desfeita, vai?
O pai do Zé é pacífico, mas a mulher dele se
sente rejeitada por qualquer ausência, e se o Zé não aparecer, será
responsabilizado por mais um chilique da madrasta.
A primeira ex-mulher monopoliza a netinha. O Zé não pode ficar sem
ver aquela menina adorável, a única criança da família, e Natal sem criança,
você sabe. O Zé sabe.
A segunda ex-mulher passa o Natal com o outro filho do Zé e mais todo
o grupo de amigos que eles tinham quando casados e de quem o Zé sente falta, já
que os amigos ficaram na partilha dela.
Então esse é o Zé em trânsito no dia 24 de dezembro. Ele passa
primeiro na casa da mãe. Chega tão cedo que não encontra um dos irmãos. Fica o
Zé, a mãe e o outro irmão tomando uma cerveja e beliscando umas amêndoas meio
velhas.
Aí o Zé se despede e vai ver a netinha. Não resiste quando pedem para
ele se vestir de Papai Noel. Faz a encenação, morre de calor com a barba
postiça, toma uma cerveja gelada, afana uma fatia do peru e corre pra sua
própria casa, onde sua mulher está furiosa, isso são horas de chegar? Ele faz
uma social com a família dela, aí bebe vinho e participa da ceia já meio
enjoado, não deveria ter misturado cerveja e vinho. Pede licença, tem que sair
para dar um beijo no outro filho.
“Vá num pé e volte no outro”, ela ordena. No meio do caminho, dá uma
paradinha na casa do pai, marca presence com a madrasta, ouve três músicas natalinas, toma mais uma cerveja e segue seu périplo.
Então chega na festa da
segunda ex, que está bombando. Assim que
atravessa a porta alguém coloca uma taça de espumante em suas mãos. Localiza o
filho, dá um abraço nele, depois outro abraço no amigo Tomás, um abração no
Ricardo que não vê faz tempo, e também no Goes, que está enlaçado numa loira que
ele nunca viu. Quem é? Separei, Zé, essa é minha namorada. Zé dá dois tapinhas
nas costas do Goes a título de condolências.
Volta pra casa, a mulher que estava dormindo no sofá acorda e exige
que ele leve a família dela em casa. Eles ainda estão aqui? Estão, Zé. Dormindo
no nosso quarto.
O Zé chega a cogitar um novo divórcio, mas o que lhe resta de
sobriedade avisa: melhor não. Aí virá outra mulher, outros parentes, como
encaixar?
E suspira lembrando de quando era criança, quando reuniam-se todos
embaixo
da mesma chaminé.
*
Escritora. Cronista da ZH
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