quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Amor, uma nova ética?

                                                         Marisa Faermann Eizirik*
Enamoramento, paixão, desejo, erotismo, são sinônimos de amor que utilizamos. Destaco, dentre esses, o erotismo. Como se pode compreendê-lo, em nossos “modernos” tempos? Que sinais temos de seu percurso, tão semovente e mutável ao longo da história, do pudor e dos véus, dos subentendidos e dos toques, dos mistérios dos olhares, das seduções e fetiches de todas as épocas?

Estaremos observando a morte do erotismo, em face do grande “mercado” do amor?

Mas que fenômeno é esse, o amor, em que se vende sadomasoquismo travestido em conto de fadas? A virgindade, com todos os requintes de um reality show? Teremos abandonado o conceito platônico de amor como falta, desejo de completude no encontro com a outra “metade” perdida, fundamento de toda forma romântica do amor? Ou, utilizamos novas estratégias e, até mesmo, tecnologias, para seguir buscando “o encontro”, alguém com quem dividir nossos sonhos e anseios incansáveis?

Será que não seguimos desejando encontrar o príncipe ou princesa (os diferentes tons de Cinza [Greys]) que podem estar nos esperando na curva de algum caminho? Estaremos em luta contra o idealismo romântico e o ceticismo estoico?

Teremos medo da intimidade, da solidão, da morte? Queremos respostas para um fenômeno tão complexo como o amor, que se desdobra em nuances (bem descritas por W. Riso em Amores de Alto Risco)?

O amor torturante, o amor desconfiado, o amor subversivo, o amor egoísta, o amor perfeccionista, o amor violento, o amor desvinculado ou indiferente, o amor caótico, o amor saudável (ou a sabedoria do “não”).

Ou no fenômeno sociológico-editorial de Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, que mesmeriza 40 milhões de leitores no planeta (mulheres, em sua enorme maioria), independentemente de idade, estado civil e nível cultural? Ou, ainda, na empreitada de Virgins Wanted, documentário realizado pelo cineasta australiano Justin Sisely, que busca moças virgens desejosas de vender esse “produto” tão raro atualmente, beneficiando a dona do corpo e o “empreendimento” cinematográfico que produz e vende.

Nos aventurarmos a responder é, certamente, uma tarefa de alto risco e, também, atribuir tudo à sede de consumo, ao lucro e a voragem do capital, empobrecedora e reducionista. Vivemos a orfandade dos estereótipos, do status congelado das evidências, o coma anestesiado do excesso (fluxo, velocidade e intensidade da informação), sob o efeito dos discursos vazios, da tirania da mídia, do peso econômico do lucro. Me atrevo a pensar que estamos atravessando uma crise ética, ou, a inscrição em uma dimensão ética desconhecida, ainda sem registro.

Os cânones conceituais, os princípios organizadores de nossos pensamentos e práticas, se descolorem, debilitam e colapsam. Não temos hipóteses plausíveis, ferramentas explicativas eficazes, nem próteses convincentes, que aliviem o mal-estar gerado pela incerteza, a fugacidade, a inconstância dos valores.

O Ocidente construiu um formidável dispositivo de sexualidade, entrelaçando verdade e sexo. De que formas estamos nos constituindo como sujeitos, com a falta de espessura, a tirania do breve, do descartável, da total “transparência” (ou será opacidade?), da ausência do encantamento, do mistério? Estamos em mutação. Uma outra ética subjetiva contempla as questões do amor. Uma nuvem de ignorância nos envolve, e instiga.

                                                                          *PSICÓLOGA

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