Moisés Mendes*
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Daqui a alguns dias, não se ouvirá mais nada a respeito de Renata de Andrade Lima Campos. Foi infrutífero o esforço dos que se empenharam em transformá-la na viúva que poderia herdar a missão política do marido.
Antes mesmo do velório, fomos distraídos com especulações em torno de uma idealização inspirada nos bons costumes das oligarquias. Se o líder morreu, alguém da família ou do seu entorno tem de assumir seu discurso e seus projetos.
O irmão é poeta, não tem vocação para a política. Os filhos são jovens demais. Que se investisse então na viúva.
Os fomentadores da ideia eram políticos do partido liderado por Eduardo Campos. É como se tentassem politizar uma personagem de Machado de Assis.
O que se ouvia, nas entrelinhas das especulações, era mais ou menos isso: esperem para ver do que essa viúva é capaz.
A mulher valente, que estava sempre ao lado do marido, que cuidava de cinco filhos e que ficou agora desamparada, poderia se erguer da tragédia, antes da missa de sétimo dia, como herdeira de uma missão cívica.
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Passaram então a noticiar, por fontes encobertas, que Renata seria uma personagem só aparentemente vacilante de um conto machadiano. A viúva, diziam, era forte e determinada o suficiente para ser até a cabeça de chapa do PSB. Renata, e não Marina, seria a candidata a presidente.
O Brasil gosta de se divertir com os dramas argentinos, como se não fosse capaz de imitá-los. Os argentinos têm, com Isabelita e depois com Cristina, dois exemplos poderosos de mulheres que transformaram a viuvez em poder.
Renata, diziam, poderia até não ser candidata, mas iria definir quem deveria ser. A imagem da herdeira do acervo político do marido foi construída com esmero. A viúva era a guardiã não só da memória afetiva, mas também da memória política e dos projetos do falecido para o Brasil.
Não surpreende que, nesse Brasilzão apegado ao século 19, espólios políticos ainda sejam tratados como patrimônio familiar. Por mais que Renata tenha talento para a política e que seu nome pudesse representar uma alternativa viável eleitoralmente, pegou mal.
Não há "mudernidade" que resista à exploração política da viuvez.
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* Jornalista.
Fonte; ZH online, 22/08/2014
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