RUTH DE AQUINO*
O
que é uma cidade? Não existe definição ideal. A cidade sou eu, é você. Se é o
lugar onde se dorme, acorda, trabalha, caminha e trafega, onde se ama, briga e
morre, a cidade é bem mais que um amontoado de concreto e verde – é uma
experiência de bem-estar ou mal-estar. Alguns se tornam reféns de sua cidade,
sequestrados por circunstâncias profissionais, financeiras e familiares. Alguns
vivem onde desejam. É aí que os defeitos da cidade incomodam como traições de
mulher amada. Só nós podemos criticar – forasteiros não.
Cito dois pensadores visionários de cidades. Um é o inglês Ebenezer Howard (1850-1928), autor de Cidades-jardins de amanhã, em 1898. No século XIX, ele já se preocupava com ar fresco, água, superpopulação e migração do campo. Criou modelos de cidades utópicas, com vantagens urbanas e suburbanas, que significavam “uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização”. Howard perguntava: “Para onde as pessoas irão?”. Uma questão mais atual que nunca.
Cito dois pensadores visionários de cidades. Um é o inglês Ebenezer Howard (1850-1928), autor de Cidades-jardins de amanhã, em 1898. No século XIX, ele já se preocupava com ar fresco, água, superpopulação e migração do campo. Criou modelos de cidades utópicas, com vantagens urbanas e suburbanas, que significavam “uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização”. Howard perguntava: “Para onde as pessoas irão?”. Uma questão mais atual que nunca.
Outro pensador é o americano Lewis Mumford
(1895-1990), que publicou em 1961 A cidade na história. Seus maiores
medos eram o império do automóvel e a megalópole. Para Mumford, a cidade gigante
ameaçava a saúde, a dignidade, os valores comunitários, ambientais e espirituais
da população. “Antigamente”, dizia ele, “a cidade era o mundo, hoje o mundo é
uma cidade”.
Para esta edição especial de ÉPOCA, dedicada às cidades, busquei um professor apaixonado pelo centro urbano em seu sentido ancestral – servir o homem. O arquiteto e urbanista premiado Luiz Carlos Toledo listou “7 motivos para amar uma cidade”:
Para esta edição especial de ÉPOCA, dedicada às cidades, busquei um professor apaixonado pelo centro urbano em seu sentido ancestral – servir o homem. O arquiteto e urbanista premiado Luiz Carlos Toledo listou “7 motivos para amar uma cidade”:
1. Amo as cidades que sabem se
reinventar, como o Rio de Janeiro, que deixou de ser a sede tropical da
corte portuguesa, capital do império e da república e, graças a Deus, capital
cultural do Brasil, título careta e equivocado num país cuja diversidade
cultural não respeita território e dispensa uma capital. O Rio soube transformar
uma decadente Lapa em polo de atração capaz de arrancar os jovens da Barra da
Tijuca de seus condomínios para se divertir com outros jovens, do resto da
cidade, nas rodas de samba e chorinho. Soube resgatar o carnaval de rua, fazendo
do Centro e de cada bairro passarelas tão ou mais atraentes que o Sambódromo
globalizado.
2. Amo as cidades que têm
esquinas e, principalmente, quando ocupadas por padarias e botequins,
para a gente ouvir pela manhã o balconista gritar: “Salta uma média no copo e um
pão na chapa”. À noite, na volta para casa, uma rápida parada no boteco
predileto, jogando conversa fora com um cara que você nunca viu antes, ouvimos
deliciados e com sotaque lusitano: “Salta uma gelada que o freguês tem
pressa”.
3. Amo as cidades amigáveis, que tratam bem habitantes e visitantes e onde, num único quarteirão, a gente possa encontrar quase tudo. Amigável com crianças, velhos e namorados, que dispõem de uma pracinha perto de casa. Com os visitantes, pela gentileza da população e por uma sinalização urbana feita para evitar que qualquer um se perca. A cidade amigável nos salva do ataque de flanelinhas, motoristas de vans e taxistas inescrupulosos, garçons e vendedores mal-humorados, que adoram errar no troco, falsos guias turísticos e toda a sorte de gente capaz de fazer um turista jurar que nunca mais bota os pés ali.
3. Amo as cidades amigáveis, que tratam bem habitantes e visitantes e onde, num único quarteirão, a gente possa encontrar quase tudo. Amigável com crianças, velhos e namorados, que dispõem de uma pracinha perto de casa. Com os visitantes, pela gentileza da população e por uma sinalização urbana feita para evitar que qualquer um se perca. A cidade amigável nos salva do ataque de flanelinhas, motoristas de vans e taxistas inescrupulosos, garçons e vendedores mal-humorados, que adoram errar no troco, falsos guias turísticos e toda a sorte de gente capaz de fazer um turista jurar que nunca mais bota os pés ali.
4. Amo as cidades com
entretenimento para todas as idades, independentemente de quanto temos
no bolso. Se der sorte de a cidade ter praia, metade do problema está resolvido.
Parques, museus, centros culturais, bibliotecas e shows devem oferecer entrada
franca. Amo as cidades com locais para confraternizar a céu aberto.
5. Amo as cidades que preservam da
ganância dos especuladores as suas montanhas, matas, praias, lagoas,
florestas, seus parques e manguezais. Onde o ar se respira, e a poluição não nos
sufoca nem nos adoece.
6. Amo as cidades que respeitam sua
história e sua arquitetura e, por isso, se tornam donas de uma força
misteriosa que faz com que moradores, até os mais cosmopolitas, relutem em se
afastar, apegados aos bairros onde vivem, às paisagens conhecidas, aos prédios e
monumentos e também às praças, ruas, travessas e becos, repletos de
significados.
7. E amo, sobretudo, as cidades
inclusivas, onde todos possam exercer sua cidadania. Uma cidade onde
crianças não oferecem balas e fazem malabarismos a cada sinal de trânsito,
porque estão brincando em casa ou estudando nas escolas. Uma cidade sem
moradores de rua e, se os tiver, que garanta a eles compreensão, abrigo e
oportunidade. Onde nenhum trabalhador perca horas preciosas para chegar ao
emprego. Onde os donos das ruas não sejam os carros particulares, mas o
transporte público de qualidade. Onde a divisão entre morro e asfalto só exista
na lembrança dos mais velhos ou nos livros de história, para não esquecer como é
triste e perigoso viver numa cidade dividida. Onde os governantes saibam ouvir e
governem para todos, discretamente. E que tenham horror às obras suntuosas.
------------
*RUTH DE
AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário