Marcelo Gleiser*
A semelhança de tamanho com o nosso planeta é só um dos
atributos que talvez sejam necessários à vida
Agora que temos a certeza de que existe
um número enorme de planetas com características físicas semelhantes à Terra,
vale perguntar se esses astros têm, de fato, a chance de abrigar formas de vida
e, se tiverem, que vida seria essa.
Antes, alguns números importantes. Os melhores
dados com relação à existência de outros planetas vêm de um satélite da Nasa, o
Kepler, que anda buscando planetas como a Terra ao fazer um mapeamento de 100
mil estrelas que estão na nossa região cósmica.
Pelo projeto da missão, a identificação dos
planetas usa um efeito chamado de trânsito: quando um planeta passa na frente de
sua estrela (por exemplo, Vênus passando na frente do Sol), o brilho da estrela
é ligeiramente diminuído. Marcando o tempo que demora para o planeta passar em
frente à estrela, a diminuição do brilho e, se possível, o período da órbita
(quando o planeta retorna ao seu ponto inicial), é possível determinar o tamanho
e massa do planeta.
Com isso, a missão estima que cerca de 5% dos
planetas na nossa galáxia têm massas semelhantes à Terra e, possivelmente, estão
na zona habitável, o que significa que a temperatura na sua superfície permite a
existência de água líquida (se houver água neles).
Como sabemos que o número de estrelas na nossa
galáxia é em torno de 200 bilhões, a estimativa da missão Kepler implica que
devem existir em torno de 10 bilhões de planetas com dimensões semelhantes às da
Terra. Nada mal, se supormos que basta isso para que exista vida. Porém, a
situação é bem mais complexa e depende em detalhe das propriedades da vida e, em
particular, da história geológica do planeta.
Sem nossa Lua, o eixo de rotação
teria um movimento caótico e
a temperatura variaria
de forma aleatória.
Aqui na Terra, a vida surgiu 3,5 bilhões de
anos atrás. Porém, durante aproximadamente 3 bilhões de anos, a vida aqui era
constituída essencialmente de seres unicelulares, pouco sofisticados. Digamos,
um planeta de bactérias. Só bem depois que a atmosfera da Terra foi "oxigenada",
e isso devido à descoberta da fotossíntese por certas bactérias (cianobactérias,
na verdade), é que seres multicelulares, bem mais tarde, surgiram.
A mudança gerou outra coisa importante: quando
o oxigênio sofreu a ação da radiação solar, formou-se a camada de ozônio que
acaba por proteger a superfície do planeta. Sem essa proteção, a vida complexa
na superfície seria inviável.
Fora isso, a Terra tem uma lua pesada, o que
estabiliza o seu eixo de rotação -a Terra é como um pião que está por cair,
rodopiando em torno de si mesma numa inclinação de 23,5 graus. Essa inclinação é
a responsável pelas estações do ano e por manter o clima da Terra relativamente
agradável.
Sem nossa Lua, o eixo de rotação teria um
movimento caótico e a temperatura variaria de forma aleatória. Juntemos a isso o
campo magnético terrestre, que nos protege da radiação solar e de outras formas
de radiação do espaço, e o movimento das placas tectônicas, que funciona como um
termostato terrestre e regula a circulação de gás carbônico na atmosfera, e
vemos que são muitas as propriedades que fazem o nosso planeta ser
especial.
Portanto, mesmo que existam outras "Terras"
pela galáxia, defendo ainda a raridade do nosso planeta e da vida complexa que
nele existe.
-------------------------
* MARCELO GLEISER é professor de física teórica
no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
Nenhum comentário:
Postar um comentário