terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A volta de Bachelet

por la razón o la fuerza

O GLOBO - 17/12
Miriam Leitão

O Chile tem uma taxa de investimento que o Brasil sonha há muito tempo. Está sete degraus na nossa frente no Pisa, o teste internacional de desempenho de estudantes.
 
 Tem uma inflação que é uma fração da brasileira e um crescimento do PIB que é mais que o dobro do nosso. E, mesmo assim, elegeu a oposição. Michelle Bachelet volta ao poder para fazer reformas profundas.
Foi o que ela prometeu. Uma das mudanças é na área educacional. Os jovens vêm protestando há anos por um ensino de mais qualidade. Bachelet se elegeu prometendo subir a carga tributária para investir na área social, principalmente educação.

No Brasil, falar em aumento de imposto soa heresia porque a carga é 36% do PIB e tem crescido há 20 anos. No Chile, é 24%. Aqui, há pouca margem para uma proposta desse tipo, mas, se fosse feita, o contribuinte iria duvidar de que o dinheiro encontraria seu destino. A CPMF não foi para a saúde; a Cide não melhorou a infraestrutura de transportes.

No Chile, o empresário não está feliz com a elevação do imposto, mas o eleitor, aparentemente, sim. Bachelet foi confirmada com uma margem grande de votos. A grande abstenção é natural com um segundo turno já tão resolvido e país com voto facultativo.

Bachelet saiu com alta popularidade, e volta agora para um novo mandato e maiores ambições. Quer mudar a Constituição, varrendo mais um entulho do governo Pinochet, mas para isso precisará negociar com outros partidos. Sua coalizão tem maioria, mas não de dois terços, necessários para mudanças constitucionais.

O desafio será o de manter o país crescendo. O Chile ainda depende muito do cobre, que representa 60% das suas exportações. Com oscilações ligadas principalmente ao preço do produto, o país tem mantido um ritmo alto de crescimento há vários governos. Nos últimos dois anos, cresceu mais de 5% ao ano. Está em leve declínio este ano e nas projeções para o próximo, mas para números em torno de 4%. A inflação está em 1,5%, e a taxa de investimento, em 25%.

Essa mistura de bons indicadores e números educacionais melhores do que os do Brasil nos estimula a ter mais ambições.
O Brasil tem taxa de investimento que nem chega a 20%, cresce a 2% e tem uma inflação que oscila em torno de 6%.
O maior alerta vem da preocupação dos chilenos com a educação. Esse assunto está na mesa de temores de todos os países do mundo. Como estamos no nível 58º, num ranking de 64 países, o Brasil tem um longo caminho a andar. O Chile está em 51º e está insatisfeito. Temos que apressar o passo em vez de ficar comemorando microavanços, como se faz em Brasília.

Bachelet terá que enfrentar vários desafios políticos, diplomáticos, econômicos e comerciais ao longo dos próximos anos. Um deles será o de competir com sua própria imagem de governante bem sucedida que deixou o governo com alta popularidade. Na época, ela presidiu o país como uma estadista, sem usar o cargo para favorecer o candidato da sua coalizão. Ela foi derrotada, mas saiu com boa imagem.

Não criou constrangimentos para o presidente Sebastian Pinera, afastando-se até do país para exercer o posto de diretora executiva da ONU Mulheres. Em dezembro de 2011, ela veio ao Brasil entregar à presidente Dilma um relatório sobre as mulheres no mundo, e eu a entrevistei.
 Perguntei se ela voltaria a se candidatar à presidência do Chile e ela desconversou. Disse que estava naquele momento pensando apenas no cargo que ocupava. Mas, a verdade era que preparava de longe a chance de volta ao poder. Que, no domingo, conquistou.

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