J. J. Camargo
Quantas gerações ainda passarão antes que nos tratemos realmente como pessoas iguais?
J. J. Camargo
Quando René Favaloro, nos anos 60, decidiu que não lhe bastava ser médico rural no pampa argentino e decidiu ir a Cleveland Clinic nos EUA, em busca de novos sonhos, encontrou Mason Sones, um radiologista negro do Mississipi, que era tratado como um intruso entre a maioria branca do Norte.
Juntos, descobriram um jeito de estudar as coronárias, e isso abriu o caminho que a genialidade latente de Favaloro buscava, e nasceu, assim, a cirurgia de ponte de safena.
Verdade que o motivo da aproximação deles foi menos nobre: um negro metido a cientista e um hermano, que falava um inglês quebrado, eram ridicularizados pelos colegas do hospital.
Logo pelos americanos, que não conseguem aprender um segundo idioma e não dizem José nem sob as estratégias persuasivas de Guantánamo. Enfim, discriminados, descobriram-se iguais. A genialidade que havia neles fez o resto.
Mas a língua é só um dos instrumentos da discriminação, essa praga a que se opõem todas as religiões, que pregam a igualdade entre os homens, mas o fazem de maneira mais ou menos hipócrita, para que cada uma, de seu jeito dissimulado ou assumido, exerçam elas próprias as suas táticas de exclusão.
Em nome de Deus, milhões de pessoas morreram e seguem morrendo ao longo dos séculos, com cada religião se outorgando o direito de decidir quem são os infiéis e qual o castigo mais adequado, incluindo, em tempos remotos, as execuções primárias, em ambientes mais ou menos aquecidos.
De todas as discriminações, a racial é a mais antiga e a mais explícita. Poucos sabem, mas Nelson Mandela, o herói que precisou morrer para ser considerado inspirador de tantos vivos, ainda constava como um terrorista perigoso nos registros do FBI de 2008.
Quando Alfred Blalock, da Universidade de Minneapolis, depois de muita pesquisa em animais, apresentou sua técnica inovadora para tratar um defeito cardíaco grave, o seu principal auxiliar, Vivien Thomas, que tivera a ideia genial e executara todo o trabalho experimental no laboratório do professor, não participou da entrevista coletiva: não ficaria bem para o futuro político do hospital aquela cara preta e sempre sorridente estampada na capa do jornal.
Praticamente ninguém jamais ouviu falar de Charles Drew, um grande cientista, cujas pesquisas permitiram realizar a transfusão de sangue, que já salvou milhões de pessoas em todo o mundo. Quando a Cruz Vermelha americana, na década de 50, proibiu a transfusão com sangue de negro, ele se demitiu da organização que inclusive presidira durante algum tempo. Drew era preto.
Se, entretanto, recordarmos que há apenas 60 anos os americanos do sul tinham bebedouros, banheiros e sanitários separados para seus negros, e hoje reelegem para seu presidente um mestiço de origem muçulmana, precisamos reconhecer que muita coisa mudou para melhor.
Mas quantas gerações ainda passarão antes que nos tratemos realmente como iguais e nos sintamos atraídos pelo encanto das diferenças?
Saberemos que estamos nos aproximando daquele ideal quando as minorias e as maiorias conseguirem conviver com naturalidade, sem que os diferentes exijam privilégios, nem que os normais se sintam penalizados por serem assim, normais.
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