quinta-feira, 28 de agosto de 2014

" A Violência Cordial "

Artigo ZH

NOILI DEMAMAN
Professora
Há alguns anos, fui ao velório do filho de amigos e colegas de universidade _ daqueles de fé, com quem dividimos tempos de alegrias e os nem tão _ e aí deparei com um sentimento que desconhecia totalmente: parecia que era uma afronta eu, com meus filhos saudáveis, ir acompanhá-los a enterrar o filho morto. Muitos anos se passaram e sempre que me lembrava daquela situação seguia sem entender.
 
 
Dia desses, aquela sensação de inconveniência voltou noutra versão: diante do relato de um amigo negro, senti vergonha de ser branca. Jéferson Tenório, professor e escritor, que há poucos dias nos emocionou ao subir ao palco acompanhado do filhinho para receber o prêmio pelo seu livro O Beijo na Parede, AGES na categoria narrativa longa, é o responsável pela reincidência.
No dia 12 de agosto passado, na Rua Desembargador André da Rocha, às 7 da manhã, Tenório esperava, na frente do prédio onde mora, sua carona para ir para a escola onde leciona, professor que é. De repente, chega um policial e pergunta o que faz ali; diante da resposta, tem sua documentação solicitada porque, afinal, um negro às sete da manhã não pode estar em qualquer lugar. Havia tido uma denúncia de que um homem suspeito estava nesse lugar, eis o porquê da solícita presença dos homens.
 
Sem precisar dar uma aula de literatura contemporânea para demonstrar que falava a verdade, recebeu votos de um bom-dia diante da vizinhança que passava ou olhava pelas janelas.
Nas redes sociais, ele e outros negros que deram depoimento, confessaram estar acostumados à abordagem policial.
Eu não.
Meus filhos não.
 
Os leitores brancos e seus filhos, com certeza, também não acham normal de repente estacionar uma viatura ao seu lado e pedir seus documentos.
Não só de ascensão social precisa o negro neste país: um tratamento minimamente digno já lhes traria felicidade. 
 
Diz um personagem do seu livro: Sei que vocês devem estar pensando que ficar alegre com uma coisa besta dessa não tem cabimento.
 
 Mas eu acho que a felicidade nunca é uma coisa grande. Enquanto isso, peço ao Tenório desculpas pela minha cota de brancura _ impregnada da ideia de que este é um país cordial.

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