sábado, 30 de agosto de 2014

O GOSTO DE AGOSTO

NÍLSON SOUZA



Minha primeira crônica neste espaço, há mais de 10 anos, foi um desagravo a agosto, esse mês vilipendiado até pela rima fácil. Nossos desgostos de agosto, mantenho a convicção, não são maiores nem menores do que aqueles que nos afligem em outros meses do ano. O mesmo vale para nossas alegrias e realizações. Admito que se trata de uma defesa em causa própria, pois nasci neste mês de azaleias precocemente floridas e geadas imprevistas. Agosto costuma ser todas as estações, o que o faz um representante digno dos demais meses do ano. Isso sob a ótica de quem vive no nosso hemisfério, pois, como se sabe, agosto muda de rosto em outras paragens do planeta.

As mulheres portuguesas, por exemplo, evitam casar-se em agosto desde que o mês, possivelmente por razões climáticas, foi escolhido pelos navegadores do século 15 para a largada rumo ao descobrimento de novas terras. Como muitos não voltavam, elas preferiam ficar solteiras a se tornar viúvas.

Por aqui também existe um certo medo atávico de agosto, infundado a meu ver. A gauchada costuma ser cruel com os velhinhos sem saúde, da música de Chico Buarque, comentando ironicamente sobre um ou outro mais caidinho: “Esse não passa de agosto!”. É tão falso, que muitas vezes quem não passa é o autor do comentário, mas o preconceito com os idosos e com o mês acaba se propagando.

O poeta Caio Fernando Abreu chamava esse sentimento generalizado de angústias agostianas, mas dizia também que são incontroláveis os sonhos de agosto.

Eis aí uma boa definição, que bem poderia substituir os rótulos referentes a desgostos e cães danados: agosto é o mês dos sonhos incontroláveis. Sonha-se em agosto.

Eu, que sou agostiniano nato e convicto, não por causa da respeitável ordem religiosa de Santo Agostinho, mas sim pelo calendário, cultuo um argumento para consolar os angustiados deste mês que se despede amanhã: agosto pode ser visto igualmente como a antessala da primavera.

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