Frei Betto*
O
consumismo neoliberal gera, hoje, uma proeza que deixa os filósofos mais
encucados: o sujeito humano passa à condição de objeto e o objeto –a mercadoria–
ocupa a condição de sujeito.
O consumo já não é determinado pela
necessidade. Depende, sobretudo, do sonho do consumidor de alcançar o status do
produto. Isso mesmo: a mercadoria possui grife, status, agrega valor a quem a
porta. Ao obtê-la, o consumidor se deixa possuir por ela. O valor que ela
contém, criado pela mídia publicitária e pela moda, emana e impregna o
consumidor.
No universo consumista, se alguém deseja ser
bem aceito entre seus pares, no círculo social que frequenta, precisa equipar-se
com todos aqueles objetos de luxo que o revestem de uma auréola capaz de
sinalizar socialmente o alto nível de seu status. Ai dele se não ostentar certas
marcas de carro, relógio e roupa. Ai dele se não frequentar restaurantes
seletos. Ai dele se não viajar em classe executiva para Nova York, Paris ou uma
ilha do Pacifico apontada como o novo point.
Caso o sujeito se recuse a ostentar a lista de
objetos considerados requintados, ele corre o risco de ser excluído, deletado do
círculo social que estabelece como código de identificação certo nível mínimo de
padrão de consumo.
Em suma, o sujeito passa a ser tratado como
objeto. Duplo objeto: por se sujeitar à mercadoria e por ser rechaçado por seus
pares. Porque no sistema consumista só é aceito quem transita despudoradamente
no universo do luxo e do supérfluo.
Esse processo de desumanização estimula a
obsolescência das mercadorias. Agora se produz para atender, não a uma
necessidade, mas a um sonho, um desejo, um anseio de alpinismo social. O produto
adquirido hoje –carro, computador, ipad– estará obsoleto amanhã.
Você pode até insistir em conservar o mesmo
equipamento eletrônico, suficiente às suas necessidades atuais. Todos à sua
volta constatarão o seu anacronismo. Você perdeu a identidade da tribo, que
avança para a aquisição de mercadorias ainda mais sofisticadas, com design mais
arrojado.
O único modo de ser aceito na tribo é se
revestindo dos mesmos objetos que, atuando como sujeitos, o resgatam do cinzento
e medíocre universo do comum dos mortais.
Essa inversão do sujeito humano tornado objeto
e do objeto transformado em “humano” ou mesmo “divino”. Isso se dissemina
através da publicidade – que não faz distinção de classes. O apelo é igual para
todos. Tanto o biliardário em seu jato executivo quanto o jovem da favela
semianalfabeto sofrem o mesmo impacto publicitário.
A diferença é que o primeiro tem fácil acesso
aos novos ícones do consumismo. O jovem absorve os ícones em seu embornal de
desejos e reconhece o quanto ele é socialmente descartado e descartável por não
se revestir de objetos que imprimem valor às pessoas. Daí a frustração e a
revolta.
A frustração pode ser compensada pela sadia
inveja dos espectadores de brilho alheio: leitores de revistas de celebridades e
internautas que navegam atraídos pelo canto da sereia de seus ídolos. A revolta
leva ao crime – “não sou como eles, mas terei, a ferro e fogo, o que eles
têm”.
Haverá limites à obsolescência? Um dia a
superprodução fará com que a oferta seja assustadoramente superior à demanda?
Tudo indica que não. A indústria há tempos aprendeu que o consumidor é
irracional, não se move por princípios, e sim por efeitos. É a emoção que o faz
aproximar do balcão.
Aprendeu também a fazer a produção acompanhar a
concentração de renda. Já não se fabricam carros populares. Quem mais adquire
veículos são as famílias que já possuem ao menos um.
Agora na pós-modernidade, as pessoas já não se
relacionam, se conectam. Os encontros não são reais, são virtuais. Já não se
vive em sociedade, e sim em rede. Ninguém é excluído, e, sim, deletado.
A intimidade cede lugar à extimidade, na
expressão de Bauman. Faz desabar todos os muros da privacidade. A ponto de as
pessoas se tornarem mercadorias vendáveis, vitrines ambulantes que esperam ser
admiradas, desejadas, invejadas e cobiçadas. Daí o oneroso investimento em
academias de ginástica, cosméticos, plásticas etc. Muitos buscam ansiosos ser
objetos de desejo. Porque a sua autoestima depende do olhar alheio. E o mercado
sabe muito bem manipular essa baixa autoestima.
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Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – Autobiografia Escolar (Ática)
Fonte:
http://mercadoetico.terra.com.br/23/10/2012
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