ARTIGOS - Ilson Enk*
As estatísticas e a natureza felizmente ajudam, mas não conseguem neutralizar a insuficiência das políticas pública e privada de saúde perinatal do nosso país. Concebido um ser humano, a probabilidade de atingir a sua maturação orgânica e estar livre de malformações ou outras anomalias congênitas supera, de longe, a fatalidade de, ao deixar o útero, necessitar de cuidados especiais. Muitos recém-nascidos, no entanto, são prematuros ou chegam ao mundo com transtornos que exigem o acolhimento em unidades especializadas de tratamento intensivo neonatal.
Os meios de comunicação noticiam amiúde a superlotação das emergências, a falta de leitos hospitalares, as longas filas para consultas e cirurgias e a falta de médicos em segmentos críticos da assistência em saúde. A situação agonizante dos recém-nascidos enfermos, no entanto, é pouco focada e nada perde em importância ante o trágico cenário que emerge da demanda de leitos, que excede constantemente a oferta em serviços neonatais, públicos e privados.
A assistência pré-natal evoluiu muito, viabilizando diagnósticos precoces e intervenções salvadoras ao longo da gestação. De outra parte, ainda que reconhecendo as diversas melhorias disponibilizadas pelos programas públicos de acompanhamento de gestantes nos últimos anos, observamos deficiências no setor, potencializadas pela desigualdade socioeconômica ainda dominante no Brasil. Os índices de nascimentos prematuros ainda são alarmantes, muitas vezes produzidos por causas preveníveis, como tabagismo ou simples infecções, de singelo tratamento, não detectadas ou combatidas em tempo hábil.
Na Região Metropolitana, nascem cerca de 70 mil novos cidadãos por ano, quase metade da natalidade global do Estado. Houve expansão de leitos de UTI neonatal nos últimos anos em nosso Estado, sobretudo em unidades de pequena e média complexidades. A estrutura de atendimento para bebês doentes, no entanto, ainda se encontra completamente defasada, sobretudo para situações de maior gravidade. O atendimento telefônico das UTIs neonatais, a partir dos serviços públicos de regulação, não é eletrônico, mas a resposta padrão é: “Não há vagas”. De fato, estão permanentemente premidas por superlotação.
O resultado do descompasso repercute em todos os que militam em linha de frente, diante de casos dramáticos de busca de vagas para gestantes de alto risco e recém-nascidos cujo caminho único de sobrevivência encontra-se bloqueado pela insensibilidade e falta de planejamento estratégico da gestão em saúde. Exemplo emblemático são os bebês que nascem com cardiopatia, a exigir suporte clínico e cirúrgico altamente especializado. Os dois centros capacitados para receber essas crianças encontram-se permanentemente lotados, indisponíveis.
Lidando há mais de três décadas em intensivismo neonatal, clamo por mudanças. Precisamos alinhar a necessária redução da mortalidade de recém-nascidos às melhores taxas de mortalidade infantil observadas nos últimos anos em nosso Estado. Precisamos ampliar e qualificar a rede de UTIs neonatais, devemos uma resposta impactante aos bebês que lastimavelmente já nascem precisando do oxigênio da nossa sociedade.
*Médico neonatologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diretor científico da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
As estatísticas e a natureza felizmente ajudam, mas não conseguem neutralizar a insuficiência das políticas pública e privada de saúde perinatal do nosso país. Concebido um ser humano, a probabilidade de atingir a sua maturação orgânica e estar livre de malformações ou outras anomalias congênitas supera, de longe, a fatalidade de, ao deixar o útero, necessitar de cuidados especiais. Muitos recém-nascidos, no entanto, são prematuros ou chegam ao mundo com transtornos que exigem o acolhimento em unidades especializadas de tratamento intensivo neonatal.
Os meios de comunicação noticiam amiúde a superlotação das emergências, a falta de leitos hospitalares, as longas filas para consultas e cirurgias e a falta de médicos em segmentos críticos da assistência em saúde. A situação agonizante dos recém-nascidos enfermos, no entanto, é pouco focada e nada perde em importância ante o trágico cenário que emerge da demanda de leitos, que excede constantemente a oferta em serviços neonatais, públicos e privados.
A assistência pré-natal evoluiu muito, viabilizando diagnósticos precoces e intervenções salvadoras ao longo da gestação. De outra parte, ainda que reconhecendo as diversas melhorias disponibilizadas pelos programas públicos de acompanhamento de gestantes nos últimos anos, observamos deficiências no setor, potencializadas pela desigualdade socioeconômica ainda dominante no Brasil. Os índices de nascimentos prematuros ainda são alarmantes, muitas vezes produzidos por causas preveníveis, como tabagismo ou simples infecções, de singelo tratamento, não detectadas ou combatidas em tempo hábil.
Na Região Metropolitana, nascem cerca de 70 mil novos cidadãos por ano, quase metade da natalidade global do Estado. Houve expansão de leitos de UTI neonatal nos últimos anos em nosso Estado, sobretudo em unidades de pequena e média complexidades. A estrutura de atendimento para bebês doentes, no entanto, ainda se encontra completamente defasada, sobretudo para situações de maior gravidade. O atendimento telefônico das UTIs neonatais, a partir dos serviços públicos de regulação, não é eletrônico, mas a resposta padrão é: “Não há vagas”. De fato, estão permanentemente premidas por superlotação.
O resultado do descompasso repercute em todos os que militam em linha de frente, diante de casos dramáticos de busca de vagas para gestantes de alto risco e recém-nascidos cujo caminho único de sobrevivência encontra-se bloqueado pela insensibilidade e falta de planejamento estratégico da gestão em saúde. Exemplo emblemático são os bebês que nascem com cardiopatia, a exigir suporte clínico e cirúrgico altamente especializado. Os dois centros capacitados para receber essas crianças encontram-se permanentemente lotados, indisponíveis.
Lidando há mais de três décadas em intensivismo neonatal, clamo por mudanças. Precisamos alinhar a necessária redução da mortalidade de recém-nascidos às melhores taxas de mortalidade infantil observadas nos últimos anos em nosso Estado. Precisamos ampliar e qualificar a rede de UTIs neonatais, devemos uma resposta impactante aos bebês que lastimavelmente já nascem precisando do oxigênio da nossa sociedade.
*Médico neonatologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diretor científico da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
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