Jung Mo
Sung*
Um grupo de teólogos viajando pelo
interior de um país africano parou um instante, à beira de uma estrada precária,
para descansar. Um amigo meu que estava no grupo aproveitou para dar uma olhada
em uma partida de futebol jogada por um grupo de meninos em um campo
improvisado. Um jogo como qualquer outro jogado por meninos pobres em muitos
lugares do mundo.
Após marcar gol, o "artilheiro” descalço saiu
correndo para comemorar e, ao invés de correr em direção aos companheiros do
time, foi em direção a uma câmera de TV imaginária e fez os mesmos gestos que os
artilheiros europeus fazem quando marcam o gol. Esse pequeno fato foi motivo de
reflexões desse meu amigo teólogo e também objeto de discussão em uma reunião
onde eu e ele tomamos parte.
O que passou na cabeça daquele menino africano
quando marcou o gol? É difícil dizer, mas seus gestos em frente à câmera
imaginária revela que ele está, provavelmente, "realizando” no seu imaginário ou
vivendo o seu sonho de fazer parte daquele mundo com que ele sonha, imitando os
ídolos com que se identifica. O menino negro pobre do interior da África, assim
como também de muitos outros lugares do mundo, tem como seu modelo, como ideal
de vida, a vida que é vivida na Europa.
Precisamos tomar cuidado para não pensarmos que
isso ocorre somente com meninos pobres de países pobres que sonham em ser
famosos jogadores de futebol, ganhar muito dinheiro e usufruir da "boa vida” da
Europa Ocidental ou dos Estados Unidos. Jovens na China que vivem em grandes
cidades também sonham em participar do padrão norte-americano ou europeu de vida
e poder comprar iPhone ou iPad, ou carregar produtos Louis Vuitton e dirigir um
carro esportivo.
Isso é muito mais do que "consumismo”. Ou
melhor, a idéia de consumismo como obsessão pelo consumo não dá conta da
profundidade e a seriedade desse processo. Os indivíduos internalizam um modelo
de ser humano, aquilo que deve ser para se sentir como pessoa, e lutam para
chegar a isso. Só que esse modelo não é do seu mundo, ele é transcendente –está
além– à sua cultura local e suas condições de vida. Por isso, para ser, ele
precisar negar o que é, e também os seus valores culturais, e tornar-se outro.
Há um "senhor” dentro de si negando-o e exigindo que se torne outro.
Esse processo de "colonização da subjetividade”
é uma das características fundamentais do atual Império global. Não o império
norte-americano, mas o próprio sistema capitalista global funcionando como um
sistema imperial. Impérios anteriores dominavam pela imposição da força
político-militar. O desejo dos países colonizados era se libertar do império,
sair da sua esfera. O império atual domina mais pela força de atração da sua
economia e pela colonização da subjetividade. As pessoas e povos desejam fazer
parte do império, desejam ser como a elite do império, querem imitar o modo de
ser deles. A saída desse sistema imperial não é mais visto como "libertação”,
mas como expulsão, como castigo.
O espírito do império conseguiu inverter e
perverter as noções fundamentais que norteiam a vida pessoal e social. Esse
mesmo espírito que move o sistema global em direção a uma acumulação ilimitada
de riqueza que coloca em sérios riscos o meio ambiente e o convívio social. O
mesmo espírito que move as pessoas a buscarem ser o que não são.
Diante desse mundo, a crítica sociológica e
política não são suficientes para desmascarar e criticar radicalmente esse
espírito do império. A crítica teológica é também necessária e indispensável.
Parafraseando Marx, a crítica teológica à idolatria do império e ao seu espírito
é a condição preliminar de toda crítica.
* Diretor
da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
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