Ronaldo Mourão*
Como os girassóis que dirigem a sua
flor para captar o raio do Sol, o homem também tinha a obrigação de descobrir um
meio simples que lhe permitisse aproveitar ao máximo a luz do Sol. Com o
objetivo de economizar energia e gozar as ensolaradas tardes de verão,
decidiu-se acertar os nossos relógios adiantando-os de uma hora durante o verão.
A ideia de aproveitar ao máximo a luz solar, durante os dias longos, foi
proposta há mais de dois séculos, em 1784, pelo cientista e político
norte-americano Benjamin Franklin (1706-90), que escreveu o ensaio An economical
project (1784), na realidade, um minucioso estudo relativo à economia de luz nas
residências, que foi enviado ao seu amigo jornalista e farmacêutico Antoine
Alexis-François Cadet de Vaux (1743-1828), editor do Journal de Paris. Ao
sentir a importância do problema, Cadet de Vaux resolveu publicá-lo na forma
de uma carta no jornal, em 26 de março de 1784, conservando o titulo inglês An
economical project.
“Meu gosto pela economia”, escreveu Franklin,
“me levou a fazer o seguinte cálculo: seis meses, de 20 de março a 20 de
setembro, fornecem 181 noites. Multipliquei esse número por 7 para ter o número
de horas durante as quais queimamos as velas e encontrei 1.267. Como existem 100
mil famílias, obtemos 126,7 milhões de horas de consumação, o que representa uma
despesa anual de 96,075 milhões de libras em cera, somente para a cidade de
Paris, ou seja, mais de 100 milhões de francos”.
Após fazer o elogio das lamparinas da época,
Franklin afirmou que prefere muito mais a luz do Sol, e apresentou, para obrigar
os franceses a economizarem, estas duas proposições: "Primeiro: Instituir uma
taxa de um luís (moeda da época) em cada janela que tivesse as suas cortinas
cerradas, impossibilitando a luz de entrar, logo que o Sol estivesse acima do
horizonte. Segundo: Fazer com que todos os relógios das igrejas soassem ao
nascer do Sol; se isso não fosse suficiente, acionar um tiro de canhão em cada
rua”.
Desperdiçando a luz do dia
A ideia foi pela primeira vez defendida
objetivamente pelo construtor londrino William Willett (1857-1915) no panfleto
Waste of daylight” (Desperdício da luz do dia, 1907), no qual propunha que todos
os relógios fossem avançados em 20 minutos em um dos quatro domingos de abril e
atrasados na mesma quantidade nos quatro domingos de setembro. Como gostava
acordar muito cedo para andar a cavalo através do Petts Wood, próximo a Croydon,
Willett ficou chocado ao verificar que a maioria das janelas das casas
encontrava-se fechada enquanto o Sol já tinha nascido há muito tempo. Quando
Willett questionava por que não acordavam mais cedo, após escutar a resposta,
replicava com o humor britânico “o quê?”. Em seu panfleto, escreveu: “Todos
apreciam as longas tardes iluminadas. Todo mundo lamenta a escassez de luz
quando o outono se aproxima; e todo mundo tem dado sinais de queixar-se que as
brilhantes luzes de uma manhã durante os meses de primavera e verão são
raramente vistos ou aproveitados”.
Cerca de 10 meses depois, Willett começou a
defender o aproveitamento da luz do dia, atraindo a atenção das autoridades,
dentre elas, o deputado Pearce, mais tarde Sir Robert Pearce, que apresentou um
projeto na House of Commons (Casa dos Comuns), no qual se determinava um ajuste
compulsório dos relógios. O projeto foi redigido em 1909, e apresentado no
Parlamento diversas vezes, mas, receando o ridículo e a oposição, especialmente
a dos fazendeiros interessados, a lei não foi aprovada. Willett morreu em 4 de
março de 1915, lamentando o não aproveitamento da luz do dia.
Na realidade, Willett tinha sugerido um esquema
muito complexo que consistia em adicionar oito minutos em quatro separados
momentos durante os meses de maior incidência de luz. Depois que a ideia foi
adotada na Alemanha, uma lei foi aprovada em 17 de maio de 1916. O esquema
colocado em operação no sábado seguinte, ou seja, 21 de maio de 1916. Além de
uma forte oposição, ocorreu muita confusão e prejuízo. A Royal Meteological
Society insistia que o tempo de Greenwich deveria permanecer sendo usado na
medida das marés. Nos parques pertencentes ao Office of Works e ao Conselho do
Condado de Londres decidiu fechar ao anoitecer, o que significa que eles
estariam abertos uma hora extra à tarde. Por outro lado, Kew Garden, ignorando o
esquema de aproveitamento da luz do dia, decidiu fechar sem considerar a
correção do relógio.
Em Edimburgo, a confusão foi mais acentuada. Os
tiros do canhão do castelo eram acionados às 13 horas, durante a hora de verão,
enquanto a bola sobre o topo do monumento de Nelson, no Calton Hill, caía
segundo a hora de Greenwich. Este ajuste foi benéfico aos homens do mar. Como o
tempo fixado para mudar o relógio foi de duas horas, no sábado, esta medida
provocou uma forte oposição do povo em geral e, em particular, dos agricultores
que já aproveitavam a luz do dia pela manhã. Realmente, os agricultores não
consideravam essa ideia muito boa, pois o avanço da hora obrigava-os a começar e
terminar sua jornada de trabalho uma hora mais cedo em relação à hora solar. Em
consequência, as plantas não podiam ser recolhidas mais cedo, considerando ainda
que estivessem cobertas pelo orvalho. E as vacas não poderiam ser tratadas uma
hora depois da hora solar a que elas estavam habituadas. Os caseiros deviam,
portanto, iniciar sua jornada de trabalho uma hora mais cedo.
Alemanha e Áustria - primeiros países a
adotarem a hora de verão
A hora de verão foi utilizada pela primeira vez
na noite de 30 de abril para 1º de maio de 1916, quando todos os relógios da
Alemanha e da Áustria foram adiantados uma hora. Esperavam as autoridades desses
dois países obter, com este avanço, uma economia de 100 milhões de marcos na
Alemanha e 100 milhões na Áustria. Tal economia era tão importante que, segundo
se afirmava, poderia decidir o resultado da Primeira Guerra Mundial.
Durante a Primeira Guerra, num esforço para
conservar o óleo para produzir energia elétrica, a Alemanha e a Austrália
decidiram começar com a hora de verão às 23 horas do dia 30 de abril de 1916,
avançando o relógio uma hora até o outubro seguinte. Esta ação de 1916 foi
imediatamente seguida pelos outros países da Europa: Bélgica, Dinamarca, França,
Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia, e Turquia, assim como a
Tasmânia, Nova Escócia e Manitoba. Os britânicos começaram três semanas mais
tarde em 21 de maio de 1916. Em 1917, Austrália, Nova Zelândia e Nova Escócia
aderiram à hora de verão.
Hora de verão no Brasil
No Brasil, a hora de verão foi instituída pela
primeira vez durante o governo provisório de Getulio Vargas nos períodos de
1931-32 e 1932-33. A partir de 1º de dezembro de 1949, o governo brasileiro
voltou a adotar a hora de verão; entretanto, alertado pela sua condenação
internacional em 24 de fevereiro de 1953, as nossas autoridades revogaram o seu
uso.
Congresso Internacional de
Cronometria
A oposição dos franceses a esse projeto de
avanço da hora legal, durante o período do ano em que os dias são longos, e por
essa razão denominada impropriamente hora de verão, persistiu até o ano de 1949,
quando o astrônomo francês René Baillaud (1885-1977), diretor do Observatório de
Besançon, entre 26 e 29 de agosto, ao analisar a situação da Europa, no Congrès
International de Chronométrie (Congresso Internacional de Cronometria), reunido
em Genebra, criticando o ponto de vista da hora oficial adotada para usos civis,
propôs que todos os países renunciassem definitivamente ao emprego da hora de
verão e que só utilizassem a hora legal definida pelo fuso horário, que só
fizessem uso daquele que pertencesse ao seu território.
Tal resolução que condenou a hora de verão,
apesar de aprovada pelo Congresso de Cronometria e ter sido proposta por um
astrônomo francês, não foi aceita pelo governo francês, que continuou a adotar o
sistema da hora de verão até hoje.
Ao contrário da maioria europeia, os suíços –
fiéis às determinações dos cronometristas –, inicialmente, recusaram-se a
aceitar o horário de verão, aceitando-o finalmente para evitar que a Suíça
permanecesse como uma ilha.
Segunda Guerra Mundial.
Os benefícios da economia de energia foram
reconhecidos durante a II Guerra Mundial, quando os relógios foram atrasados em
duas horas durante o verão, o que deu origem ao Doublé summer time (Tempo duplo
de verão). Em consequência, durante a guerra, os relógios permaneceram uma hora
avançada em relação ao tempo de Greenwich durante do o inverno.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente
Roosevelt instituiu o dia do aproveitamento da luz solar denominado de War time
(Tempo de guerra), de 2 de fevereiro de 1942 a 30 de setembro de 1945. De 1945 a
1966, nenhuma lei federal instituiu a hora de verão.
Brasil volta à hora de verão.
Nos períodos de verão dos anos de 1963-64,
1965-66 e 1966-67, o Brasil voltou a adotar a hora de verão. Lamentavelmente, a
hora de verão no Brasil tem sido, em geral, adotada num período errôneo. Com
efeito, a hora legal deve ser avançada no Hemisfério Sul no período que vai do
início de outubro aos fins de março, quando realmente os dias são ligeiramente
mais longos.
A hora de verão que tem produzido tanta
discussão é, na realidade, uma simples medida de economia que não tem nenhuma
influência na atividade científica, pois os astrônomos e meteorologistas irão
continuar a registrar as suas observações pelas horas em uso em Tempo Universal.
Por outro lado, deslocar os horários da vida civil das cidades será uma medida
desnecessária se avançarmos os relógios em uma hora, conservando as mesmas horas
para as nossas atividades. Aliás, os agricultores já regulam suas ocupações pelo
nascer e ocaso do Sol.
A hora de verão nos Estados Unidos e na
União Europeia.
Nos EUA, o tempo de economia da luz do dia
começa às 2 horas da madrugada, no primeiro sábado de abril, e o tempo retorna a
hora legal no último domingo do mês de outubro. Nos EUA, todas as zonas de tempo
ou fusos horárias acompanham adotam a mesma mudança de hora.
Na União Europeia, a hora de verão começa à 1
hora da madrugada do Tempo Universal no último domingo de março e termina à 1
hora madrugada do Tempo Universal no último domingo de outubro. Na União
Europeia todas as zonas de tempo ou fusos horários mudam no mesmo
instante.
As vantagens e desvantagens da hora de
verão
A avaliação das vantagens e desvantagens do
sistema de hora de verão deve considerar: o consumo de energia; a saúde pública;
a agricultura, a proteção do meio ambiente, a segurança rodoviária, as
indústrias do turismo e as diversões.
Ao contrário do que ocorre no Brasil, o momento
da mudança nos relógios na Europa, nos EUA e no Canadá é determinado para a 1
hora da madrugada e não a meia-noite. Evidentemente, o recuo ou o avanço dos
relógios se faz ao se deitar, mas legalmente a sua ocorrência se dá à 1 hora da
madrugada se o avanço ou o atraso for de uma hora, se o avanço ou o atraso for
de duas horas a correção se fará legalmente às 2 horas da manhã. Qual é a razão
deste procedimento? A razão é simples: ele visa evitar a confusão de dias (por
exemplo, domingo à 00h01 se torna domingo à 01h01 no caso do avanço dos relógios
e no caso contrário, domingo à 00h01 se torna sábado 23h01). Em consequência, as
datas de nascimento se tornam confusas.
Outro problema sério é o término dos seguros,
causando confusão por ocasião da reposição dos danos ou prejuízos.
Se por um lado a mudança de madrugada incomoda
menos as pessoas, por outro lado ela atinge economicamente um grupo de pessoas
que trabalham durante a noite. Ao adiantar o relógio, o operário noturno vai
trabalhar uma hora menos; ao contrário, ao atrasar o relógio ele ira trabalhar
uma hora a mais em sua jornada de trabalho noturno. Se for um mesmo trabalhador,
as horas serão compensadas, mas no caso de serem diferentes um vai levar
vantagem e o outro não.
O sistema atualmente em vigor provoca dois
grandes principais inconvenientes:
1. Cronorruptura (isto é, o fluir do tempo é
perturbado duas vezes por ano)
Provoca as perturbações no sono, no apetite, na
capacidade de trabalho, no humor, especialmente na primavera;
Afeta, sobretudo as pessoas idosas, doentes e
crianças. Mesmo que o período de transição durasse somente cerca de três
semanas, não se deve desprezar esses efeitos;
Na França, numa pesquisa realizada pelo Senado,
19% dos médicos constataram um aumento sensível no consumo de medicamento e de
tranquilizantes; no entanto nenhum estudo científico foi capaz de
comprová-lo;
Obrigação de regular a hora em numerosos
equipamentos de informática, eletrônicos, eletrodomésticos, audiovisuais,
sistemas de alarme, etc;
Problemas de adaptação observados nos
hospitais, nas escolas, e nas casas de repousos das pessoas idosas.
2. Alguns dos efeitos da decalagem de uma
hora sobre a hora solar:
Uma hora de atraso do pôr do Sol causa uma
persistência da claridade e do calor;
A jornada de trabalho inicia e termina mais
cedo nos setores de construção, e as pausas ou intervalos para as refeições
ocorrem no período de calor mais intenso – o retorno ao trabalho às 13 horas
corresponde meio-dia solar;
No domínio agrícola as reclamações são mais
intensas, pois o avanço no horário de verão impede o início dos trabalhos
agrícolas mais cedo pela manhã, quando o Sol é muito mais fraco, em consequência
o trabalho é efetuado no momento mais quente do dia e se prolonga até o pôr do
Sol;
Sobre o ponto de vista ambiental, o auge da
circulação coincide com as horas mais quentes aumentando as concentrações de
ozônio e oxidação.
Os acidentes de circulação, evitados ao
anoitecer graças às horas suplementares de claridade, serão compensados por
aqueles que ocorrerão durante a obscuridade matinal e para os países frios pela
presença do gelo nas estradas (verglas);
As atividades culturais ocorridas nos
interiores dos prédios (cinema, biblioteca, teatro etc) sofrem uma baixa de
frequência. Realmente, embora o avanço da hora permita a prática de diversões
durante mais tempo ao anoitecer ao ar livre, por outro lado ela provoca uma
menor frequência às diversões que ocorrem em recintos fechados;
As atividades turísticas ao ar livre aproveitam
a vantagem de claridade suplementar, enquanto outras são prejudicadas como, por
exemplo, os fogos de artifícios, os espetáculos de som e luz, etc. Por outro
lado, os restaurantes deverão gerenciar o seu pessoal de modo a assegurar o
atendimento de uma clientela mais tardia.
Os inconveniente
O sistema atualmente aplicado no Brasil
comporta dois principais inconvenientes:
Em primeiro lugar, o país foi subdividido em
duas partes, uma adotando e a outra não, o que provoca uma total perturbação em
todo o sistema econômico do país. Implica uma ruptura cronométrica, ou seja, o
fluir do tempo é perturbado duas vezes por ano.
Em segundo lugar, a posição geográfica
particular do nosso país, situado próximo ao equador, não permite que os estados
do Norte e do Nordeste adotem a hora de verão.
O Brasil é o único país situado na região
tropical que adota a hora de verão. No Brasil, a economia de energia elétrica
realmente só corre no estado do Rio Grande do Sul. Nos outros estados, a
economia que se faz ao anoitecer, entre 18 e 21 horas, com o prolongamento da
luz do dia, não compensa o que é gasto na parte da manhã — pois ao acordarem
ainda está escuro – e uma grande maioria de pessoas é obrigada a acender a luz e
fazer a sua toalete antes do nascer do Sol, o que os leva a usar o chuveiro
elétrico. Em lugar do horário de verão, a substituição do chuveiro elétrico pelo
aquecimento solar térmico traria uma maior economia de energia.
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* Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, autor
de mais de 95 livros, escreveu o Dicionário enciclopédico de astronomia e
astronáutico
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