Kátia Marko*
O que eu preciso pra viver? Este tem
sido um questionamento constante desde que resolvi morar em uma comunidade.
Confesso que ainda consumo mais do que preciso. Como dizia Antônio Gramsci, “o
velho não acaba de morrer e o novo custa a nascer”. Não se desmonta uma cultura
de um dia para o outro. Mas criar no meu dia a dia as condições para a mudança
de hábitos foi fundamental.
Na Comunidade Osho Rachana nós dividimos casa,
carro, alimento, trabalho, bens materiais, emoções e sonhos. Organizamos caronas
para ninguém sair sozinho no carro. Cultivamos nossa horta e pomar. Criamos
galinhas soltas no quintal. Produzimos nosso próprio pão, além do queijo e
iogurte com leite de produtor da região. Nossa cozinha é coletiva. Levamos
marmitas para o trabalho. Raramente assistimos TV, a não ser quando queremos ver
um bom filme ou jogos de futebol. Mas ninguém está interessado no último
capítulo da novela.
Não temos uma vida modesta. Pelo contrário,
somos abundantes. Mas nossos sonhos de consumo não são o carro do ano ou uma
tela de plasma de última geração. Nem todos os moradores têm, como eu, um
histórico de militância na esquerda ou acreditam que o socialismo é o único
caminho para salvar o planeta. Mas sabem que repartir é fundamental e que se
quisermos mudar a sociedade, temos que começar por nós. Por isso, não abrimos
mão da meditação e do trabalho terapêutico. Buscamos consciência e
autoconhecimento. “Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil”, dizia
Osho.
Pra escrever esta coluna, busquei alguns
autores que gosto muito como Leonardo Boff. Considero o livro Cuidar da terra,
Proteger a vida – Como evitar o fim do mundo essencial para pensarmos
alternativas. “Não temos tempo para acobertamentos, meias-verdades ou
simplesmente negação daquilo que está à vista de todos. O fato é que assim como
está a humanidade não pode continuar. Caso contrário, vai de encontro a um
colapso coletivo da espécie”, diz ele. Também consultei A revolução sexual de
Wilhelm Reich, onde o autor, entre outras questões, analisa os motivos do
fracasso das comunas na revolução russa. Trata especialmente da instituição do
casamento e da vida familiar. Mas sempre acabo voltando ao Osho. Ele conseguiu
abordar toda a complexidade do ser humano com uma clareza incrível.
Segundo Osho, toda a nossa vida, como é
aprovada pela sociedade, pelo estado e pela igreja, está baseada na
auto-ignorância. “Você vive sem se conhecer porque a sociedade não quer que você
se conheça. Isso é perigoso. Uma pessoa que conhece a si mesma fatalmente será
rebelde”. Mas as barreiras também são internas. Não basta não querer ser
escravizado, explorado, oprimido. Tem que parar de dominar, oprimir, explorar.
“Observe e perceba essas duas barreiras e comece abandonando a sua própria.
Primeiro, pare de dominar, de possuir, de explorar e, subitamente, será capaz de
sair da armadilha da sociedade”, alerta o mestre indiano.
Para ele, o ego é o problema e por isso não
conseguimos conhecer a nós mesmos. “O ego lhe dá imagens falsas de si mesmo. Se
você carregar por muito tempo essas imagens, ficará com medo. O medo acontece
porque, se a sua imagem cair por terra, a sua identidade será despedaçada. Quem
você será? Você enlouquecerá, pois investiu muito nela. E todos pensam sobre si
mesmos em termos muito grandiosos, em termos muito falsos. Ninguém concorda com
você, ninguém o aprova, mas seu ego acha que todos estão errados. Se você deseja
se conhecer, precisa abandonar suas falsas auto-imagens. E aí está o problema,
pois isso não é muito bonito. Você se considera uma pessoa repleta de amor, mas
existe também ciúme, possessividade, ódio, raiva e todos os tipos de
negatividade. Para conhecer a si mesmo é preciso se deparar com fenômenos feios.
Eles estão ali e cada um precisa atravessá-los. Você tem um belo ser dentro de
você, mas não está na periferia, ele está no centro.”
Como diz Boff, somos passageiros de um avião em
vôo cego. Viver com menos bens materiais e com mais riqueza emocional em
harmonia com a natureza. Talvez esta seja uma boa equação. Se a consciência
muda, então a estrutura da sociedade obrigatoriamente acompanhará. Mas o oposto
não é correto.
*
Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si
mesma.
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