sexta-feira, 29 de agosto de 2014

" Virando o jogo da vida "

 

A resignação em ganhar, mesmo quando tudo parece perdido, pode fazer toda a diferença entre a vitória e a derrota. Isso vale para o jogo e para a vida


Eugenio Mussak

 

Casal idoso jogando
Não, a vida não é um jogo, mas às vezes é ainda mais cruel, pois o que se tem a perder pode não ser apenas uma medalha
 
"O jogo não está terminado. Ele ainda pode virar o placar, ele é desse tipo", disse-me a Lu sem tirar o olho da TV, falando do Novac, apesar de ser torcedora apaixonada do Rafael. Era a final do Australian Open 2012, o jogo de tênis já durava mais de cinco horas e estava no quinto set, o que significava que eles tinham empatado os quatro primeiros. Novac Djokovic estava sacando, mas o game estava 40 a 30 para Rafael Nadal, ou seja, bastava um erro do sérvio para que terminasse o jogo. Os dois jogadores estavam no limite de suas forças.
Foi quando Djokovic repetiu seu ritual, dando uma volta sobre si mesmo com os braços abertos e olhando para a plateia pedindo a força dos aplausos, como fez na famosa final de Wimbledon de 2011. Quando voltou, tinha sangue nos olhos. Seu saque foi forte, e não deu para Nadal. Deuce - empate, o que levaria o jogo para mais dois pontos, e Novac não os desperdiçou. Fim de jogo. Vitória de Novac, confirmando a previsão da Lu.
Era o fim da manhã de um domingo preguiçoso e, depois de assistirmos à entrega dos troféus, ficamos mais um pouco conversando. Primeiro sobre o tênis, de que ambos gostamos muito, e depois sobre a vida e sua similaridade com o esporte. Coisas como preparo, trabalho, sofrimento, disputa, competição. Também sobre vitória e derrota, esses dois impostores, como disse Rudyard Kipling em seu poema "If" (procure na web, vale a pena). E também falamos sobre a capacidade que alguns atletas têm de virar o jogo, que no linguajar do esporte é o ato de reverter um placar. Pois pense um pouco e você se lembrará de situações parecidas na vida.
A vida não é um jogo
Mas é como se fosse, analise. Você fez vestibular? Então sabe do que estou falando. Tem mais gente tentando entrar do que vagas nas faculdades. Dessa forma, entrarão aqueles que - em tese - se prepararam melhor. Puro esporte. E depois a disputa continua, pelo emprego, pelo cliente e assim por diante. Ok, colaboração também existe, dizem, não é só competição. Claro que existe. A própria teoria da evolução, baseada na seleção natural, esboçada por Darwin, diz isso. Sobreviveram as espécies em que seus representantes desenvolveram com mais eficiência a capacidade de colaborar uns com os outros e, por isso, ficaram mais aptos. E ficaram mais aptos para quê? Para competirem pela comida e pelo espaço.
Não, a vida não é um jogo, mas às vezes é ainda mais cruel, pois o que se tem a perder pode não ser apenas uma medalha, mas muito mais que isso. Por essa semelhança e por nosso natural espírito competitivo, gostamos de acompanhar esportes, competições.
Na Grécia antiga, os homens se reuniam a cada quatro anos. O encontro era para mostrar aos deuses que estavam evoluindo, ignorando seus limites. Procuravam correr mais rápido, saltar mais alto e assim ganhar sua porção de divindade.
Passam-se os séculos e, em 1896, surgem os Jogos Olímpicos da era moderna, que se repetem a cada quatro anos. E por que gostamos de assistir a eles? Apreciamos a beleza do esporte, mas gostamos mesmo é de nos surpreender com a percepção da superação humana.
De várias maneiras, no limite do cansaço e do tempo, assistimos a atletas virando o jogo. E, se continuarmos ligados, podemos acompanhar os jogos paraolímpicos, que se realizam depois, com atletas portadores de necessidades especiais, que dão um show à parte. Esses realmente viraram o jogo da vida.
Mulher feliz
Você pode triunfar, mesmo se estiver em um momento de derrota. Basta virar o jogo
Foto: Getty Images
Vencer ou Vencer
Você nunca teve a sensação de estar perdendo o jogo - para alguém, para o tempo, para o cansaço ou para o destino? Eu já, confesso. E não é bom perder. Mas pode ser pedagógico. Se você perder de fato, aprendeu que tem que se preparar melhor e prestar mais atenção nos fatos da vida prática. E, se conseguiu virar o jogo, aprendeu a se conhecer melhor e aumentou a autoconfiança. Prefiro essa segunda lição, claro.
Quando garoto, fui escoteiro. Meu Grupo era o Jorge Frassati de Curitiba, onde éramos comandados pelo chefe Paulo. Quando fomos ao Jamboree Panamericano, em que escoteiros de todas as Américas se encontraram na Ilha do Fundão em 1965, vários aprendizados aconteceram. Os grupos eram divididos em Patrulhas (a minha era a do Esquilo), que procuravam dar o melhor de si nas várias atividades que compunham o grande acampamento. Coisas como a montagem da barraca, a limpeza das panelas e o asseio dos uniformes eram tão observados quanto o resultado dos jogos escoteiros, como o cabo de guerra ou a corrida rústica.
O espírito era de colaboração, mas o que acontecia na prática era uma imensa competição. Cada delegação procurava mostrar que estava mais preparada. A nossa ganhava em vários aspectos, pois éramos muito organizados. Mas... havia os americanos. Disparado, os colegas dos Estados Unidos eram os que despertavam mais interesse. Suas barracas eram mais modernas - as nossas nem barracas eram, e sim lonas que deviam ser amarradas numa armação de madeira. Tinham mesas de armar, fogões portáteis.
O chefe Paulo percebeu nosso sentimento - inferioridade. Os gringos eram melhores em tudo o que faziam. Foi quando ele nos reuniu em um fogo de conselho e nos passou um sabão:
"De fato, vocês não vão poder competir com eles. Já perderam. E sabem por quê? Porque já se convenceram disso. Se acovardaram. Será que não percebem que o mais importante é vencerem a vocês mesmos? Controlarem seu medo e darem o melhor de si mesmos? Não aprenderam nada com o Baden Powell?" Ele se referia ao general inglês que criou o movimento escoteiro em 1908, pregando a disciplina, a ordem e a autossuperação.

O resultado da bronca foi uma mudança de atitude da turma. Nossas barracas podiam ser de lona, mas seriam as melhores barracas de lona do mundo. As madeiras foram trocadas, os nós, revisados, a lona foi alisada como se estivéssemos passando a camisa do casamento. As panelas foram esfregadas com areia (aliás, vem daí o verbo arear) até virarem espelhos. A pontualidade passou a ser controlada observando- se os segundos. Simplesmente não podíamos perder para eles só porque eles eram ricos. Comigo não, Uncle Sam.
No dia da inspeção, cada um de nós ganhou a responsabilidade de observar os detalhes de alguma coisa. Lembro-me de um colega que alertava para que tivéssemos a mesma distância entre a barra da meia e o ossinho do joelho. Detalhes que fazem a diferença! Foi duro, mas... Mas viramos o jogo e ganhamos. Dá para imaginar a felicidade?
Anos depois, em 1989, o governo confiscou a poupança e o saldo bancário de todos os brasileiros, configurando um ato absolutamente ditatorial. Sem poder pagar contas e salários, eu estava pensando que seria o fim de minha escola e de meus sonhos. Foi quando, por acaso, encontrei meu antigo chefe Paulo caminhando no calçadão de Florianópolis. Depois dos abraços e de atualizarmos nossa história, comecei com minhas lamúrias contra o que estava acontecendo. Foi quando ele me disse:
"Lembra do Jamboree?"
Foi o suficiente. Não haveria mais governo ignóbil que me fizesse desistir de meus ideais. Eu desenharia novas estratégias, encontraria novos aliados, pensaria em novas saídas. Não só para sair da crise. E sim para ficar melhor que antes. Para, apenas, virar o jogo. Foi o tie-break mais difícil de minha vida, mas foi possível. E foi uma delícia.
Eugenio Mussak afirma que, de uma forma ou de outra, ainda continua tendo que virar o jogo.

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